22 - Fundo do poço
Eu fui destruído desde pequeno, levando meu sofrimento pelas multidões.
Believer - Imagine Dragons
Diana bateu a porta do apartamento do ex-noivo com força e apressou o passo até o elevador. Ouviu os passos de Maurício e viu o semblante desesperado do homem por uma fração de segundos antes das portas se fecharem. Apertou o botão e encostou na parede espelhada enquanto aguardava chegar ao térreo. Sua frequência cardíaca aumentou significativamente e ela começava a suar naquele cubículo abafado.
As portas do elevador se abriram e Diana precisou correr até um canteiro de flores para vomitar o pouco que havia ingerido naquele dia, sentindo o amargor da bile na garganta. A adrenalina havia passado e ela não acreditava que conseguiu realizar sozinha todo aquele show digno de uma novela. Sem precisar ou até mesmo conseguir continuar com aquela máscara insensível que se obrigou a usar por toda a semana, entrou em seu carro e chorou.
Diana sabia que havia dito a Gael que não choraria mais por aquela traição, mas ao se dar conta do que havia feito, não conseguiu segurar. Não estava arrependida de ter terminado seu noivado ou de ter exposto os dois ao ridículo ao planejar todo aquele jantar. Só se questionou se não foi longe demais ao enviar a prova da infidelidade da irmã para Fábio. No fundo, torceu para Gael não ter cumprido a sua parte no combinado.
"Pensa nas crianças, por favor", a voz de Fernanda ecoou em sua mente. Diana estava tão cega de ódio que os sobrinhos sequer passaram por sua cabeça no momento em que pediu para Gael entregar as flores para Fábio. E se Sophie havia recebido o buquê e viu aquela foto antes mesmo de seu pai? E se seu cunhado no auge da raiva atentasse contra sua irmã? Ela jamais se perdoaria.
Sua mente estava prestes a entrar em um colapso quando seu celular começou a vibrar no banco do passageiro. O nome de Gael surgiu na tela, mas ela não atendeu. Já haviam várias ligações perdidas do rapaz, mas ela tinha receio de atender e ouvir que a sua parte do plano também havia sido um sucesso. Ela encarou o aparelho até que ele desistisse. Ouviu alguém gritar seu nome e ao olhar para o lado, se deparou com Maurício correndo em direção ao seu carro num misto de desespero e remorso. Mesmo sem ter certeza do que fazer, ligou o automóvel e decidiu se afastar daquele lugar o mais rápido possível.
***
Fernanda tentou atrasar a sua volta para casa, mas dormir no apartamento de Maurício depois de tudo o que aconteceu não era uma possibilidade. Desembarcou do Uber em frente ao seu condomínio e preferiu usar as escadas ao invés do elevador para atrasar mais a sua chegada e o encontro inevitável com o marido.
O apartamento estava escuro e silencioso, o que significava que seus filhos já estavam dormindo. Fernanda torceu para o marido também estar e para que aquela fotografia jamais tivesse chegado às mãos dele. Pisando nas pontas dos pés, foi até o quarto e deu de cara com Fábio sentado na beirada da cama encarando o chão.
– Chegou tarde, como foi a saída com as suas amigas? – ele levantou o olhar até a esposa. De relance Fernanda viu que ele segurava uma foto.
– Não é bem o que você está pensando – seu tom de voz ficou nervoso de repente.
– Você não sabe o que eu estou pensando – estendeu a foto para ela – Mas eu sei o que eu estou vendo.
– Amor, eu posso te explicar tudo – Fernanda começou a chorar ao ver a foto em que beijava Maurício – É a Diana, ela planejou tudo isso... ela quer destruir a nossa família, a nossa vida!
– Eu não vejo a Diana nessa foto! Só você, o Maurício e a falta de caráter dos dois! – Fábio se levantou exasperado – Já deixei as suas malas prontas, pode ir embora!
– Pra onde?! – agarrou o braço do marido.
– Aposto que na cama do Maurício tem um lugar pra você.
– Amor, você não pode fazer isso comigo! – gritou.
– Eu não fiz nada, quem fez foi você! – gritou de volta – Você jogou quinze anos de história no lixo! Eu te amei tanto, Fernanda! Você não faz ideia de como eu era feliz do seu lado e de como você conseguiu acabar com tudo!
– Fábio, pelo amor de Deus, me ouve! Eu te amo! A gente não pode deixar o Maurício e a Diana acabarem com a nossa história! A gente pode voltar a ser feliz!
– Você não me ama, você ama o conforto, a casa, o dinheiro que a gente tem, os procedimentos estéticos que eu te dou! Mas acabou! A gente não pode voltar a ser feliz porque eu não acredito mais em uma felicidade do seu lado. Eu quero o divórcio, Fernanda.
– Não! Eu me recuso! Eu não te dou o divórcio! Você precisa me perdoar!
– Eu posso até te perdoar um dia, mas eu nunca mais quero ter você na minha vida. Agora vai embora, por favor.
– Essa casa também é minha, eu não vou sair!
– Então eu saio. Eu só não quero passar mais um segundo do seu lado.
Não importava o quanto Fernanda insistisse para o marido esquecer aquela história e ficar em casa, Fábio estava irredutível em sua decisão. O homem juntou algumas roupas numa mala pequena e a informou que voltaria para buscar o restante quando ela estivesse no trabalho ou com Maurício, pois ele não se importava mais.
Não demorou até Fábio deixar o apartamento e seguir até um hotel. Fernanda trancou a porta e olhou ao redor. Tinha todo o conforto de sua casa, todo o luxo que sempre almejou, tinha seus filhos dormindo no quarto sem sequer perceberem o que havia acabado de acontecer, mas não tinha mais seu marido. Se jogou na cama agora vazia e derrubou lágrimas recheadas de remorso até finalmente dormir.
***
Gael estava preocupado com a amiga, tinha medo de que Maurício tivesse feito algo com ela. Perdeu as contas de quantas vezes tentou ligar entre um atendimento e outro no bar, que estava lotado de universitários por se tratar de uma noite de sexta-feira. Bento não sabia da situação e pediu para o amigo focar no trabalho, então foi isso que tentou fazer, mesmo não conseguindo pensar em outra coisa a não ser a mulher sozinha no apartamento do até então noivo.
Diana estacionou o carro de qualquer jeito e desceu em frente ao bar, mas não entrou. O local estava movimentado demais e ela não tinha certeza se queria de fato saber se Gael tinha conseguido entregar as flores. Olhou os motoboys conversando uns com os outros e se perguntou qual deles que ela havia pagado para fazer aquilo. Sentou na beirada da calçada e começou a observar aquela rua lotada de gente rindo, bagunçando, beijando e se embebedando.
Observar a felicidade dos outros a fez perceber que sua vida jamais se aproximou daquilo. Tinha tudo o que a maioria daquelas pessoas almejavam – e por muito tempo ela também acreditou que era a única coisa que importava – mas faltava algo. Se esforçou tanto para agradar sua família e para ser tão perfeita quanto Fernanda que esqueceu de se agradar, de ser boa o bastante para si mesma.
Seu celular tocava sem parar, mas as ligações que antes se alteravam entre Maurício e Gael, agora apontava só o nome do ex-noivo. Diana pensou em atender apenas para pedir que ele não a importunasse mais, mas estava exausta demais até mesmo para isso. Ainda sentada na guia, bloqueou o número insistente e apoiou a cabeça nos joelhos dobrados. Ela não sabia o que ainda estava fazendo ali, mas passou mais tempo refletindo sobre toda a sua vida infeliz e artificial do que poderia contar.
Uma pequena discussão começou em um dos grupos de universitários que se espalhavam pela calçada e um rapaz empurrou o outro contra um carro, fazendo o alarme disparar e se misturar com a gritaria. Diana sequer se moveu enquanto ouvia toda a confusão. As mesmas pessoas que iniciaram a algazarra se dispersaram sem que ela levantasse a cabeça e só o irritante alarme continuou por muitos minutos.
– Coitado do dono desse carro, tá há tanto tempo com o alarme disparado que é capaz de arriar a bateria – um homem falou ao se aproximar de Diana.
– Esse carro é meu, vai ser só mais uma merda no meu dia – suspirou de cabeça baixa – Você já se sentiu no fundo do poço? – Diana perguntou sem nem olhar para o homem.
– Eu vivo no fundo do poço, moça, olha pra mim – ele afirmou e ela ergueu a cabeça para olhá-lo. O homem de roupas sujas e rasgadas a encarava e a reconheceu de imediato – Ei, cê não é a mulher da comida de grã-fino?
– Comida de grã-fino? – ela encarou o homem com o cenho franzido.
– Isso! A senhora não mora ali na Santa Cecília?
– Você é o senhor que eu dei os sushis – esboçou o melhor sorriso que conseguiu, e ainda assim foi péssimo.
– E os vinte reais também, você e o menino que trabalha ali naquele bar. Aquele dia eu comi igual a um rei – abriu um sorriso quase sem dentes e se sentou ao lado de Diana.
– Eu fico feliz por isso. E não sabia que o senhor conhecia ele – apontou para o bar.
– Ah, aquele dia ele me entregou um papel com o endereço daqui e disse pra eu aparecer sempre que tivesse fome. Ele e o dono daí sempre me dão uma quentinha, mas eu não venho todo dia pra não abusar.
– Eles são incríveis mesmo – se limitou a dizer.
Aquele homem era tão simpático que ela se sentia mal por não conseguir dar a atenção que ele merecia, mas simplesmente não tinha cabeça para qualquer conversa naquele momento. Pensar sobre a própria vida desencadeava uma sucessão de memórias ruins e reflexões sobre qual poderia ter sido a sua história se não tivesse aberto mão de suas escolhas para agradar sua família ou se igualar à sua irmã que Diana sentia como se uma avalanche de culpa a soterrasse sob escombros de possiblidades perdidas.
– Eu preciso ir porque tenho muita latinha e papelão pra pegar ainda hoje. Ah e eu não sei o que aconteceu na sua vida, mas cê não tá nem perto do fundo do poço não, moça, isso eu te garanto. Fica bem, tá?
O senhor que catava latinhas por ali levantou da calçada e se despediu ao perceber que a mulher de olhos úmidos e inchados não estava bem e nem mesmo procurando por companhia. Ela agradeceu pela breve conversa, se desculpou por não estar em seu melhor estado e acenou antes de voltar a debruçar a cabeça nos joelhos.
Gael estava atendendo o balcão quando o homem que antes fazia companhia para Diana entrou no bar sob olhares avessos de alguns clientes. O garçom o cumprimentou de longe enquanto fazia uma caipirinha e pediu para ele aguardar um pouco, mas mesmo assim o senhor seguiu até ele.
Assim que o homem contou que a mulher grã-fina que o conhecia estava sentada na calçada há pelo menos uma hora e que não parecia bem, Gael entregou o drink que preparava e avisou Bento que precisaria se ausentar por dez minutos. Diana continuava exatamente da mesma forma estática quando sentiu o toque em seu joelho.
– Ei, toma essa água – Gael se agachou em sua frente e ela sentiu a garrafa gelada contra a sua mão – Vamos conversar.
– Não precisava – ergueu a cabeça e aceitou a garrafa. O rapaz não a viu naquele estado nem mesmo no dia em que descobriram a traição.
– Eu estava tão preocupado com você. Por que não me atendeu? Eu achei que o Maurício tinha te feito algo... – ele apertou os joelhos dela sem perceber ao imaginar algo ruim.
– Eu me odeio, Gael – ela tomou um gole de água e a garrafa tremia em sua mão – Eu odeio ser eu. Eu odeio me sentir arrependida do que eu fiz mesmo sabendo que eles mereceram. Eu odeio pensar em tudo o que minha vida poderia ter sido sem o Maurício e saber que foi uma escolha minha estar com ele por causa dos meus pais. Eu odeio ter sido tão permissiva e me tornado essa pessoa infeliz. Eu me odeio... – deu um suspiro longo e entrecortado pelo choro interminável.
– Você fez exatamente o que deveria ter feito. E quanto ao passado, você não pode mudar o que já foi, mas pode viver o que quiser daqui pra frente. Você só tem trinta anos, tem uma vida inteira de escolhas.
– Você realmente acredita que eu sou capaz de mudar? Olha pra mim... – abaixou a cabeça mais uma vez.
– Claro que é. Já te disse várias vezes que eu prefiro muito mais a Diana que eu tive o prazer de conhecer, não aquela que fica trancada no escritório e age como um robô. Eu sei que aquela que foi na casa da minha mãe é você. Aquela Diana não tá nem aí pra perfeição e terninhos alinhados, ela só quer ser feliz.
– Eu tenho impressão que aquela minha versão só existe com você e com a Rita. E eu me gosto quando estou com vocês. Mas você já me conhece, eu passo boa parte do meu tempo buscando a aprovação de todos, menos a minha.
– Você não precisa buscar a aprovação de ninguém, o que te faz perfeita são todas as suas imperfeições – a abraçou e sentiu sua blusa úmida de suor – Você dizia que sua irmã era perfeita e olha no que deu.
– Eu sou toda quebrada, Gael. É como se eu não fosse o suficiente nem pra mim.
– Você é mais do que suficiente – tirou uma mecha de cabelo de seu rosto e sorriu – O único azar é de quem não te dá esse valor.
– Tipo o Maurício ou tipo os meus pais? – esboçou um dos sorrisos mais tristes que Gael já havia visto.
– Tipo os dois – deu de ombros – Apesar que não conheço os seus pais, mas o babaca do seu noivo eu tive o desprazer.
– Ex-noivo – fez questão de corrigir – Eu tenho medo dele aparecer na minha casa. No calor do momento eu não peguei a chave de volta.
– Faz assim, na hora que eu sair do bar eu te acompanho até em casa, pode ser? Eu subo com você e se ele estiver lá, eu coloco pra fora com o meu... jeitinho especial – sorriu.
– Você já tá fazendo demais por mim, não precisa.
– Faço questão. Inclusive se você quiser, amanhã é feriado e eu não vou trabalhar no estúdio, podemos ir atrás de uma fechadura nova e eu troco pra você.
Gael não precisou insistir para Diana aceitar, afinal Maurício poderia tentar entrar em sua casa quando quisesse tendo a cópia da chave. Por ainda estar em horário de trabalho, voltou para o bar agora na companhia da mulher e Bento percebeu só pela maquiagem borrada e os olhos inchados que algo não estava bem. O homem dispensou o garçom com duas horas de antecedência e ainda fez um hambúrguer para a advogada comer em casa.
Diana foi em seu carro e Gael a seguiu de moto. Assim que chegaram ela procurou o veículo de Maurício por toda a rua e respirou aliviada por não o encontrar. Guardou o automóvel na garagem e o tatuador já a aguardava em frente ao portão de pedestres para poderem subir. Ele não ficaria por lá, subiria apenas para o caso de o ex-noivo ter ido até ali de Uber.
Assim que Diana chegou na calçada já o agradecendo por toda a ajuda mais uma vez, viu um homem de cabeça baixa sentado em frente ao portão com as pernas dobradas e a cabeça apoiada nos joelhos, exatamente como ela se encontrava há algumas horas em frente ao bar. Ele parecia estar a aguardando há muito tempo ali. Ela travou seus passos e Gael a olhou confuso.
– Fábio, o que você está fazendo aqui?! – ela chamou a atenção do homem que não a viu chegar.
– Diana! – ele se levantou – Eu estou há horas aqui, eu preciso falar com você. É sobre a Fernanda...
– Eu já sei de tudo, Fábio – ela suspirou – Fui eu que mandei as flores para você.
– Isso eu já imaginava, ela te culpou. Mas eu vim aqui para outra coisa. Eu quero te contratar. Eu quero que você seja a minha advogada durante o processo do divórcio.
Olá meus amores, como estão?!
Eu estou sob efeito de remédio então não revisei esse capítulo direito, me avisem se virem algum erro, por favor.
Eu morro de dó da Diana nesse capítulo, quando ela finalmente se dá conta da vida de merda que teve...
E essa ideia do Fábio, acham que é uma boa?
Enfim, espero que tenham gostado, vejo vocês semana que vem!
Beijinhos ♥
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