2 - Grã-fino
Fazendo amizade com um sem-teto todo quebrado
Ele apenas sorri, isso realmente me comove
Há perigo em cada esquina, mas estou bem
Eu estou andando pela rua tentando esquecer o passado
Poison Heart - Ramones
A espera pelo atendimento no hospital público foi mais longa do que Diana estava habituada, além de mais cheio também. Gael repetiu o tempo todo que estava bem e não havia necessidade de estarem ali, mas ela apenas se negava a ir embora e quando o rapaz insistia era completamente ignorado.
– Eu disse que era besteira. Só perdemos tempo aqui e eu perdi o dia. Tinha três clientes agendados pra hoje e eu deixei na mão.
Gael reclamou ao saírem do hospital no fim da tarde. Nas quatro horas que passaram na sala de espera até serem atendidos o único diálogo acontecia quando ele reclamava e pedia para ir embora e ela negava, já que no restante do tempo Diana ficou distraída em seu celular. Ainda sob queixas os dois entraram no carro, mesmo ele afirmando que chamaria um Uber.
– Já disse que vou te levar – Diana afivelou o cinto.
– Mas não até a minha casa. Me deixa onde você me atropelou.
– O mínimo que eu posso fazer é te deixar em casa. Eu te atropelei e estou agindo da maneira que acredito ser correta após um acidente causado por mim.
– Eu ainda vou trabalhar.
– Você já estava indo trabalhar naquela hora. Desse jeito eu vou achar que você é um workaholic.
– Eu não sou viciado em trabalho, eu sou pobre – Gael sorriu, a fazendo esboçar um sorriso mínimo – Pobre não tem dois empregos porque gosta, mas porque precisa.
– E você trabalha com o quê? – pela primeira vez Diana pareceu interessada.
– Durante o dia eu sou tatuador, à noite eu sou stripper.
Diana freou o carro de uma vez, fazendo com que os dois projetassem o corpo desconfortavelmente para a frente. Gael começou a rir quando a viu encará-lo com os olhos arregalados.
– Eu tô zoando! – falou em meio ao riso – À noite eu sou garçom.
– Ah, sim – a feição de Diana voltou a ficar neutra, assim como a sua voz.
– E você, o que faz da vida? – Gael se apressou em perguntar antes que o assunto morresse mais uma vez.
– Sou advogada.
– Tá explicado – ele riu – Toda impecável e falando que eu ia te processar só por um tombinho que um relaxante muscular resolveria... Só podia ser advogada.
– Falando em processo, eu preciso de uma cópia do atestado que o médico te deu. Preciso incluir nos meus arquivos que prestei socorro e que não houveram danos físicos ou materiais.
– Que exagero – estalou a língua – Você pensa como advogada o tempo todo ou em algum momento você tem uma folga?
– Eu sou precavida. Não é um exagero ou pensamento de advogada apenas. Você pode ser simpático comigo e sorrir o quanto quiser, eu não tenho uma garantia efetiva de que você não vai querer se aproveitar desse acidente em algum momento, então por favor, me forneça uma cópia do atestado.
– Eu tenho caráter, moça. Sei que no seu meio isso não é muito comum, mas eu me orgulho de poder afirmar que caráter não me falta. Já disse que não vou te processar, não tenho tempo e nem saco pra isso não.
– Gael, isso faz parte do me...
– Pode parar aqui por favor, o bar é logo ali na frente – a interrompeu – E me passa seu contato que eu te mando assim que chegar no estúdio amanhã, não quero que desconfie de mim.
Gael já estava com o celular em mãos, pronto para digitar o número de Diana quando ela estendeu um cartão de visita. Era simples, mas o design o deixava tão elegante quanto a mulher ao seu lado – inclusive a elegância monocromática presente em ambos. O rapaz pegou o cartão e desceu do carro agradecendo a carona, mas sem o sorriso que estampava anteriormente.
Diana suspirou sozinha e ficou observando o rapaz entrar no bar ainda pouco movimentado por conta do horário. Desde cedo foi ensinada a não confiar nas pessoas, mas de alguma maneira ela foi capaz de ver sinceridade nos olhos de Gael. Buzinas a tiraram de seus devaneios e só então ela se deu conta de que estava parando o trânsito com seu carro estacionado no meio da rua.
O caminho até sua casa foi longo e tudo o que Diana queria era um banho frio e demorado para aliviar o calor, seguido de algum delivery nada saudável como companhia enquanto assistia a algum documentário na televisão. Ela estacionou na garagem e aguardou impaciente pelo elevador. Quando finalmente entrou e fechou a porta do apartamento 51, respirou aliviada e tirou os saltos que tanto machucavam seus pés. O blazer foi pendurado em um gancho ao lado da porta e sua dor de cabeça agradeceu quando ela soltou o coque apertado, deixando os fios escuros caírem sobre as costas.
– Onde você estava, princesa?
Diana deu um pulo ao ouvir a voz de Maurício atrás de si. O noivo ainda estava com a mesma roupa do trabalho, mas seu paletó estava sobre o sofá e ele estava descalço. Ele tinha a chave de seu apartamento assim como ela tinha a do dele, mas o combinado era apenas usar em emergências – o que definitivamente não era o caso.
– O que você está fazendo aqui? – Diana falou em meio a um suspiro cansado.
– Fiquei preocupado, a Márcia disse que você saiu mais cedo por conta da enxaqueca e eu decidi passar aqui para ver como você estava, mas pelo jeito você está melhor, já que está chegando com a mesma roupa que estava.
– Não precisa desconfiar de mim. Eu estava vindo para casa, mas causei um acidente e passei o dia com a vítima no hospital.
– Que tipo de acidente?
– Eu atropelei um rapaz, não vi o farol fechar – Diana já estava cansada de falar, queria apenas um banho.
– Meu Deus, Diana! Amassou o carro?!
– Eu nem olhei o carro, só socorri o rapaz. A propósito, tanto eu quanto ele estamos bem, obrigada por não perguntar.
– Ele vai prestar queixa? – Maurício ignorou o sarcasmo na voz da noiva.
– Ele disse que não. De qualquer maneira eu pedi uma cópia do atestado, ele vai me enviar por e-mail.
– Princesa, ele pode estar te enganando! Você deveria ficar com o atestado dele, quem te garante que ele vai enviar?
– Ele me pareceu ser honesto – deu de ombros e tirou a roupa enquanto seguia para o banheiro.
– Diariamente a gente vê pessoas que se dizem honestas saindo do tribunal como culpadas de algo, você já deveria saber disso – a seguiu até o banheiro.
– Maurício, por favor, me deixa tomar banho.
Diana trancou a porta assim que ficou sozinha. Odiava ter sua privacidade invadida, odiava ter visitas surpresas não só do noivo como de qualquer outra pessoa, odiava a forma como ele se sentia dono da razão. Mas naquele momento não poderia se dar ao luxo de sentir ódio, pelo menos não durante seu banho longo e refrescante.
Mesmo sabendo que seria impossível, saiu do banho torcendo para estar sozinha em sua casa, mas Maurício estava sentado no sofá assistindo a algum programa da TV a cabo que ela não se interessava. Diana vestiu seu pijama de cetim preto e se sentou ao lado do noivo com o celular em mãos procurando por um aplicativo de delivery.
– Vou pedir hambúrguer. Você vai querer qual? – Diana estendeu o celular para o noivo.
– Não precisa, eu já pedi sushi para nós – Maurício devolveu o aparelho.
– Eu já te falei hoje que não queria comida japonesa, queria FastFood.
– Princesa, você não pode ficar comendo esse tanto de gordura, depois vai levar bronca da nutricionista. Eu só estou cuidando de você!
– Tem razão – forçou um sorriso ao revirar os olhos e bloqueou a tela do celular – E por favor, pare de me chamar de princesa, eu odeio.
Maurício assentiu como sempre fazia – mas nunca parava. Diana sequer sabia o que estava passando na televisão, já que não se atraía pelo tipo de entretenimento que o noivo gostava. Ficou em silêncio focada em seu celular até o interfone tocar com os tais sushis que ele havia encomendado e que ela não queria. Diana desejou que o silêncio se estendesse à mesa, mas ele começou a falar sobre seus casos durante o jantar.
– Acho que está ficando tarde... – Diana forçou um bocejo – Acho bom você ir, preciso dormir.
– Tarde? – Maurício olhou para seu relógio – Nove da noite?!
– Eu passei a tarde inteira dentro de um hospital público lotado, com enxaqueca e com fome. Estou exausta.
– Tudo bem, se você quiser eu posso dormir aqui com você.
– Não precisa – Diana se levantou da mesa e calçou os chinelos apressadamente – É perigoso o seu carro ficar na rua. Eu te acompanho até a portaria.
Diana não deu espaço para mais objeções. Ela amava o noivo e gostava de sua companhia, mas naquele dia não. Naquele dia tudo o que ela queria era ficar sozinha e desfrutar de sua solidão. Maurício aceitou e pegou a chave do carro e seu paletó. Calçou os sapatos sociais e a seguiu até o elevador com uma sacola com os sushis que restaram. Se despediu com um selinho antes de chegarem ao portão.
– Boa noite – um homem sujo e sorridente que revirava a lixeira em frente ao prédio os saudou.
– Boa noite – Diana respondeu com um sorriso sincero – O senhor está procurando por comida? – ela perguntou e Maurício puxou sua mão.
– Sim, minha filha. Hoje não deu o suficiente – o homem apontou para o carrinho de recicláveis que carregava.
– Aqui, tome – puxou a sacola da mão de Maurício e estendeu para o homem – Não sei se o senhor gosta de sushi. Não é muito e também não é tão bom quanto um lanche ou um bom prato de arroz e feijão, mas é tudo o que eu tenho agora.
– Obrigado! – ele abriu um sorriso com poucos dentes e aceitou a sacola – Não sei se gosto porque nunca comi essa comida de grã-fino, mas um estômago com fome não escolhe do que gostar não.
– Diana, para de dar papo – Maurício sussurrou.
– Você já estava de saída, Mau. Boa noite.
Maurício deu mais um selinho na noiva e atravessou a rua até seu carro. Diana observou a discrepância entre o homem engravatado em seu carro recém-saído da concessionária e o homem faminto sentado ali mesmo na calçada, saboreando os sushis como se fosse a melhor refeição do mundo. Ao contrário do noivo, ela não acreditava em meritocracia. Não quando um homem revirava o lixo para poder comer enquanto ela e o noivo discutiam sobre o que pediriam para o jantar. Cansada daquele dia interminável, desejou boa noite ao homem antes de fechar o portão e voltar para seu apartamento para finalmente abraçar a solidão que tanto vinha desejando.
Olá meus amores!
Como estão? Espero que bem.
Decidi já postar o segundo porque é o menor capítulo do livro e também porque como ele já está em fase final, não vai me prejudicar tanto nas postagens (eu disse isso em Sob a Lona também e cadê o fim?! :x)
O que estão achando dos personagens até o momento?
Vejo vocês em breve!
Beijinhos ♥
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top