17 - Sexto sentido
Embaçando e bagunçando a verdade e as mentiras, então eu não sei o que é real e o que não é.
Going Under - Evanescence
Uma semana já havia se passado desde aquela fatídica noite e Diana tentou não pensar em mais nada do que havia acontecido naquele karaokê. Trabalhou a semana toda sem olhar para o arranjo de flores artificiais em sua sala, deixou sua foto com Maurício em destaque no computador para poder se lembrar que o amava e se distraiu com processos para esquecer o flagra que deu na irmã.
No sábado, porém, precisou ir até a casa de seus pais para comemorar o aniversário de sua mãe. Os jantares de aniversário eram as únicas datas em que não conseguia arrumar qualquer desculpa para não visitar os dois, pois Eliane choramingava tanto que sua caçula não se importava com eles que Diana dava o braço a torcer e comparecia.
Diana e Maurício desceram do carro naquela noite ligeiramente gelada de abril e esperaram até abrirem o portão automático. Ela carregava uma pequena sacola de presente com um par de brincos dourados, que comprou de última hora e esperava que a mãe gostasse, pois nunca havia acertado em um só presente para Eliane. O embrulho tremia em suas mãos nervosas, pois não só estava prestes a entrar naquele lugar que tanto a fazia mal como também veria a irmã pela primeira vez desde que descobriu seu segredo.
Eliane a cumprimentou com um abraço polido e agradeceu o comparecimento dos dois. Diana respirou aliviada ao perceber Fernanda ainda não havia chegado e torceu para que a irmã sequer fosse no aniversário da própria mãe, mesmo sabendo que isso era impossível, já que ela era a filha favorita e mais aguardada.
– Meu genro querido – Eliane o abraçou – Eu preciso te agradecer pelas flores! São lindas e ficaram ótimas sobre a mesa de centro!
Maurício respondeu algo que Diana não deu atenção, pois na mesma hora procurou pelo buquê no móvel citado pela mãe. Era um belo ramalhete de cravos coloridos, muito parecido com o que ele sempre a presenteava. Muito parecido também com o arranjo de flores que viu sobre o aparador na sala de Fernanda no dia do aniversário de Lucca.
A empolgação de Eliane puxou Diana de volta ao presente e ela revirou os olhos ao ver o amor no qual sua mãe abraçava Fernanda, que havia acabado de chegar carregando uma enorme sacola de uma loja de grife. Sua irmã a cumprimentou com um abraço apertado e um sorriso falso no rosto e ela não conseguiu disfarçar seu desânimo.
– Irmãzinha! Que cara é essa?! – Fernanda mantinha seu sorriso extremamente branco.
– Não é nada, Nanda. Hoje eu estou ótima.
Diana sorriu falsamente para a irmã, que seguiu cumprimentando o pai e o cunhado. Logo seus sobrinhos correram e abraçaram sua cintura, a fazendo deixar sua hostilidade de lado para mimar os dois que tanto amava. Fábio foi o último a entrar, acenando para todos e parabenizando a sogra antes de abraçar a cintura da esposa. Observar aquela cena a fazia ter mais pena do homem.
O jantar não demorou a ser servido por Eliane, e para a felicidade de Diana, dessa vez não havia camarão. O ravióli de ricota e nozes ao molho pesto de espinafre estava delicioso e fez valer a visita à casa dos pais. Entre uma taça de vinho e outra, Maurício e Fábio como sempre contavam suas histórias e quase todos riam polidamente enquanto aquela música clássica instrumental tocava baixinho. Não importava quantas vezes Diana fosse a um jantar naquela casa, todas pareciam exatamente iguais.
– E o casamento da Sílvia, como foi? – Eliane perguntou para a filha mais velha.
– Maravilhoso, requintado e de muito bom gosto – Fernanda respondeu.
– Monótono – Diana murmurou sem se dar conta de que a pergunta não havia sido para ela.
– Por isso você foi embora cedo? – sua irmã questionou – Perdeu a festa.
– Não, eu não estava me sentindo muito bem – Diana bebericou um pouco de vinho e encarou Fernanda – Mas você também não aproveitou tanto a festa, não é?
– Ah, a Nanda aproveitou sim, chegou em casa quase de manhã – Fábio riu – Nem consegui agradecer ao Maurício o suficiente por ter oferecido a carona, eu pude dormir tranquilo.
– De manhã? – Diana franziu o cenho e torceu os lábios – Bom, então eu realmente fui embora na melhor parte, já que a festa não parecia que iria se animar tão cedo, o que dirá durar a noite inteira – tomou mais um gole de vinho.
– Vamos deixar esse casamento de lado? – Fernanda pediu gentilmente – Os dois devem estar quase voltando da lua-de-mel e nós aqui ainda falando da cerimônia! Mas me conta, irmãzinha, como anda a sua vida? Nós temos nos falado tão pouco e no sábado mal conversamos já que você passou mal...
Fernanda tentava a todo custo mudar de assunto e usou a saúde da irmã como pauta pois sabia que sua mãe adorava falar sobre como Diana não se alimentava direito e por isso vivia doente – mesmo sendo uma desculpa na grande maioria das vezes. A advogada ouviu a todas as recomendações de Eliane e Armando enquanto mantinha um sorriso no rosto, mas dessa vez era um sorriso sincero – ao menos uma vez na vida foi capaz de desestabilizar a irmã mais velha.
Um "Parabéns pra Você" foi cantado baixinho e com o fim do bolo as conversas ao redor da mesa cessaram aos poucos. Por um milagre Maurício foi o primeiro a pedir para ir embora, alegando estar exausto daquela semana cheia de trabalho. Diana concordou de imediato e os dois seguiram para o carro. Ele ficou em silêncio por boa parte do caminho e sua noiva decidiu fazer o mesmo, ainda digerindo aquela noite estranhamente satisfatória, mesmo após todos os julgamentos e falatórios de seus pais e presunção de sua irmã.
Ao chegar em casa não convidou Maurício para subir, apenas se despediu com um beijo rápido e entrou no prédio. Jogou-se no sofá e ficou pensando em tudo o que aconteceu naquele jantar, mas não queria estar certa em suas suposições. Não fazia sentido algum e eram apenas coisas de sua cabeça, um pequeno achismo impossível demais. Diana se convenceu de que procurava apenas um motivo para justificar o seu erro.
***
– Meu Deus, você é tão maravilhosa!
Maurício falou ofegante ao se levantar da cama e seguir para o banheiro. Diana lançou seu olhar insatisfeito em direção ao noivo que ligava o chuveiro e deu um suspiro frustrado ao se dar conta que após treze dias do jantar na casa de seus pais, ainda suspeitava de alguém na qual dividia sua vida e sua intimidade há quase oito anos. O homem nunca a deu motivos para desconfianças, sempre se mostrou fiel, apaixonado, um verdadeiro príncipe.
Aproveitando que estava na casa do noivo e que provavelmente ele demoraria no banho, vestiu suas roupas íntimas e passou a andar pelo apartamento à procura de provas de sua infidelidade. Analisou os travesseiros da cama bagunçada à procura de algum fio loiro, marcas de batom nas taças, o cheiro de algum perfume feminino nas almofadas. Nada. Talvez suas suspeitas não fossem reais e ela apenas procurava por um motivo que diminuísse o peso de sua traição. Ouviu o chuveiro ser desligado e apressou-se em voltar para o quarto, seguindo para um banho no momento em que Maurício saiu enrolado na toalha.
– Me empresta seu celular para eu procurar algo para jantarmos? – Diana pediu ao se sentar no sofá do noivo após sair do banho.
– Pode deixar que eu peço – bloqueou a tela e o afastou de sua mão.
– Posso procurar algo que me interesse? – ela deu o sorriso mais doce que conseguiu e estendeu a mão, aguardando o aparelho.
– Seja rápida, estou aguardando o retorno de um cliente – entregou o celular.
– Numa sexta à noite? – sorriu – Que advogado eficiente que você é.
Diana abriu o aplicativo de delivery e virou a tela para si, mas Maurício esticou o pescoço para ver o que ela pretendia. A moça rolou pela lista de opções fingindo procurar um restaurante específico e esperando uma distração do homem para finalmente abrir suas mensagens. Distração esta que não aconteceu, pois ele estava atento a cada movimento da noiva.
– Quer saber... – o devolveu o celular – Pode pedir o que quiser.
O homem deu várias opções de restaurantes e ela deixou a seu critério, pois realmente não se importava. No fundo Diana estava frustrada por chegar ao ponto de tentar invadir a privacidade de Maurício procurando algo que sequer sabia se existia. Para a sua não-surpresa, seu noivo decidiu por uma refeição cara, saudável, pequena e ruim.
Diana amanheceu ao lado do noivo no confortável apartamento localizado em Pinheiros, mas sua noite não foi das melhores. Sua mente não parava por um segundo sequer em todas aquelas horas que encarou o escuro. Conseguiu pegar no sono quando já se aproximava das quatro da manhã e acordou às nove com o despertador do rapaz em pleno sábado. Maurício se levantou bem-disposto e foi preparar o café da manhã dos dois enquanto ela revirava pela cama. Pegou o celular e ao ligar a internet recebeu uma mensagem de Rita enviada há pouco tempo.
– Bom dia, Di! Hoje eu e minha mãe vamos dar um rolê na 25 de Março pra comprar muamba, tá afim de almoçar com a gente? – finalizou com uma carinha feliz.
Diana estava com saudades de Rita e de dona Cida, então mesmo estando cansada após aquela noite mal dormida, aceitou o convite. Sua amiga comemorou com várias figurinhas e saber que teria uma distração de seus últimos dias na companhia de duas pessoas tão simpáticas a animava mesmo que minimamente.
Após se despedir do noivo e enfrentar o trânsito até o centro de São Paulo naquele sábado quente, colocou o carro em um estacionamento e andou pelas ruas lotadas até chegar no local combinado. Dona Cida trombou com várias pessoas ao tentar abraçar a advogada mesmo carregando enormes sacolas e Rita dava bronca na mãe por não tomar cuidado. As três seguiram até um restaurante de comida por quilo perto dali e se sentaram na mesa mais próxima ao ventilador após fazerem seus pratos.
– Ai que saudades que eu estava de você! – Rita abraçou o braço de Diana – Você sumiu depois do karaokê!
– É a rotina pesada do dia-a-dia – esboçou um sorriso – E a senhora, como está, dona Cida?
– Ah, minha filha, não poderia estar melhor!
Dona Cida sorriu e acenou em direção à porta, fazendo Diana olhar para trás. Gael entrou distraído carregando seu capacete e não escondeu a surpresa ao ver a advogada sentada em frente à sua mãe, que tentava chamar sua atenção com as mãos. Rita não acreditava na audácia da senhora que planejou aquele encontro sem contar nem mesmo para ela.
Gael desviou seu caminho até o buffet para preparar o seu prato e aproveitou esses minutos para pensar no que diria quando cumprimentasse a advogada. Eles não se falavam desde o dia do beijo e estar com ela na sua frente numa tarde onde pretendia apenas almoçar com sua mãe não estava nos planos. Diana estava arrependida de ter aceitado o convite de Rita para o almoço, já que pensava que apenas ela e sua mãe estariam ali.
– Bom dia – Gael colocou a bandeja sobre a mesa e se sentou de frente para Rita, que estava ao lado da advogada – Bom te ver, Diana.
– Digo o mesmo, Gael – Diana sorriu – Não sabia que você também viria.
– Nem eu – retribuiu o sorriso.
Dona Cida planejou aquele encontro no momento em que Diana aceitou almoçar com as duas. Na mesma hora enviou uma mensagem de seu celular para o filho o convidando a gastar sua uma hora de descanso na companhia dela e da irmã. Ao observar os dois, sorriu ao perceber que por mais que evitassem, não conseguiam controlar aquela sutil troca de olhares.
– Mãe, você acredita que a Diana conseguiu matar quatro cactos de uma vez? Eles mal tinham completado um mês – Gael falou para quebrar o gelo que perdurava entre os dois durante o almoço.
– Diana! – a senhora sorriu – Fique longe das minhas plantas, por favor!
– A culpa foi do seu filho, dona Cida. Ele me disse que eu deveria regar uma vez por mês, mas eu procurei no Google e lá diz uma vez por semana.
– Aí ela foi e colocou água quatro dias seguidos pra somar as semanas que deixou de regar – ele riu – Por falar nisso, como estão as flores novas?
– Vivíssimas, afinal são artificiais.
Gael sorriu ao vê-la sorrir. Dona Cida fez um sinal para a filha e inventou que as duas precisavam ir ao banheiro, pois já estavam andando pela 25 de Março há tempo demais e não aguentavam mais segurar. Nenhum dos dois pareceu desconfiar, por mais que o rapaz soubesse das intenções da mãe. Diana decidiu acabar com o silêncio que voltou a se instaurar aos poucos depois que elas saíram da mesa.
– Você sumiu – ela murmurou e desviou o olhar enquanto sugava o refrigerante pelo canudo plástico.
– Trabalhando demais – Gael deu de ombros – Mas você também não mandou mais nada...
– Sabe... Eu fiquei envergonhada pelas minhas atitudes naquele dia – ela sentiu as bochechas corarem ao se lembrar do beijo.
– Não precisa se envergonhar, você só fez a única coisa possível pra sua irmã não te reconhecer. Tenho certeza que se não fosse o beijo, ela teria te visto.
– Eu poderia ter fingido que estava te beijando, daria na mesma – encolheu os ombros – Mas aí eu fiz o que fiz e só me igualei a ela.
– Por que você tá dizendo isso?
– Eu traí o Maurício, Gael – o encarou – Por mais que tenha sido só um beijo insignificante, eu o traí.
– Não se compara à sua irmã, Diana. Como você bem disse, a gente deu um beijo sem significado nenhum, mas ela não. Ela estava realmente traindo o marido com aquele cara.
– E se eu te disser que eu acho que aquele cara era...
– Voltamos!
Dona Cida interrompeu os dois contra a vontade, pois Rita deu um sermão na mãe assim que entraram no banheiro dizendo que ela não podia simplesmente bancar o cupido daquela forma, criando planos para juntar os dois. A mulher ficou contrariada e aceitou voltar à mesa, desde que a caçula não contasse para o irmão que foi tudo planejado pela senhora. Gael aproveitou o retorno para se despedir, pois seu horário de almoço estava acabando e o trânsito no caminho de volta para o estúdio era intenso.
– Gostei de te ver hoje aqui – falou após se despedir de Diana com um beijo no rosto – Amanhã é o aniversário do Bento lá no bar, é uma festa fechada, mas se quiser aparecer eu sei que ele vai curtir.
– Não vou prometer, mas se eu for, levo um vinho – sorriu – Foi bom te ver também.
Gael pagou sua comanda e as três o observaram sair. A química entre os dois fazia dona Cida suspirar. Já não se importava mais com as broncas da filha, pois seu plano parecia estar funcionando perfeitamente, por mais que eles ainda não tivessem percebido. Rita chamou a atenção da amiga no momento em que a mãe se levantou para buscar uma sobremesa.
– Que carinha é essa? – Rita segurou sua mão.
– Eu só ando pensando demais – esboçou um sorriso – Não dormi nada essa noite por isso.
– É algo que eu possa te ajudar?
– Você conseguiu enxergar quem era o cara com a minha irmã aquele dia?
– Não, estava escuro. Só lembro da roupa dele na hora que eu fui no banheiro. Um terno escuro, parecia ser azul marinho, mas realmente não tenho certeza.
– Você não sabe como eu gostaria que você tivesse certeza...
– Tem alguma coisa te incomodando muito, se quiser me contar... Eu só não sou boa em guardar os segredos do Gael, mas os dos outros sim – sorriu.
– É besteira minha, acredito que seja coisa da minha cabeça, mas... – estalou a língua – Eu acho que o homem com a minha irmã pode ser o meu noivo.
– Mas o... como... você me diz... DIANA! Como você me diz isso assim?! – Rita aumentou o tom, completamente chocada.
– Não é uma certeza, é um achismo, pode ser até uma maneira que eu estou procurando de justificar o meu erro, eu não sei...
– O que te faz suspeitar dele?
Diana ia começar a contar para Rita quando dona Cida retornou com um pequeno pote de mousse que parecia ótimo. A senhora se sentou e as duas se calaram no mesmo instante. Ela percebeu que as mais novas escondiam algo e perguntou sem cerimônias o que estava havendo ali.
– Não é nada, mãe – Rita bufou.
– Dona Cida... – Diana ponderou por alguns segundos, mas logo voltou a falar – A senhora já foi traída?
– Ih, minha filha... – a mulher relaxou na cadeira – Mais do que eu poderia contar. O meu ex-marido era caminhoneiro, passava semanas fora, voltava muitas vezes com marcas das mulheres da estrada... Deveria era ter morrido por aí.
– Credo mãe! – Rita pareceu chocada – Mas é verdade, meu progenitor não valia nada – por fim deu de ombros.
– E como a senhora descobriu? – Diana demonstrou interesse.
– Ele nunca fez questão de esconder não, aquele salafrário – fez cara de nojo ao se lembrar do pai de seus filhos – Mas por quê? Você acha que seu noivo...
– Sim – encolheu os ombros – Mas eu não sei como ter certeza. Eu nunca tive motivos para desconfiar dele.
– Minha filha, acredita no seu sexto sentido porque sexto sentido de mulher não falha!
– E Di, se ele estiver te traindo, eu vou te ajudar a descobrir.
Rita deu um sorriso cúmplice para a amiga, que agradeceu por poder desabafar com as duas algo que até então tirava seu sono. Dona Cida, apesar de torcer pelo fim daquele noivado desde o dia em que conheceu a advogada, ficou triste e compadecida com a situação, pois passou pelo mesmo com o pai de seus filhos. Diana era nova e por mais que escondesse todas as suas emoções, estava visivelmente abalada com aquela possibilidade.
Mais uma vez dona Cida tentando juntar os dois kk
Eu amo essa mulher!
O que acharam do capítulo? Acham que o Maurício realmente está traindo a Diana ou é só um achismo dela?
Espero que tenham gostado!
Nos vemos em breve!
Beijinhos ♥
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