15 - Encenação

E virei para ouvir você dizer "se só por hoje estou sem medo, tire meu fôlego".
Take My Breath Away - Berlin

Não foi difícil convencer Diana a cancelar a corrida e seguir os dois para onde quer que fossem. Ela não só merecia como também precisava estar com pessoas agradáveis depois de todo o estresse que a companhia de Maurício e Fernanda a trouxeram naquela noite. Além do casamento estar um porre, é claro. Gael sugeriu de irem até um barzinho já conhecido por ele, mas Rita insistia em ir até o karaokê do outro lado da avenida.

Diana e Gael até tentaram convencer a moça de irem para outro lugar, mas ela estava convencida de que era ali que deveriam ficar. E Rita não estava errada quando afirmou que seu irmão estava de moto e não poderia levar as duas e que a advogada havia combinado durante a bebedeira em seu aniversário de que iriam a um karaokê juntas.

O lugar estava movimentado, mas não foi impossível conseguir uma das poucas salas privativas de karaokê. Haviam aqueles que não tinham vergonha e cantavam na frente de todos, mas para os mais tímidos as pequenas saletas reservadas eram ideais, e esse era o caso de Diana. Não que ela acreditasse que fosse cantar algo, apenas concordou com o que quer que os irmãos quisessem.

A pequena sala tinha uma acústica boa, era aconchegante e contava com um sofá e uma mesa lateral além da máquina de karaokê. Gael foi até o balcão e demorou um bocado até voltar com um balde de cerveja e alguns refrigerantes, além de uma porção de batata. Diana sentou-se e ficou observando Rita olhar todo o catálogo de músicas.


– Vem, Di, vamos cantar Ragatanga de novo! – Rita a puxou pela mão.

– Hoje não, Rita – Diana esboçou um sorriso – Mas eu quero te ver cantar!

– Sozinha não tem graça! – cruzou os braços, mas logo descruzou e puxou o irmão – Vem, cabeção!


Gael cantou Ragatanga com a irmã por livre e espontânea pressão. Ele não sabia grande parte da letra, cantando apenas o refrão e fazendo a coreografia de qualquer jeito junto de Rita. Diana não parava de sorrir ao ver a performance horrível dos dois. Sentia vontade de dançar, mas tinha vergonha. O tatuador colocou mais uma música e entregou o microfone para a advogada, que tentou negar em vão.


– Ah, Diana! Só essa! Você nem precisa levantar do sofá! – ele pediu.

– E vocês já cantaram essa! Para de graça!


Rita e Gael insistiram tanto que ela aceitou. De repente estava entonando os versos de Evidências mais uma vez. Os três cantavam juntos, apesar de Diana estar retraída no sofá enquanto os irmãos se abraçavam ao dividir o microfone. Ela via a felicidade dos dois e se deu conta de que eles não a julgariam caso decidisse não se conter. Mas não, ela não tinha vinho ou champanhe suficiente em seu corpo para poder ser livre de novo.

A música acabou, Gael pegou uma lata de refrigerante e sentou ao lado de Diana enquanto Rita procurava mais uma música na lista, dessa vez para cantar sozinha. Seu irmão já conhecia a paixão da moça pelo karaokê, então aproveitou os minutos que ela passaria agarrada ao microfone para poder conversar com a mulher ao seu lado.


– Por que você decidiu ir embora praticamente no começo da festa? – ele perguntou ao aconchegar as costas no encosto do sofá.

– Eu já estava cansada daquele lugar – Diana suspirou e fez o mesmo que o rapaz, finalmente relaxando sua postura.

– Só do lugar? – a encarou.

– Está tão nítido assim que não? – esboçou um sorriso e fechou os olhos – Você não faz ideia de como é desgastante...

– O que o seu noivo fez com a minha irmã não se faz com ninguém. Eu juro que não fui trocar uma ideia com ele em respeito a você que é minha amiga, porque a minha vontade era fazer ele engolir palavra por palavra – bufou – Me desculpa falar assim, sei que ele é seu noivo e tal, mas ele foi um babaca.

– Não precisa se desculpar, ele realmente estava intragável, como se quisesse chamar atenção. O pior de tudo é saber que as pessoas devem achar que eu sou igual a ele – abriu os olhos e voltou a olhá-lo.

– Se você não é, por que fingiu não conhecer a gente? – Gael perguntou um tanto reticente. Sabia que Diana se comportava de maneira diferente quando estava com ele e com a irmã, mas queria ouvir dela.

– Eu não queria que vocês conhecessem a minha irmã – ela confessou envergonhada – Principalmente você. Se eu cumprimentasse vocês, teria de apresentar os dois.

– Qual o problema de conhecer sua irmã? – Gael franziu o cenho.

– Outro dia você disse que me achava melhor do que ela. Eu tenho certeza que caso vocês se conhecessem, você voltaria atrás no seu achismo.


Diana o encarava diretamente e o semblante sério de Gael se transformou em uma risada alta. Ela não entendia a graça, até que ele respirou fundo e sorriu ao segurar sua mão.


– Eu conheci a sua irmã hoje por pouco tempo, mas continuo afirmando que você é muito melhor do que ela em tudo – soltou sua mão para pegar sua lata de refrigerante sobre a mesa.

– Ou você é cego ou está tentando me agradar. Você não a viu?! A Fernanda é linda...

– Só naquela festa eu vi umas vinte mulheres iguais a ela, mas não vi nenhuma igual a você – deu de ombros.

– Você definitivamente está tentando me agradar – sorriu.

– Qual a dificuldade de aceitar que sua irmã não é tudo isso? E eu duvido que lá tivesse qualquer outra pessoa com os olhos tão bonitos quanto os seus. E outra, eu aposto que ela não se passaria por minha namorada só pra me livrar da minha ex! – riu.

– Nem me lembre disso, eu não sei o que me deu aquele dia! – Diana sorriu e pegou uma lata de refrigerante também.

– E você nem precisou de vinho – sorriu – Mas obrigado, não me lembro se te agradeci no dia. A cara dela foi impagável. Eu faria o mesmo por você, caso um dia você precise.

– Bom, eu só tive um namoro sério antes do Maurício e nós éramos adolescentes, acho que ele até já se casou, então acredito que não precisarei.

– E você, já sabe quando vai se casar?


Já fazia um tempo que Gael queria saber sobre isso. Não que tivesse algum interesse, pois de fato não tinha. Sua curiosidade se dava somente porque tinha plena consciência de que eles se veriam ainda com menos frequência depois que sua amiga se casasse. Diana estava tão acostumada com aquela pergunta que soltou a sua resposta padrão.


– Ainda não – deu de ombros e pegou uma batata-frita sobre a mesa – Nós estamos esperando nossas carreiras se consolidarem primeiro.

– E um puta escritório daqueles no centro de São Paulo não é uma carreira consolidada? – riu.

– Com você eu posso ser sincera – relaxou os ombros – Nós respondemos isso há tantos anos que acabou se tornando nossa resposta padrão. Nós ainda não sabemos quando vamos nos casar porque acredito que ainda não estamos prontos para abrir mão das nossas vidas sozinhas e nossa privacidade.

– E vocês estão certos. Bom, o importante é que mesmo depois de anos o amor prevalece, né?


Rita cortou a conversa antes que Diana pudesse pensar em alguma resposta. O amor prevalecia, mas aquele mesmo amor morno que ela estava acostumada. Um amor que se assemelhava mais à rotina do que à paixão. A moça que havia interrompido os dois questionava se ela cantaria sozinha a noite toda, então Gael escolheu uma música aleatória e foi cantar. Sua irmã sentou ao lado da advogada e elas ficaram conversando e observando a performance um tanto contida do rapaz.


– Me desculpe por hoje, Rita – Diana segurou a mão da moça – Eu prometo que não vai mais acontecer.

– Eu sei que não, Di – Rita sorriu – O Gael tinha razão quando disse que existem duas Dianas, e pra ser sincera, essa aqui do meu lado é bem melhor.

– Fico feliz que não esteja magoada comigo – suspirou – Fiquei com medo de perder a única amiga que tenho.

Amiga?! – Rita se animou – Você realmente me considera sua amiga?!

– Claro que sim – Diana respondeu sorrindo – Pensei que isso já fosse óbvio!

– Digamos que suas emoções não são tão transparentes assim, mas tudo bem, seu mapa astral explica – Rita deu de ombros – Mas já que sou sua amiga, posso te dar um conselho? – perguntou e a advogada assentiu – Deixa aquela Diana tediosa lá na festa dos burgueses e curte aqui com a gente do mesmo jeito que você se divertiu lá em casa.


Não era fácil para Diana se desprender daquela personalidade tediosa, como sua amiga falou. Mas ela se esforçou para se divertir. Sabia que não terminaria a noite dançando descalça na laje de ninguém e nem roncaria num colchão jogado no chão da sala de dona Cida, mas decidiu dar um tempo em suas neuras e se divertir ao lado dos amigos que estavam empolgados com os microfones em mãos. Já não se lembrava mais qual havia sido a segunda, a terceira ou até mesmo a quarta música que cantou, mas estava balançando o corpo enquanto cantava alguma música pop americana do final dos anos 2000 junto de Rita sem se importar com sua desafinação.


– Vem, essa você vai cantar comigo.


O tatuador estendeu a mão para a amiga e deu o play em Best of You. Os dois cantavam animados quando ele soltou o coque que mantinha desde a festa e balançou a cabeça conforme a música. Diana decidiu fazer o mesmo com os cabelos e soltou a trança que havia feito mais cedo para o casamento. Gael parou de cantar para admirar a cena dos fios escuros se agitando a cada movimento da mulher que parecia ter a letra decorada, pois a entonava de olhos fechados enquanto nutria um sorriso nos lábios.


– Não valeu, você me deixou cantando sozinha – Diana segurou o braço do rapaz por conta da tontura após balançar muito a cabeça.

– Desculpa, eu me distraí – ele não conseguia parar de admirar os cabelos soltos e bagunçados de Diana – Se quiser a gente pode cantar de novo.

– Não precisa – ela sorriu – Agora é a vez da Rita.


Rita cantou pelo menos quatro músicas antes de passar o microfone para os dois. Diana já não tinha vergonha de soltar a voz ao lado dos amigos e Gael estava feliz em ver a moça tão à vontade. Duas horas se passaram e o karaokê foi deixado de lado para descansarem as gargantas já exaustas. A mulher pegou o celular pela primeira vez desde que saiu da festa de casamento e viu algumas chamadas de vídeo perdidas de Maurício, seguidas de mensagens dizendo que ele estava preocupado com a noiva e que também já estava em casa. Com certeza ele já estava dormindo, então ela sequer retornou as ligações ou o respondeu.

Os três estavam conversando e dividindo a porção de fritas quando as cervejas e refrigerantes acabaram e Diana se propôs a buscar mais. Gael falou que ele mesmo buscaria e no fim os três desistiram da saleta de karaokê e foram juntos até o salão principal do bar, que naquele momento parecia mais lotado do que quando chegaram. Pessoas se esbarravam indo em direção ao balcão e o pequeno grupo precisou ficar próximo à parede para conversarem em paz.

O excesso de cerveja fez com que Rita precisasse usar o banheiro mais vezes do que gostaria e ela já estava irritada por precisar atravessar o bar o tempo todo. Diana seguia próxima à parede conversando com Gael quando a moça voltou pedindo desculpas a todos que esbarrou no caminho por conta do ambiente escuro e segurou a amiga pelo braço.


– Di, aquela ali não é a mulher que estava com você no casamento? – Rita apontou discretamente para a loira de vestido brilhante.

– Impossível, a essa hora a minha irmã já deve estar dormindo – Diana estreitou os olhos na direção da mulher apontada.

– É ela mesmo – Gael constatou – E ela parece bem acordada pra mim...


Diana observou por tempo o suficiente para constatar que sim, era a sua irmã. Fernanda estava acompanhada de um homem que o ambiente mal iluminado não a deixava enxergar, mas que definitivamente não era Fábio. Os dois pareciam íntimos demais e a advogada estava sem reação ao ver aquela cena. A mulher acariciava o braço do rapaz desconhecido lentamente com as mãos e ele segurava sua nuca com vontade.

Só poderia ser coisa de sua cabeça, talvez nem fosse Fernanda ali naquele canto escuro e totalmente propício para algum romance escondido. Gael mesmo já havia dito que no casamento haviam muitas outras mulheres parecidas com ela, então deveria se tratar só de mais uma coincidência. Diana tentava a todo custo se convencer disso, mas sabia que aquele vestido brilhante e chamativo não pertencia a outra pessoa a não ser sua irmã mais velha.


– Aquele não é meu cunhado... – Diana murmurou para os dois.

– Você quer ir ver de perto? – Rita tentou soar indiferente, mas por dentro implorava para que Diana dissesse sim.

– Não, de jeito nenhum! – ela recuou e desviou o olhar.

– Olha lá! – Rita deu vários tapinhas no braço da amiga, chamando a atenção dela para a irmã.


Ela voltou a olhar para os dois no momento em que o homem puxou Fernanda pela nuca e a beijou sem cerimônias na frente de todos. A mulher parecia totalmente entregue àquele beijo no escuro e Diana não sabia o que sentir. Fábio não merecia aquilo e ela ficou triste pelo cunhado que santificava a esposa, mas uma breve sensação de alívio tomou seu peito ao perceber que talvez sua irmã não fosse tão perfeita assim.

Nenhuma palavra foi dita por Diana nos poucos minutos seguintes, que apenas observava a irmã traindo o marido bem debaixo de seus olhos sem saber o que fazer. Sua vontade era esfregar na cara de todos que Fernanda não era tão boa quanto pintava ser, principalmente para seus pais. Mas ainda tinha Lucca e Sophie Valentina, que eram apenas crianças e não mereciam o trauma que aquilo causaria em suas vidas.


– Ela tá vindo!


Rita cutucou a amiga que saiu de seu transe particular e viu a irmã olhando para trás com um sorriso enquanto caminhava em direção ao balcão bem ao seu lado. Não havia como se esconder, mesmo estando encostada na parede e com Gael em sua frente, Fernanda poderia muito bem olhar para o lado e reconhecê-la. Sem saber o que fazer, mais uma vez Diana agiu por impulso – mas dessa vez fez o impensável.

O tatuador olhava para Fernanda quando sentiu uma mão segurar sua nuca e o puxar para baixo. Ao tentar entender o que estava acontecendo, viu por uma fração de segundos os olhos heterocromáticos de Diana o encararem assustados e ela invadir seus lábios sem aviso prévio. Gael retribuiu o beijo a pressionando contra a parede e emaranhando os dedos nos fios escuros e soltos enquanto a outra mão apertava sua cintura. Rita estava tão surpresa com o que estava vendo que não conseguiu falar nada, apenas puxou o elástico que prendia o cabelo do irmão para que os longos fios tampassem o rosto da advogada enquanto eles se beijavam.


– Não pare de me beijar enquanto ela estiver por perto – Diana pediu ofegante ao descolar seus lábios dos dele para recuperar o fôlego.

– Eu não pretendo parar – sussurrou.


Gael tomou os lábios de Diana novamente, mas com muito mais desejo do que a primeira vez. A mão tatuada passeava por suas costas, arrepiando toda sua espinha enquanto ele mordia levemente seu lábio inferior. Ela por sua vez enganchou os dedos nos cabelos soltos do rapaz e tentava trazê-lo para mais perto, como se isso fosse possível. Rita precisou avisar algumas vezes que Fernanda já havia voltado para o lado do homem que a acompanhava até que eles encerrassem aquela "encenação".


– Me perdoe, Gael – Diana falou ainda ofegante – Isso não vai se repetir, foi um ato impensado da minha parte, não sei o que me deu.

– Tudo bem, eu só retribuí porque entendi o plano – sorriu e deu de ombros – Fica tranquila, não vai se repetir.

– Acho que é melhor eu ir embora antes que a minha irmã me veja aqui – Diana abraçou sua bolsa – Essa noite já rendeu mais do que o suficiente.

– Ah, aí é só vocês se pegarem de novo – Rita riu e deu de ombros, recebendo um olhar fulminante dos dois – Calma, gente! É brincadeira! Vamos embora!


Eles pagaram a conta e Diana sequer conseguia encarar os dois. Gael se desculpou por não poder oferecer uma carona por estar de moto e ainda ter que levar Rita para a casa da mãe, mas a advogada não aceitaria de qualquer maneira. Ao se despedirem na porta do karaokê, ela pediu um Uber e seguiu em silêncio até sua casa, tentando não pensar no que havia acontecido.

Diana chegou exausta e largou os saltos no meio da sala antes de partir para o banho. Tentou esvaziar sua mente de todas as maneiras enquanto deixava a água escorrer por seu corpo. Tentou apagar da memória a cena de sua irmã traindo seu cunhado ao vestir o seu pijama. Deitou-se para dormir e tentou esquecer do beijo avassalador de Gael, mas bastou passar o indicador levemente por seus lábios para se lembrar do sabor viciante de sua boca e da firmeza de seu toque. 

"Vejo vocês no domingo", disse a pessoa que vos fala e que não aguentou nem uma hora e já postou outro capítulo.

Eu estava numa ansiedade IMENSA pra postar esse aqui!
Quem imaginaria que o primeiro beijo partiria dela? Ainda mais assim, do nada? Pois é, nem o Gael esperava kkkk

E parece que a Fernanda não é tão perfeita assim, não é mesmo?! kk

Agora sim, nos vemos na semana que vem!
Espero que tenham gostado!

Beijinhos ♥

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