12 - Reflexo
Eu serei seu espelho, refletirei o que você é, caso você não saiba. Eu serei o vento, a chuva e o pôr-do-sol, a luz na sua porta para mostrar que você está em casa.
I'll be Your Mirror - The Velvet Underground
Diana acordou mas não abriu os olhos com medo de esquecer do sonho maravilhoso que acabara de ter. Um sonho onde ela se divertia, dançava a noite toda, cantava sem medo de parecer desafinada, vivia sem se importar com o que os outros iriam dizer. Era algo que ela sabia que só aconteceria em sonho, então tentou manter aquela lembrança por mais tempo. Ao se espreguiçar rolou para o outro lado da cama, mas deu de cara com o piso frio.
E foi aí que abriu os olhos. Abriu os olhos e percebeu que estava dormindo em um colchão de solteiro no chão de uma sala desconhecida. Sentou-se rapidamente, fazendo sua cabeça doer. Olhou ao redor e viu Gael deitado no sofá de três lugares cobrindo os olhos com o braço tatuado. Ao se certificar que estava na casa de dona Cida, se deu conta de que não foi um sonho.
Diana se lembrava de tudo da noite anterior, mas parecia tão surreal que era mais fácil acreditar se tratar apenas de um devaneio. Procurou seu celular ao redor e não encontrou, então não fazia ideia de que horas eram. Gael ouviu a movimentação no colchão e tirou o braço dos olhos, dando de cara com a moça procurando sua bolsa pelo cômodo.
– Bom dia – ele falou com a voz rouca ao se espreguiçar – Dormiu bem?
– Eu dormi bem, eu só não sei como foi que eu dormi! – Diana ainda estava agitada.
– Você tomou o café que minha mãe fez e estava esperando melhorar, aí reclamou de sono, minha mãe perguntou se você queria ficar e você deitou no colchão na mesma hora – Gael deu de ombros – Não deu cinco minutos e já estava roncando – ele riu.
– Eu não ronco! – ela protestou – Eu me lembro de reclamar de sono, mas só lembro até aí.
– Qualquer bêbado ronca, Diana.
Gael sorriu e se levantou. Ao espreguiçar-se no batente da porta, sua camiseta subiu o suficiente para Diana observar as tatuagens em seu abdômen – e o abdômen também, é claro. Ele riu quando a viu desviar o olhar rapidamente. A moça começou a encarar seus pés e ficou horrorizada com a cor que suas solas estavam.
– Como que eu cheguei a esse ponto, meu Deus – ela reclamou e apontou seus pés – Pior, como foi que a sua mãe me deixou dormir com os pés dessa cor?!
– Nada que eu nunca tenha feito – ele estendeu a mão para ajudá-la a se levantar do colchão – Vamos tomar café?
Diana aceitou, por mais que precisasse ir embora. Estava faminta e não negaria um bom café da manhã. Encontrou seu celular sem bateria e o colocou para carregar antes de seguirem para a cozinha. Dona Cida já estava cozinhando arroz para o almoço, fazendo a moça olhar para o relógio de parede para ter noção do horário.
Pouco passava das onze da manhã, deixando a advogada totalmente envergonhada por acordar tão tarde na casa dos outros. Dona Cida não parecia preocupada com isso, apenas cumprimentou a moça com um sorriso e pediu para que ela ficasse à vontade. Gael abraçou a mãe e deu um beijo em sua testa antes de entregar uma caneca de café com leite para Diana e se sentar ao seu lado.
– Cadê a Rita? – Gael perguntou para a mãe.
– Dormindo. Daqui a pouco o pessoal vai chegar e ela não levantou ainda.
– Pessoal? – Diana perguntou enquanto fazia um pão com manteiga – Se vocês vão receber visitas então é bom eu me apressar para ir embora.
– Fica tranquila, menina. É só minha família, hoje é o dia de fazer churrasco pra acabar com o que sobrou de ontem. Você já conheceu todo mundo – Cida sorriu.
– E até dançou com todo mundo – Gael riu, a fazendo ficar com as bochechas vermelhas de vergonha.
– Não me lembre disso, o tamanho da vergonha que eu passei – apoiou as mãos no rosto – Aposto que me acharam ridícula.
– Vergonha?! Todo mundo te adorou! – dona Cida riu – Você vai ficar pro churrasco, não vai?!
– Eu acho que não – Diana encolheu os ombros – Eu não vi meu celular ainda, não sei se o meu noivo mandou alguma mensagem, eu preciso de um banho porque eu suei demais ontem, meus pés estão nojentos, enfim... Acho melhor ir pra casa.
– Nessa casa tem chuveiro, sabia? – dona Cida cruzou os braços – Quanto ao seu noivo, pode convidar ele se quiser – a senhora disfarçou o desgosto, já que na noite passada tinha a certeza que Gael e Diana se tornariam um casal.
– Ah, não, não, de forma alguma – Diana se apressou em dizer – Ele tinha um compromisso com os pais dele hoje – mentiu.
– Então se ele tem compromisso e aqui tem chuveiro, não vejo motivos pra você não ficar.
Foi a vez de Gael falar. Até então ele ouvia a conversa das duas enquanto tomava seu café, mas decidiu ajudar sua mãe a convencê-la pois não seria nada mal ter a companhia da advogada por mais algumas horas. Diana também não queria ir embora, mas estava com vergonha das pessoas que a viram no estado deplorável na noite anterior.
Dona Cida a entregou uma toalha e um sabonete e indicou o banheiro após a moça aceitar ficar. Diana se sentiu renovada depois de tirar o suor do corpo e o cheiro de fumaça impregnado em seu cabelo e aproveitou o kit de higiene em sua bolsa para recuperar sua dignidade. Também pegou emprestado um vestido de Rita após muita insistência da mãe da menina.
Rita reclamava de sono largada no sofá com as pernas no colo do irmão quando Diana surgiu com os cabelos úmidos e uma feição envergonhada. Gael desviou os olhos do celular para a mulher e não disfarçou a surpresa. O vestido preto de alcinha ficou um pouco mais curto do que a advogada estava acostumada e um pouco mais justo. Ela tinha belas pernas e ele definitivamente não deveria estar olhando para elas, mas não conseguiu evitar.
– Os olhos dela são lá em cima – Rita sussurrou ao irmão sem que Diana ouvisse e sorriu para ela – Você ficou linda, Di!
– Obrigada – Diana sorriu envergonhada e puxou o vestido para cobrir mais as pernas – Só ficou um pouco curto porque sou mais alta do que você.
– Curto?! – Rita riu – Tá no meio da coxa... Você definitivamente não viu meus vestidos ainda.
– Eu concordo com a Rita, não tá curto não, fica tranquila – Gael sorriu – Mas se quiser uma roupa da minha mãe ou então uma bermuda minha, deve ter alguma que eu não levei embora perdida por aí.
– De jeito nenhum! O mico que eu paguei ontem já foi o suficiente, não quero pagar mais ainda usando uma bermuda sua.
– Mico?! – Rita tirou as pernas de cima do colo do irmão e foi até Diana – Você definitivamente não pagou mico! Olha os meus stories...
Rita entregou o celular na mão de Diana, que começou a ver a sucessão de stories que a moça postou de sua festa. Chegou a vez de vídeo mal gravado dela e de Gael cantando Evidências no karaokê e todos ao redor entonando o refrão a plenos pulmões. Outro, as duas dançando sabe-se lá qual música junto de outras pessoas. Diana nunca havia se visto daquela forma tão feliz, tão livre, tão ela. E ela gostou do que viu.
Lembrando do próprio celular, pegou o aparelho na tomada e o ligou, já esperando uma enxurrada de mensagens e ligações perdidas do noivo. Mas não havia nada. Maurício não dava as caras desde a tarde anterior e ela sequer se importou com isso naquele momento. Sentou-se no sofá e começou a ver as notificações quando Gael se sentou ao seu lado.
– Posso ver a foto que você tirou ontem? – ele pediu com um sorriso.
– Nossa, eu nem me lembrava.
Diana confessou ao abrir o rolo de câmera. Assim que ampliou a foto um sorriso involuntário surgiu em seus lábios. A fotografia tremida não disfarçava os olhares ébrios de ambos, que estavam de rostos colados devido ao abraço que ela dava ao redor do pescoço do rapaz. Gael também sorriu ao notar as risadas espontâneas que a câmera capturou. E se encantou com os olhos heterocromáticos que se destacaram ainda mais por conta do flash.
– E você ainda tem coragem de me dizer que eles são feios – Gael apontou para os olhos na fotografia.
– Lindos é que não são – Diana deu de ombros – Na escola faziam bullying com isso.
– Você é doida e adolescentes são idiotas.
Antes que Diana pudesse responder, a campainha tocou e Gael precisou atender. Logo poucos convidados chegaram – e ela percebeu que seria só a família mais próxima daquela vez – e eles precisaram subir para a laje. O tatuador foi acender a churrasqueira enquanto ela e Rita ajudavam dona Cida a trazer o arroz e as saladas para o almoço.
Diferentemente da noite anterior, no domingo as músicas estavam mais baixas e a festa mais tranquila. Rita conversava com alguns primos enquanto dona Cida jogava conversa fora com suas irmãs. Diana observava as pessoas ao redor e mais uma vez se convenceu que sua família não era das melhores. Não percebeu quando Isadora se aproximou.
– Diana, certo? – Isadora perguntou e ela afirmou – Ontem eu não tive tempo de te agradecer por ter tirado minha irmã da delegacia – sentou-se ao seu lado.
– Não precisa agradecer – Diana sorriu – Ela não seria presa, no máximo um processo, pagar algumas cestas básicas...
– Mesmo assim – retribuiu o sorriso – O Gael me contou que você não quis nada em troca, isso eu não tenho nem como agradecer.
– Não foi nada – encolheu os ombros – Era o mínimo que eu poderia fazer, ele me salvou naquela noite, se não fosse pelo Gael eu teria dormido no escritório.
– Ele é um menino de ouro – Isadora lançou um olhar orgulhoso para o irmão.
– É engraçado você chamar um homem desse tamanho de menino – Diana olhou na mesma direção e se distraiu com o rapaz tatuado sem camisa devido ao calor.
– Coisa de irmã mais velha – deu de ombros – Você tem irmãos?
– Uma irmã mais velha, mas nós não somos como vocês. Quase não temos contato, na verdade.
Dizer que quase não tinha contato com Fernanda não era mentira, Diana apenas omitiu a parte em que era ela quem evitava a convivência com a irmã mais velha por não suportar ser comparada a ela em qualquer situação. Se fosse algo que partia apenas de seus pais talvez não se importasse tanto, mas ver a irmã sempre tentando colocá-la para baixo apenas para inflar seu ego a fazia querer distância.
Isadora continuou conversando com a advogada por algum tempo até seu marido chegar com as crianças. Ela morava na casa da frente do mesmo quintal que a mãe, mas por ter trabalhado naquele domingo e ter chegado há pouco tempo o homem precisou carregar os filhos consigo até o mercado para comprar refrigerante para o almoço. Gael agradeceu aos céus ao ver o cunhado, já o puxando para a churrasqueira.
– Finalmente – Gael se jogou na cadeira ao lado de Diana e a estendeu uma cerveja – Ficar na churrasqueira nesse sol tá impossível.
– Vou tomar só essa – Diana abriu a latinha e deu um gole – Amanhã eu trabalho.
– Então eu não vou ter o prazer de ver a Diana que dança descalça hoje?
– Impossível – ela riu – Eu preciso voltar para casa ainda hoje.
– Você pode dançar descalça estando sóbria também.
– Seja sincero, você acha que existe qualquer probabilidade de me ver dançando sem ter uma garrafa de vinho inteira na corrente sanguínea?
– Quer que eu seja bem sincero? – Gael perguntou e Diana assentiu – Não sei se existe, mas eu adoraria ter o prazer de ver.
Não foi a intenção de Gael que aquilo soasse como uma investida galanteadora, mas foi exatamente como soou para Diana, que sorriu envergonhada e agarrou a aliança em seu dedo anelar direito.
– Quer dizer, eu espero que você tenha entendido, eu não quis usar o duplo sentido, só tô dizendo que seria ótimo te ver feliz sem precisar de álcool... – Gael já estava se explicando demais, a fazendo rir.
– Tá tudo bem, Gael. Eu entendi o que você quis dizer – apoiou sua mão sobre a dele – Eu só acho que vai ser difícil isso acontecer de novo, para não dizer impossível.
– Então ainda bem que eternizamos o momento, né?
Dona Cida estava conversando com sua irmã do outro lado da laje, mas seus olhos estavam focados no filho e na advogada que conversavam e sorriam um para o outro. Por mais que soubesse que ela estava noiva e que Gael afirmasse que não tinha interesse algum em Diana, era inegável que eles tinham muita química.
Sem perceberem o olhar curioso da senhora, os dois conversavam sobre plantas – um assunto aleatório que dessa vez foi iniciado por Diana. Ela elogiava todos os vasos de dona Cida e a forma como ela conseguia cuidar de tantas espécies diferentes sem deixar nenhuma morrer. Gael afirmava que sua mãe sempre soube como tratar e que inclusive conversava com as flores todas as manhãs. A moça sorriu e afirmou que talvez os arranjos ganhados de Maurício morriam por falta de conversa.
– Ou falta de água. Não sei se você sabe, mas plantas precisam de água – ele ergueu as sobrancelhas e sorriu.
– Esse é um dos problemas! Eu nunca me lembro de aguar!
– Você precisa de um cacto então.
– É capaz de até ele morrer de sede. Gael, eu sou uma negação – Diana riu.
– A senhorita perfeição está me dizendo que não é boa em algo?!
– Eu sou horrível em tantas coisas... Bom, você me viu cantar ontem à noite – deu de ombros.
– Era só um karaokê, não o The Voice – torceu os lábios – Além do mais, pessoas perfeitas demais são chatas e entediantes.
– Você está dizendo isso para me agradar.
– Eu não sou bajulador, só tô sendo sincero.
O cunhado de Gael logo interrompeu a conversa dos dois o intimando a assumir a churrasqueira. O rapaz não tinha outra saída então aceitou. Diana ficou sentada sozinha observando o tatuador até que Rita e Isadora se aproximaram e começaram a conversar amenidades já que a advogada se recusava a dançar, não importava o quanto as moças insistissem.
O dia passou tão rápido que Diana sequer percebeu que estava ali há quase vinte e quatro horas. Ao se dar conta que ainda trabalharia no dia seguinte, se despediu de todos e agradeceu imensamente à dona Cida por tê-la acolhido tão bem. Rita a abraçou forte e pediu para que ela não se afastasse, pois já a considerava uma amiga. Gael preferiu não se despedir e acompanhá-la até o carro.
– Eu espero que você tenha gostado da festa, me desculpa qualquer coisa – Gael apoiou o corpo no carro branco.
– Desculpar?! Gael, mesmo eu não estando no meu melhor estado ontem, fui sincera ao dizer que essa foi a melhor festa que eu já fui – Diana sorriu.
– Eu não sei dizer se já foi a melhor que eu já fui, mas foi uma das que eu mais me diverti aqui na casa da minha mãe.
– Se divertiu?! Passou metade da noite comigo na cozinha!
– Você precisa parar de achar que é uma má companhia – estalou a língua – Eu poderia ter ficado lá em cima o tempo todo se eu quisesse. Mas eu não quis.
– Obrigada por isso – apoiou a mão no braço tatuado – Você fez toda a diferença. Mas eu já tenho uma nota mental me informando que não posso tomar vinho com você – riu.
– Você não precisa de vinho – deu de ombros – Aquela Diana tá guardada aí em algum lugar.
– Obrigada por trazê-la à tona ao menos uma vez.
Diana o abraçou timidamente, pois não estava acostumada a qualquer demonstração de afeto. Ele retribuiu com um abraço apertado e novamente a agradeceu pela presença. Ela entrou no carro e deu partida, mas antes de sair chamou por Gael mais uma vez, que já estava atravessando a rua.
– Sim? – ele voltou até a janela do carro.
– Eu só queria dizer que você não é mais só o cara que eu atropelei. Você se tornou um amigo. Muito obrigada por isso.
– E você já deixou de ser a advogada louca que me atropelou na faixa de pedestres faz tempo – ele sorriu – É recíproco.
Gael deu dois tapinhas na lataria do carro e atravessou a rua. Diana ligou o GPS e seguiu o longo caminho até seu apartamento. Tirou os saltos assim que entrou em casa e se olhou no grande espelho de seu guarda-roupa. O vestido estava mais curto do que o de costume, seus cabelos soltos secaram ao vento e ficaram ondulados e rebeldes, seu rosto não tinha um pingo de maquiagem e seus olhos estavam cansados, mas ela via o reflexo de uma pessoa estranhamente feliz.
Olhando para aquele reflexo tão desconhecido, Diana se reconheceu.
Olá meus amores! Como estão?!
Eu gosto tanto dessa mudança que está acontecendo aos poucos com a Diana! Ela se reconhecendo nesse finzinho do capítulo deixa o meu coração quentinho demais ♥
Espero que estejam gostando do rumo da história!
Nos vemos em breve!
Beijinhos ♥
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top