10 - O doce sabor da cerveja

Vejo aquela feição em seu rosto e aquele seu olhar. Ela pensa "Como eu vim parar aqui?" e se pergunta o motivo.
22 - Lily Allen

Os dias pós-Carnaval foram tranquilos, já que se iniciou na quarta-feira de cinzas logo após o meio-dia. Aproveitando o marasmo daquela curta semana Diana e Maurício decidiram revezar o trabalho presencial e naquela sexta-feira era a vez dela de estar no escritório. A moça estava em sua sala com algumas papeladas espalhadas por sua mesa quando ouviu uma voz feminina familiar vinda da recepção, só não se lembrava de onde a conhecia. Logo a recepcionista telefonou para seu ramal dizendo que uma cliente desejava vê-la.

Assim que Diana foi até a recepção para encontrar a tal cliente, deu de cara com uma Rita empolgada debruçada no balcão conversando com a recepcionista, que ria de algo que a irmã de Gael falou. Chamou a moça até sua sala de maneira educada, mas temia que ela tivesse aprontado mais alguma coisa e precisasse de seus serviços mais uma vez.


– Oi doutora! – Rita a deu um beijo no rosto – Quanto tempo!

– Olá Rita! Pode se sentar, por favor – Diana sorriu para a moça e indicou a cadeira – Em que posso ajudá-la? Aquele policial praticou abuso de poder contra você de novo?

– Não, aquele lá nem mexe mais comigo – Rita sorriu e relaxou na cadeira confortável – Eu vim aqui te fazer um convite.

– Eu estou confusa – Diana riu – Que tipo de convite?

– Amanhã é meu aniversário, sou logo do início do signo de peixes, que inclusive é o melhor signo do zodíaco. Aí a gente vai fazer um churrasco lá em casa e eu tô a semana toda insistindo pro Gael me passar seu contato porque eu queria te chamar já que você me livrou de um B.O né? Ele tá enrolando e não me passa, aí eu fucei o Facebook dele e te encontrei, lá eu vi que você trabalhava aqui e como eu tinha que vir pro Centro hoje pra comprar umas coisas eu decidi passar aqui pra te convidar. É muito importante pra mim que você vá, eu quero que todos os meus amigos conheçam a advogada maravilhosa que fez aquele porco fardado calar a boca, ficar com o rabinho entre as pernas e me liberar.


Rita falava numa velocidade que Diana não conseguia acompanhar, pois ainda estava tentando entender a questão irrelevante do signo quando a moça já falava algo sobre um porco fardado e o seu cérebro ainda no ritmo de feriado não estava conseguindo assimilar nada.


– Rita, calma – Diana riu da empolgação da outra – Eu não tenho pressa, pode falar devagar.

– Ai doutora, vou tentar resumir. Amanhã é meu aniversário porque eu sou pisciana né, aí eu decidi fazer um churrasco pra comemorar porque não é todo dia que se faz 22 anos e como já dizia Lily Allen, quando se tem 22 o futuro parece brilhante... – mais uma vez Rita se perdeu no próprio raciocínio e quando se deu conta, estava falando rápido e sem parar mais uma vez.

– Ok Rita, eu entendi, pode respirar agora – Diana sorriu – Eu agradeço o convite, mas não sei se poderei ir.

– Ah, tudo bem – a garota murchou – Você deve ter planos melhores e mal me conhece, eu sei.


Diana odiava ser o motivo da frustração de mais alguém além dela mesma. Rita forçou um sorriso e se levantou, pronta para se despedir.


– Rita, espera – Diana a chamou – Me passe o endereço. Eu não prometo, mas tentarei comparecer.

– Sério? – Rita sorriu e já pegou uma caneta e um papel em branco que viu sobre a mesa – Vai começar às sete, mas pelo o que eu conheço dos meus amigos e da minha família, cinco horas já vai estar metade do pessoal lá. Não precisa levar nada, você é a minha convidada especial.

– Como eu disse, não posso prometer a minha presença. E não precisa me tratar como alguém especial, pois eu não sou. Sou só mais uma convidada, então nada de me chamar de doutora, tá? Sou só a Diana.


Rita assentiu e se despediu após contar para a advogada tudo o que ainda tinha para resolver no Centro, principalmente na 25 de Março. Diana ria ao ver como a mulher de quase vinte e dois anos tinha essência de menina. Após acompanhá-la até o elevador, parou para conversar com a recepcionista que comentava sobre a boa energia que a moça emanava.

***

O sábado amanheceu ensolarado, fazendo a claridade passar até mesmo pelas cortinas blackout do quarto. Diana surpreendentemente teve uma boa noite de sono, mesmo tendo ido dormir tarde depois de passar um bom tempo ponderando se deveria ou não comparecer ao aniversário de Rita. Perto das dez da manhã ela ainda não tinha certeza do que faria.

Sua mente não parava um segundo sequer enquanto tomava seu café da manhã. A cada mordida em sua torrada inventava um motivo novo para não ir. Rita era divertida, ela conhecia Gael e foi muito bem recebida por dona Cida, mas o medo dos demais convidados não gostarem dela a assombrava. Odiava ir sozinha a festas de pessoas desconhecidas, mas convidar Maurício não era uma opção. Seu noivo tinha algumas qualidades, mas humildade infelizmente não era uma delas e a vergonha de Diana não era da casa simples onde iria, mas sim daquela família tão gentil conhecer a personalidade esnobe do homem.

Durante todo o dia Diana ficou ansiosa, passou horas olhando para o relógio enquanto pensava no que fazer. De qualquer maneira já havia ligado para o noivo e informado tinha um compromisso com uma amiga naquela noite – e ela não sabia como foi que ele acreditou, já que seu ciclo de amizades era quase inexistente. Maurício disse que também iria sair e até a convidou, mas ela já tinha seu álibi caso decidisse ficar em casa sozinha.

Seis da tarde e Diana estava enrolada na toalha encarando três conjuntos de roupas sobre a cama: uma saia-lápis preta e uma blusa de cetim branca formais demais para um churrasco, um vestido de corte reto azul marinho que sua mãe usaria e a uma calça jeans com a mesma blusa estampada que usou no aniversário de seu sobrinho. Das três somente a última combinação parecia apropriada, então decidiu deixar de lado as vozes de sua mãe dizendo que ela estava malvestida e se trocou. Uma maquiagem leve na pele, rímel nos olhos e um batom nude para completar. Os cabelos em um rabo de cavalo alto davam o toque final, deixando pequenos brincos dourados à mostra.

O apartamento cheirava a perfume floral em todos os cômodos enquanto Diana procurava algo para presentear Rita. Não acreditava que havia se esquecido desse pequeno detalhe. Por fim escolheu um dos vários cremes hidratantes que ganhou de seus clientes no último Natal e que ainda estavam lacrados. Ainda aproveitando os presentes que ganhava, pegou o primeiro vinho que encontrou e saiu mesmo sem ter certeza de que deveria ir.

Diana se distraiu com as músicas que cantava alto em seu carro durante os vinte e cinco quilômetros que separam sua casa da festa de Rita, fazendo o caminho parecer mais curto. O GPS apontou que o local de destino estava próximo assim que adentrou no bairro periférico onde músicas se misturavam entre casas e motos rasgavam as ruas.

Foi difícil encontrar um local para estacionar naquela rua estreita, mas Diana colocou seu carro no primeiro lugar que encontrou e desceu munida do presente e da garrafa de vinho. Sentiu um frio na barriga ao se aproximar da casa barulhenta e se arrependeu no momento em que tocou a campainha. Não sabia o que tinha na cabeça quando decidiu comparecer à festa, não por Rita ou por sua família, mas por receio de ficar deslocada no local onde não conhecia ninguém. Correr após tocar a campainha não era uma opção, por mais tentador que fosse, então aguardou. "Eu fico uma meia hora e vou embora", pensou.

Rita ouviu a campainha, mas estava tão entretida dançando com seus amigos que sequer deu atenção. Dona Cida estava na cozinha fazendo uma panelada de arroz para os convidados e já havia falado que não ficaria de porteira na própria casa. Gael desceu as escadas reclamando que suas irmãs nunca atendiam o portão e deu um passo para trás ao ver Diana distraída lendo o rótulo do vinho para se acalmar.


– O que você tá fazendo aqui?! – Gael não escondeu a surpresa ao vê-la.

– Desculpa, eu sabia que não deveria vir, sua irmã me convidou e eu não sei de onde tirei que seria apropriado... – Diana ficou tensa e começou a procurar a chave do carro na bolsa.

– Não! – ele se apressou em abrir o portão e dar passagem para ela – Claro que deveria vir! Entra!

– Eu trouxe isso – estendeu o vinho para ele, que aceitou com um sorriso – A Rita me disse que não precisava trazer nada, mas seria indelicado da minha parte.

– Eu agradeço por ela e por todo mundo, mas isso vai acabar em questão de segundos – riu – Pode vir por aqui.


Nem mesmo toda a hospitalidade e simpatia de Gael foi capaz de diminuir a vergonha de Diana no momento em que subiu até a laje onde acontecia a festa. Tinha gente demais, mais do que ela esperava. Em sua cabeça todos a julgavam por qualquer coisa da mesma maneira que acontecia quando ela chegava em alguma confraternização de sua família, mas de todas as pessoas ali presentes apenas Rita notou sua vinda.


– Doutora! Eu jurei que você não viria! – Rita a abraçou forte, genuinamente feliz por vê-la – Gente, foi ela que fez aquele policial otário calar a boca! – a moça gritou para os convidados, que responderam algo ininteligível e ergueram seus copos e latas num brinde rápido antes de voltarem a se concentrar em assuntos aleatórios.

– Rita, pelo amor de Deus! – Diana ficou completamente envergonhada e puxou o braço da menina – Lembre-se do que nós conversamos, nada de doutora! Eu sou uma convidada normal! – estendeu o embrulho de presente para ela – E isso é para você. É só uma lembrancinha.


Rita abriu o presente empolgada e passou o creme hidratante na mesma hora. Agradeceu a Diana algumas vezes e pediu para que ela ficasse à vontade, pegasse uma cerveja na caixa de isopor e se sentasse em alguma das cadeiras de plástico vagas pela laje, logo saindo para guardar o embrulho e voltar a dançar com seus amigos.

Diana encontrou uma cadeira num canto mal iluminado e próximo à parede onde tinha certeza que ninguém repararia em sua presença. Colocou a bolsa em seu colo e logo pegou o celular para passar o tempo. A festa definitivamente estava animada, mas devido a seu receio de fazer ou falar algo errado, preferiu passar despercebida.


– Achei você – Gael estendeu uma latinha de cerveja para ela e sentou-se ao seu lado.

– Eu não bebo cerveja – ela negou educadamente com um sorriso – Minha mãe diz que não é bebida de mulher... – revirou os olhos.

– Sua mãe vive em qual século? – ele abriu sua latinha e virou metade do líquido de uma só vez – Além do mais ela não tá aqui e você já é uma mulher adulta. Mas se quiser eu pego vinho, refrigerante, suco... o que você quiser.

– Não, não precisa se preocupar comigo. Cerveja está bom – Diana pegou a latinha que ele trouxe para ela e abriu, mas não conseguiu dar dois goles sem sentir vontade de arrotar. Aceitou apenas para não dar trabalho ao irmão da aniversariante que estava ali para se divertir e não para servi-la.

– Só sabe apreciar o doce sabor da cerveja quem conhece o amargo da vida – Gael ergueu a lata num brinde solitário, exaltando o líquido dourado.

– Eu deveria ser uma mestra cervejeira então – Diana murmurou consigo mesma sem que o rapaz ouvisse.

– Disse algo? – ele desviou os olhos de sua lata para ela.

– Não, somente que a festa está animada – ela disfarçou com um sorriso.

– Eu tô achando meio mortinha. Ainda não tem nenhum bêbado cantando Evidências no karaokê. As festas daqui de casa só ficam animadas quando alguém canta Boate Azul ou Evidências.

– Então você está me dizendo que aquelas pessoas dançando não estão animadas? – ela apontou para um grupo dançando a música agitada que tocava.

– A mais alta é minha tia, a ruiva é a Isa, minha irmã mais velha, o cara é o marido dela e a baixinha é minha prima. Acredite, quando essas aí estiverem bêbadas isso aqui vai virar o caos – Gael riu – Daqui umas duas horas você vai ver.

– Daqui duas horas elas ainda terão disposição para dançar?

– Daqui duas horas a festa vai começar – Gael apoiou os cotovelos nos joelhos e a encarou – Você não costuma ir em festas né?

– Eu vou nos aniversários da minha família – deu de ombros.

– E como são as festas na sua família?


Gael perguntou e Diana tentou puxar em sua memória algum momento engraçado para poder contar para o rapaz, mas não encontrou nenhum. Todas as comemorações eram silenciosas, apenas o ranger de talheres sobre os pratos se faziam presentes na grande maioria das festas. Quando muito seus pais colocavam músicas instrumentais como trilha sonora – aquelas mesmas que ela chamava de música de elevador, seu terror particular. Nunca viu ninguém de sua família dançar, cantar ou se embebedar. Até mesmo as crianças eram podadas de suas brincadeiras, enquanto naquela laje os dois sobrinhos do tatuador corriam como se não houvesse amanhã.


– São sempre jantares rápidos e eu costumo ir embora cedo, então não sei como eles ficam depois que eu saio – esboçou um sorriso – Dificilmente houve uma confraternização que durasse mais do que duas horas.

– Já essa aqui não vai acabar antes das quatro – Gael sorriu e se levantou – Eu vou olhar a churrasqueira porque como você viu, meu cunhado tá dançando e esqueceu das carnes. Qualquer coisa pode me chamar. Você já sabe onde encontrar as bebidas.


Gael piscou para ela e seguiu até a churrasqueira. Diana ficou observando toda a movimentação das pessoas e desejou que sua família fosse daquela maneira pelo menos uma vez na vida. Ver todas as pessoas rindo alto, cantando, dançando, brincando, interagindo e bebendo a fez desejar estar ali no meio sem receios do que iriam pensar. Mas ela pensava e pensava demais, por isso se levantou da cadeira apenas para pegar mais uma bebida e voltou a esconder-se naquele canto mal iluminado.

Olá meus amores! Como estão?

Como sempre, eu tenho que dizer que amo o Gael e a família dele, a Rita é TUDO! ♥

Eu amo esse capítulo e o próximo, então vou postar os dois de uma vez porque não dá pra cortar essa festa no meio kk (eu só dividi em dois porque estava passando de 5 mil palavras).

Beijinhos e até já ♥

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