03 | ELFOS COMO VOCÊ

Um tempo depois, a elfa vem até mim na sala usando as roupas que deixei na porta do banheiro.

    — O que você é?

    — Como é?

    Eu estava sentado frente a frente com a misteriosa elfa, cada um em um sofá. Eu não estava com paciência para ficar brincando de gato e rato com ela, apesar de devido a sua personalidade o relacionamento "gato e rato" já era algo a se esperar.

    — Está mais que claro que sou uma elfa. — Responde o óbvio.

    — Não, você é diferente.

    — Só por que tenho asas?

    — Não existem elfos como... — Minha fala some quando eu olho para as asas. — Não era pra existir.

    Encosto as costas no encosto do sofá e cruzo as pernas. Meus braços se cruzam sobre meu o peito e reflito no que acabei de dizer.

"Não existem elfos assim."

    — Você... Está dizendo... — Ela resmunga tentando encontrar as palavras exatas. — Está dizendo que vocês nunca viram uma elfa como eu?

    — Isso.

    — Eles nunca cruzaram o portal? — Ela resmunga a si mesma. Não sei o que está passando em sua mente, mas ela começa a ficar nervosa. — Eu pensei...

    — Pensou o quê?

    — Nada. Isso não importa agora. — Ela finalmente volta a olhar pra mim.

    — Eu preciso saber o que você é, de onde você veio e por que razão está aqui.

    — Primeiro me faz sua escrava para depois fazer...

    — Não te fiz minha escrava por que queria uma escrava. — Respondi rápido, apesar de não ter me importado com a pergunta dela. — Eu precisava manter você por perto para entender o que você era e por que só eu consigo te ver da maneira que é.

    As sobrancelhas dela se juntaram e ela pareceu ter ficado ainda mais confusa.

    — Esqueça isso por enquanto. Me conte tudo o que eu devo saber por agora.

    — Tá... — Ela se levanta e caminha até próximo a janela. — Está vendo aquelas montanhas? — Apontou para os montes, era quase impossível vê-los devido a distância e a neblina. — Tem um reino ali que chama Duskwind, o lar dos elfos do céu.

    — Aquele lugar é... habitável?

    — Para nós o clima é perfeito, a vegetação é perfeita, tudo é perfeito. — Sua voz carrega um tom nostálgico enquanto olha para fora da janela.

    — Como veio parar aqui então?

    — É uma ótima pergunta.

    — Você não sabe?

    — Eu sei... Ao mesmo tempo que não sei. — Revirei meus olhos.

    — Isso não facilita muito as coisas, sabe?

    — É só um pouco confuso, pode acabar não fazendo muito sentido.

    — Vá em frente. Me conte tudo, mesmo sendo confuso.

    Ela respirou fundo algumas veses como se estivesse pegando coragem. Não consegui deixar de reparar no movimento que suas mãos faziam, apertando com certa força as roupas, parecia ser uma forma dela aliviar a tensão.

    — Lily... Pode me chamar de Lily... Bom eu estava em uma festa na floresta e resolvi sair do meio da bagunça pra dar uma caminhada. Então eu encontrei alguém e o convidei para celebrar conosco.

    — Alguém? — Pergunto desconfiado.

    — Um homem.

    — Hum. Prossiga.

    — Eu chamei esse homem para se juntar aos outros mas ele não queria, disse que estava ali de passagem e não podia perder tempo. Então... — Ela deu uma pausa com uma expressão estranha. Estava ocultando alguma coisa. — Como queria sair das montanhas e sabendo que ia ser uma longa caminhada eu o convidei para ao menos levar um pouco de comida para viagem.

    Ela não deveria ter dado tanto abertura para um estranho.

    — No início quando o vi eu senti uma energia ruim, mas depois ela sumiu, como se nunca tivesse existido... Ou talvez ela nem tenha sumido, talvez só eu que não conseguir mais sentir depois do... De passar um tempo com ele.

    — E aí? — Ela volta para o sofá.

    — Eu o acompanhei até o portal, e ele me pediu para atravessar com ele. Eu nunca tinha atravessado, mas se um de fora conseguia, eu também conseguiria, não é?... Foi o que eu pensei na hora... Eu atravessei, só que aí ele sumiu.

    — Sumiu?

    — Tudo desapareceu. Eu nunca vi um lugar tão estranho como o outro lado. Eu estava em uma floresta, era escuro e silencioso. Eu não sei explicar, mas não tinha sons de nada... Eu não ouvia nem o vento e não sabia para onde ir, foi aí que de repente algo me atacou.

    Aquilo fazia sentido, ela bem que parecia ter saído de um duro combate corpo a corpo quando a encontrei.

    — Eu não sei o que era, mas era muito poderoso... Mas eu consegui fugir, é isso que importa... O problema é que eu não sei como voltar pra casa. Talvez se eu refazer o mesmo caminho...

    — Não. — Minha voz soou grave depois de um tempo calado. — Não é uma boa ideia retornar para aquela floresta. Ela é perigosa de mais pra você.

    — Pra mim? — Repete como se estivesse ofendida. — Soldado, eu não sou uma dama indefesa. Eu sei me defender.

    — Claro, claro. — Era quase impossível de acreditar. Bom, ela certamente sabia criar uma confusão e fugir dela, mas e em combate? Ela sabia mesmo lutar?

    — Está duvidando de mim? — Questionou, percebendo de alguma forma o que se passava na minha mente.

    — O quê acha?

    — Não é nada cavalheiro da sua parte.

    — Eu nunca disse que era um. — Lily cruza os braços e balança a cabeça em confirmação.

    O olhar dela vagou pela sala, mais especificamente pelos quadros nas paredes.

    — Você pinta muito bem. — Segui a direção que ela olhava.

    — Como pode saber se fui eu ou um outro que pintou esses quadros? — Ela olha pra mim de um jeito despreocupado.

    — Intuição.

    Ela é muito convencida quando quer. Mas ela estava certa de qualquer modo. Todos os quadros que estavam pela casa — poucos deles pendurados e o resto na minha sala de pintura — foram obras minhas.

    — Gosto de fazer uma coisa ou outra nos tempos livres. — Ela fica em frente ao quadro, analisando-o de ponta a ponta.

    — Você pinta bem. Mas parece delicado de mais para um homem tão bruto. — Virou o rosto na minha direção.

    — Virou algum tipo de entusiasta de arte para julgar o meu modo de pintar?

    — Tem outros dons ocultos? Eu adoraria continuar julgando. — Revirei o olhar, mas ela não saiu dali, continuou encarando a paisagem noturna com uma atenção cuidadosa. — É deslumbrante. — A ouço dizer baixinho.

    Me pego observando a cena por tempo de mais, sinto algo estranho dentro de mim, e pela primeira vez desde que nossos caminhos se cruzaram, eu consegui dar um sorriso, pequeno, mas verdadeiro.

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