Capítulo 01

 Eles dizem que lar é onde seu coração está inalterável. 

Não é apenas onde você deita sua cabeça.

♡ Home – Gabrielle Aplin


  Paz. Paz era o que ela sentia emanar da paisagem à sua frente e repercutir por todo o seu ser.

  O som da copa das árvores sendo balançadas pelo vento, a me­lodia dos pássaros e o cheiro da natureza formavam aquele cenário sublime.

  Quem poderia imaginar que, após anos sendo o centro da aten­ção da mídia nacional, Hannah McCleary moraria em Bridgeport, tra­balharia com marketing digital e estaria mais do que satisfeita com o anonimato e a calmaria de sua vida?

  Aqueles que a conheceram sob os flashes, com certeza, estariam descrentes se soubessem que a modelo trocou o glamour e as passare­las por um cantinho longe dos holofotes.

  Hannah se acomodou melhor entre as almofadas do sofá mar­fim. Apoiada lateralmente no espaldar do móvel, continuou a obser­var a bela paisagem através da grande parede de vidro. O ser deitado em seu colo resmungou pela movimentação repentina e esfregou a cabeça em suas pernas, mas logo voltou a se entregar ao sono.

  A antiga modelo afagou a cabeça de Brutus, o grande Rottwei­ler, e sorriu docemente ao constatar que se ele fosse um gato, ronro­naria em deleite pelo carinho que recebia.

  Ela e seu companheiro de casa adotaram Brutus dois anos an­tes. Na época, ele era um filhotinho desnutrido que muitos aposta­vam que não sobreviveria nem seis meses. Mas seus novos donos acreditavam piamente que o filhote só precisava dos cuidados de um bom veterinário, uma boa alimentação e muito amor para conseguir viver. E foi assim que o cachorrinho cresceu energético, brincalhão e extremamente manhoso.

  O momento de contemplação foi quebrado pelo profundo ronco de motor, que fez Brutus ficar rapidamente em alerta. O Rottweiler correu até a porta e voltou balançando o rabo fervorosamente acom­panhando cada passo do recém-chegado, que colocava as compras na bancada da cozinha.

  Hannah os observava deliciando-se com o que restou de seu ca­fé. O homem ficou de cócoras e acariciou a cabeça de Brutus, que latiu em aprovação. Ele seguiu para o sofá com o animal em seu encalço.

  Após depositar um singelo selar nos cabelos de Hannah, se jo­gou no espaço ao seu lado e Brutus acomodou a cabeça em seu colo na expectativa de receber mais carinho, o que foi prontamente atendi­do.

  — Minha paz foi dilacerada. — Ela fingiu lamentar enquanto o homem ao seu lado mudava freneticamente os canais da televisão.

  — Desculpe interromper seu momento contemplativo, mas eu precisava voltar para casa, sabe? — retrucou Jackson sem desgrudar os olhos de um programa de esportes qualquer. — E não tem como eu mutar a minha moto, Hane Honey.

  Jackson West era seu companheiro de casa há três anos. Na ver­dade, seriam quatro anos se contasse a época em que ele dormia mais em sua cama do que na própria.

  Hannah o conheceu em um dos eventos de uma marca de sapa­tos que a patrocinava quando era modelo. Estava entediada com a festividade, já havia escutado cinco longos discursos e as comidas mais pareciam amostras grátis do que de fato refeições. Cansada e de­sejando desesperadamente voltar para casa e comer um pote de sor­vete, a modelo deixou escapar sua insatisfação e foi ouvida por nin­guém mais ninguém menos que Jackson West, o mais novo "faz tudo" do mundo do entretenimento.

  Curiosamente, ele concordava plenamente consigo, isso fez com que surgisse um tipo de conexão automática típica daqueles que são contra eventos enfadonhos e sem comidas decentes. Conversaram du­rante o resto do evento, mas só se aproximaram no ano seguinte, ao se tornarem modelos e embaixadores de uma marca que patrocinava a ambos.

  Nunca se passou pela cabeça de Hannah que o seu colega de profissão e mais novo amigo seria quem estaria ao seu lado no que considerava ser a fase mais difícil da sua vida. Foi Jackson quem a protegeu de todas as fofocas, de todas as mentiras e de todos os papa­razzi quando ele a deixou.

  — Por que está me olhando assim? — perguntou o mais novo desconfiado. Hannah riu da forma como ele amarrou o cabelo com uma liga roxa vibrante e deitou a cabeça em seu ombro.

  Jackson era uma figura fundamental em sua vida e Hannah o amava tanto que às vezes tinha medo de que ele também a deixasse. Todavia, Jackson sempre lhe assegurava que estaria ali e ela acredita­va que se ele viu o perfeito caos que havia se tornado e continuou ao seu lado, isso com certeza deveria significar alguma coisa.

  — Dormiu bem noite passada? — A antiga modelo assentiu an­tes que o amigo se preocupasse. — A doutora Morgana disse que os remédios ajudariam.

  — E estão ajudando.

  Há quatro anos, Hannah começou a ser acompanhada por Mor­gana Spatiele, médica psiquiátrica e terapeuta confiável. Morgana era uma mulher com quase quarenta anos que tinha uma voz calma e um olhar sério que parecia ler até a alma de seus pacientes e, mesmo após ir embora de Nova York, Hannah continuou o tratamento por video­chamadas e visitas domiciliares.

  — Me sinto preguiçosa — murmurou se aconchegando ao calor que o corpo de Jackson emanava.

  — Isso você já era — provocou ele beijando sua testa.

  Jackson se deitou no sofá e a acomodou entre seus braços, Han­nah sorriu. O mais novo começou a afagar seus cabelos e ela se entre­gou ao mundo dos sonhos com a certeza de que não acordaria mais em um pesadelo e que não estava mais sozinha. Estava em seu lugar favorito no mundo inteiro.

  Hannah se espreguiçou e piscou algumas vezes para se habitu­ar à claridade. Sentia-se letárgica.

  — Certo. Agradeço imensamente a oportunidade, senhor. — Jackson estava próximo à bancada da cozinha falando ao telefone.

  Ela coçou os olhos e consultou o relógio na parede – eram onze horas da manhã.

  — Hannah! — Jackson chamou eufórico jogando seu corpo so­bre o dela. — Você não sabe! — Apoiou os antebraços no estofado de forma que ela estivesse com a cabeça entre eles e lhe encarou alegre.

  Hannah se remexeu sob o seu corpo e enlaçou seu pescoço com os braços.

  — O que foi, Jackie? — perguntou encarando o sorriso que pa­recia querer rasgar a face dele.

  Ele estava empolgado. Extremamente empolgado. E Hannah só o via com aquele nível de empolgação por quatro motivos: ela, a mãe dele, a música e as trilhas nas montanhas – essa última fazia a coluna dela gelar ao lembrar da primeira e única experiência que teve com tal hobby.

  Engolindo em seco e semicerrando os olhos, o encarou descon­fiada.

  — Eu vou ter uma turnê! — declarou Jackson animado.

  — O quê?

  — Eu. Terei. Uma. Turnê! — O sorriso dele, que naturalmente podia ser comparado ao próprio sol, naquele momento poderia subs­tituir o astro brilhante.

  A antiga modelo demorou alguns minutos para absorver a in­formação, mas, quando absorveu, gritou em comemoração e o balan­çou pelos ombros com tamanha força que ambos rolaram do sofá para o chão. Ela caiu por cima do cantor e se apoiou confortavelmente sobre o seu peito. Eles se encararam e riram.

  Era uma grande conquista.

  Jackson amava e se expressava através da música. Ele almejava ser cantor desde os dez anos, mas, para ganhar espaço no mercado, teve que se adaptar a diversos papéis da indústria midiática, tor­nando-se conhecido como o "faz tudo" do mundo do entretenimento.

  Aos dezesseis anos, ele aceitou pequenos trabalhos como mode­lo e, como não queria depender inteiramente do dinheiro de seus pais, começou a trabalhar meio período fazendo entregas para um restaurante familiar. Após se assegurar que conseguiria pagar pelos custos básicos para se manter em Nova York com o que ganhava como modelo, Jackson passou a fazer audições para pequenos papéis em filmes e participou da composição de algumas músicas pop chi­cletes.

  Obviamente o caminho para realizar o seu sonho não foi fácil, principalmente quando a mídia descobriu que ele era o filho mais novo do antigo Deputado Colin Heaven e começou a tentar lucrar re­lembrando "casos escandalosos" envolvendo a sua família. Mas, mes­mo que fosse difícil ignorar e fingir que nada do que eles falavam po­diam lhe abalar, Jackson seguiu em frente de cabeça erguida e não deixou de se sentir grato por cada pequena conquista.

  — Quando será? Para onde você vai? Como é o meio de trans­porte e a hospedagem? Já sabe quantos shows serão? — Hannah per­guntou alarmada. Sua respiração começava a ficar pesada. — Céus, temos que achar o seu passaporte! Também temos que ver a bagagem e...

  — Hane Hane, respira — a interrompeu sorrindo de forma tranquilizadora.

  Ele se levantou, se sentou no sofá e a puxou para perto. Hannah se acomodou em seu colo e deitou a cabeça em seu ombro, relaxando com a massagem que Jackson iniciou em sua nuca. O cantor começou a cantarolar Angel Baby do Troye Sivan até que ela se acalmasse.

  — É uma turnê por alguns países da América e da Oceania com estadia e transporte inclusos — falou calmamente. — Ela é fruto de um projeto que está sendo desenvolvido desde o ano passado.

  Jackson poderia falar sobre o assunto mais entediante do mun­do, mas sua voz ainda seria um dos melhores calmantes, se não o me­lhor, para Hannah.

  — Os diretores reuniram sete cantores que possuem algum re­conhecimento na indústria e programaram essa turnê em conjunto para que possamos promover uns aos outros. — Engoliu em seco an­tes de continuar. — Vamos daqui a dois meses.

  — É meio em cima da hora — murmurou Hannah. Ela segurou a mão livre dele e começou a brincar com seus anéis. — Mas também é maravilhoso! — apressou-se em dizer. — Temos que começar a ar­rumar as malas para você não esquecer de nada. Também precisamos de uma lista com todos os países para decidirmos as roupas mais apropriadas para cada clima!

  — Você vai para o Brasil! O Brasil! — falou Hannah com o prato de macarronada esquecido em sua frente. — Um dia, vou visitar o Brasil — declarou enfática.

  Ela amava viajar. Quando era modelo, possuía um mapa preto com linhas douradas em um quadro feito sob medida que pendurou na parede da sala de seu antigo apartamento. Todos os países que vi­sitava marcava com um alfinete dourado e aqueles que queria visitar tinham um alfinete preto.

  — Oh, você também vai para a Austrália!

  Desde o anúncio da turnê, estava focada em preparar as malas de Jackson. Na verdade, Hannah o enlouqueceu para conseguir a lista de países confirmados no mesmo dia em que a turnê foi confirmada e o fez jurar que comprariam roupa para adicionar a bagagem.

  O cantor sabia que ela nunca comprava apenas algumas peças, mas, mesmo com o risco de sua fatura vir quilométrica, entregaria o cartão satisfeito por vê-la feliz.

  — Sabia que eu hesitei em aceitar participar desse projeto? — disse Jackson cauteloso.

  — Por que diabos você negaria uma proposta dessas? Você está realizando o seu sonho!

  Anos antes, ele lhe disse com os olhos sonhadores: "Um dia, vou cantar em palcos espalhados pelo mundo, vou fazer com que minha voz che­gue até quem precisa ouvi-la e se dessa forma eu puder ajudar alguém pelo menos um pouquinho, vou sentir que tudo terá valido a pena". Finalmente, alcançou sua chance.

  — Você seria um grande tolo se não aceitasse — disse estupefa­ta. — Sinceramente. O que poderia fazer você cogitar desistir? Você... — Sua voz morreu ao encará-lo e seu peito apertou ao constatar a res­posta. — Jackie — chamou com a voz trêmula.

  — Não quero deixá-la sozinha — confessou sorrindo pequeno. — Você me acompanhar nessa turnê está fora de questão, sei disso. Mas não posso deixar você sozinha. — Ela retrucaria, mas Jackson foi mais rápido. — Sabe dos perigos, Hannah.

  Ela sabia e sentia. Sentia no coração acelerado, na mente enerva­da, na visão turva, nos tremores que se alastravam por seu corpo e na respiração descompassada. Sabia que as preocupações de Jackson ti­nham fundamentos e que ele tinha razão em não querer deixá-la sozi­nha naquela casa enorme.

  Jackson temia por sua segurança e Hannah tinha medo de si mesma.

  — Você está certo — admitiu com pesar.

  Ela não queria ser um peso para ninguém, principalmente para ele. Não queria que toda vez que uma oportunidade aparecesse, Jack­son titubeasse por sua culpa. Não desejava arrastá-lo para toda o caos em que estava se afundando, mas não podia e não queria deixá-lo. Era egoísta demais para afastá-lo e precisava dele para ancorá-la na­quela realidade.

  Precisava de Jackson para não voltar ao que eles criaram.

  — Ei, calma!

  Hannah se sobressaltou ao escutar a voz alarmada de Jackson. Só então percebeu que suas mãos estavam cerradas e que sua respira­ção estava acelerada.

  — Não pense demais, Hane Hane. — Jackson segurou sua mão gentilmente. — Está tudo bem — disse ele firme. Ela assentiu e inspi­rou profundamente.

  — Me conte. Qual é a brilhante ideia da vez? — perguntou fo­cando em qualquer coisa que não fosse o emaranhado de pensamen­tos que lhe sufocariam se os desse uma abertura.

  — Bem, eu pensei em você passar um tempo com seu pai e sua madrasta, mas, no momento, eles estão na Austrália e só voltarão da­qui a oito meses. — Ela assentiu. Aquela era a "lua de mel" deles.

  Tiago McCleary, pai de Hannah, e sua esposa, Elisa LeBlanc, eram aficionados pelo trabalho. Então, não tiveram lua de mel e nem um dia de folga quando se casaram quatorze anos antes.

  Devido à idade e ao estresse acumulado, precisavam urgente­mente de férias e, como queriam fazer algo diferente antes das bodas de cristal, Elisa sugeriu que fizessem um cruzeiro de cem dias, que se transformou em uma viagem estendida pelo mundo.

  Os filhos eram adultos, independentes e financeiramente está­veis e eles tinham boas economias. Além disso, seus trabalhos eram adaptáveis aos meios digitais, então Elisa e Tiago decidiram aprovei­tar o momento. Sendo assim, voltariam apenas em outubro.

  — Então, você tem duas opções, Hane Honey.

  Jackson sorriu de lado e continuou acariciando o dorso de sua mão com o polegar, adquiriu aquela mania por sempre usá-la para acalmar Hannah.

  — Provavelmente, você não vai gostar de nenhuma. — Os olhos dele possuíam um brilho malicioso, o que fez falta de ar a atacar no­vamente, mas era... Diferente. — A primeira é ir para a casa do Samu­el em Seaboard.

  — Nem pensar! — negou enfaticamente.

  Samuel L. McCleary era filho do falecido irmão mais velho de Tiago e Hannah o amava, sem dúvidas. Ele era o seu querido irmão mais velho, que ela adoraria visitar mesmo que não se falassem como antes. Entretanto, passar aquela temporada próxima à cidade natal dele com certeza não estava em seus planos. Não estava preparada para enfrentar tudo o que uma visita a Seaboard implicava.

  — Sabia que essa seria a resposta. — Jackson sorriu em diverti­mento. — A segunda opção é ficar com o Brutus na casa da minha mãe. — Hannah soltou um pequeno grunhido.

  Sinceramente, Hannah não sabia qual das duas opções lhe as­sombrava mais. Não que não gostasse da mamãe West. Mas já passou dois meses morando com Lídia antes da casa deles ficar pronta e, na­quela época, sentia que estava mais perto de enlouquecer a cada dia que passava junto à mais velha.

  Lídia West era uma senhora adorável, mas Hannah não tinha a menor vontade de passar cada um dos seus dias acordando às duas e meia da manhã para ser arrastada para o quintal, enquanto Lídia fala­va sobre suas plantações de verduras e a ensinava qual era a melhor forma de cultivá-las. A mãe de Jackson era dona de uma loja de pro­dutos naturais patrocinada pelo filho e via o cultivo e a colheita como uma terapia, que queria compartilhar com a antiga modelo.

  Hannah não tinha aptidão alguma para cuidar de plantas, já matou três dos cinco cactos que a mamãe West lhe deu de presente.

  — Quanto tempo você vai ficar em turnê? — perguntou tentan­do encontrar uma solução que não envolvesse ir para Seaboard nem ficar com a mamãe West.

  — Cinco meses — respondeu sorrindo vitorioso. Ela suspirou frustrada.

  Jackson sempre a aconselhava a visitar o irmão, mas a antiga modelo sempre relutava. E agora, ele havia encontrado a oportunida­de perfeita de fazê-la ir sem ter a chance de usar seu catálogo pronto de desculpas esfarrapadas.

  — Qual a escolha?

  — Samuel — respondeu cerrando os dentes. — Vou para Sea­board.

  — Tiago e Elisa ficarão muito felizes em saber disso — disse o cantor beijando de forma carinhosa o dorso de sua mão.

  Rotineiramente, Tiago convidava a filha para passar alguns dias em Seaboard. Mas ela sempre recusava e, como o pai não queria pres­sioná-la a fazer nada que pudesse abrir feridas antigas, não insistia. No fim, eram ele, Elisa e Samuel que iam vê-la nas datas comemorati­vas, o que acarretou diversas discussões entre Hannah e Samuel.

Olá, docinhos.

Alguém mais está morrendo de amores pela relação do Jackson e da Hannah? Eu já estou bestinha por eles!

Algum palpite sobre o que levou a Hannah a abandonar a carreira de modelo? Ou sobre o porquê dele confiar cegamente no Jackson e não querer voltar à Seaboard?

Espero que gostem e que continuem acompanhando

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