Epílogo

"...Na verdade, somos uma só
alma, tu e eu.
Nos mostramos e nos escondemos tu em mim, eu em ti.
Eis aqui o sentido profundo de minha relação contigo,
Porque não existe, entre tu e eu, nem eu, nem tu."

Rumi.

POV DO NARRADOR

Submundo de Valrok   

A jovem Laena Velaryon observou o mundo inferior, e tudo que seu ancestral Klaus Velaryon dizia era muito mais aterrorizante. As sombras pareciam ganhar vida própria, os sussurros dos espíritos ecoavam nas profundezas, e o ar estava impregnado com o cheiro de morte e decadência. No entanto, algo mais surpreendente ainda estava por vir.

A mão do próprio deus do submundo e da morte, Valrok, o ceifador das almas, a soltou gentilmente. Seus dedos frios e firmes se afastaram da pele dela com uma suavidade inesperada. Laena não sabia, mas o deus tinha um fraco por mulheres de beleza surreal, e ela, com seus cabelos cacheados e brancos e olhos violetas, era uma visão celestial em meio ao inferno.

Além disso, Valrok sentia-se inexplicavelmente atraído pela voz de Laena. Era como um canto sedutor que o envolvia, uma melodia que trazia um brilho de vida ao seu reino sombrio. Ele lembrava-se do som encantador que ela emitia ao chamar por Vhagar, a fêmea dragão, uma voz que podia domar até as feras mais ferozes e sombrias do seu reino.

Enquanto Laena ficava ali, confusa e cautelosa, com o senhor dos mortos encarando-a com uma mistura de fascínio e desejo. O olhar do deus, normalmente tão frio e calculista, suavizava-se momentaneamente ao contemplar a jovem Velaryon.

Já que ele a observava com tanta intensidade, Laena se permitiu o encarar respeitosamente. Valrok, o deus da morte valiriano, é uma figura de uma beleza sombria e inebriante. Seu cabelo curto, de um verde escuro como a floresta à noite, contrastava com sua pele acinzentada. Sobre sua cabeça, ele ostenta uma coroa de caveiras imponente, cada crânio detalhadamente esculpido, símbolo de sua autoridade absoluta sobre o reino dos mortos.

Seus traços eram ao mesmo tempo belos e cruéis. Seus olhos, de um verde profundo, irradiam um poder ancestral, deixando claro que ele é tanto o juíz quanto o carrasco no submundo. Seu peitoral musculoso, é parcialmente coberto por uma armadura intrincada e sensual, feita de um metal negro com detalhes verdes que pulsavam como veneno. Na parte inferior, ele vestia uma calça justa, feita de couro escuro, que completava seu visual ameaçador e de certo modo gostoso. 

Com dois metros de altura, Valrok é uma presença aterrorizante, uma sombra colossal que domina qualquer ambiente. Ninguém ousava se aproximar do deus do mundo inferior, pois sua mera presença exalava uma mistura de desejo e terror. Era uma visão hipnotizante, uma combinação letal de beleza e perigo, mas Laena não se deixou levar pela forma atraente do deus da morte. Ela sabia que por trás daquela fachada sedutora, Valrok era implacável e intransigente, o senhor absoluto do fim de todas as coisas vivas.

Os intensos olhos violetas da jovem Velaryon varreram a vastidão desolada que se estendia diante dela, onde o céu estava eternamente tingido de um vermelho sangrento, atravessado por relâmpagos negros que cortavam a escuridão. As terras eram formadas por colinas irregulares de ossos, e musgos que mais pareciam ácidos, haviam também os rios de lava fervente serpenteando por entre elas. As árvores eram vivas e retorcidas, com galhos afiados como garras, elas surgiam do solo estéril, exalando uma névoa venenosa.

As vestes violeta de Laena tremulavam com o macabro vento em tons de vermelho; ela podia sentir a ira naquele elemento. O ar era pesado, impregnado com o cheiro metálico de sangue e enxofre, e cada respiração parecia um desafio. 

No horizonte, erguia-se uma colossal fortaleza de obsidiana, suas torres afiadas alcançando o céu infernal, ao redor havia uma barreira protetora feita de chamas negras. As paredes da fortaleza estavam gravadas com runas antigas e símbolos de morte, pulsando com uma energia malévola. 

Laena se afastou antes que fosse tocada por uma das sombras que rastejava em sua direção, sentindo um calafrio percorrer sua espinha. 

— Você é inteligente. — Elogiou o deus, encarando-a intensamente. Seus olhos eram como brasas verdes e cheios de abismos negros, sugando qualquer traço de luz ao redor.

— Inteligente ou amedrontada, Majestade? — Laena respondeu, tentando manter a voz firme apesar do medo que a consumia. — Há uma linha tênue entre os dois.

Valrok sorriu, um sorriso que não alcançava seus olhos sombrios. A jovem Velaryon, além de sua beleza cativante, possuía um espírito indomável e corajoso. Era essa chama interior que o atraía, que o incitara a romper a barreira entre os mundos e reivindicar a alma de Laena pessoalmente, ao invés de enviar suas criaturas sombrias para caçá-la. Afinal, Daemon Targaryen havia ousado desafiar o próprio destino, resgatando a alma de Laena com a bússola valiriana, movido por um amor que perdurará até mesmo além da morte.

— Talvez você seja ambas as coisas. — Disse Valrok, sua voz grave reverberando pelo vazio. — Seu ancestral Klaus Velaryon era um homem singular, profundamente apaixonado e ávido por conhecimento. Não temas, Lady Laena Velaryon. Comigo ao seu lado, nada te acontecerá. 

Os longos cachos brancos de Laena batiam suavemente contra seu rosto angelical, cada fio brilhando como prata sob a luz tênue do submundo. Sua pele negra, luminosa e impecável, se arrepiava sob o olhar penetrante de Valrok e das criaturas nefastas que se escondiam nas sombras. Seus olhos violetas, eram profundos e determinados, refletiam um fogo de dragão de sua alma que não podia ser apagado, mesmo diante das forças que a cercavam.

— Qual será a minha punição, Majestade? — Laena perguntou, sua voz trêmula, mas determinada. — Tentei fugir da morte e me responsabilizo pela atitude do meu marido ao tentar me salvar. Afinal, a bússola valiriana me pertencia, e fui eu quem lhe ensinou a usá-la. Daemon é impulsivo, apaixonado e extremamente leal. Sei que não tenho nada a oferecer ao senhor, mas peço clemência para meu marido e aceito a minha punição.

Laena lambia os lábios ressecados, uma tentativa quase instintiva de aliviar a sensação de aridez que os dominava. Embora seu corpo e rosto tivessem recuperado a vitalidade de antes da gravidez de Aemon, ela ainda sentia os resquícios de fraqueza e desidratação. 

O Deus Valrok ficou ainda mais encantado com o altruísmo de Laena. A jovem Velaryon era uma alma rara, bondosa e gentil, uma pureza que quase nunca perdurava em vida. Valrok, embora um apreciador de histórias de amor, tinha uma predileção por amores trágicos e tão dolorosos que nem mesmo um novo amor poderia eclipsar o encontro de almas destinadas a se amar.

— Tua bravura é notável, Lady Laena Velaryon. — Ponderou Valrok, com um brilho de admiração nos olhos eternos. — Poucos são aqueles que enfrentam o destino com tamanha dignidade. Está segura dessa decisão?

Ela olhou ao redor novamente, observando o chão negro pontilhado por pequenas crateras que exalavam vapores tóxicos. O som das almas obsessoras, violentas e cruéis, arrastando suas correntes pelo chão ao longe, ecoava ao seu redor. No horizonte, montanhas com formatos de crânios abrigavam figuras espectrais vagando entre elas, prisioneiros que cometeram as piores atrocidades no mundo dos vivos. Laena engoliu em seco.

— Sim.

— O inconsequente Daemon Targaryen vale tanto assim? — Valrok questionou, seu tom frio e calculado. — No futuro próximo, ele se casará com a princesa do teu reino, Rhaenyra Targaryen, e terá três filhos com ela. Ainda deseja se responsabilizar pelo ato repugnante dele? Não me parece justo. 

Laena encolheu os ombros. Ela estava morta, e ele vivo. Nada mais justo do que ele tentar se erguer e construir uma família. Suas amadas filhas precisavam de uma mãe ao seu lado, alguém que pudesse guiá-las e protegê-las em um mundo cada vez mais cruel e desafiador para mulheres. Rhaenyra seria essa mãe, uma mulher forte e determinada que as protegeria contra todos os males que pudessem surgir. E, mesmo que seu coração se apertasse ao pensar em Daemon seguindo em frente sem ela.

— Sim. Aceito minha punição, mas peço clemência para Daemon. — Ela lutava para manter a firmeza em sua voz, apesar das lágrimas que turvavam sua visão e da angústia que a consumia por dentro.

Valrok sorriu enigmaticamente, seus olhos verdes brilhando com uma mistura de admiração e desafio. A coragem e o amor de Laena eram tão intensos que pareciam iluminar o próprio submundo, e o deus sabia que esta alma seria uma adição fascinante ao seu domínio.

— Oh, amor. Mais cruel do que o amor entre um casal apaixonado. É o amor de uma mãe por um filho. — As brasas verdes nos olhos de Valrok se avivaram com a angústia de Laena. Aemon, ainda não havia sido enviado para o Abismo dos Monstros. Apesar de ser apenas um bebê inocente, ele era um híbrido, metade humano e metade dragão. Tais aberrações eram destinadas aos campos nefastos dos monstros, onde apenas os mais fortes sobreviviam, ganhando uma chance de renascer. No mundo inferior, as regras eram cruéis e inexoráveis, não havia céu para onde as almas pudessem se elevar. Valrok era o juiz supremo, decidindo o destino final de cada alma, seja ela boa ou má.

Laena, com o coração em pedaços, ajoelhou-se diante de Valrok, suas mãos trêmulas se juntando em uma súplica desesperada.

— Aemon! Meu bebê... Majestade, eu posso visitar meu filho? Antes de cumprir minha pena. É um pedido de uma mãe desesperada. — Implorou em lágrimas. Ela não havia visto ou sequer tocado seu bebê. Ela não sabia que ele era considerado uma aberração.

Quando Laena leu o diário de Klaus Velaryon, descobriu que os Targaryen e Velaryon tinham seus próprios campos dentro do mundo inferior. Os monstros e as almas condenadas não suportavam a presença de nenhum deles. Dizia-se que os dragões e seus senhores eram problemáticos e insuportáveis. Valrok, atendendo aos desejos de suas almas, condenou os Targaryen a ficarem presos até suas próximas encarnações dentro de seu campo.

Valrok olhou para Laena com compaixão, mas firme em sua decisão.

— Lady Laena, o destino de seu filho recém-nascido, Aemon Targaryen, já foi selado. Ele está no Abismo dos Monstros, onde sua alma será testada e, talvez, renasça em um novo ciclo. Agora, você deve fazer uma escolha difícil. Pode permanecer no campo Targaryen ou Velaryon, pagando sua longa pena que se estende por séculos até que possa renascer, permitindo assim que você reencontre seu amado marido, o impetuoso Daemon Targaryen. Ou, você pode optar por ficar ao lado de seu filho, Aemon, protegendo-o dos perigos do Abismo dos Monstros até que ele consiga renascer, e posteriormente você.

Ele fez uma pausa, seu olhar se tornando ainda mais intenso.

— Só os deuses sabem o quão cruel é o fim dos recém-nascidos nas garras dos monstros. No entanto, saiba que, uma vez que Daemon entre no campo dos Targaryen, ele não poderá sair. Ele ficará preso lá, até seu próprio renascimento, sem jamais saber onde você e Aemon estão.

Laena sentiu seu coração apertar ao ouvir sobre Aemon. Isso significava que ele havia nascido deformado, com algum aspecto dracônico, para estar neste abismo. As grossas lágrimas caíam do belo rosto de Laena, deslizando por suas bochechas como rios de dor. Sentiu como se seu coração estivesse sendo rasgado em duas partes igualmente dolorosas. De um lado, o desejo flamejante de estar ao lado de Daemon, de suas filhas, de seus pais e irmão, quando eles atravessassem para os campos Targaryen. Do outro, a necessidade maternal de proteger seu filho, Aemon, mesmo que isso significasse estar separada do amor de sua vida por toda a eternidade.

Laena olhou para Valrok, seus olhos violetas inundados de lágrimas, mas sua determinação permanecia inabalável, uma chama de resoluta coragem em meio à tempestade de sua dor.

— Eu escolho meu filho, Majestade. — Sua voz era um sussurro, mas carregada de uma decisão inabalável. — Meu lugar é ao lado de Aemon, mesmo que isso signifique nunca mais ver Daemon no mundo inferior.

Valrok assentiu, seus olhos brilhando com respeito pela coragem e sacrifício de Laena.

— Assim seja, Lady Laena Velaryon. Que sua alma encontre paz no Abismo dos Monstros, protegendo seu filho até que ele possa renascer. Você ficará mais tempo presa por tentar fugir da morte. Espero que consiga renascer também. Deixo-lhe um conselho crucial: utilize a sua voz para afastar e controlar os seres nefastos. No Abismo dos Monstros, confiança é um luxo fatal. Eles se alimentam do poder das almas inocentes, especialmente das crianças. Mantenha-se vigilante, pois os monstros são ávidos por dominar e corromper tudo o que encontram.

Com um gesto lento e majestoso de sua enorme mão, Valrok abriu um portal para o Abismo dos Monstros, e colocou Aemon em um berçário. Laena se levantou, secando as lágrimas com determinação, e caminhou em direção ao portal que se abria diante dela, uma passagem para o destino sombrio que a aguardava, onde seu amor maternal seria posto à prova.

Ao adentrar o Abismo dos Monstros, foi recebida por um cenário opressivo e ameaçador. As criaturas monstruosas e grotescas rastejavam pelas sombras, emitindo grunhidos guturais e fixando nela olhos ávidos e famintos. Com voz trêmula, mas firme, Laena começou a cantar. Sua melodia ecoou pelo abismo, um encantamento ancestral que tinha o poder de afastar os monstros que se aproximavam dela e do berço onde Aemon repousava. As criaturas recuaram, perturbadas pela pureza da música que desafiava a escuridão que as cercava.

Ela se aproximou do berço improvisado onde Aemon estava deitado. Ao pegá-lo nos braços, Laena sentiu a suavidade de sua pele e o calor febril de seu corpo frágil. Suas escamas de cobre cintilando à luz sombria do abismo. Seus olhos lilases, fendas profundas de um dragão, fitaram a mãe com uma mistura de reconhecimento e vulnerabilidade.

Um pequeno gemido escapou dos lábios do bebê, um som que parecia inumano, mas que tocava o coração de Laena com uma ternura dolorosa. Ela acariciou sua cabeça, sabendo que não era culpa de Aemon ter nascido daquela maneira.

— Meu precioso, Aemon. — Sussurrou ela, segurando-o com ternura. — Eu estou aqui, minha criança. Mamãe está aqui para protegê-lo.

Aemon se agarrou ao peito de Laena instintivamente, buscando conforto e segurança nos braços de sua mãe. Laena o embalou suavemente, sentindo o calor reconfortante do pequeno corpo de Aemon contra o seu peito. Com determinação, ela se moveu através da floresta escura do Abismo dos Monstros, suas melodias continuando a ecoar pelo ambiente sombrio.

As árvores retorcidas e sinistras da floresta pareciam suspirar em resposta, seus galhos negros como garras se movendo ao vento pesado que sussurrava segredos nefastos de feras híbridas e criaturas das sombras. O ar estava impregnado com um odor acre de musgo em decomposição e a sensação constante de que olhos invisíveis observavam de todos os lados.

Os monstros, perturbados pela força e poder da música de Laena, mantinham-se à distância, seus uivos distantes ecoando entre as árvores retorcidas. Cada passo de Laena era cuidadoso, seus olhos vigilantes varrendo o ambiente em busca de qualquer sinal de perigo iminente para Aemon, cujo calor ainda emanava de seus braços.

A princesa Velaryon procurava desesperadamente por um refúgio seguro para proteger seu filho das ameaças que rondavam aquele lugar macabro. No Abismo dos Monstros, não existia distinção entre dia e noite; era uma perpetua escuridão que obscurecia o tempo e a mente de quem ousasse adentrá-lo. Laena não sabia se haviam se passado horas ou anos desde que cruzara o portal.

Finalmente, em um espaço-tempo indefinido, seus olhos cansados avistaram um antigo santuário abandonado, um lugar que carregava a aura de proteção de Valrok para aqueles que eram considerados inofensivos ou incapazes de se defender dos horrores do abismo. Laena sentiu um misto de alívio e apreensão ao se aproximar do santuário, suas pernas trêmulas ansiando pelo descanso após a angustiante jornada.

Com um suspiro exausto, ela adentrou o santuário, encontrando um ambiente parcialmente iluminado pela luz tênue que penetrava pelas rachaduras nas paredes de pedra. Com cuidado meticuloso, Laena colocou Aemon em um leito improvisado de folhas secas e panos rasgados, assegurando-se de que ele estivesse confortável e protegido. Ela se sentou ao lado dele, sentindo a exaustão pesar sobre seus ombros enquanto mantinha uma vigília silenciosa contra qualquer ameaça que ousasse se aproximar da entrada do santuário.

O corpo de Laena doía de cansaço, mas sua mente continuava alerta, os pensamentos girando em torno das dificuldades que ainda enfrentariam no Abismo dos Monstros. Ela sabia que a batalha pela sobrevivência de Aemon estava apenas começando, e que sua coragem e determinação seriam testadas até os limites enquanto protegia seu filho em meio às sombras ameaçadoras do submundo.

[…..]

Ilha dos Herdeiros dos Dragões 

124 a.d

Lord Daemon Targaryen caminhava lentamente pelos jardins do castelo, seus passos ecoando pelo caminho de pedras gastas. Era a primeira vez em quatro anos que ele retornava àquela ilha, desde a trágica morte de sua amada Laena. Ele e suas filhas haviam deixado aquelas terras, incapazes de suportar a dor esmagadora e as memórias incessantes que assombravam cada canto. Lembranças da época mais feliz de sua vida, agora transformada em um mausoléu de saudades.

Daemon se aproximou da oficina de Laena, onde ela costumava passar horas criando perfumes e cremes. As flores, que antes enchiam o ar com fragrâncias encantadoras, estavam agora murchas e mortas, como se a própria vida tivesse se retirado com Laena. O grosso livro de receitas de sua esposa, junto com seu baú de tesouros pessoais, estava guardado no cofre de aço valiriano escondido no subsolo do castelo, um segredo que só ele conhecia. Daemon nutria a esperança de que, em uma próxima encarnação, pudesse entregar esses pertences de volta a Laena.

Ao deixar a oficina, seus passos o levaram ao jardim onde a cerejeira branca estava prestes a florescer. As iniciais D&L estavam gravadas na casca da árvore, um testemunho silencioso de um amor infinito como o mar e flamejante como o fogo. Com reverência, os dedos de Daemon traçaram a inicial de sua esposa, e seu coração apertou-se ao ser inundado por uma torrente de memórias – cada risada compartilhada, cada olhar trocado, cada promessa sussurrada nas sombras da noite. Ele sentia tanta falta, que às vezes não conseguia respirar. 

Seus passos então se dirigiram à estátua que o artista Syl havia prometido esculpir em homenagem a Laena. Sete luas atrás, Daemon recebera uma carta do vilarejo onde o jovem escultor ainda vivia, informando que a estátua dedicada a Laena estava finalmente pronta e havia sido entregue na ilha dos Herdeiros dos Dragões. 

O Targaryen engoliu em seco, o coração pulsando freneticamente ao ver a estátua. Nunca em sua vida havia se deparado com uma obra de arte tão esplêndida e assombrosa. A imagem de Laena, esculpida em mármore branco, parecia ter sido tocada pelos próprios deuses, tal era a precisão e o realismo capturados em cada linha e curva. A beleza angelical de sua amada, eternamente gravada na pedra, exalava uma graça e delicadeza. 

Os cabelos longos e cacheados, esculpidos com tamanha maestria, pareciam fluir suavemente sob a luz do sol, irradiando uma vitalidade quase sobrenatural. Seus olhos, adornados com pedras preciosas violetas, cintilavam com uma perfeição tão deslumbrante que Daemon sentiu um calafrio percorrer sua espinha, como se estivesse novamente diante da própria Laena em carne e osso.

Ele estendeu a mão trêmula, quase esperando sentir o calor familiar da pele dela, mas encontrou apenas a frieza implacável do mármore. Por um breve e doloroso momento, a linha entre a vida e a arte se desfez, e ele se viu perdido em uma saudade avassaladora, incapaz de diferenciar o real do esculpido, seu coração dilacerado entre a admiração e a perda.

— Meu mar. — A voz de Daemon era carregada de adoração e pesar. — Prometi a você que a encontraria em todas as vidas, em todos os mundos. Eu não vejo a hora de te reencontrar.

Lágrimas silenciosas escorriam por seu rosto enquanto ele se ajoelhava diante da estátua, a cabeça inclinada em reverência. As mãos trêmulas tocavam a base da escultura, sentindo o frio do mármore, um contraste cruel com a memória do calor de Laena. Ele olhou para cima, para aqueles olhos violetas que pareciam segui-lo, e sua voz se quebrou num sussurro.

— Como posso viver sem você, meu mar? Cada momento longe de ti é uma eternidade de dor. 

O vento suave balançava os cabelos platinados de Daemon. O Targaryen fechou os olhos, buscando força nas promessas que fizera. Ele sabia que, mesmo na morte, seu amor atravessaria o tempo e o espaço, um vínculo inquebrável que nem mesmo os deuses poderiam desfazer.

[…..]

Harrenhal


O rei consorte, Daemon Targaryen, de 49 anos, sentiu sua vida se esvair nas águas ferventes do lago do Olho de Deus. O vapor subia como um espectro, envolto em um véu de sangue e fogo, um tributo macabro ao confronto final. Vhagar, a monstruosa besta de seu sobrinho Aemond Targaryen, jazia morta, sua imensa carcaça arrastada para as profundezas. A irmã sombria de Daemon, cravada no olho de Aemond, com a ponta da espada saindo pelo outro lado, afundava com ele até o fundo do lago fumegante.

Daemon não sentia mais dor, apenas um vazio crescente. Seus olhos, turvos pela água escaldante e pelo sangue, captaram um vislumbre de Caraxes, seu dragão de escamas vermelhas, lutando para subir à superfície. Lágrimas silenciosas escorriam dos olhos da besta ferida, reflexo do vínculo inquebrável entre cavaleiro e montaria. 

Caraxes havia lutado bravamente, mas seus ferimentos eram fatais. Mesmo assim, Daemon se sentiu vitorioso. O maior risco ao reinado de sua esposa, a rainha regente Rhaenyra Targaryen, foi eliminado. Suas gêmeas, Baela e Rhaena, e seus filhos, Aegon III e Joffrey, estavam seguros. Mas o preço foi alto demais: Visenya, Lucerys, Viserys II e Jacaerys – todos mortos pela guerra entre parentes pelo Trono de Ferro e o domínio dos Sete Reinos.

À medida que a morte se aproximava, a imagem do grande amor de sua vida, sua segunda esposa, a princesa Laena Velaryon, surgiu diante de seus olhos. Ele nem sequer tentou resistir. Daemon ergueu a mão trêmula e segurou a mão que acreditava ser de Laena. O vestido branco da ceifadora, que possuía múltiplos rostos, o surpreendeu. Os Targaryen eram conhecidos no mundo inferior por sua resistência em cruzar para o outro lado, mas ele se entregou com um suspiro de alívio.

Os olhos da ceifadora, profundos e enigmáticos, não eram os de Laena, mas Daemon já não se importava. Ele se deixou levar, sentindo o peso de seus anos e batalhas se dissipar enquanto o mundo ao seu redor se tornava uma lembrança distante. Com seu último suspiro, ele se entregou ao desconhecido, certo de que seu espírito encontraria paz ao lado de sua amada. A água fervente do lago, tingida de vermelho, tornou-se seu túmulo, um testemunho silencioso do fim de uma era e do amor eterno que transcende a morte.

[.….]

Submundo de Valrok 

Lady Laena Velaryon estava encolhida no templo de Valrok, enquanto a chuva caía pesadamente do lado de fora. A princesa, determinada a encontrar um pouco de conforto, havia conseguido pegar alguns galhos secos e acender uma fogueira. Com as pernas encolhidas e os braços ao redor de si mesma, Laena observava o fogo queimar, aquecendo seu corpo. Era irônico que, mesmo morta, sua alma ainda necessitasse de calor.

Os ruídos incessantes dos monstros atacando uns aos outros ecoavam de maneira aterradora no Abismo dos Monstros, um inferno de desespero e caos onde os gritos de dor e a violência eram constantes. Aquele lugar era pior que o purgatório. Um arrepio gelado se infiltrou na pele de Laena quando o som de algo se aproximando rompeu o ar pesado. Ela se ergueu de um pulo, pegando uma afiada adaga de madeira, sentindo o calor familiar da arma em sua mão. A respiração dela acelerou enquanto preparava sua voz mágica, pronta para dominar qualquer ameaça que ousasse se aproximar.

A sombra de um homem enorme surgiu na entrada do templo. Seus olhos se arregalaram ao reconhecer o rosto dele, uma mistura de choque e alegria inundando seu coração. Lágrimas escorriam livremente por seu rosto. Incrédula, Laena viu seu marido, Daemon Targaryen, parado ali, chorando, com uma versão sombria de sua espada, a irmã maldita do submundo de Valrok, nas mãos. Ele estava mais velho, com cicatrizes profundas marcando seu rosto, como se tivesse travado inúmeras batalhas após sua morte.

— Meu mar! Finalmente te encontrei no submundo de Valrok. — A voz de Daemon tremia com uma mistura de alívio e desespero.

Lorde Daemon avançou lentamente, sua expressão marcada pelo tempo e pela dor, refletindo anos de luta e sofrimento. Cada passo dele era pesado, como se carregasse o peso de mil batalhas. Ele deixou a irmã maldita cair no chão e abriu os braços, desesperado por tocar Laena novamente. Ela correu para ele, a adaga esquecida no chão, e se lançou em seus braços, sentindo o calor de seu corpo mesmo através da armadura negra e do frio infernal que os rodeava.

— Daemon! Meu fogo rebelde… eu achei que nunca mais te veria. — Disse Laena, sua voz embargada de emoção, os olhos brilhando de lágrimas.

— Eu prometi que te encontraria em todas as vidas, em todos os mundos. O submundo de Valrok fazia parte dessa promessa. — Respondeu Daemon, segurando-a com força, suas mãos calejadas tremendo de emoção. — Nada pode nos separar, nem mesmo a morte.

Os dois ficaram ali, abraçados, suas almas finalmente reunidas. O fogo da fogueira parecia brilhar mais intensamente, como se celebrasse a união dos amantes perdidos. As chamas dançavam, lançando sombras nas paredes do templo, como se os espíritos do lugar reconhecessem a força do amor deles.

— Eu posso te beijar? — Daemon indagou nervosamente, envergonhado pela aparência envelhecida, enquanto Laena permanecia jovem e bela. Agora ele era vinte anos mais velho que ela. Havia também o fato de ele ter se casado com Rhaenyra em vida. Não sabia se seria bem-vindo após fazer um pacto com o Deus Valrok para entrar no Abismo dos Monstros, mas não suportaria viver, em vida ou em morte, sem Laena.

Os intensos olhos violetas de Laena brilharam com o pedido de Daemon. Ela assentiu, um pequeno sorriso, curvando seus lábios vermelhos. A princesa se aproximou, suas mãos subindo para tocar o rosto marcado de Daemon, acariciando cada cicatriz como se quisesse apagar os anos de sofrimento. Ele se inclinou, seus lábios encontrando os dela em um beijo que era ao mesmo tempo suave e urgente. As barreiras do submundo pareciam se dissolver ao redor deles, deixando apenas o amor que os unia, forte e indestrutível.

[.....]

— Como você entrou no Abismo dos Monstros? — Laena indagou, sua voz tremendo enquanto limpava os machucados visíveis no rosto de Daemon com a água que caía da chuva torrencial. Cada gota fria trazia um choque de realidade, uma lembrança dolorosa do lugar em que estavam. Ela pegou um pequeno pote de barro que conseguira armazenar algumas ervas curativas, e com mãos firmes, mas cuidadosas, começou a aplicar os ungüentos nos cortes profundos. O cheiro pungente das ervas misturava-se ao odor metálico do sangue e à umidade do ar, criando uma atmosfera quase sufocante.

Demorou para Laena adquirir tantos conhecimentos sobre o Abismo dos Monstros. Ela teve que lutar, sobreviver, aprender a cada dia nesse inferno, e toda essa resistência valeu a pena. Seu filho, recém-nascido, Aemon, conseguiu renascer. O propósito de Laena foi concluído, e agora ela esperava terminar sua punição para finalmente poder renascer também. Cada momento de sua existência naquele lugar era um lembrete cruel de sua missão e do amor que a mantinha viva.

Daemon não conseguia parar de olhar para Laena. Seus olhos percorriam cada linha de seu rosto, cada contorno de seu corpo. Quanto mais ele olhava, mais apaixonado e devoto se sentia, mas também mais acorrentado nesse mar em chamas. A dimensão de seu amor era um oceano infinito coberto de fogo, um tormento que ele aceitava com prazer. O olhar intenso dele deixou Laena enrubescida, seu coração batendo mais rápido, aquecido pelo amor que via nos olhos do marido.

— Fiz um acordo com o Deus Valrok. Dei a ele a bússola valiriana, e em troca ele permitiu minha entrada. — Disse Daemon, sua voz rouca e cheia de cansaço. Ele tirou algumas peças da armadura, revelando músculos tensos e cicatrizes que contavam histórias de batalhas ferozes. Sua pele estava fria ao toque, um contraste com o calor que emanava de seu coração. — Ele sabe o quão poderoso é aquele artefato. Já que ele fez questão de trazer meu corpo físico até o mundo inferior e me deu a versão da irmã sombria, a lâmina maldita, desde que eu recupere alguns artefatos mágicos que foram roubados de seu museu.

Daemon teve que matar vários monstros no caminho. Caraxes, seu fiel dragão, sobrevoava o templo de Valrok, em guarda. O Deus da Morte fez questão de fornecer a espada e o dragão de Daemon para essa missão suicida. O cheiro de enxofre e carne queimada pairava no ar, um lembrete constante das batalhas travadas e do perigo sempre presente.

— Há algo mais? — Laena conhecia bem o marido para saber que havia mais detalhes. Seus olhos, mesmo cansados, penetravam na alma de Daemon, buscando a verdade completa.

— Valrok disse que, se encontrarmos esses artefatos mágicos, diminuirá o tempo de nossa punição e prometeu que encarnaremos juntos. — Confessou Daemon, sua voz um sussurro quase inaudível.

Laena parou por um momento, absorvendo o que Daemon disse. Seus olhos encontraram os dele, e a esperança e o medo se misturaram em seus corações. A chuva continuava a cair, criando uma sinfonia de som sobre o telhado do templo. Ela respirou fundo, sentindo o peso da promessa e a magnitude da tarefa à frente. Cada gota de chuva que escorria por seus rostos parecia levar embora um pouco da dor, mas também trazer a realidade crua de seu destino.

— Então, faremos isso juntos. — Ela declarou, a determinação brilhando em seus olhos violetas. — Temos um dragão poderoso. E um casal denominado como o mar em chamas. Vamos mostrar nossa força, meu fogo rebelde.

Daemon assentiu, seu coração se aquecendo com a força e a coragem de Laena. Eles estavam prontos para enfrentar qualquer desafio que o Abismo dos Monstros lhes impusesse, pois sabiam que seu amor era mais forte que qualquer adversidade. O calor do corpo de Laena contra o dele, mesmo em meio à tempestade, era um conforto indescritível. Com essa união renovada, eles se prepararam para enfrentar o que viesse, certos de que juntos poderiam conquistar até o próprio inferno.

Daemon olhou profundamente nos olhos de sua senhora, vendo o fogo e a fúria do oceano refletidos ali. Ele levantou uma mão trêmula e acariciou suavemente o rosto dela, sentindo a maciez de sua pele sob seus dedos calejados. Laena fechou os olhos por um momento, inclinando-se contra o toque, uma sensação de calor irradiando de seu coração. Daemon se inclinou lentamente, seu coração batendo tão forte que parecia ecoar em seus ouvidos.

— Sua doce e hipnótica voz e a minha experiência em batalha farão um estrago colossal neste lugar nefasto. O sangue Targaryen e Velaryon serão a fonte de problemas para qualquer monstro que se coloque em nossa frente. — Daemon verbalizou poderosamente, e então colou seus lábios nos de Laena.

O beijo era suave no início, um toque terno e hesitante, mas rapidamente se transformou em algo mais profundo e urgente. Laena sentiu o calor do corpo de Daemon contra o dela, a firmeza de seus braços ao redor dela, segurando-a como se nunca mais quisesse soltá-la.

Os dedos de Laena entrelaçaram-se no cabelo molhado de Daemon, puxando-o para mais perto, enquanto seus lábios se moviam juntos em perfeita sincronia. O corpo de Daemon tremia ligeiramente com a intensidade da emoção que sentia, a mistura de alívio e desejo quase o esmagando. Laena podia sentir o coração dele batendo contra o peito, um ritmo forte e constante que ecoava o dela. Ela se pressionou ainda mais contra ele, querendo gravar esse momento em sua memória para sempre.

Finalmente, eles se separaram, seus rostos ainda tão próximos que suas respirações se misturavam. Daemon encostou sua testa na de Laena, ambos respirando pesadamente, suas almas entrelaçadas em um laço inquebrável. Eles ficaram ali, abraçados, sentindo o calor um do outro em meio ao frio infernal do Abismo dos Monstros. A promessa de um futuro juntos, apesar das adversidades, era a força que os manteria lutando. 

[.....]

Ilha dos Herdeiros dos Dragões


O sol começava a se pôr no horizonte, quando o jovem Rei Aegon III Targaryen e seu irmão, Mão do rei e príncipe Viserys II Targaryen, chegaram ao antigo castelo na ilha de Essos. As altas torres cinzentas se erguiam majestosamente sobre o mar agitado, criando uma visão ao mesmo tempo imponente e melancólica. Aegon III olhou para o castelo com um misto de curiosidade e dor, sentindo uma pontada no coração ao imaginar seu pai, Daemon Targaryen, e suas irmãs, Baela e Rhaena, vivendo ali, antes da guerra civil que devastou sua família.

O caminho para o castelo era ladeado por jardins agora selvagens e desordenados, mas ainda repletos de vestígios de uma beleza antiga. As estátuas de dragões, esculpidas em pedra, pareciam vigiar os visitantes com olhos vazios, enquanto o vento marinho soprava através das árvores, trazendo consigo o cheiro salgado do oceano. 

O jovem rei, que outrora fora apenas uma criança aterrorizada ao assistir sua mãe ser queimada viva por um dragão inimigo, agora carregava as cicatrizes desse trauma profundo, manifestadas em sua aversão e medo dos dragões. Aegon III apertou o passo, suas botas ecoando nos corredores de pedra do castelo, enquanto seu irmão, Viserys II, tentava acompanhá-lo.

Ao adentrarem o grande salão, foram recebidos pelos poucos servos restantes da ilha, que se curvaram respeitosamente diante dos herdeiros Targaryen. A senhora Grace, a mulher responsável por manter a ilha funcionando, aproximou-se para dar as boas-vindas ao rei e ao príncipe. Ela era uma senhora de meia-idade, com cabelos grisalhos presos em um coque apertado e um olhar que mesclava tristeza e reverência.

— Bem-vindos, Vossa Graça, Vossa Alteza. — Disse a senhora Grace, com uma voz suave e respeitosa. — Este castelo carrega muitas memórias de vosso pai e irmãs. Se precisarem de algo, estou à disposição.

Viserys II agradeceu educadamente enquanto Aegon olhava em volta, seus olhos atentos aos detalhes do salão. Tapetes ricos e tapeçarias adornavam as paredes, e uma grande lareira dominava o centro do espaço, onde brasas ainda queimavam suavemente, aquecendo o ambiente. No entanto, foram os quadros pendurados nas paredes que capturaram completamente a atenção de Aegon.

Ele se aproximou de um retrato em particular, o primeiro que encontrou, retratando Lady Laena Velaryon. Sua beleza era angelical, quase etérea, com longos cabelos cacheados e brancos que caíam em cascatas exuberantes sobre seus ombros. Os olhos violetas brilhavam com uma sedução quase palpável, seguindo o observador a cada movimento. Aegon sentiu uma onda de ciúme e ressentimento ao contemplar aquela imagem. Sabia que Laena fora uma presença marcante na vida de seu pai, Daemon, e a visão daquela beleza imortalizada na tela apenas intensificava sua sensação de que sua mãe, Rhaenyra, estava sendo eclipsada.

Cada detalhe do retrato, desde o sorriso enigmático até o brilho sutil nas joias que adornavam seu pescoço, evocava uma sensação de admiração e melancolia. A traição sutil de seu coração o assombrava, pois, apesar de seu ressentimento, não conseguia desviar o olhar da beleza quase sobrenatural de Lady Laena. Sua jovem rainha, Daenaera Velaryon, herdara essa mesma graça, uma beleza que parecia desafiar o tempo e capturar a essência da própria avó, como se a linhagem dos Velaryon se manifestasse esplendidamente em cada geração.

— Uau! O papai tinha muito dinheiro para construir algo tão primoroso como esse castelo. A ilha em si é magnífica, Aeg. — Viserys II disse, admirando os detalhes da sala.

Aegon III, com o semblante fechado, não pôde evitar uma careta ao observar os diversos quadros de Laena espalhados por quase todos os cômodos do castelo. Sentia-se incomodado não apenas pela beleza etérea da mulher, mas pelo amor evidente que Daemon parecia ter dedicado a ela. Embora soubesse que Laena e Rhaenyra eram amigas próximas, isso não aliviava a dor ao imaginar seu pai professando juras de amor eterno a outra. Ele se perguntava se esse amor havia sido maior ou mais verdadeiro do que aquele que Daemon sentira por sua mãe, Rhaenyra.

A senhora Grace, percebendo o desconforto de Aegon III, começou a contar histórias sobre Daemon, falando sobre sua coragem, dedicação e paixão. Cada palavra fazia Aegon III ranger os dentes. Em sua mente, Laena representava uma ameaça à história de amor de seus pais, uma história que já era pouco celebrada pelos bardos e poetas de Westeros.

— Aeg, você está bem? — Perguntou Viserys II, notando a tensão no rosto do irmão.

Aegon III respirou fundo, tentando acalmar a raiva e a tristeza que borbulhavam dentro de si. Olhou novamente para um quadro específico de Lady Laena e seu pai, em um baile de máscaras, onde se encaravam e dançavam apaixonadamente no salão do castelo. Ao fundo, sua mãe, Rhaenyra, os observava com tristeza nos olhos, refletindo a dor de um amor não correspondido. A cena parecia uma memória vívida, intensificando seu ressentimento e dúvidas sobre o amor que Daemon realmente sentira por Rhaenyra.

— Apenas pensando... — Respondeu ele, com a voz baixa. — Como é possível que alguém ame tanto duas mulheres de maneiras tão diferentes?

Viserys colocou uma mão reconfortante no ombro do irmão, seus olhos cheios de compreensão.

— O amor do pai era complexo, Aegon. Ele amava nossa mãe profundamente, mas isso não diminui o amor que ele teve por Lady Laena. Cada amor tem sua própria forma e intensidade.

Aegon III desviou o olhar do quadro e olhou para seu irmão. As palavras de Viserys eram sensatas, mas ainda assim difíceis de aceitar.

— Talvez, mas é difícil aceitar que a história do amor de nossos pais seja tão esquecida e ofuscada.

Viserys II sorriu tristemente, percebendo a dor do irmão.

— Então cabe a nós lembrar e honrar essa história, Aeg. Vamos fazer com que o amor deles seja lembrado e celebrado.

Aegon III assentiu lentamente, ainda sentindo o peso do ciúme e da dor, mas determinado a fazer justiça à memória de seus pais. Com um último olhar para o retrato de Laena, Aegon virou-se e começou a explorar o restante do castelo, decidido a encontrar todas as peças do passado de sua família e a construir uma narrativa que honrasse tanto o amor quanto as lutas de seus pais.

[.....]

Príncipe Viserys II entrou no quarto onde seu pai e Lady Laena dormiam, e ficou impressionado com a opulência do espaço. Era o aposento mais magnífico que já vira, repleto de vestidos suntuosos, sapatos elegantes, joias brilhantes e uma infinidade de cosméticos. As roupas finas de Laena, ainda impregnadas com seu perfume sedutor, exalavam uma fragrância hipnotizante que pairava no ar, fazendo-o sentir um leve fascínio por sua prima e ex-madrasta. Ele ergueu uma peça delicada do cabide, levando-a ao nariz, e se maravilhou com o aroma suave e inigualável. Jamais experimentara um perfume tão distinto e cativante. Seu pai, de fato, fora um homem abençoado, tendo ao lado a mulher mais encantadora do século. Viserys II guardaria esse pensamento para si, sem jamais ousar expressá-lo em voz alta.

Ele então se voltou para Aegon III, que estava na sacada, contemplando a estátua majestosa dedicada a Lady Laena Velaryon nos jardins. A escultura, com suas curvas voluptuosas e expressão vividamente realista, capturava perfeitamente a beleza de Laena, deixando os dois Targaryen fascinados — um sereno, admirando a obra de arte, e o outro, Aegon, consumido pela fúria e ciúme, sentindo-se assombrado pela sombra de um amor que nunca foi destinado a sua mãe.

Aegon III virou-se para os servos que ainda os acompanhavam, seus olhares fixos e expectantes sobre o jovem rei. A voz de Aegon III saiu firme, mas carregada de amargura e ressentimento:

— Leve tudo isso. Retratos, estátua, roupas, joias... Tudo que pertenceu a Lady Laena Velaryon. Coloque tudo dentro do barco e leve para os mares de Essos. Jogue no lugar mais profundo possível, onde ninguém possa encontrar ou falar sobre ela novamente.

Os servos hesitaram, surpresos com a ordem inesperada e a intensidade na voz do rei. Viserys II, ao lado de Aegon III, sentiu um aperto no peito, percebendo o que seu irmão planejava fazer. Ele colocou uma mão no ombro de Aegon, tentando dissuadi-lo com um olhar preocupado, mas Aegon III estava determinado.

— Aeg, você não pode simplesmente apagar a história ou os sentimentos de nosso pai. Lady Laena foi parte da vida dele, parte da nossa família. Pelos deuses, nossas irmãs nos odiariam se vissem isso. Não podemos ignorar isso.

Aegon III virou-se para Viserys II, com os olhos cheios de dor e frustração.

— Ela não deveria ser tão importante! Ela não é nossa mãe, Vis. Mãe merece mais... mais respeito, mais amor... E pai... ele não deveria ter amado outra mulher! O juramento que ele fez… nossas irmãs estão mortas, irmão, isso não vai machucá-las. Nós somos os herdeiros de nosso pai. E eu, como rei, ordeno que joguem tudo dela nos Mares Estreitos, Dothraki e Jade. Se existe realmente reencarnação, não quero que nosso pai encontre nada sobre Laena para que ele possa se apaixonar novamente pela nossa mãe.

Viserys II suspirou profundamente, sentindo o peso das sombras que pairavam sobre sua família. Ele entendia a dor dilacerante de Aegon III, mas via também a obstinação e a falta de visão do irmão. Se as gêmeas dragão, Baela e Rhaena, ainda estivessem vivas, jamais permitiriam tal sacrilégio. 

Baela, a corajosa princesa Targaryen, foi forçada a um casamento infeliz e suportou em silêncio os abusos cruéis e secretos de seu marido infiel, Allyn Velaryon. O ódio profundo de Allyn pelos Targaryen, intensificado pela perda de seu irmão Addam na guerra civil, se voltou contra Baela como um tormento sombrio. Viserys e Aegon III mantinham uma aliança cautelosa com Allyn Velaryon, reconhecendo sua utilidade estratégica e aparente lealdade ao reinado de Aegon III. No entanto, eles não tinham conhecimento do papel de Allyn na morte prematura de Baela. A outra gêmea, a princesa Rhaena, também encontrou um destino trágico ao perder a vida durante um doloroso parto, deixando um vazio profundo na Casa Hightower.

Agora, diante da determinação implacável de Aegon III em apagar qualquer lembrança de Lady Laena, Viserys sentia uma angústia profunda. Ele compreendia a motivação obsessiva de seu irmão para proteger a memória de sua mãe, Rhaenyra, mas temia as consequências irreversíveis de um ato tão drástico.

— Aegon, o amor não é uma coisa simples. Nosso pai amou de maneiras diferentes, sim, mas isso não diminui o amor por nossa mãe. E apagar as lembranças de Lady Laena não mudará o passado.

Mas Aegon estava irredutível. 

— Eu quero que tudo seja levado agora. Façam como eu disse. — A voz de Aegon endureceu, sua determinação brotando de um lugar de dor e desespero.

Os servos, vendo a resolução implacável no rosto do rei, começaram a obedecer. Com mãos trêmulas, eles começaram a recolher os pertences de Laena, carregando-os para fora do castelo, em direção ao barco que esperava na costa. A estátua de mármore de Lady Laena foi a última a ser carregada, seus olhos violetas refletindo a luz do sol pela última vez antes de serem obscurecidos pelas águas escuras do mar de Jade.

Viserys II observou em silêncio, consciente de que o gesto impetuoso de Aegon não resolveria os conflitos internos do irmão, apenas os adiaria temporariamente. Ele sabia que seu pai, Daemon, e sua mãe, Rhaenyra, ficariam devastados com a atitude mesquinha e impulsiva do filho. Viserys II guardava a esperança de que Daemon conseguisse encontrar os pertences de Lady Laena. O príncipe contemplou a banheira de pedra, adornada com imagens entalhadas das aventuras de Laena e Daemon em busca de Vhagar, o maior dragão vivo da época, e lembrou-se do juramento de amor feito por seu pai. Independentemente do que o futuro reservasse, se houvesse reencarnação ou não, Viserys II desejava profundamente que seu pai encontrasse a felicidade ao lado de quem ele escolhesse.

Fim!

Nota da autora: Essa última parte servirá de gancho para a nova história de Dalaena. Agradeço imensamente a todos que votaram e comentaram na história. Obrigada a todos! Até breve.

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