Prólogo

O coração batia cada vez mais rápido. Eu me sentia sufocado a ponto de querer gritar, mas a droga não me deixava. Meus músculos doloridos pareciam inchar contra as correntes que feriam minha pele afundando na carne e extraindo o meu sangue. A visão avermelhada não focava nada em específico. A agonia tomava conta do meu ser.

Aqueles rostos idênticos estavam em minha frente, rindo e circulando de um jeito distorcido. Era doloroso. Eu não ouvia nada, a não ser o som do latejar da minha cabeça, pois meu corpo estava em chamas.

Acordei em um sobressalto quando ouvi o telefone tocar escandolosamente para minha audição sensivel e rosnei em protesto.

Aquele sonho me atormentava sempre: o último dia que eu passei no cárcere, o motivo para as marcas de queimadura em meu corpo. Espanto os pensamentos e encaro o telefone irritado.

— O quê?  — rosnei para o telefone e não me preocupei em olhar quem era.

— Seu mau humor é cotidiano? — rosnei em resposta às pergunta — Isso deve ser um sim. Sei que não queria ser incomodado hoje, mas precisamos de você.

— Tim, hoje não é um bom dia — se fosse Shadow do outro lado, eu já estaria gritando, contudo respirei fundo. Tento ser gentil com os humanos.

— Vamos resgatar cinco NE's e uma Presente. A missão é de alto risco. Não te chamaria se não fosse realmente necessário. — ele respirou fundo do outro lado da linha.

— Mande o helicóptero!

Desliguei. O dia ainda estava nascendo preguiçoso, igual eu me levantava da cama. Hoje fazem exatos cinco anos que fui liberto da Mercilli.

Quando coloquei o meu rosto para fora das instalações e senti o vento em minha pele, pela primeira vez o gosto da liberdade brincou sobre minha língua. Ela era saborosa, embora solitária.

Eu gostava de estar entre meus irmãos, até que eles encontraram suas companheiras e construiram suas próprias famílias. Meu temperamento com humanos se resumia a puro estresse. Eles são tremendamente frágeis e irritantes. Por causa disso fui encaminhado para morar na Zona Selvagem, onde os humanos se mantém distante o suficiente.

Depois de um banho rápido, pus o uniforme da ONE e baguncei o cabelo negro que eu gostava de manter curto. Peguei  meu celular e desci a fim de preparar qualquer coisa para tomar café.

Alguns minutos depois, já podia ouvir o barulho do helicóptero se aproximando; me apressei em sair de casa e ir ao encontro dele.

— Fire, é bom vê-lo! Está pronto para acabar com aqueles idiotas? 

Shadow bateu em minhas costas como um cumprimento; além do péssimo humor , o qual era facilmente percebido por todos, eu mantinha a boca fechada na maioria das ocasiões. Minha voz forte e rouca assustava as fêmeas.

— Vamos  — me limitei a dizer entrando no helicóptero sem cumprimentar os outros NEs.

Fiquei olhando enquanto nos afastávamos da reserva. Eu sabia que essa missão não seria nada fácil, já que apenas os mais loucos estavam presentes.

— As informações são as seguintes: estamos indo para o noroeste de Ohio; a missão é de extrema complexidade, o presidente enviou um apoio que irá agir apenas se a situação sair do controle — Tim explicava tudo pausadamente para que todos entendessem — Não matem os humanos e não assustem a Presente — foi o que ele repetiu durante todo o trajeto.

— Espero que Lisa esteja bem  — Flame sussurrava para a janela.

O sonho de ter uma companheira se tornou tão distante para mim, que eu simplesmente deixei de acreditar que isso aconteceria comigo. Revirei os olhos focando minha atenção em outra coisa.

O helicóptero pousou a três quilômetros do local. No mesmo lugar podíamos ver alguns carros do exército. Descemos imediatamente e eu liderei a equipe até o local.

Ao chegarmos na porta, Tim tomou a frente, enquanto eu ficava na retaguarda do grupo. Eles entraram invadindo por dentro da instalação. Dividiu o grupo para procurar os NEs e o resto seguiu atrás dos doutores. A Presente estava inconsciente e, em outras salas, quatro NEs estavam amarrados as macas. Corremos contra o tempo para tirá-los dali.

— Shadow? Mande o carro — pedi ajudando todos a saírem.

Depois que os cinco estavam do lado de fora, lembrei do que Tim havia dito por ligação: eram cinco.

Antes que eu pudesse me mover, os disparos das armas ressoou, alguns gritos e mais disparos. Corri seguindo o cheiro dos meus irmãos para ter  certeza que estavam bem. Tim , assim como os outros, vinham trazendo alguns técnicos.

— Foi do lado de fora  — respondeu como se estivesse lendo os meus pensamentos.

Alguns rosnados e mais tiros e alvoroço. O caminho para fora pareceu se estender de um jeito perturbador.

Os NEs estavam a salvo e o quinto estava sendo carregado com alguns dardos de tranquilizante no corpo além do sangue em uma das mãos. Os soldados escondidos estavam alarmados e a nossa base de emergência estava lá discutindo com algum humano.

— Eu vou resolver isso! Ajude Shadow com os outros NEs — Tim estava decidido.

Algo me chamava para lá, porém acabei por acatar as ordens. Ajudei os NEs a entenderem o que estava acontecendo aqui; todos pareciam felizes. Eu ainda lembrava dessa sensação, ajudar os outros era recompensador.

A gritaria dos soldados finalmente cessou, não obstante Tim parecia perturbado com a situação. Torci o rosto ao me imaginar ali ; eu ,provavelmente , teria arrancado algumas cabeças sem pestanejar.

O vento começou a soprar em nosso favor e um cheiro de rosas inundou meu olfato. Um rosnado profundo nasceu em meu peito e meus olhos vasculharam o local: cabelos alaranjados voavam em minha direção.

Senti meu corpo inteiro travar. Não pode ser.

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