Não deu tempo de ver o rosto da garota, fui empurrado para dentro do carro com a desculpa de que teríamos mais um homem no helicóptero. Meu coração doía pela saudade de algo que nunca teve.

— Fire? O que foi? — Shadow estava realmente interessado em meus devaneios; rosnei para ele — Calma, eu só estou tentando ser gentil. Já tentou fazer isso?

— Quem é o outro homem que embarcou no helicóptero?  — perguntei sem dar importância às suas palavras; gentileza não combina nada comigo.

— O Primeiro Sargento Buck. Parece que ele foi agredido por nosso NE precioso — franzi a testa.

Um homem que evita agredir outro não é algo que se vê todos os dias.

— O quão antes for embora, melhor — desviei o olhar para a estrada escutando Shadow rir de algo.

Os outros conversavam sobre suas companheiras e eu tentava a todo custo focar em outra coisa.

— Estou louco para acasalar com uma fêmea humana — não me importei de ver quem era o idiota.

Fêmeas humanas são frágeis demais e estranhas.

— Vai quebrar ela na primeira vez — me vi murmurando.

Os soldados humanos que estavam na frente gargalhavam.

— Dê um crédito às nossas fêmeas; elas são lindas — revirei os olhos.

Sempre a mesma conversa. Acasalar era algo que eu já tinha desistido. Aquilo que aconteceu lá atrás não foi mais do que excitação, aqueles cabelos alaranjados me deixaram louco.

— Quando o nosso amigo Fire se apaixonar, vocês verão o que é ser possessivo.

Shadow não tinha hora para suas gracinhas; rosnei alto e todos tiraram a atenção de mim.
Viver sozinho não é tão ruim assim; eu posso conviver com isso.

O resto da viagem foi longa, cansativa e enfadonha. Tive que ouvir os machos falando com orgulho de suas fêmeas e de como são felizes por terem encontrado alguém que amam. Em alguma parte da conversa acabei dormindo e sonhando com aqueles cabelos alaranjados espalhados sobre o travesseiro da minha cama, aquele cheiro de rosas nos lençóis e me vi tentando abraçar algo que eu não tinha de uma forma protetora.

— Acorda! Chegamos! 

Shadow bateu em meu braço me despertando. Olhei ao redor notando que estávamos em Homeland.

— Me acorde quando estivermos na Zona Selvagem — murmurei e ele continuou na minha frente  encarando-me com um sorriso idiota.

— Temos uma reunião antes disso. Parece que o Oficial vai acabar ficando aqui por um tempo para nos ajudar com as suspeitas dos ataques. Justice quer todos na sala de reuniões.

Juro que arrancaria a cabeça dele se estivesse mais perto. Rosnei alto saindo do carro e andando atrás de Shadow. Minha paciência escorregando pelos meus dedos.

Na sala de reunião, os machos se aglomeravam para ver o Oficial que todos comentavam ser um dos melhores; ele tinha se recusado a atirar no NE. Os burburinhos me deixavam impaciente, inclinei minha cadeira para trás tirando as pernas dianteiras do chão e fiquei balançando.

— Todos aqui têm conhecimento das ameaças de ataque dos anti-espécies. Bom, parece que a sorte sorriu para nós, mesmo que de uma forma um tanto estranha. O Primeiro Sargento Buck ficará conosco por um tempo usando seus conhecimentos dos fuzileiros para nos ajudar.

Esse era Justice. Apenas sua presença fazia com que todos os machos se calassem e o observassem com admiração. Quando ele terminou de falar a porta se abriu e todos ficaram em pé de imediato, mas eu paralisei: eram aqueles cabelos alaranjados. A cadeira deslizou e, juntamente com ela, eu fui ao chão

— Fire?

Não respondi; apenas me levantei para encarar olhos cinza como uma tempestade. Ela era toda delicada, pequena... Parecia uma boneca vestida de soldado. Meu coração batia tão forte que doía. O seu cheiro de rosas inundava tudo dentro de mim de um jeito possessivo; meu animal interior queria ela bem debaixo de si. Parece que a sorte sorriu para mim, Justice, apenas para mim. Ela é minha fêmea.

— O senhor North está certo. Eu decidi ficar quando soube das ameaças. É o mínimo que eu posso fazer por ter assustado um dos seus e o colocado em perigo.

Meus olhos percorreram seu corpo e notei seu ombro enfaixado; o sangue nas mãos do NE era dela. A raiva queimou meu sangue como combustível.

— Quero que sejam gentis com a senhorita Buck. Irei providenciar um chalé para você e alguém para lhe acompanhar até lá. 

Justice se afastou enquanto os outros machos admiravam o que é meu. Segurei na borda da mesa para não saltar sobre os machos que a cumprimentavam e elogiavam. Corri até Justice que já estava conversando com Sheldon.

— Serei a escolta dela — curto e grosso.

Ele me encarou com a sobrancelha arqueada.

— Sinto muito, Fire. Sheldon já se voluntariou.

Rosnei alto chamando sua atenção.

— O caralho de quatro se você está achando que vou deixar esse idiota chegar perto da minha fêmea — Justice estava ponderando, Sheldon gargalhava e eu agarrei sua blusa com brutalidade — Qual a graça?

— Ela não tem seu cheiro, não pertence a ninguém. Fire, entenda, não é nada pessoal: nenhuma fêmea vai querer um macho danificado. Eu serei bom para ela.

Minhas ações foram automáticas: em segundos ele estava jogado do outro lado da sala. Justice me segurou como podia.

— Fire, controle-se! Não vou permitir que chegue perto de fêmea alguma nesse estado!

Foi quando eu me lembrei que ela estava aqui, vendo meu ataque de fúria. Seus olhos se cruzaram com os meus e a calma me tomou, como eu nunca havia sentido.

— Ótimo. Hoje Sheldon fará sua escolta e, amanhã, quando estiver mais calmo, ouvirei você.

— Mas Justice! — falei simplesmente inconformado, pois ele estava tirando o meu direito de tomar o que é meu.

— Para o dormitório, agora! Se eu souber de mais um ataque da sua parte, será imediatamente retirado de Homeland!

Eu poderia quebrar tudo e sair batendo em todos. Mas pensar em passar mais do que uma noite longe dela, me deixava em pânico.

Assenti e fui escoltado até o dormitório masculino, sem ter a chance de falar com ela. Sua voz era tão doce, tão suave. Seu cheiro inebriante, seu corpo magnífico, aqueles cabelos deveriam estar enroscados em meus dedos agora enquanto eu a faço gemer e dizer que é minha. E se o Sheldon tiver razão? Se ela não quiser alguém danificado como eu em sua vida? Como será a dor da rejeição?  Os pensamentos me sufocavam, a distância dela doía.

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