003 ── the discovery of letters
CAPÍTULO TRÊS
a descoberta de cartas
119 D.C
❝ você nunca sabe o quão ruim
era até se tornar meras lembranças. ❞
Quando se está imerso em um ambiente familiar repleto de diálogos constantes e abertos, onde todos compartilham suas vivências e pensamentos, e de repente surge um segredo oculto, pode gerar um turbilhão de emoções, levando alguém ao limite da curiosidade.
Essa foi exatamente a situação que Vaelorya passou.
Há algum tempo, ela estava prestes a adentrar os aposentos de seu avô, Haeryn, em uma rotina que se tornava cada vez mais frequente, já que ele se recusava a sair dali.
No entanto, ao se aproximar da porta, seus ouvidos foram assaltados por gritos estridentes.
Reconheceu de imediato a voz de sua mãe.
Mas o que poderia estar acontecendo para que eles estivessem se exaltando daquela forma?
Movida pela curiosidade, Vaelorya abriu a porta com extrema cautela, permitindo apenas uma brecha mínima, o suficiente para que pudesse vislumbrar com um olho o que se desenrolava do outro lado.
─── Nyke won't gaomagon naejot zirȳ skoros ao gōntan naejot issa! ─── Vaelorya ouviu sua mãe dizer, desta vez nitidamente.
Ela não entendeu. Quem seria as pessoas que sua mãe estava falando?
─── īlva ancestors sacrificed tolī naejot lua īlva ānogar vok, hāedar! ─── Haeryn disse, sua voz sendo mais elevada que a da mulher.
Vaelorya fechou os olhos rapidamente, sentindo um sobressalto ao presenciar seu avô soltar um grito ensurdecedor. Percebeu que sua mãe exibia uma expressão distinta da sua, embora estivesse envolta em lágrimas, possivelmente motivadas pela ira que a consumia.
Ela deveria estar acostumada, afinal, Haeryn não desfrutava de seus melhores momentos há algum tempo. Não era de surpreender que a velhice tivesse alcançado o Targaryen, e para piorar, trouxera consigo um presente amargo: a insanidade.
Sua mãe, a primogênita, sempre fora alvo das críticas de seu avô, desde os primeiros lampejos de memória de Vaelorya. Inicialmente, eram apenas palavras leves sobre seus defeitos ou sugestões de como poderia melhorar.
Contudo, a situação começara a piorar.
Como a mais velha dos três filhos, sua mãe assumira a responsabilidade de cuidar do pai.
Haeryn recusava-se a aceitar os cuidados dos meistres; a única pessoa em quem um dia confiara para tal era Saelys, agora há muito falecida.
No início, Daelyra limitava-se a tratar dos ferimentos de seu pai. Porém, quando ele desenvolveu uma doença na perna, algo que começara como um simples hematoma roxo, a situação tomou um rumo ruim.
O hematoma transformou-se em uma ferida profunda na perna.
Vaelorya nunca conseguira encará-lo por mais de três segundos seguidos.
Com o agravamento da ferida, começou a ruir a relação antes pouco sólida entre Daelyra e seu pai.
Haeryn tornou-se cada vez mais dependente de Daelyra por meses, uma condição que ele abominava.
Isso o enfurecia. Profundamente.
Vaelorya não recordava com clareza aquele período, mas lembrava-se das frequentes discussões entre os dois.
Até então, eram apenas confrontos verbais, sem ultrapassar os limites das palavras.
Gradualmente, a saúde de seu avô começou a melhorar e ele voltou a andar.
Haeryn parecia convencido de sua recuperação e começou a rejeitar os curativos de Daelyra.
Vaelorya recordava-se de um episódio breve.
Para os outros, parecia uma cena cômica, mas para ela não foi nada engraçado.
Seu avô levantara-se antes do amanhecer, vestira-se com roupas de treino e dirigira-se ao campo. Naquela manhã, apenas ela e alguns soldados estavam lá. Seu avô chegara ao campo já suado e exausto. Ela o cumprimentara, ele sorriu para ela e pediu que assistisse enquanto ele treinava.
Ele se autoproclamara um espadachim perfeito.
E talvez era.
Era.
Haeryn convocara um dos soldados para um combate.
Começaram a treinar. Haeryn foi derrotado em questão de segundos, brincando em seguida que deixara o soldado vencer para que ele pudesse contar a história para a família. Vaelorya riu disso. Então tentaram novamente. Haeryn moveu-se como se tivesse ingerido 10 litros da bebida mais forte de Westeros. Vaelorya pensou que ele estava apenas sendo brincalhão.
Até que ela desviou o olhar.
Vaelorya ainda conseguia ouvir o grito estridente de seu avô ao cair no chão. Ela não testemunhou o ocorrido. E isso foi o melhor que poderia ter acontecido. Desde então, só viu o sangue escorrendo da perna de seu avô.
E então ele retornou à cama.
Foi quando começou a esquecer as coisas.
Primeiro, a fase lunar, depois o ano e as idades. Em seguida, detalhes pequenos, como o que almoçara ou quando tomara banho. Logo, não se recordava de eventos ocorridos horas antes.
Tornou-se insuportável para muitos compartilharem o mesmo espaço que ele.
A única pessoa que permaneceu foi Daelyra.
Gaelyssa e Jaelon facilmente se irritavam com o pai, que logo começava a repetir tudo o que dizia. As únicas vezes que o viam eram no café da manhã e quando eram obrigados por Daelyra a visitá-lo em seus aposentos.
E então veio a próxima fase, descoberta por Vaelorya durante uma briga entre sua mãe e seu avô.
As palavras evoluíram para objetos arremessados. E depois, para tapas em seu rosto.
Não foram frequentes, o que Vaelorya agradecia.
Mas ela lembrava-se vividamente da única vez em que viu sua mãe desabar diante dela.
Daelyra passara horas diante de um espelho, retirando os cacos de vidro que a perfuravam, depositando-os cuidadosamente em um pano sobre a mesa.
Naquela idade, Vaelorya não compreendeu o que estava acontecendo.
Agora, compreendia.
Após aquele dia, as coisas se acalmaram.
Por alguns dias.
Seu avô não se recordava de ter feito aquilo; ele voltou a ser afetuoso com sua filha, como sempre fora.
Em um dia, a fazia sentir mal por estar viva, e no seguinte, era um pai amoroso, elogiando constantemente sua dedicação.
Mas logo voltava ao normal, desprezando não apenas ela, mas também sua outra filha.
Não era surpresa que Jaelon, o único filho homem, fosse o favorito de Haeryn. Ele deixava isso claro.
Mas sua mãe permanecia ao seu lado, cuidando dele, banhando-o, arrumando seus cabelos e alimentando-o.
Até que ele parou de comer.
Vaelorya nunca o viu tão magro.
Ele começou a reclamar da comida, depois de sua própria boca, e em seguida do tempero, alegando que a comida estava crua, fria, quente demais.
Ele começou a afastar as pessoas.
Tornou-se ainda mais insuportável.
E então, mais carente.
Foi quando sua mãe pediu a Vaelorya para passar algum tempo com ele durante o dia.
Vaelorya acatou o pedido de sua mãe.
Com Aekarion ao seu lado, passavam pequenos momentos do dia com ele, que foram se tornando cada vez mais frequentes.
Todos os dias, seu avô contava-lhes uma história diferente de sua vida. Sobre dragões, sobre sua mãe, seu pai, Saelys, Rhaeryon e Valla.
Mas havia ocasiões em que ele repetia as mesmas histórias, ficava irritado com elas, e em uma delas, contou aos gêmeos como era fácil cortar membro por membro de um ser humano.
Isso faz uma lua.
E agora encontrava-se ela, em meio a uma profunda reflexão, tentando desvendar o motivo por trás da discussão.
Sentada confortavelmente sobre uma rocha alta, de onde podia contemplar todo o vasto campo de treinamento estendendo-se diante dela, ela mergulhou em seus pensamentos.
A conversa ainda ecoava vividamente em sua mente, tendo ocorrido na penumbra da noite anterior. Embora não tivesse captado cada palavra, ela absorvera mais do que suficiente.
Ela não desejava ter ouvido tanto.
Isso a deixou não apenas intrigada, mas também preocupada com o destino dela e o de seu irmão.
Havia menção a cartas também. Ela pegou trechos da conversa sobre correspondências entre seus pais e alguém. A identidade desse alguém ainda permanecia envolta em mistério para Vaelorya, mas não por muito tempo. Ela faria questão de descobrir e resolver as coisas por si mesma.
─── Você está pensando demais! ─── uma voz soou vinda logo abaixo dela. Ao olhar na direção da voz, ela avistou um garoto, suado e ofegante.
Era Mavros Stone.
Mavros, um bastardo oriundo da Casa Royce, havia feito uma entrada memorável quando chegou na ilha, ele era consideravelmente jovem até para os guerreiros do local. Três anos mais velho que ela, ele optou por servir à Casa Targaryen por vontade própria. Os dois se deram bem desde então, compartilhando uma energia que trazia dores fortes de cabeça para todos.
─── E você não pensa nada. ─── Vaelorya respondeu com um sorriso, observando Mavros arquear uma sobrancelha enquanto tentava escalar a rocha com alguma dificuldade, possivelmente devido ao cansaço.
─── Não vai treinar hoje? ─── Vaelorya negou com a cabeça, enquanto dobrava um pequeno papel que segurava em sua mão. ─── Então, sobre o que está pensando?
─── Estou pensando em como a palavra "pensa" está soando estranha! ─── Vaelorya respondeu com leveza.
─── Que pensamento mais pensante. ─── Mavros riu suavemente. ─── Mas falando sério! Conte-me sobre as ideias mirabolantes que passaram por sua mente, sou curioso.
─── Ouvi minha mãe falar sobre o futuro. ─── Vaelorya sussurrou, aproximando-se de Mavros. ─── Bē jorrāelagon isse dīnilūks...
Mavros a encarou com surpresa.
─── Você realmente acha que...? ─── Ele perguntou, pensativo.
─── Ela não está delirando! ─── Vaelorya exclamou, colocando as mãos no rosto e recostando-se na rocha. ─── Eu poderia fugir, pular de uma ponte, incendiar o castelo, cortar meu cabelo e o dela!
─── Você não está tão louca assim! ─── Mavros riu alto. ─── Ama seus cabelos demais para isso.
─── Mas não tenho pena do cabelo dela! ─── Vaelorya retrucou, irritada, enquanto o garoto apenas concordava com a cabeça.
─── Então, o que planeja fazer a respeito disso?
Vaelorya sorriu docemente para seu amigo.
─── Vou encontrar essa pessoa misteriosa, dizer um simples olá. ─── Ela falou pausadamente. ─── Agora estou indecisa se devo pedir a ajuda de Jaelon para me acompanhar com Draco e... ─── a criança ampliou seu sorriso ao mencionar o dragão de seu tio. ─── dizer adeus, ou então virar uma septã e oficiar um casamento para a pessoa com um pelicano.
─── Não consigo imaginar você com uma barba. ─── Mavros deitou-se sobre a rocha, falando pensativo. ─── Mas apoio a ideia do dragão.
─── Concordo, seria muito trabalho casar só uma pessoa..., mas seria divertido casar todos. ─── Vaelorya riu levemente. ─── Imagine casar Andry com uma bruxa velha! ─── Ela cutucou Mavros animadamente, fazendo-o gargalhar com a ideia de azarar o amigo de ambos.
O som da fricção dos talheres nas carnes ressoava pelo espaço, preenchendo cada segundo com sua presença audível por uma duração precisa de três minutos e quatro segundos. Vaelorya, há muito tempo, não se encontrava em um estado tão silencioso, especialmente na companhia de sua família. Assentada na sala de jantar, ela tinha a visão de todos os membros familiares presentes, e quando menciono todos, incluo seu avô, Haelyn, a causa desse silêncio. Na modesta mesa, seus olhos repousavam sobre ele, ocupando o lugar outrora pertencente à sua mãe, agora ao lado do pai de Vaelorya. Seu avô parecia sereno, suas mãos trêmulas segurando o garfo, que ostentava meros cinco grãos. Um desconfortável silêncio pairava, pois fazia semanas que Haelyn não compartilhava a refeição matinal com a família. E de repente, em dois dias, sua melhora era notável, transformando-se quase em outra pessoa.
─── Irmã. ─── Daelyra interveio brevemente, chamando a atenção de Gaelyssa ao tomar um gole de seu vinho. A adolescente suspirou profundamente, como se não estivesse em seus melhores ânimos. ─── Gostaria de saber como foi sua manhã!
─── Fui tentar cavalgar em meu cavalo enquanto vestia um vestido. ─── Gaelyssa soou com um tom irritado. ─── Acabei caindo, e um dos soldados teve o privilégio de me ver como vim ao mundo. ─── Ela esboçou um sorriso falso, fazendo com que Daelyra engasgasse levemente com o vinho, o irmão de ambas soltasse uma risada contida e Haelyn a encarasse surpreso.
─── O que quer dizer com 'como vim ao mundo'? ─── Aekarion perguntou, confuso, arrastando Vaelorya consigo para a confusão.
─── Significa que ele a viu chorar! ─── O pai dos gêmeos respondeu rapidamente, improvisando a primeira desculpa que veio à mente.
─── Eu também já vi Lyssa da mesma forma! ─── Vaelorya se gabou orgulhosamente, enquanto sua mãe apenas lançou um olhar repreendor para o marido diante da empolgação da filha.
─── Não seja pretensiosa, eu já vi mais vezes! ─── Jaelon, tio de Vaelorya, entrou na brincadeira, levando Daelyra a apoiar as mãos no rosto.
─── Que tal eu contar como foi o meu dia? ─── Daelyra agiu rápido para mudar de assunto. ─── Esta manhã passou rapidamente, e eu e Myrgara conseguimos colher uma quantidade considerável de plantas exóticas para ajudá-la.
Surpreso ao ouvir aquele nome, Haeryn levantou seu olhar do prato rapidamente.
─── Myrgara... como ela está? ─── Ele perguntou, com a voz um tanto baixa. Daelyra o encarou com seriedade, embora tenha sorrido forçadamente para responder.
─── Ela cresceu desde a última vez que a viu, está muito bem, graças aos deuses. ─── A mulher respondeu com calma, ponderando suas palavras. O avô de Vaelorya apenas assentiu com a cabeça.
─── E a mãe dela?
─── Deveria comer mais um pouco do porco, Haeryn. ─── Vaelorya ouviu seu pai falar de forma seca para seu avô, como uma ameaça silenciosa para que ele mantivesse a boca fechada. ─── Está delicioso!
─── Claro que está, eu mesmo o caçei. ─── Jaelon se gabou enquanto se deliciava com a carne.
─── Não seja pretensiosa. ─── Vaelorya ecoou as palavras de seu tio, há poucos minutos, com uma voz grave e carrancuda.
─── O porco está realmente ótimo, mas nada se compara a certas carnes. ─── Haeryn olhou para seu único filho. ─── Um dia, posso te ensinar como é diferente caçar os maiores predadores do mundo.
Com um ruído forte, Gaelyssa empurrou sua cadeira para trás, levantando-se rapidamente da mesa de jantar sem dizer uma palavra. Haeryn observou o lugar onde ela estava e então voltou seu olhar para o filho, começando a rir.
─── Parece que alguém está de mau humor!
─── Sua presença a irrita. ─── Vaelorya falou inadvertidamente, entretida em jogar pequenos pedaços de arroz no cabelo de seu irmão sem que ele percebesse.
─── Vaelorya! ─── Sua mãe a repreendeu autoritariamente, fazendo-a parar o que estava fazendo e olhar para ela. Ela sabia que estava falando a verdade, e sua mãe também sabia, mas ela precisava manter seu papel de mãe. ─── Não fale assim com sua família.
─── Desculpe. ─── Ela olhou séria para seu avô agora, que a encarou da mesma forma.
─── Já que terminou de comer, poderia, por favor, levar o prato de Gaelyssa para ela? ─── Sua mãe pediu gentilmente, apontando para o prato quase cheio da irmã.
Vaelorya apenas concordou com a cabeça, observando Aekarion rir ao perceber os grãos caindo de seu cabelo.
Vaelorya segurou firmemente o prato em sua mão enquanto aplicava uma boa dose de força para chutar a porta, tentando sair da sala. Internamente, ela pensava sobre onde sua tia poderia estar. Decidida, ela começou a andar em direção aos antigos quartos de sua falecida avó, Valla, que também era mãe de Gaelyssa.
Ao chegar lá, Vaelorya deu sete chutes na porta, um sinal combinado entre elas para identificar quem estava batendo. Depois de ouvir um baixo, mas audível, "entre", Vaelorya tentou abrir a porta, o que foi um pouco difícil, mas ela conseguiu após apoiar seu queixo na maçaneta.
Quando a porta se abriu, Vaelorya viu Gaelyssa sentada na janela, olhando para fora.
─── Trouxe a comida! ─── disse Vaelorya, colocando o prato em cima de uma mesa velha. ─── Eu sei que preferiria ver a carne de seu pai em vez da carne de porco, mas acho que você poderia tentar se alegrar e comê-la... ─── tentou Vaelorya, mas percebeu que sua tia não estava interessada em conversa. Ela queria ficar em silêncio.
Vaelorya tentou mudar de assunto enquanto andava pelo quarto bem cuidado.
─── A vista está bonita? Hoje seria um bom dia para nadar. Ou pescar! Seria legal termos duas carnes diferentes para comer no mesmo dia. ─── Enquanto olhava para os vestidos no guarda-roupa de sua avó, Vaelorya comentou sobre as cores e os tecidos. ─── Já usou um dos vestidos? São tantas cores. Acho que o verde combina com seu tom de pele... mesmo que o branco te deixe bonita. Quando eu crescer, vou querer usar o vermelho. Ele é lindo! Você não acha?
Sem resposta.
─── Obrigada pela resposta. ─── disse Vaelorya mais alto. ─── Será que eles têm quantos anos? Será que um dia eles se desgastam? Quantos dias demoraram para fazê-los, você sabe? ─── Vaelorya esperava uma resposta, mas ao olhar para trás, viu Gaelyssa ainda em silêncio.
─── Claro que você não sabe. Nem deveria ter nascido ainda. É estranho pensar que um vestido é mais velho que eu... Será que tem um vestido que viu a criação dos dragões? Imagine quantas coisas um vestido já viu! Será que um vestido tem preferências? É possível ter um vestido de laranja? Eu gosto de laranja, e a ideia de ter um me agrada muito! Aliás, você não vai comer?
Estranhando o silêncio de sua tia, Vaelorya se assustou um pouco.
Será que ela morreu?
Andando até ela, Vaelorya a observou calada, percebendo que sua tia não estava se mexendo. Então, rapidamente a beliscou.
─── Merda! ─── exclamou Gaelyssa, virando sua cabeça para Vaelorya. Vaelorya quase se sentiu aliviada com o movimento brusco, mas então percebeu que Gaelyssa estava chorando.
Lágrimas molhavam o rosto de sua tia e escorriam até o vestido, deixando-o levemente úmido.
─── Está chorando? Por que está chorando? ─── perguntou Vaelorya preocupada. ─── Foram as perguntas? Foram os vestidos? Você tem medo ou nojo de comer carne de porco? Não quer comer por conta de que Jaelon que o matou?
─── Eu não estou chorando, Vaelorya! ─── disse Gaelyssa fracamente, o que só confirmou que ela realmente estava chorando.
─── Então está fazendo xixi pelos olhos? ─── Vaelorya levantou as sobrancelhas. Gaelyssa apenas olhou para cima tentando não rir com a resposta boba de sua sobrinha.
─── Sim, estou praticando isso.
─── Fala sério! Eu que sou a criança aqui, não se faça de burra.
─── Pode parar?
─── Me diz o motivo de estar chorando e eu paro! ─── disse Vaelorya com um pequeno sorriso.
─── Não.
─── Sim!
─── Não.
─── Sim!
─── Não.
─── Sim!
─── Não!
─── Sim!
─── Não!
Confusa, Gaelyssa parou de falar, enquanto Vaelorya abriu um sorriso vitorioso. Um truque simples, ela deveria agradecer seu pai por isso depois.
─── Me deve um motivo agora! Perdedora ─── gabou-se Vaelorya, enquanto Gaelyssa, irritada por ter caído na brincadeira de Vaelorya, levantou da janela e andou até a antiga cama de sua mãe falecida, onde, se concentra se, poderia sentir o perfume dela. ─── Por favor! Fale, Lyssa...
─── Já passou. Estou normal agora, graças a você ─── respondeu Gaelyssa, encarando Vaelorya, que ficou em silêncio encarando-a por um momento. Até que, quase um minuto de silêncio depois, Vaelorya viu uma lágrima começando a cair dos olhos de sua tia, e logo apareceu outra, e outra. ─── Não passou! ─── choramingou Gaelyssa, colocando as mãos em seu rosto.
A tática do silêncio, onde a pessoa é forçada a pensar após um longo tempo em silêncio. E a isso, Vaelorya agradecia a sua mãe.
─── Lyssa, Lyssa... ─── Vaelorya falou enquanto subia na cama e abraçava sua tia. ─── Agora abra a boca. realmente... só fale o motivo das lágrimas. É bom compartilhar, lembra?
Silêncio.
Gaelyssa apenas chorou, ela tentou falar, mas sua boca não abria, ela não conseguia. Se abrisse ela iria chorar mais ainda.
─── Você não entende! ─── disse Gaelyssa entre lágrimas. ─── É apenas uma criança, Vaelorya.
─── Cale a boca. Você tem ódio contra crianças? ─── disse Vaelorya ofendida. ─── Sou uma criança, não um recém-nascido!
─── Gostaria que fosse. ─── respirou fundo Gaelyssa. ─── A questão é, eu sou uma mulher, Vaelorya.
─── E?
─── E todos odeiam mulheres. As mulheres odeiam mulheres, os homens, meu próprio pai! ─── explicou Gaelyssa, olhando para Vaelorya com tristeza. ─── Ele me odeia, desde que me lembro. Meu pai, o homem que matou minha mãe. O homem que só se importa com seu único filho homem. E agora, após ficar doente, após começar a morrer, vem falar comigo, pela primeira vez em anos... ─── Ela engoliu seu choro, olhando para o teto. Seus dedos nervosamente apertavam os outros, mas nenhum barulho era emitido pelo fato de já terem sido estalados. ─── Para me dizer que devo me casar com meu irmão, se não nenhum homem irá querer se casar comigo pelo jeito que sou e pela minha idade.
Em silêncio, Vaelorya se aproximou de sua tia e a abraçou, colocando seu rosto ao lado de seu pescoço. Ela estava calada, não sabia o que falar, seu avô era um homem... difícil, por se dizer. Ele era o avô de Vaelorya, e ela o amava como tal, mas também, parte dela o odiava, como homem, como pai para sua mãe e tia, e como ser humano.
─── Eu deveria ter enfiado a merda daquela espada velha em seu pescoço! ─── indagou com raiva a mais velha, enquanto Vaelorya parou de abraçá-la para olhar em seus olhos, mas apenas conseguiu ver os olhos de sua tia focados no teto. ─── Ele merece aquilo, acredite em mim. Tenho pena de quem passou uma vida ao lado de Haeryn, purista de sangue de merda.
─── Posso te contar algo? ─── sussurrou Vaelorya no ouvido dela, enquanto estava pensativa. Gaelyssa apenas concordou com sua cabeça. ─── Ouvi ele e minha mãe falando sobre casamentos ontem à noite. E não era sobre o seu... ─── As duas garotas se encararam, enquanto Vaelorya obtinha um olhar curioso e pensativo, Gaelyssa, por outro lado, escureceu seu olhar e negou com a cabeça levemente.
─── Não me fale isso!
─── Eu ouvi pouco, mas estavam gritando, então facilitou muito. Eles falaram sobre sangue, ancestrais, outras coisas, mas falaram sobre casamento. ─── suspirou Vaelorya. ─── Parece que meus pais já estão decididos a séculos sobre meu futuro e o de Aekarion, mas só nós dois não sabemos. Incrível, não?
─── Parece que estamos na mesma situação, querida sobrinha. ─── A mais velha falou irritada.
─── Não fale isso, é sério! ─── olhou Vaelorya irritada. ─── No meio da discussão meu avô falou de seus desejos. ─── Fez uma cara de nojo. ─── Ele quer me juntar com o demente, sem cérebro, do Aekarion.
─── Já era óbvio de se saber! ─── soltou um riso irônico Gaelyssa, enquanto Vaelorya a encarava séria.
─── Enquanto isso, foi a vez de minha mãe falar sobre o que planejou, e que nós dois já estamos prometidos a anos a outras pessoas.
─── Você sabe quem é?
─── Se eu soubesse já teria queimado! ─── disse irritada Vaelorya, seus dedos passando sobre os cachos do cabelo de Gaelyssa.
─── E deseja descobrir? ─── perguntou curiosa Gaelyssa, mesmo sabendo a resposta, ela a fez.
─── Não seja tola! Passei o dia todo pensando nisto.
Inquieta, Gaelyssa retirou as mãos de Vaelorya de seus cabelos, enquanto virou seu corpo na direção dela.
─── Faz um tempo, não muito, que vejo minha irmã recebendo cartas, talvez, seja de seu interesse saber disto. ─── parou para pensar, espremendo seus olhos. ─── Azul, elas têm um selo azul!
Vaelorya abriu um sorriso de canto enquanto pensava.
─── Bem, se você fosse procurá-los... os aposentos seriam a melhor opção, não é verdade? ─── Vaelorya indagou baixo.
─── Se eu fosse, eu com total certeza iria olhá-los lá, especificamente embaixo da cama. ─── Gaelyssa abriu um sorriso fraco, enquanto enfatizava o eu. ─── E eu também lembraria que minha irmã e primo iriam passar o dia inteiro aos arredores da fortaleza, distraídos demais para imaginarem que, minha pessoa, estivesse em seus aposentos.
─── Que notícia intrigante! ─── Vaelorya arregalou os olhos com uma surpresa falsa, seus pés foram apoiados na cama fortemente para dar um apoio para a criança conseguir se levantar em um pulo. ─── Me pergunto... será que uma certa pessoa desejaria acompanhar uma criança inocente... em seu passeio, muito, muito inocente?
─── Sinto em lhe dizer mas não irei a acompanhar, desejo me agraciar permanecendo aqui.
─── Tudo bem... ─── Vaelorya exclamou ao abrir a porta, sorrindo de leve. Mas antes de fechar a mesma, a criança voltou para o campo de visão de sua tia. ─── Você pode comer a comida? Eu juro que não cuspi nela igual a outra vez!
Gaelyssa juntou suas sobrancelhas, confusa, enquanto Vaelorya acaba de perceber que não devia ter falado aquilo.
─── Você cuspiu na minha comida?! Que merda é essa? ─── A mais velha se levantou da cama rapidamente ao ver que Vaelorya havia fechado a porta com pressa, mas ao abrir ela, Gaelyssa só pode ouvir os barulhos que Vaelorya fazia ao descer as escadas rapidamente. ─── Vaelorya!
Vaelorya poderia classificar o aposento de seus progenitores como aconchegante; era vasto e esteticamente agradável, excetuando-se certas pinturas que escapavam à sua compreensão.
Vaelorya e seu irmão gêmeo chorão, Aekarion, tinham o costume de buscar refúgio ali quando eram mais jovens. Isso se resumiu a cerca de uma lua atrás, mas Vaelorya jamais admitiria tal fato.
Ela conhecia aquele aposento de maneira profunda, quase intimamente. Vaelorya não se autodenominaria uma criança enxerida, pois acreditava ser muito mais do que isso; ela apenas apreciava observar a disposição dos objetos e os pertences pessoais alheios.
É claro, sabia que havia limites para tal comportamento.
Contudo, esses limites não se aplicavam à sua própria família.
Naquele momento, Vaelorya praticava essa filosofia, perambulando pelo aposentos dos pais em busca das cartas que sua tia mencionara. Não se preocupou em ser silenciosa, pois seus pais provavelmente estavam em locais distantes, fora do alcance auditivo. E, bem, se fosse pega, seria mais fácil pedir desculpas do que passar o dia inteiro conjecturando sobre as malditas cartas.
Mas esse era o dia de azar dela. Mesmo com todo seu esforço, não conseguia encontrar as cartas. Encontrou algumas, mas nenhuma delas era azul, o que a estava enlouquecendo. Chegou ao ponto de mover a cama ── que não era nada leve ── na tentativa de encontrar algo. E falhou.
Lá estava ela, de pé sobre uma mesa, esforçando-se para alcançar a parte mais alta de um armário, mas sua altura não cooperava.
─── Endoidou de vez, sua maluca?
Assustada, Vaelorya quase perdeu o equilíbrio, mas por sorte não caiu da alta mesa. Ainda de costas para a voz, tentou parecer calma, como se não estivesse fazendo nada de errado ─ embora, em sua visão, de fato não estivesse. Mesmo assim, amaldiçoou-se por não ter reconhecido imediatamente a voz irritante e a boca que jamais permanecia calada. Estava encrencada!
─── O que você está fazendo aqui? ─── Perguntou ao irmão gêmeo enquanto se virava na direção dele, tentando manter uma expressão de audácia inabalável. Vaelorya ponderou abrir um sorriso, mas estava com preguiça demais.
Aekarion levantou as sobrancelhas, e Vaelorya sabia exatamente o que ele estava pensando.
─── Eu que faço a pergunta: o que você está fazendo aqui, maluca? ─── Ele falou com um tom autoritário, caminhando em direção à cama, observando-a com confusão ao vê-la sobre a mesa.
─── Estou me preparando para cavalgar um cavalo, por isso estou em cima de uma mesa. ─── Vaelorya respondeu sem expressão.
─── E o tal cavalo que fazia tanto barulho? Vejo que ele também moveu a cama, que cavalo inteligente! ─── O irmão disse com ironia.
─── Ele é mais inteligente que você! ─── Vaelorya retrucou enquanto descia da mesa e se dirigia à cama, tentando, sem sucesso, empurrá-la de volta ao lugar.
Por alguns segundos, o quarto permaneceu em silêncio. Vaelorya estava ocupada demais empurrando a cama com todas as suas forças, mas apenas conseguia arrastar os pés no chão. Era embaraçoso para ela, especialmente com Aekarion observando, exibindo uma expressão de satisfação e uma tentativa fracassada de não rir.
─── Pode mover a sua bunda mole e empurrar esse elefante em forma de cama comigo? ─── Vaelorya disse com raiva, suspirando fortemente a cada palavra para afastar um fio de cabelo que insistia em cair sobre seus olhos.
─── Estou confortável sendo um observador. ─── Ele respondeu com um sorriso irritante. Aekarion, o abusado, caminhou até a cama, saltitando, e com um pulo se jogou no centro dela, cruzando as pernas e apoiando as mãos atrás da cabeça. ─── Continue, criada.
O quê?
─── Você não me chamou de criada! ─── Vaelorya exclamou incrédula, seus olhos arregalados de raiva.
Quem aquele abusado, mijão, cabelo de palha, sem dente, cheiro de cocô de dragão, pensa que é?
─── Está surda? ─── Ele falou sorridente, fechando os olhos com um suspiro. ─── Se continuar assim, não receberá seu pagamento!
─── Seu abusado! ─── Vaelorya gritou. Aekarion, ao sentir algo em seus pés, abriu os olhos e encontrou uma Vaelorya irritada sobre ele, que logo começou a puxar brutalmente seus cabelos.
Com um grito, Aekarion começou a se mexer desesperadamente, tentando se livrar do aperto da irmã. Quando percebeu que ela não o soltaria facilmente, rapidamente começou a puxar os longos cabelos dela, fazendo-a gritar de dor e se jogar ao lado dele, chutando-o na barriga, mas aumentando o aperto em seu cabelo. Aekarion retribuiu o chute na barriga de Vaelorya e ambos esticaram as pernas, empurrando-se o mais longe possível, enquanto ainda seguravam os cabelos um do outro. Com o espaço limitado na cama, Aekarion teve o azar de cair no chão, levando Vaelorya com ele, mas a queda não pôs fim à briga.
Devido à queda, o garoto bateu a cabeça e ficou tonto, o que o deixou distraído e deu a oportunidade para Vaelorya empurrá-lo para debaixo da cama. O problema foi que Aekarion não percebeu onde estava até ser tarde demais.
O silêncio inevitável após o estrondo da batida da cabeça de Aekarion contra algo duro debaixo da cama era desesperador. Os gêmeos, assustados, se encaravam sem mover um músculo. Vaelorya entrou em pânico ao perceber que Aekarion, ainda estático, começava a ter lágrimas se formando nos olhos.
─── Não chore. ─── Vaelorya implorou rapidamente, rezando mentalmente para os deuses valirianos. ─── Não chore. Não chore. Por favor, não chore.
Mas Aekarion parecia não ouvi-la. Começou a chorar desesperadamente e, ao abaixar a cabeça rapidamente, uma caixa caiu sobre ele, machucando-o novamente.
─── Pelos deuses! ─── Vaelorya gritou de susto no mesmo momento em que Aekarion gritou de dor. O garoto, já em lágrimas, empurrou a caixa brutalmente para longe enquanto se arrastava para fora da cama.
─── O que é isso? ─── Vaelorya perguntou, aproximando-se da caixa.
─── Tire isso longe de mim! É um assassino! Ela está amaldiçoada para me matar! Eu vou sangrar e morrer, estou sentindo! ─── Aekarion gritou, chorando de dor, enquanto Vaelorya revirou os olhos diante do exagero do irmão, mas uma parte de sua curiosidade foi despertada pela caixa. Com cuidado, ela se ajoelhou ao lado do objeto misterioso. Era uma caixa velha, de madeira escura e desgastada, com entalhes intricados que formavam padrões quase hipnóticos. Ela respirou fundo, tentando acalmar o coração acelerado, e abriu a tampa rangente.
Aekarion, seu azarado sortudo!
De repente, toda a energia ruim esvaziou-se do corpo de Vaelorya, sendo substituída por uma vontade esmagadora de gritar de alegria. E foi exatamente isso que ela fez ao ver as esperadas cartas de tom azul.
Vaelorya se levantou e começou a pular e gritar de felicidade.
Ela até abraçaria Aekarion, mas, ao terminar de gritar, percebeu que ele já havia deixado os aposentos.
❛ ─── Não, não é ilusão,
eu postei mesmo capítulo novo!! ❜
❛ ─── Peço perdão pela demora,
aconteceu tanta coisa que eu surtei
( uma delas foi a descoberta de que
tenho uma irmã que é fruto
de traição, eu sei, um babado ). ❜
❛ ─── Também quero avisar que
o capítulo é tão grande que tive
que dividir em duas partes, se
preparem que o próximo é
bomba e surto!!! ❜
❛ ─── E por fim, hoje é um dia
muito especial, porque é o
aniversário desses dois queridos
( meus gêmeos geminianos ),
e também da criadora deles 😱... ❜
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