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Mais um dia de aula, mais um recomeço monótono, mais uma busca para que as horas voem e novamente a liberdade me abrace...

Esse foi o meu primeiro pensamento pela manhã, ao abrir os olhos e me deparar com o teto branco e sem graça do meu quarto.

Mamãe não deixou que eu o pintasse de preto, tal as paredes, isso é que dá ser aborrecente e ainda morar com os pais, podemos criar nossos espaços, mas tudo tem um limite, uma regra, uma Lei Marcial para cumprir.

*Você pode pintar as paredes, o chão, colocar caveiras e fotos destes metaleiros por todo lado, mas o teto com drywall vai ficar branco - ordenou minha mãe. Ser filha de arquiteta algumas vezes é um porre e pensar que eu seguia na mesma direção...

Estou com quase dezoito anos, faltam apenas dez dias para eu alcançar esta idade privilegiada, com direito a CNH (tá, tem a porcaria da PPD antes), nenhuma restrição nos barzinhos para bebidas, tem aquela tatuagem mais ousada que penso em fazer, posso cogitar o apartamento lá perto da faculdade que meu pai fofo me prometeu... São tantas coisas, com a maioridade eu posso fazer valer o meu grito de liberdade particular.

Bastava ter dinheiro no bolso, coisa que eu não tinha diretamente, mas minha família sim, só que para isso eu devia seguir algumas regras e uma delas era me formar numa universidade que prestasse e depois tocar a Sarah Engenharia S.A., o negócio da família que tinha um nome lindo, vocês não acham?

Pensando na gorda conta bancária dos meus pais, exclusividade minha, já que sou filha única, faço cursinho para entrar na engenharia da USP e falando nisso se eu continuar viajando aqui vou chegar atrasada...

*Sarah, seu pai sai daqui há quinze minutos... - berrou minha mãe lá de baixo, confirmando que eu não tinha mais tempo a perder.

E em exatamente quinze minutos, nenhum um segundo a mais, lá estava eu ainda mastigando um pedaço de pão de mel a bordo do jipão do meu pai.

Ah, meu pai!

Pense num cara legal, brincalhão, mas sério nas horas certas, meu melhor amigo nesse mundo. Ele foi sempre meu ponto de equilíbrio em todas as minhas crises existenciais e a frase que mais ouvi dele até esta manhã foi exatamente essa:

*Estou orgulhoso de você filha, continue sendo esse amor de pessoa...

E não é que sempre eu era um amor, eu dava meus vacilos sim, bobeava em provas simples, discutia sem motivos com amigos, bufava para minha mãe, mas para meu pai eu sempre seria um amor, o seu amor...

E pensar que toda essa minha felicidade estava com os dias contados...

Começou quando esbarrei num aluno desconhecido ao entrar correndo no Centro Educacional. Meu ombro chegou a doer e eu o olhei de cara feia já pensando em reclamar.

Ele usava uma jaqueta vermelha com capuz grande demais para a sua cabeça e se virou na minha direção na mesma hora que eu, me dando um olhar que parecia brilhar.

Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa ele espalmou as duas mãos na minha direção e disse simplesmente uma única palavra.

*Dez!

Depois se virou rapidamente e sumiu entre o aglomerado de alunos.

Pensei comigo: Mas que cara esquisito...

Tentei recordar se o conhecia de alguma roda de amigos, mas foi sem chance.

Depois considerei que ele fazia alguma alusão aos dias que faltavam para o meu aniversário, num tipo de preparação para alguma sacanagem já planejada pelos meus doidos amigos e sorri feito boba da ideia.

Como eu estava enganada...

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