Trinta e um.

Lauren

Trovões rasgam o céu e ecoam na escuridão em nuvens ameaçadoras. O avião balança e treme na turbulência do céu noturno, lembrando-nos de quem de fato está no controle: a Mãe Natureza. E ela é uma mulher muito irritada nesse momento.

As comissárias de bordo se sentam e afivelam os cintos de segurança em seus bancos, parecendo transtornadas por causa da cansativa viagem. A fraca luz das cabines, que deveria ajudar os passageiros a relaxarem nos voos noturnos, serve apenas para atrair a atenção para os flashes dos raios que explodem no céu.

Finalmente aterrissamos em Las Vegas após o que parecem ser as quatro horas mais longas da história. Estou a ponto de pular por cima do assento para passar os vinte passageiros parados no corredor tentando puxar seus pertences dos compartimentos superiores. Preciso sair dessa maldita lata!

As lutas começam amanhã, mas a qualificação da minha classe de peso não acontece até o outro dia, então, tenho tempo para descansar e tentar fazer com que eu seja colocada junto com o Connor. Fiquei ponderando durante horas se deveria pedir qualquer coisa ao irmão que eu mal conhecia e a quem odiei desde que descobri sua existência. Mas, por fim, minha necessidade de acabar com o Connor e acertar as coisas com a Camila de uma vez por todas superou minha animosidade e a pequena pendência com meu meio-irmão. Afinal de contas, tudo que ele fez foi ter nascido. Foi o nosso pai filho da puta que criou toda a destruição em nossas vidas por consequência das suas ações.

Andando pelo lobby silencioso, vislumbro uma mulher de lado. Cabelos ruivos ondulados, nariz reto e maçãs do rosto salientes. Minha suspeita se torna bastante clara quando me aproximo.

— Liv?

Ela se vira e uma expressão de choque por me ver rapidamente se transforma em confusão.

— Lauren? O que você está fazendo aqui?

— Eu vim para a luta. Acho que não preciso mais perguntar o que você está fazendo nas proximidades de uma luta.

Ela sorri.

— Você vai lutar?

— Depende.

Ela franze o cenho.

— De quê?

— De você convencer o seu namorado a me ajudar. — Sorrio maliciosamente.

— Ah não. — Ela levanta as mãos, sinalizando que não há a menor chance de ela se envolver no que quer que eu esteja dizendo. — Da última vez que me coloquei entre vocês as coisas não acabaram muito bem.

— Bom, isso foi porque ele pensou que eu estava dando em cima de você.

— E não estava? — Ela levanta uma sobrancelha. Ri alto porque ela me pegou em cheio.

— Está bem. Talvez eu estivesse. Mas sou mulher de uma mulher só e meu coração pertence à outra. — Sorri e dou uma piscadinha. — Tente não ficar arrasada. Você teve a sua chance.

Ela balança a cabeça.

— Você vai me causar problemas, não vai? — ela pergunta cansadamente, embora haja um sorriso em seu rosto.

— Provavelmente. Mas você vai me ajudar mesmo assim.

Ela suspira alto.

— Venha. Sente-se e tome um café comigo, e eu verei o que posso fazer.

***

Já são quase oito da noite quando meu celular toca. Como não tive resposta da Liv o dia inteiro, achei que Ian não fosse querer me ajudar, então já havia decidido o que iria fazer. Vou entrar no MMA Open custe o que custar. Zayn está certo: eu preciso lidar com as coisas que quero mudar em minha vida como uma estratégia de longo prazo. Reconquistar a Camila é importante, mas lutar também é. Já desperdicei muito tempo, e vou ter que realmente me dedicar a isso. Chega de viver uma vida que me faz sentir morta por dentro. Tenho dinheiro suficiente para viver uma vida longa, e estou prestes a começar a viver de verdade.

— Oi — Liv diz quando atendo. — Desculpe ter demorado tanto. Ian ficou ocupado o dia inteiro lidando com a imprensa e não consegui conversar a sós com ele até agora.

— E como foi?

— Bom... — Ela fica reticente.

— Ele está sentado ao seu lado, não é?

— Sim.

— Ele não vai me ajudar?

— Ian quer falar pessoalmente com você.

— Deixe-me adivinhar: ele não gostou de eu ter me aproximado de você primeiro?

— Muito bom — ela diz enigmaticamente.

Consigo imaginar o Ian sentado ao seu lado enquanto ela fala, com fumaça saindo pelas orelhas.

— Quando posso falar com ele? As classificações começam pela manhã.

— Você pode vir ao quarto 3200?

— Estou indo aí agora. — Não perco tempo. Pego minha chave e subo.

A ironia não me passa despercebida quando pego o elevador e subo até o último andar do prédio. Eu cortei os excessos da minha vida, reservando um quarto comum do hotel, enquanto meu irmão tem a cobertura do tamanho de um andar inteiro. O mesmo irmão que cresceu sem nenhum excesso... cuja mãe teve que lutar, enquanto a mim as coisas eram entregues numa bandeja de prata pelo meu pai. O pêndulo pesado finalmente balança para o outro lado.

Liv me cumprimenta na porta e me conduz pela ampla sala de estar. O cômodo é espaçoso e revestido com tecidos pesados. Um enorme sofá toma conta de metade do ambiente. Um típico excesso de Las Vegas, o lugar onde eles colocam as celebridades ou os grandes apostadores.

Ian se levanta, juntamente com dois outros homens. Um deles me parece familiar, o outro, acho que nunca vi antes. Estendo a mão para o Ian primeiro. Ele hesita, mas a aperta com firmeza.

— Ian. — Balanço a cabeça. — Obrigado por me receber.

Ele me olha nos olhos quando responde, certificando-se de que se faz entender.

— Nunca mais tente se aproximar de mim através da Liv.

— Eu... — Penso em tentar explicar que não era isso o que eu queria fazer, mas de fato foi o que eu fiz. Decido ser humilde. — Entendi. Não acontecerá novamente.

Ele faz que sim e faz as apresentações.

— Esse é meu treinador, Jon Carter. — Eu aperto a mão do homem. O sobrenome me lembra por que aquele cara enorme me parece tão familiar. Ele é uma lenda. Matou um cara no ringue no início da carreira e saiu do circuito durante um tempo. Voltou e conquistou o título. É um dos poucos pesos-pesados invictos que já se aposentaram no esporte.

— Muito prazer em te conhecer. Sou uma grande fã. Cresci vendo-o lutar. Droga, eu queria ser você.

O grandão sorri e aperta a minha mão, mas não diz nada. Em seguida, Ian apresenta o outro homem.

— Esse velho bastardo é o Preach. Não lhe dê brecha para falar. Ele vai ficar uma hora tentando convencê-la de que ele é a razão pela qual eu e Jon conquistamos os cinturões.

Preach resmunga algo baixinho e estende a mão.

— Eu sou a única razão. Esses dois apenas são muito cheios de si para admitir isso em alto e bom som. Mas eles sabem que é verdade. — Ele bate no peito na altura do coração.

A brincadeira entre eles claramente quebra o gelo e eu relaxo um pouco, respirando com esperança.

— Então, a Liv me disse que você quer lutar no Open.

— Já estou registrada. Mas gostaria de ser escolhida para lutar com um determinado oponente.

— Porque ele é o ex da sua namorada? — Ian lembra.

— Ela não é mais minha namorada. — Meu coração se comprime no meu peito ao admitir isso. — Mas acabei de descobrir que ele a vem roubando há um ano.

— E a mulher é filha do The Saint? — Preach assobia. — O cara tem sorte de o The Saint ter falecido. Eu e ele somos de outra geração, e aquela menininha era a luz dos olhos dele.

Faço que sim com a cabeça.

— Aposto que era. Ela é incrível.

Jon interrompe.

— Mas você nunca competiu em uma luta profissional antes, por isso não pode ser avaliada no nível do cara com quem quer lutar? É esse o seu problema?

— Exato.

— Então, você quer que eu ferre com o cartão de avaliação, coloque minha reputação em jogo só para que você tenha sua vingança contra um babaca ladrão? — Ian pergunta.

Colocado dessa maneira, parece que o que estou pedindo é muito. Sinto como se qualquer esperança que eu momentaneamente tive escorregasse pelos meus dedos.

— É mais do que isso. Ele se aproveitou dela depois que o pai dela morreu. Começou suavizando as coisas na semana em que ele faleceu e depois se enfiou na cama dela quando ela estava vulnerável. O cara é mais que um ladrão, ele é abusivo.

— Abusivo? Como assim? — Minha declaração desperta a atenção de Jon.

— Ele não ficou feliz quando ficamos juntas, embora ela já tivesse terminado tudo com ele. Eu o flagrei com o braço pressionado contra a garganta dela uma vez. — O queixo de Jon cai e há um silêncio trocado entre ele e Ian. Algo que eu disse tocou uma ferida nesses dois homens, por isso, continuo. — O pescoço inteiro dela ficou roxo pela pressão que ele exerceu. Tenho medo de pensar o que aquele filho da mãe poderia ter feito a ela se eu não tivesse chegado a tempo. — Paro. — Olha, eu amo a Camila, mas estraguei as coisas entre a gente. Detesto isso, mas aceito que ela não queira ficar comigo. Estaria mentindo para vocês se dissesse que não estou motivada para descontar uma vingança. Mas esse filho da mãe merece uma boa surra. Se você não quiser me ajudar, ao menos sorteie-o com alguém que vá ensiná-lo uma lição.

Os homens olham para mim em silêncio.

— Preach, você mantém sua licença de juiz em dia? — Ian pergunta.

— Com certeza — Preach concorda.

— Você está disposto a lutar contra o Jon para ganhar os pontos de que precisa para entrar no ringue com esse cara?

Olho para o Jon e de volta para ele. O cara é gigantesco, mas isso sequer importa para mim agora.

Eu me endireito e olho Ian direto nos olhos:

— Estou.

Ele sustenta meu olhar em silêncio por um longo momento, percebendo minha sinceridade.

— Vou tentar melhorar sua classificação e fazer com que você seja colocada junto com esse babaca.

Confusa, franzo o cenho.

— Então não vou ter que lutar com o Jon antes?

Ian sorri.

— Nah, ele tem cem quilos a mais do que você e ainda treina como se fosse lutar a luta da vida. Ele iria te aniquilar. 

Os três homens riem às minhas custas. Permaneço ali por mais meia hora e até tomo uma cerveja.

— Boa sorte — Ian diz, abrindo a porta para mim quando vou embora.

— Obrigado. Eu agradeço por tudo.

— Sem problemas. Estou feliz em descobrir que você não é uma babaca como aquele nosso pai.

— Isso ele é. — Sorrio, aperto a mão de Ian e vou embora da suíte do meu irmão.

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