Redémarrer

O barulho de uma mente conturbada normalmente é muito mais alto que a vida real, e Harry Potter tinha certeza disso há algum tempo. Mesmo que o trânsito gritasse em apitos em seus ouvidos, as pessoas corressem para seus trabalhos e toda a vida se mantivesse em constante movimento ao seu redor, às vezes ele apenas escutava as dores e lembranças que repercutiam em sua consciência, que se impregnavam nela feito carrapatos, deixando-a sempre mais pesada. Era como se a dor criasse uma película, tão forte que às vezes chegava a ser impermeável e indestrutível.

Quanto tempo ainda precisava para se sentir melhor? Ele conseguiria se sentir melhor?

Sempre que a resposta parecia negativa em suas especulações, retornava ao início delas, preso em lembranças doloridas. Ele queria ficar bem, queria fazer bem, tentar apagar todo o mal que fizera, mas tudo parecia muito mais difícil quando a solução não era apenas utilizar um feitiço, ou separar o bem e o mal, como óleo e a água. A verdade era que a vida podia ser bem agridoce, mesclando de forma bem homogênea as mazelas e bonanças. Harry não sabia dizer ao certo se existia uma forma de tornar tudo bom novamente, pois já não sabia se um dia tudo tinha sido de cores alegres, como almejava tornar.

Afinal, ele poderia se classificar como mau naquela situação? Sabia que não poderia se considerar o contrário, como o benevolente, assim como não julgaria qualquer outro envolvido com tais extremos. Até onde a distinção de bem e mal era válida naquela situação, visto que tudo parecia tão ruim?

Havia passado tempo suficiente para que a culpa se tornasse uma sombra constante e perseguidora, que não atuava como guia de seus atos, no entanto. Harry vivia sua vida como podia, tentando melhorar ao que estava em seu alcance, porém perdido nos caminhos de seus sentimentos e desejos mais íntimos. Ele queria voltar a ser o bem da história, deixar de estar confuso sobre seu papel ali. Esperava, de todo seu coração, que pudesse alcançar suas metas mais íntimas, permitindo que seu coração ficasse menos oco e sua mente menos barulhenta, que a película aparentasse menos com um muro.

Quando parou o carro em frente à estação de trem, era sobre isso que novamente pensava.

Como constantemente estava.

O início do ano letivo havia chegado, e a plataforma 9 3⁄4 era a mesma bagunça costumeira. Harry olhava os filhos conversando de forma animada entre si, tentando focar apenas naquela alegria real e próxima. Alegria que ele tentava demonstrar em si. Mesmo que seu sorriso mínimo não refletisse, ficava feliz por poder acompanhar tal coisa. Haviam muitos daqueles pequenos momentos que perdia por conta do trabalho excessivo, seja de propósito ou de forma inconsciente mas, naquele momento, se deleitaria com qualquer mísera coisa. Aquele pouco já era algo. O homem tentava manter a expressão calma e simpática, uma face límpida como sabia que eles mereciam, como ele estava lutando para voltar a ser: um homem calmo, translúcido e confiante, alguém com o qual seus filhos poderiam ter como apoio e orgulho. Harry queria ser esse tipo de homem agora, não o traidor quebrado que vinha sendo, e daria seu melhor para tal. Era sua meta. E algo que ainda se lembrava sobre si, era que já fora, um dia, um homem de palavra.

— O senhor está divagando de novo — Albus avisou o pai, enquanto mantinha os olhos atentos pelo lugar, obviamente procurando alguém. Um alguém de cabeleira loira. Scorpius, pensou Harry, sentindo o estômago embrulhar de forma desconfortável só de imaginar a companhia que vinha junto ao amigo de Severus.

— Desculpe, vir à plataforma me deixa nostálgico.

O garoto apenas murmurou uma resposta enquanto trocava o peso da perna, seus olhos vagando de forma incansável pelo ambiente. Harry conseguiu sorrir verdadeiramente para a ansiedade do filho, lembrando muito a forma que ansiava encontrar Rony quando possuíam a mesma idade. As coisas não eram muito mais fáceis para si naquela época, mas ele percebia que não via a vida com seriedade naquele momento. Em parte por imaginar a morte como futuro e em outra por valorizar muito os pequenos momentos. Talvez isso tornasse as coisas mais fáceis, ou a juventude o fizesse, Potter não saberia dizer com exatidão. Engolindo em seco, desejou que as coisas fossem mais simples entre ele e Rony, como quando jovens. Quis que fosse fácil como comprar sapos de chocolate e deixar o amigo de bem consigo. Era uma pena que o ruivo, agora adulto, não perdoasse tudo e a todos em troca de doces. Em suas novas e atuais realidades, ele conseguia ser alguém bem cruel com as palavras, mesmo que Harry as merecesse. Ainda doía, entretanto. A saudade ainda ardia em seu peito.

Fazia pouco menos de um ano desde seu divorcio com Gina, e até mesmo sua relação com ela era melhor que com o irmão dela. Fazia pouco menos de um ano, e ainda era quase uma missão impossível falar com Hermione sem que parecessem estar traindo Ronald. Fazia pouco menos de um ano, e seu melhor amigo ainda não queria seu nome na boca de Harry. Mas tudo bem, pois Potter esperaria até mesmo vinte anos para retomar sua amizade com os Weasleys. Mesmo que em seu âmago torcesse que não demorasse tanto assim.

— Ali, Albus! — James avisou o irmão, com ar de deboche bem claro na voz. Ele não conseguia entender a euforia dele, sendo que tinha visto o amigo há menos de duas semanas atrás, antes dele viajar com o pai. Fora que as cartas entre eles nunca pararam, então não fazia sentido algum toda aquela ansiedade, mesmo que ela fosse bem engraçada.

— Finalmente — O garoto resmungou antes de erguer o braço, o sacudindo no ar, chegando até mesmo a dar dois saltinhos, fazendo sinal ao amigo.

— Albus! — Scorpius falou alto, quase correndo na direção do garoto. Ele também sacudia o braço no ar, avisando não só ao amigo de sua chegada, como a todos da plataforma.

Draco Malfoy vinha atrás dele, seus passos sempre elegantes, o robe bruxo perfeitamente alinhado e, na feição, continha uma diversão velada pelo agito do filho. Harry sentiu seu estômago dar solavancos quase doloridos, juntamente ao nervosismo culpado e saudoso, pois faziam meses que não o via, que não possuía qualquer notícia sobre seu paradeiro. As meras coisas que sabia, vinham de jornais e às vezes de comentários de seu filho sobre o dele, e o que ambos andavam fazendo. O olhar do amado saiu das crianças, pousando sobre si, sentindo o peso do contato tão distante em suas memórias. Pôde ter certeza que havia dor física refletiva em seus olhos. A forma intensa mas, ao mesmo tempo, frágil que os olhares se conectaram foi embaraçosa, como ficar nu em público. Era como se Draco o despisse apenas com as íris penosas o fitando. Coagido, deu dois passos para trás, batendo o calcanhar no carrinho que acomodava as malas dos dois filhos. O palavrão que saiu de seus lábios chamou atenção de todo o grupo, e só pôde agradecer mentalmente quando o filho do meio, de prontidão, puxou assunto com o melhor amigo, desviando o foco de si, de sua gafe e do clima estranho.

— Como foi na Ucrânia?

— Ucrânia? — James sussurrou chocado. Que lugar inesperado.

— Surpreendentemente bom, principalmente quando fui arrastado para lá, não é mesmo, pai? — O menino fez uma pausa dramática, olhando o progenitor que apenas revirou os olhos entrando na brincadeira — Achei que fosse morrer de tédio, mas eles tem uma arquitetura linda que me chamou atenção! Todos os prédios parecem obras de artes! Você tem que ir conosco até lá. Quando voltarmos, você vai nem que seja em minha mala.

— Pretende voltar para lá? — Albus indagou, logo fitando rapidamente Draco, continuando meio acanhado ao se dirigir a ele — O senhor não tinha ido apenas para um congresso?

— Fui convidado para o time de médicos pesquisadores. Acho que Scorp deve ter comentado sobre meu doutorado, certo? Uma das substâncias que estou explorando é objeto de estudo deles — Draco disse, olhando Albus que pareceu fascinado, apesar do claro desespero. Evitou observar a face do pai do menino, mesmo imaginando que a expressão dele se refletia na de sua prole.

— O senhor vai morar lá? Vai levar o Scorpius? O senhor não pode fazer isso! E Hogwarts? — O menino possuía um tom acusatório, julgando a atitude enquanto questionava. Sua face se retorcia em um desgosto nada contido.

— Severus! — Harry repreendeu o filho levemente, que o olhou pasmo, como se não acreditasse que ele não iria se opor também. Aquela situação era um absurdo sem tamanho para o jovem.

— Bem, ele tem a mãe e a avó, se não quiser se mudar comigo, pode ir para França com a mãe, ou continuar em Londres com a avó, para terminar os estudos em Hogwarts. Será escolha totalmente dele — Draco falou com uma calma invejável, quase sorrindo singelo, como quem espera e até aprecia a reação do garoto. Era bom saber que seu filho era tão amado pelo amigo — Fora que ainda estou estudando a possibilidade.

— E eu obviamente vou querer continuar em Londres, idiota! — Scorpions empurrou o ombro do amigo com o seu, e Albus soltou o ar aliviado — Mas vou visitar meu pai nas férias, você poderia ir comigo, e é disso que estou falando!

Albus sorriu para o amigo, mas logo retornou o olhar para o Malfoy mais velho.

— O senhor pretende mesmo ir para a Ucrânia? Pensei que amasse trabalhar no hospital.

Talvez Harry devesse segurar seu filho, ele estava sendo bem indelicado, Gina muito provavelmente o calaria, mas estava igualmente curioso sobre o tema. Era bem melhor deixar o garoto falar do que se corroer depois.

— E amo, mas queria muito terminar meu doutorado. As pesquisas iriam ser elemento fundamental da defesa, então veremos — Ele deu de ombro sutilmente, em um gesto delicado de indiferença.

— Papai está desenvolvendo uma poção para Pré-eclâmpsia, que irá controlar e curar eventualmente, consequentemente fazendo não desenvolver a eclâmpsia — Scorpius falava com um orgulho quase palpável na voz. Harry observou o sorriso sutil que adornou os lábios de Draco, e a forma como seus ombros encolheram de leve, como se estivesse constrangido. Quis suspirar, gostaria de ser ele a causar aquilo nele também, aquela felicidade tão pura.

— Pode traduzir aos burros? — James se pronunciou pela primeira vez, surpreendendo a todos por estar prestando atenção. Desde o evento do ano anterior, ele mantinha uma distância segura do pai e dos Malfoy. E com segura, queriam dizer o mais longe possível.

— Pré-eclâmpsia nada mais é que uma vertente da hipertensiva, uma hipertensão grave. Pode vir a comprometer os órgãos-alvos, coração, cérebro e etc. No caso das grávidas, onde é bem comum ocorrer, o bebê pode vir a falecer — Draco explicou didático, falando calmamente, porém sem parecer que estava o fazendo para zombar de James, e sim apenas que lhe ensinava com cautela. O Potter mais velho mordeu o lábio inferior, para não sorrir. Achava muito fofa a forma que ele falava termos médicos e os ensinava, pois era dedicação e paixão transbordando nas palavras. Mostrava como ele amava a profissão.

— Uou! Então essa poção iria curar quando tivesse no começo e regredir o caso quando tivesse desenvolvido? — James perguntou, parecendo admirado.

— Isso mesmo — Draco maneou a cabeça em concordância.

— Mamãe teve na minha gravidez. Se o papai não tivesse detectado no início, eu poderia ter morrido — O Malfoy mais novo esclareceu.

O grupo caiu em um silêncio incômodo, todos se olhando com certo desconforto com a menção da possível morte, e depois com o próprio silêncio em si. A verdade era que, nessas raras situações, onde ambas as famílias se encontravam, sempre ocorriam climas tensos, deixando apenas ao primogênito dos Malfoy e o filho do meio dos Weasley-Potter falarem por todos no local. Quando James tentou abrir a boca, o apito do trem tocou juntamente aos gritos de aviso do maquinista, assustando a todos.

— Seria incômodo para o senhor me enviar a pesquisa? Só se der... Eu fiquei curioso...

— Não está completa, mas eu posso sim, James — Draco respondeu com simpatia velada, acenando devagar.

— Valeu.

O garoto virou, levando o carrinho com as malas consigo. Harry suspirou, tentando não surtar com a interação entre Draco e James, e não se importar com a falta de despedida do filho. Ainda era cedo — ele pensou. Um dia, se tiver sorte, as coisas retornarão ao normal. Ou o mais próximo disso. Tinha que ter fé, ou não conseguiria viver sabendo que o filho o odeia.

—Tenha calma — Albus disse assim que o abraçou, fazendo um afago nas costas do progenitor — Até depois, pai.

Draco se despedia do filho enquanto Harry fazia isso com o seu. As duas crianças andaram em direção ao trem, inseridas em seu próprio mundo. Podiam ouvir a voz de Scorpius falando sobre a viagem e seu amor pela arquitetura pela milésima vez, sem se preocupar naquele momento com o restante, deixando os dois para trás a sós. Draco deu um passo para ir embora, Harry deu um também, em sua direção.

— James quer ser medi-mago — Harry soltou, torcendo para que seu leve desespero não transparecesse na voz, ou em sua postura — Ele que cuidou de Ginevra durante a gradivez, acho que isso despertou um desejo na área.

— Irei enviar a ele alguns livros e minha pesquisa, e quais NOM 'S precisa prestar. — Ele respondeu sem olhá-lo, fitando a enorme locomotiva que era preenchida por muitos jovens e já fumegava.

— Vai mesmo para a Ucrânia? — Harry perguntou, trocando o peso da perna, como o próprio filho fazia quando nervoso.

— Onde você quer chegar, Potter? — Draco questionou em tom sério, não querendo ser grosso com ele, mas também plenamente consciente que não deveria manter aquela conversa. Vinha se saindo muito bem em evitá-lo, não iria sucumbir logo agora. Não havia motivação ou interesse em manter o diálogo.

— Tentando conversar — Potter passou os dedos entreabertos pelos cabelos, não conseguindo ficar quieto. Draco observava os atos pela visão periférica, mantendo um ótimo trabalho de autocontrole ao não olhar para o homem forte ao seu lado.

— Não faça isso — Malfoy virou de costas, pronto para se afastar novamente. Harry segurou seu pulso, o mantendo parado há poucos centímetros de si. O forte perfume invadiu suas narinas, assim como sua mente, tornando mais difícil pensar, ainda que, normalmente, não conseguisse ser racional perto dele

— Desculpe-me, de verdade.

— Pelo quê? — Suspirou, murchando os ombros, sentindo a fadiga o atingir apenas de estar perto dele — Não torne as coisas mais difíceis.

Ele puxou o seu braço do toque firme, possuindo uma careta no rosto anguloso. Harry o acompanhou na feição de desgosto. O ato brusco fez a boca de Potter amargar com as lembranças do último encontro a sós de ambos. A expressão de indiferença mesclada com nojo de Draco ainda era a mesma, e a dor que vinha com ela também.

— Podemos conversar? — Pediu sem tanto controle na voz, sentindo um desejo quase palpável de parar aqueles sentimentos ruins dentro de si, ou apenas suavizar a agressividade no olhar atravessado do loiro. Céus, ele nem olhava em seus olhos — Por favor! — Sabia que se sentiria estúpido por implorar, mas pior se sentiria por não tentar.

— Não, Harry Potter, não podemos.

— Talvez, se você parasse de fugir, pudéssemos — Harry soube que tinha falado algo errado, ou havia errado tudo desde o início da prosa, quando lentamente Draco se virou, o fitando nos olhos pela segunda vez. Mas diferente da indiferença anterior, havia uma chama em suas íris.

— Honestamente, vá se foder.

Com a frase dita, saiu pisando duro. O trem partiu apitando mais uma vez, deixando um rastro de fumaça que escondeu a partida de Malfoy e a careta dolorida que se formou no rosto de Harry Potter.

Nunca fora alguém de tato, mas parecia nunca acertar com relação ao amado.

Sentiu-se atordoado em meio à frustração. Nem um Confusus teria tanto efeito quanto a frase dita de forma tão franca pelo loiro.

(...)

O escritório estava agitado. Não que normalmente não fosse, era comum ter mais pessoas do que deveria suportar e uma quantidade exorbitante de barulho, mas depois de meses em um enorme caso envolvendo pessoas importantes lavando dinheiro e dificultando o trabalho dos aurores, facções antigas e uma briga por território, a solução veio como alívio de um martírio. Com o culpado principal preso — o líder da facção —, o esquema foi desestabilizado completamente, e o que restava aos funcionários do ministério era a parte chata da profissão: enormes papeladas e formulários a serem preenchidos e enviados por dezenas de corujas. Ótimo — pensou Potter.

Harry nunca foi muito fã de sua profissão no geral. Anos atrás, após a guerra, ela lhe pareceu ideal, havia dom e força para tal, existia ímpeto e renome para a seguir, e toda vez que a culpa sobre os mortos da guerra lhe abatesse, ele poderia pegar um dos milhares casos impossíveis que seus colegas fugiam e viver em prol daquilo, tentando curar o buraco em seu peito. Era fácil e fazia seu salário aumentar de forma considerável, mesmo que ele não precisasse do dinheiro. Naquele momento, anos depois, quando ele entendeu que não tinha como um adolescente salvar todo o mundo bruxo, e notou que a guerra nunca foi ele contra Voldemort, mas sim dos bruxos que acreditavam em uma ideologia facista contra aqueles que viam como aquilo era infundado, ser auror havia perdido totalmente qualquer encanto que um dia pôde ter. E já era muito, se fosse franco consigo mesmo.

A profissão em geral sempre foi um empecilho, motivo de brigas com a ex-esposa, seja pelo tempo longe em missões ou por sua obsessão com vários casos ao longo dos anos, e causa de preocupação para os filhos, por voltar diversas vezes com ferimentos causados em duelos em campo ou até mesmo os dias sem comunicação para com a família. Honestamente, Harry não entendia o que lhe mantinha no emprego. Talvez a motivação fosse a mesma que o manteve no casamento frustrado por anos: comodismo e sanar expectativas. As pessoas esperavam isso dele. Ele mesmo esperava isso de si: um casamento de ouro, com filhos determinados e um emprego digno de um herói. Mesmo vendo o quanto era prejudicial para sua saúde, Potter se mantinha ali, pois já estava habituado à rotina e era quase anestésico manter a mente lotada dos problemas dos outros, já que se encontrava exausto dos seus.

Gostava ao seu modo disso, como poderia passar vários dias sem dar satisfação, virando noite após noite em busca de algum malfeitor sem ser julgado. A forma como seu definhar era quase glamourizado tornava as coisas fáceis e mais compreensivas às pessoas ao seu redor. Invés de pena, ele recebia admiração, e aquilo era algo que sentia falta no olhar das pessoas. O deleite e carinho de estar consigo, de vê-lo e de transformar a preocupação em alívio.

— Potter! Potter! — Rudolf, seu colega de trabalho, chamou alto, parecendo estar a fazê-lo há muito.

— Sim? — Questionou ainda meio em transe.

— Onde está com a cabeça? Tem uma carta emergencial para você! — Em sobressalto, Harry levantou da cadeira, a derrubando no chão com a força do ato, sentindo o coração acelerar.

As cartas emergenciais eram recursos mágicos para avisos importantes, mantendo a essência de berradores, mas usado para casos sérios e eles não vociferavam pelo cômodo inteiro como os ditos. A última vez que recebeu, estava em uma missão em algum fim de mundo. O filho mais velho tinha quebrado a perna e sido encontrado desacordado por Hagrid, dentro da floresta proibida. Fora horrível conseguir autorização para sair dali e pior ainda achar uma forma de fazê-lo. Ao menos ficou sabendo antes de todos, mais ou menos, onde estavam. Sabia que estava nos Emirados Árabes e sem perspectiva de ir embora. Quando finalmente conseguiu voltar a Londres, James já estava acordado e com a perna em processo de cura.

Quando a carta em questão chegou às suas mãos, sentia o suor molhando-a superficialmente, e o nervosismo mesclando-se à ansiedade. O nome da ex-esposa no assunto foi tudo que viu antes de se apressar e abrir o envelope claro.

"Harry,

Aqui é a Molly. Mesmo que Ginny tenha pedido para não lhe incomodar, acho que você tem que ser informado. Como não sei se está em missão, estou usando o papel de emergência que ela ainda guarda. Estou desesperada, realmente preciso de sua ajuda.

Ginny anda muito mal de saúde, não quis me dizer do que se trata, mas isso vem me dando nos nervos. Isto vem afetando até a amamentação! Ela quase não está produzindo leite e, quando tem, sente dores horríveis para amamentar. Hoje ela chegou aqui ardendo em febre, com Jasmine chorando e com cólicas. Fiquei tão desesperada que mal pude impedi-la de sair. Arthur não responde meu patrono, estou muito preocupada e quero ir vê-la. Teria como ficar com a Rity? Se estiver em missão, por favor, me avise. Vou ficar louca parada!"

Harry engoliu em seco, agoniado. Ginevra era conhecida por nunca cair doente, aquele tipo de pessoa que fica gripada uma vez no ano e olhe lá. Se estava mal ao ponto de ir ao hospital, sem ao menos dar grandes explicações, só poderia ser algo extremamente sério. Não perdeu tempo com respostas escritas e saiu aos tropeços do ministério, poderia se explicar depois. Chegou na área de aparatação sentindo um enjoo o invadir. Depois da guerra, qualquer situação de alarde como aquela era razão de muita angústia, dores e aflições.

Passou por toda a sensação quase torturante de aparatar tentando não se importar com o quanto odiava fazê-lo, focando apenas no fato de ser o meio mais rápido. Em sua mente, a imagem do lugar que o acolheu como casa era a única que se permitia refletir, até seus pés tocarem no chão.

Voltar à toca ainda era estranho. Potter constatou isso ao se perceber no jardim do local. Mesmo que vire e mexe fosse ali, fazia mais de um ano que mal pisava no lugar. Muito antes de se divorciar de Ginevra, já evitava a casa, pois não tinha estruturas para permanecer ali. Era complexo, assim como todos os sentimentos que havia cultivado até aquele momento. Não haviam coisas fáceis em sua vida, mas algumas eram particularmente nebulosas demais para pensar muito. Se sentindo um intruso, bateu na porta da casa, que vivia aberta, mas preferiu assim.

— Harry!

A mulher veio em sua direção, com o rosto rosado e aparentando certo desespero e, ao mesmo tempo, alívio. Os cabelos, num misto de ruivo e branco, estavam desgrenhados e poderia ver pela roupa dela que usava a primeira coisa que viu. Ela parecia esgotada e com os nervos à flor da pele. Harry respirou fundo antes de cumprimentá-la.

— Senhora Weasley.

— Molly, querido. Nem tudo mudou — Ela pôs a mão no ombro do homem, fazendo um leve afago. Em resposta, o moreno sorriu singelo ao gesto, apreciando de verdade a atitude — Bem, Jasmine acabou de adormecer, fiz massagem com óleo e deixei a fragrância aberta pois a acalma, se quiser pode ficar aqui ou-

— Vou com ela para minha casa, se puder me avisar sobre Ginny... — O moreno gesticulou nervosos, não se sentindo no direito de pedir informações sobre a ex esposa.

— Claro, claro! — Molly concordou com veemência, enquanto pegava sua bolsa no sofá.

Eles trocam um olhar penoso. A mais velha sentiu um bolo se formar na garganta. Seu menino parecia tão exausto, com os ombros caídos e as olheiras, lembrando muito aquele Harry de onze anos que viu há tanto, mas tantos, anos atrás. Havia o mesmo ar de cansaço, a diferença era que não tinha o brilho de excitação pela nova jornada mágica, apenas o fantasma de um homem preso em suas dores. Era triste e preocupante vê-lo assim. Conseguia entender um pouco mais a escolha da filha de não se afastar totalmente dele. Tudo fazia um pouco mais de sentido após vê-lo de perto.

— Você pode vir visitar mais vezes, Harry — Seu tom era magoado. A mulher sentia falta dele, não como genro, mas como seu filho, afinal, Harry era seu garoto apesar de tudo. Uma mãe não viraria as costas. Molly amava o menino, assim como amava sua filha, e gostaria que as coisas não tivessem terminado assim. Porém, aconteceu, e naquele momento todos eles já lidavam com problemas demais.

— Obrigado — A voz do homem embargou de leve, e Molly sorriu pequeno, se aproximando dele, o puxando para um abraço — Muito obrigado.

Harry sentiu um afago nas costas e teve que piscar algumas vezes e respirar fundo, contendo as lágrimas que já chegavam com força. Ele sentia muita saudade de sua família, dos almoços e jantares agitados, do clima hospedeiro e feliz que aquele lar tinha. Como sentia falta de ter um lar, de ser acolhido e acolher.

— Bem, — Ela limpou a garganta, indicando que também estava próxima às lágrimas — estou indo.

— Certo.

A mulher saiu da casa, enquanto Harry foi em direção ao antigo quarto de Ginny, que fora transformado quase em berçário, já que desde a vinda de Victore — filha de Fleur e Bill Weasley — o berço com a cama de apoio não havia saído do local. Lá ele avistou sua pequena Jasmine Charity dormindo, enquanto chupava o dedinho.

— Oi, princesa.

Harry sussurrou ao nada, acariciando de leve os fios castanhos da criança. Ele não costumava passar tanto tempo com ela, ao menos não como ficou com seus outros filhos. A pequena morava com Ginevra, na antiga casa de ambos, e mesmo que ela não regulasse a visitas, ficava bem mais complicado conciliar o trabalho, a nova vida e ser pai. Normalmente passava os finais de semana com sua garotinha e algumas horas que tinha livre do trabalho. O que poderia até parecer muito, mas se comparado com as madrugadas acordado distraindo James, as manhãs calmas onde davas as mamadeiras de Albus, ou as tarde brincando de diversos universos criados pela mente criativa de Lily, soava quase como nada.

Não queria falhar com Jasmine, mas a falta de contato diário já o faziam questionar se não estava o fazendo.

Beijou delicadamente a testa pouco úmida da criança, sorrindo quando a viu se mexer devagar sob a coberta que quase não a cobria. Não queria acordá-la, mas também não gostaria de exceder seu tempo ali, então a observou por mais um tempo, esperando que a pequena acordasse antes que os demais Weasleys retornassem à casa.

Talvez, apesar das circunstâncias, fosse realmente uma boa hora para ter sua pequena em casa. Acima de tudo, ele amava aquela menininha, e faria de tudo para vê-la sorrir.

(...)

— Você não esqueceu das crianças?

Harry derrubou a pilha de papéis que segurava, paralisando em choque. De forma lenta, quase mórbida, virou em direção à entrada do escritório, vendo quem menos esperava: Ronald Weasley parado no batente da porta, o olhando de braços cruzados.

— N-não, iria só enviar esses arquivos antes de ir para a plataforma — Potter respondeu com cautela, não querendo estragar a primeira iniciativa de diálogo vinda do amigo em todo aquele tempo, mesmo com o pânico o invadindo e a vontade de se desculpar, explicar. Tudo girava em sua cabeça, no entanto, fingiu da melhor maneira que pôde que nada o afligia.

— Tô indo buscar Hugo também — O ruivo jogou como quem não quer nada, mas seu olhar denunciava uma certa expectativa. E Harry engoliu seco, nervoso que estivesse interpretando o amigo de infância errado, muito podia ter mudado nesse meio tempo.

— Amanhã eu envio isso — Potter falou nervoso, já buscando sua bolsa, passando pelo ombro.

Rony o observava atento, chegou até a sorrir fino, disfarçadamente, quando Harry bateu com tudo o pé na mesa. Era hilário como o moreno perdia totalmente o senso de direção e o equilíbrio quando nervoso. Ele era transparente demais para seu próprio pesar.

Lado a lado, eles saíram do escritório. Algumas pessoas olhavam a cena com certo espanto, pois os dois mal se falavam no lugar, parando até mesmo de atuar em missões juntos, sempre mantendo uma boa distância, e agora estavam ali, saindo do trabalho juntos. Ronald aparentava serenidade, enquanto Harry parecia que iria explodir, tão tenso que tropeçava e respirava de forma desregulada. Potter não sabia o que esperar dessa interação. Um término definitivo? Uma esperança? Sua mente fervilhava, travando batalhas entre esperar para ver e criar teorias.

O caminho inteiro teria sido feito em silêncio assombroso, caso a cidade não possuísse seus próprios sons. Nem mesmo muitos olhares trocaram, ou algum indicativo de caminho, uma vez que ambos sabiam muito bem por onde ir. Harry sempre fora péssimo em mentir e esconder seus sentimentos, então tinha certeza que o ruivo percebia que nem mesmo sua respiração estava atuando como o regular, e que seus passos eram desajeitados e extremamente precavidos, para que nada saísse do controle e Rony tivesse motivos para deixá-lo sozinho.

Quando a plataforma novamente serviu a Potter como ambiente, teve a impressão que a nostalgia e as conversas do local haviam estimulado as cordas vocais do Weasley. Ou ele só havia virado um sádico nos últimos meses, torturando-o no percurso para, no fim, o humilhar em público. Ou sua mente tinha que se acalmar.

— Onde vai passar o Natal? — Ele indagou, olhando-o de canto e pondo ambas as mãos no bolso da calça.

— Em casa, as crianças vão para a Toca.

— Sozinho? — O ruivo arqueou a sobrancelha, não em deboche, mas com uma curiosidade perigosa dando de ver nas íris trêmulas o medo da resposta.

— Sim — Queria ter algo a mais para falar, algo relevante, mas tinha medo de prolongar tal assunto, ou até mesmo entrar em outros bem mais desconfortáveis.

— Mamãe quer que vá para o Natal — Retrucou o ruivo, olhando ao redor como se nada tivesse dito.

— Ela me disse — Harry umedeceu os lábios, enquanto fitava Rony.

— E você não vai por quê?

— É melhor assim — Deu de ombros. O Weasley o olhou rapidamente antes de voltar o rosto para frente, suas mãos saíram do bolso e ele as esfregou nas laterais do corpo, como quem limpa o suor. E provavelmente era isso mesmo — constatou Harry. De certa forma, era bom saber que não era o único nervoso com a situação.

— Certo... — Ele ainda olhava para o além, enquanto esfregava as próprias mãos, nervoso — Você deveria ir.

— Rony, — Começou com a voz falhando, indicando todos os sentimentos presos dentro de si — Eu, digo nós-

— Não, cara, ainda não, por favor — Ele fez uma careta enquanto sacudia a cabeça — Mamãe sente sua falta.

Harry iria falar, talvez se desculpar por puxar o assunto, ou agradecer por ele ter contado, porém, a locomotiva de Hogwarts parou nos trilhos e todo o ambiente foi preenchido por gritos eufóricos de alunos muito empolgados com as festas de fim de ano.

(...)

— O senhor prometeu! — Albus bateu o pé no chão afirmando. Sua voz tinha um quê de choramingo, completando o bico infantil nos lábios.

— Não lembro disso — Harry deu de ombros, e quem visse a cena de longe, nunca diria que eram pai e filho. Pareciam muito mais amigos, e crianças — observou James, que estava jogado no sofá, apenas julgando o diálogo de ambos.

— Pai! — Brandou começando a se irritar.

— Você é bem grandinho, pode ir sozinho.

— O senhor sabe que não posso fazer magia fora da escola ou locais mágicos! E esse não era o combinado! Você falou que compraríamos as coisas no Beco para o jantar!

Harry franziu a expressão resignado. O filho tinha razão, apesar dele não ter qualquer pretensão de o dizer aquilo a ele. Francamente, era final de semana, ele havia tido uma semana infernal envolvendo um Natal muito estranho com os Weasleys. Ele merecia não ir ao mercado, ainda mais no Beco diagonal, para no fim ainda ter que lidar com os Malfoys em sua casa. Fora — para seu maior descontentamento — encontrá-los na rua mágica, pois, segundo seu filho, eles iriam resolver assuntos pendentes por ali e depois o loiro mais velho deixaria a cria ali. Pelo menos era isso que falava para si mesmo.

— James leva você.

James murmurou baixinho um "levo?", mas não se meteu diretamente na conversa. Estava confortável demais no sofá para implicar e ser chutado dali.

— Mas e o pedido, que tá no seu nome? A promessa? E, por Merlin, eu já falei que não podemos fazer magia! O senhor não foi punido, mas nós seremos!

Harry franziu o cenho, apertando os lábios que queriam responder algo convincente o suficiente para que o filho desistisse da ideia. Era uma pena que essa resposta não existisse. Cogitou até mesmo inventar uma dor de barriga.

— Ele tá com medo de cruzar com o senhor Malfoy — James falou pretensioso — Que vergonha à casa dos leões.

— Quando ficou tão indiferente a tudo isso? — Indagou Albus, com suas sobrancelhas cerradas em direção ao irmão. Havia uma pequena raiva no olhar. No entanto, provocar o Potter mais velho quando estavam querendo algo dele não era a melhor ideia.

— Não sei — Ele deu de ombros. — Preferia antes?

— Definitivamente não.

— Muito bem então, eu fico com as meninas e você vai fazer as compras com Albus — James sugeriu olhando para o pai. Harry tentou responder, mas o filho continuou — A não ser que esteja com medo, aí você sempre pode mandar seus filhos infringirem a lei.

O Potter pai o olhou com expressão de desafio.

— Vou pegar minhas chaves, Albus — Falou, antes de sair da sala, indo pôr alguma roupa decente e procurar a chave do carro, sem notar o olhar debochado de James para si.

Provocar o pai era fácil, mas nunca perdia a graça. Fora que, enchê-lo de insinuações era uma forma muito boa de vingança.

Harry lembrava muito bem da promessa que tinha feito, sobre Scorpius poder ir jantar entre o Natal e o ano novo com eles, pois o garoto passaria o Réveillon fora do país, com a mãe. O grande quê era: Albus queria que ele fosse atrás dos ingredientes no Beco Diagonal — afinal, o filho do Malfoy não teria uma comida simples como prato predileto —, cozinhasse e ainda convencesse Draco a deixar o filho dormir ali, o que francamente era uma ideia tola. James se sairia melhor na terceira missão, mas quando afirmou isto, Albus respondeu que "ele cederia nem que fosse para calar sua boca", e o pior era a veracidade do fato. Então, com muito pesar, resolveu vestir o papel de pai, aceitando os anseios do menino.

Quando chegaram à rua mágica, Harry conseguia sentir uma veia pulsando em sua testa a cada vez que a imagem de si mesmo trombando com os loiros por ali surgia em sua mente. Um calafrio bizarro o assolava. Por isso, ficou muito contente ao observar a falta de filas no pequeno mercado com ingredientes exóticos, sendo extremamente veloz em buscar o tempero de sálvia e o Kumbu do lago negro. O moreno não conseguiu relaxar nem ao chegar no mercado trouxa, tenso só de imaginar que o próximo passo seria cozinhar para o filho de Draco e, pior, tentar conversar com o rapaz. Pegou os ingredientes das prateleiras em modo automático, não prestando atenção nas guloseimas que Albus enfiava na cesta, ou em como sua face deveria parecer estupidamente engraçada, talvez até pálida.

O filho continuava rindo de sua cara, principalmente quando o nervosismo não o deixava prestar atenção em muito mais que os cenários imaginários terríveis que passavam em sua mente. Talvez ele devesse ser mais otimista, frear as imagens de Draco chegando com outro homem em seu encalço, ou com o anúncio de anos longe de Londres ou, principalmente, o cenário onde ele fingia que não sentia nada por si. O último em particular fazia seu peito apertar com um incômodo ruim.

Pagou tudo com uma irritação fingida, já que não se importava com as besteiras que o filho pegara, e não realmente estava preocupado com isso. Haviam muitas outras coisas que nublavam seus pensamentos.

O caminho de volta fora exatamente igual ao padrão em que Harry se meteu: insegurança e paranóias se enroscando em seus neurônios. Quanto ao preparo da comida, poderia dizer o mesmo. O prato em si não era difícil. Risoto de frutos do mar, com caldo de Kombu e a erva de sálvia no fim. O problema era como suas mãos não pareciam firmes e como tudo aparentava demorar uma eternidade para ficar pronto.

— O senhor vai furar o chão — A voz de Albus o tirou dos devaneios.

— O que?

— Se continuar andando de um lado para o outro, vai acabar furando o chão — Explicou risonho, enquanto apontava com o dedo a região que o progenitor estava sondando.

— Ah, sim.

Harry estagnou no lugar, o que fez o filho rir.

— Eu não mandei o senhor virar estátua — O garoto revirou os olhos.

— Certo — Retrucou aéreo, ignorando o sorriso debochado do outro se formando.

— Hey, tem algo cheirando estranho na cozinha — Avisou James entrando na sala.

O Potter mais velho arregalou os olhos e correu em direção ao cômodo. Albus chegou mais perto do irmão, também observando o jeito estabanado do pai. Um do lado do outro, cruzaram os braços vendo Harry se queimar com a tampa da panela. James franziu o cenho e Albus fez uma careta engraçada para a cena. Os dois irmãos ficavam extremamente parecidos enquanto julgavam o pai, e notaram isso ao se fitarem, desmontando a pompa e se afastando um do outro.

— James... — Albus chamou baixinho, apenas para os dois ouvirem.

— Eu.

— Você está realmente de boas com Scorpius vindo? — O mais novo ponderou enquanto analisava o irmão com cautela, seus olhos dançando pelo corpo jogado dele no sofá.

— Não foi seu amigo que traiu a mamãe, Albus — Afirmou o outro, não tão baixo quanto a conversa iniciara. James não entendia o direito de discrição e, se fosse franco, queria mais que o pai ouvisse. Ele passara a tarde lhe fazendo a mesma pergunta com o olhar. Malditos Potters e seus olhos transparentes.

— Eu sei, mas você andava evitando eles, então... — Tentou explicar dando de ombros por fim.

— Eu conversei com a vovó. Ela estava preocupada que eu fosse expulso de Hogwarts.

— Todos nós estávamos — James sorriu arteiro, quase se vangloriando pelo feito ao ouvir isso do irmão.

— Se o papai não conseguiu essa façanha, não seria eu que o faria.

— Tem razão — Ele riu.

— Enfim, ela me falou algumas coisas, me incentivou a tentar medi-magia — Ele suspirou, lembrando da conversa — Ela falou que sentia saudade de ter a gente lá pela Toca, e eu percebi que estava fazendo o que mais me machucou nas ações do papai.

Albus pensou em falar, mas permaneceu calado, esperando o irmão se recompor. Ainda parecia ser um assunto sensível para o mais velho, talvez por ter visto o amor dos pais por mais tempo, ou por ainda se sentir agredido pelos atos do pai. James era alguém difícil de ler, mesmo que não por ter sentimentos confusos, mas sim por não sabermos dizer ao certo a causa deles.

— Eu estava destruindo nossa família como ele — James sorriu triste — Mamãe estava ficando doente de preocupação conosco. Eu não queria ser outro problema para ela e para a vovó, então comecei a tentar ser mais racional com a situação. Ele é meu pai. Eu não posso dizer que estou bem, mas já faz um ano e sinto falta de conversar com ele. O senhor Potter foi um babaca, mas tínhamos uma conversa legal. E, sei lá, é meio confuso. Parte de mim ainda acha que estou sendo cúmplice da situação, como se estivesse aprovando a traição, mas então eu lembro que mamãe não está mais casada, e que o papai tá praticamente vivendo como um padre preso em um convento.

— Isso é bem maduro da sua parte — Albus falou com um sorriso singelo — Menos a parte do convento.

James riu da fala do irmão e ainda com ar de riso respondeu.

— Disse o cara que consolou o velho quando ele recebeu um pé na bunda.

— Não foi exatamente isso, eu só deixei ele chorar. E sobre o pé na bunda-

— Eu tô tentando amadurecer, mas ainda não sou um monge, não quero saber da vida amorosa do papai com o amante.

— Justo — Albus fez uma careta — Mas você estava tirando uma com a cara dele.

— Porque é hilário ver ele surtando só porque vai ver o Malfoy. Nem eu fico assim com meus encontros, e isso porque eles são românticos. O cara só vem deixar o filho aqui.

Os dois riram levemente, percebendo de suas próprias formas as características do pai. O silêncio logo os envolveu, mesmo que por curto tempo, até Albus novamente se pronunciar.

— Se eles decidissem voltar... — Voltou ao tom quase sussurrado, como se estivessem a trocar um segredo.

— Quer saber como eu agiria? — Questionou de forma sugestiva. Sabia que uma hora o assunto viria à tona, afinal, era óbvio para qualquer um que o homem ainda nutria fortes sentimentos pelo Malfoy mais velho.

— Sim.

— Depende — Ele ponderou por uns segundos — Depende de como ele agiria, na verdade.

— Como assim?

— Se ele iria contar, se esconderia, se eles morariam juntos. Depende de muitas coisas.

— Entendi.

— E você?

— Eu iria curtir ser irmão do Scorp — James fez uma careta de nojo assim que a frase chegou em seus ouvidos, torcendo-se sobre o próprio corpo fingindo vomitar. Albus apenas riu da idiotice.

— Que pesadelo, Malfoy de padrasto.

— Eu acho hilário — Albus riu — Ele é bem legal. Foi muito difícil vê-lo depois de saber tudo, mas o senhor Malfoy parecia tão mal e também tem coisas que o Scorp me contou... Não sei, talvez eu seja muito mole.

— Você tem um coração bom.

— Valeu, você também, James Sirius Potter-Malfoy.

— Que horror, Albus Severus! — O garoto gritou enquanto alcançava e jogava uma almofada do sofá no irmão que ria — Você acabou de fazer seu avô se revirar no túmulo!

E assim começou uma guerra de travesseiros e risadas entre os dois jovens, que acabou acordando a pequena Jasmine, que dormia no berço disposto na sala. A campainha tocou de repente, calando os irmãos, mas não o bebê, que começava a dar sinais de choro.

— Eu abro! — Harry Potter veio da cozinha como um furacão. Os irmãos trocaram um olhar cúmplice antes de James revirar os olhos e ir consolar a irmã.

Harry parou na porta, respirou fundo, tentando ao máximo se acalmar. Ele só iria receber os Malfoy, não havia o que temer. Era só um encontro entre responsáveis.

— Abre logo! — James falou com ar de riso, que não sanou nem com o olhar de repreensão do pai. Na realidade, só aumentou.

Harry apertou a maçaneta com força, descontando nela o nervosismo que fazia seus dedos tremerem. O ar frio do lado de fora surgiu em sua presença ao mesmo tempo em que duas silhuetas conhecidas se destoaram no ambiente, parecendo quase errados com suas roupas de alfaiataria no pequeno jardim florido e vizinhança familiar.

— Boa noite — Draco brandou cortês assim que a porta foi aberta — Venho buscá-lo às dez.

— Dez? — Scorpius interrompeu, fingindo que as bochechas vermelhas do Potter mais velho não eram perceptíveis, muito menos a forma que ele umedeceu os lábios e respirava pesado — O senhor me prometeu onze!

— Posso retornar às nove também, se continuar reclamando. A escolha é sua — Draco suspendeu uma de suas sobrancelhas, desafiando o filho.

— Dez e meia. — O garoto sugeriu, e era engraçado como eles pareciam tratar de uma negociação muito importante, não de um horário para ficar na casa de um amigo.

— Hã... Malfoy? — Harry chamou, apertando com mais força a pobre maçaneta, juntando toda a coragem que conseguiu, tentando a manter quando ele subiu o olhar o fitando — Ele também poderia dormir aqui. Não seria incômodo algum e-

— Não vejo como isso poderia dar certo, Potter — Interrompeu-o, estreitando o cenho — O combinado era apenas um jantar.

— O senhor nunca ouviu falar em reajustes? — Scorpius tentou, sorrindo para o pai — Só essa noite, pai! Por favor!

— Podemos conversar sobre isso no jantar — Harry disse, num convite implícito, sem olhar nos olhos cinzentos de Draco, fixando sua vista no mais novo entre os três, tentando encontrar algum tipo de desconforto no garoto.

Contrário à expectativa, Scorpius sorriu para ele, como se concordasse com cada palavra. Isso enviou uma onda de alívio ao moreno, que não tinha planejado inicialmente chamar o loiro alto para jantar em sua casa. Impulsivo como sempre.

Draco ainda tentou negar, mas o filho já o puxava para dentro da casa desconhecida, soltando-o apenas quando Albus apareceu sorridente e o trouxe para perto, logo começando a tagarelar com o amigo. De repente, o loiro estava rodeado de Potters, inclusive um minúsculo, e sinceramente não estava preparado ou querendo passar por isso tão cedo ou algum dia. Tentou não azedar a expressão em respeito ao melhor amigo do filho.

Harry não se atreveu a tocá-lo daquela vez, mas sinalizou timidamente que o seguisse. Seus pés travaram no chão, decidindo se seguiria ou simplesmente daria meia volta e fugiria. A segunda opção lhe parecia melhor, mesmo que provavelmente soasse muito mais óbvia aos demais sobre como estava incomodado, e havia prometido a si mesmo não demonstrar mais como o Potter mais velho o desconcertava por completo. Não que eles já não soubessem disso — e ele tinha certeza que não era o caso —, mas tal desfeita nada condizeria com sua costumeira cortesia e educação. Puxou o ar resignado se sentindo em uma encruzilhada.

Um grande sinal vermelho gritava para Malfoy, em sua mente, que aquilo não daria certo, que deveria ir embora imediatamente, mas suas pernas seguiram Potter até a cozinha, sentindo os olhares dos garotos em si. Na frente deles, não poderia mandá-lo aos infernos ou coisa parecida, mesmo que sua língua coçasse para repetir a cena de meses atrás na plataforma.

Com os nervos também exaltados, Harry seguiu em frente, com os olhos arregalados involuntariamente, ignorando a cara de deboche que James fazia com Jasmine no colo. Ignorar seu filho, e como estava se deleitando com seu desespero, era a forma mais madura de lidar com aquilo — constatou enquanto andava. Entrou em sua cozinha sentindo como se a mesma fosse o próprio forno, sufocando em ansiedade.

Draco o acompanhou mexer em todos os botões do fogão branco, abrir e fechar o forno, averiguar o conteúdo de duas panelas, trazendo um cheiro muito agradável, abrir a torneira e molhar as mãos, até finalmente se virar em sua direção após fechá-la, com os olhos estupidamente arregalados.

Olhos verdes estúpidos, que machucavam seu coração só de vê-los.

As íris não paravam em um lugar apenas, passeando pelo ambiente e por si. Draco quis saber o que ele pensava, mas tinha medo de descobrir até onde ainda conseguia ler aqueles olhos, e muito mais medo de descobrir o que faria com as informações descobertas. Afinal, grandes partes dos seus palpites, guiados pelos seus próprios sentimentos, viam a saudade naquelas orbes.

— Ele não vai dormir aqui, Potter — Disse de uma só vez, pensando em como encurtar de vez aquela conversa para sair daquele ambiente — Iremos jantar e ir embora.

Na porta, atrás do loiro, Harry viu duas faces curiosas tentarem se esconder, mas Scorpius não foi tão rápido quanto Albus.

— Malfoy, é somente uma noite... — Se interrompeu, acompanhando-o segurar com os dedos a ponte do nariz.

Harry segurou o olhar atrás do corpo do loiro, observando Albus aparentemente desistir da discrição, enquanto pulava e gesticular em frenesi, sendo acompanhado por Scorpius, que o acompanhava de forma mais discretas, apenas movimentando as mãos de forma elegante, como o pai fazia com facilidade.

— Eu não sei o que acha que vai ganhar com isso, Harry, mas não será com meu filho.

A face, antes nervosa, fechou-se em confusão incomoda. Estreitou sua vista, diminuindo seu tom de voz.

— Acho que você está confundindo as coisas, Malfoy — A voz continha uma calma perigosa.

O loiro cruzou os braços sobre o peito, imitando a expressão do ex-amante. Se Harry prestasse um pouco mais de atenção, talvez percebesse que ele quase abraçava-se, tentando se proteger do que estava por vir. O clima entre eles adquiria uma tensão perigosa, quase como se gerassem uma descarga elétrica palpável.

— Estou?

— Sim, está! — Acenou confirmando suas palavras — Albus pediu para que eu conversasse com você, ele que queria que Scorpius dormisse aqui, apesar de todos ficarmos bem com a presença dele...

— E você achou uma ótima ideia, não é? — O outro soou sarcástico, enquanto apertava seus braços em si mesmo — E o que mais foi ideia de Albus? Você ser um escroto? Ou ficar sendo incisivo assim?

Harry retirou sua varinha de supetão, apontando em direção ao loiro, que também sacou a sua, pronto para atacá-lo igualmente. No entanto, o feitiço de Potter apenas fechou a porta na cara dos adolescentes, assustando tanto a eles quanto ao Malfoy mais velho, que destruiu o vidro de proteção do fogão atrás de si. O zumbido da magia ainda poderia ser ouvido na cozinha, incomodando seus ouvidos isolados, os dois ofegaram, mas por motivos diferentes.

— Você me atacou? — Potter se exaltou, levantando as mãos no ar, seu rosto ganhando tons perigosos de vermelho.

— Você apontou a varinha pra mim! — Ele o imitou, aumentando o volume da voz, ficando acuado.

— VOCÊ ME ATACOU NA FRENTE DOS MEUS FILHOS!? — Gritou, balançando as mãos estendidas.

O grito pareceu tocar a consciência de Draco com a mesma agressividade que desferiu contra o moreno, machucando seu orgulho. A voz irritante do auror ecoou em sua mente. Ele realmente fez algo assim na frente das crianças? De seu filho? O que estava se tornando?

— Merlin — Segurou seu rosto pálido com ambas as mãos e a varinha. Não sabia se o que sentia era vergonha, arrependimento ou algum outro sentimento pior, mas não importava. Já sentia seu estômago se contorcer, seus ombros caindo perante ao remorso — Me desculpe — Sussurrou sem força, esfregando sua pele com os dígitos.

Ainda tentando assimilar o acontecido, Harry não respondeu, observando-o se virar para fugir. Viu-o abrir a porta e dizer a Scorpius que o buscaria na manhã seguinte, praticamente correndo para fora da casa, mas as pernas de Potter começaram a mover-se sozinhas em direção ao fugitivo. Não acabaria assim mais uma vez, e muito menos ele queria se pôr na posição de vítima ou agressor mais uma vez. Precisava dar um basta nessa situação.

Potter estava exausto de se lamentar e sofrer.

— Pai? — James ainda tentou o chamar com certa aflição. Os barulhos da gritaria haviam deixado as crianças atentas, em alerta. Porém, o menino não recebeu resposta do progenitor.

Potter alcançou seu jardim assim que Draco deu os primeiros passos em direção à rua. Com sua varinha, mirou atrás de si, trancando as portas de sua casa e fechando as cortinas, para ter certeza que seus filhos não veriam mais uma cena daquelas.

— Draco, nós temos que conversar! — Segurou-o pelo braço, sabendo que ele aparataria sem problemas caso não o fizesse.

— Por Merlin, pare de me segurar! — Ele retrucou, finalmente olhando-o nos olhos novamente, se soltando do toque indesejado com um puxão forte — Não consegue entender que eu não quero conversar, Potter? Não quero que me toque! Não quero lhe ver! Não quero ouvir sua voz! Não quero ficar no mesmo ambiente que você! Você ao menos consegue entender alguma merda?

— Consigo! — Gritou em resposta, puxando o ar com brutalidade, que entrava ardendo nos pulmões — Consigo entender muita coisa, inclusive que você quase estourou minha cabeça na frente dos meus filhos!

O rosto pálido tornou-se carmim e os olhos brilharam úmidos.

— Você não vai me manipular com um erro meu, Potter! — Afirmou mais baixo, a voz ficando gélida, apontando para o peito do outro, empurrando a ponta contra os músculos que um dia beijou com devoção, Harry recuou alguns passos ferido. — Você não vai me fazer parecer culpado por toda essa merda!

— Eu não estou tentando fazer isso, porra! — Empurrou o dedo que o acusava silenciosamente, se aproximando do ex amante, que retrocedeu um passo, parecia uma valsa de recusas e intimações. Toda a recusa dele era como um tapa ardido na face, podendo ver a repulsa nos atos — Eu só quero conversar, Draco! Há um ano, tudo que eu queria era esclarecer tudo isso...

— Esclarecer o que? Que me usou? Que mentiu para mim? Que você é um merda? Você pode ter certeza, Potter, que tudo isso está bem claro na minha mente! — Ditou agressivamente as palavras, enquanto seus olhos brilhavam com lágrimas não derramadas.

— EU JÁ SEI DISSO! — Gritou, também perdendo o pouco da compostura que tanto tentava manter. — EU NUNCA DISSE O CONTRÁRIO! PORRA, EU JA SEI! MAS- — Ele ofegou, segurando a sensação escaldante que tomou sua garganta e a vontade impulsiva de chorar, seu corpo musculoso tremeu de forma involuntária. — Mas...

De repente, Draco sentiu-se novamente naquele maldito motel, envolto de culpa que não era só sua, a sensação de sujeira, asco de si retornando com fervor. As lágrimas que molhavam as bochechas de Harry não eram apenas por sua causa, aquela situação ridícula também não. Ele entendia sua parte da culpa, sua parte em toda a dor, mas não queria se permitir sentir assim, tão pequeno e volátil, perdendo toda a capacidade de verbalizar a amargura do seu peito, sem gritar e xingar o homem que tanto amou, que tanto se dedicou e fingiu não ver os erros. Mesmo assim, o tempo e o amor por aquele homem o haviam feito fraco, fraco ao ponto de querer abraçá-lo, consolá-lo, mas não o fez. Seu orgulho não permitiria tamanha traição. Estava tão farto de ceder, se abrir, dedicar e ser dele como nunca foi de ninguém, recebendo sempre migalhas, tendo de Potter apenas o que brigava para ter, sendo obrigado a arrancar declarações e carinhos. A exaustão das súplicas ainda pensavam em seu ombro.

— Mas o que? Você não merece isso? Diga, fale o quanto é injusto contigo essa situação. Fale! — Desafiou depois de respirar fundo, sarcástico, engolindo as vontades impulsivas de se aproximar.

Quase dois anos após a última vez, Malfoy o viu derreter-se em vulnerabilidade mais uma vez, tão intenso e amargurado como antes, podia sentir a imaturidade lhe corroer e sua consciência avisar sobre a petulância dos seus atos. Sentiu a garganta fechar e seus pulmões arderem, entretanto, nada fez. O moreno deu um passo para trás, abraçando a si mesmo, segurando os ombros trêmulos com as mãos grandes, parecendo prestes a enfim quebrar, sua íris verde acompanhava o tremor vacilante do corpo. Eram dois adultos muito destruídos por seus amores impossíveis e as consequências deles. Dois adultos definhando com a distância, porém, tendo ataques de nervos com a proximidade. Polos se atraindo na mesma medida que se repeliam. E aquilo doía como o inferno em suas entranhas. Queriam tanto algo que não poderiam ter. Aquilo sim era injusto, com ambos.

— Eu sei que errei — Desviou os lumes verdes ao chão, encolhendo os ombros, Draco mordeu o lábio trêmulo com a visão, ele parecia tanto o Harry de Hogwarts agindo assim, tão pequeno e indefeso, seu estômago revirou. — Não há um dia que eu não lembre disso, Draco. Nem um dia se passa sem que eu me arrependa de tudo isso, ou que não pense que sou todos os adjetivos terríveis que você usa contra mim, melhor, que todos ao meu redor usam ou usaram contra mim. Eu juro, em nome dos meus filhos, que não há um pedaço sequer de mim que não se arrependa de cada um dos meus erros. E antes que diga que estou pedindo para que tenha pena, — Retornou a olhá-lo nos olhos — digo isso apenas para que entenda que estou ciente o suficiente de toda a merda que sou, então não preciso que reafirme isso sempre que me vê, ou na frente dos meus filhos. Principalmente na frente deles, como pai você deveria ao menos entender isso, de toda a situação apenas isso você deveria tentar entender.

Finalizou com a voz entrecortada apontando para sua casa, onde Draco finalmente percebeu que todas as entradas estavam fechadas e cobertas. A vergonha coloriu sua tez e queimou seu estômago.

— Eu estou tentando! — O auror continuou, mesmo que fraco depois dos ditos e do peso que as palavras carregavam, limpando suas bochechas e olhos com a costa da mão de forma quase brusca. — Tentando melhorar e ser um bom pai, ao menos. Não espero que acredite em mim, sinceramente, mas agradeceria muito se pudesse, ao menos uma vez, depois de tudo que tivemos, você pudesse me ouvir e conversar comigo. Na verdade tudo que desejo é que possamos esclarecer tudo, para que tanto você quanto eu possamos pôr a cabeça no travesseiro de consciência limpa. Para Podermos nos ver sem o clima de velório que se estabelece, devemos isso aos nossos filhos.

Um desejo terrível, de nunca tê-lo conhecido, ou se envolvido o suficiente para conhecer aquela expressão, se apossou do medi-mago. Harry estava se entregando mais uma vez, como fazia em suas noites de amor, em suas horas mais íntimas, em suas conversas mais sinceras. Era isso que aquele olhar dizia, era aquilo que ele clamava com tanta voracidade e Draco se odiou profundamente por entender. Cada palavra era sincera, assim como o sofrimento que transbordava de seus poros. Seu ódio maior era simples, sua raiva maior não estava depositada no homem em sua frente, era consigo mesmo. Draco odiava tudo que fazia depois de ter aquele olhar sobre si, era humilhante.

Ele deu dois passos para trás, bagunçando os fios prateados com os dedos, respirando fundo, engolindo as respostas grosseiras e os sentimentos que quiseram fugir de uma só vez. Piscou lentamente, proibindo suas próprias lágrimas de escaparem. Balançou a cabeça em concordância muda, respirando uma segunda vez fundo. Harry tinha razão, eles precisavam daquilo, estava exausto de lutar e de pisar em ovos com a simples menção do homem por seu filho. Aquilo tinha que ter um fim. Um fim de verdade, sem especulações e traições.

— Tudo bem — Conseguiu dizer com um fio de voz, umedecendo os lábios — Mas não hoje, nem aqui — Deu mais passos para trás, torcendo para que suas pernas não falhassem — Te mandarei uma carta. E amanhã, quando eu vier buscar Scorpius, por favor, não saia.

Com as últimas palavras ditas mas firmes do que imaginou que seriam, Draco aparatou, sumindo de sua vista em segundos. Harry só pode relaxar os músculos olhando o vazio deixado pelo loiro.





Notas finais:

Surpresos? Nós duas também. Faz muito tempo desde a última atualização, sentimos muito por isso, mas é bem complicado explicar as razões para tal. Em suma: vida adulta!


Eu (FadaDoCafe) estou me formando no técnico, mudei de estado, publiquei um ebook (#EuNuncaEbook), estou resolvendo faculdade e CNH. Enfim, é tanta coisa!!


E eu (RedWidowB) estou a caminho do hospício após terminar o TCC (sim, nesse exato momento estou em um tipo de ambulância e quem está digitando é o socorrista) e mais um monte de barbárie que o capitalismo nos faz passar. Mas, por obra divina e mais algumas horas de loucura, conseguimos terminar esse capítulo e, se nenhuma das duas tiver algum tipo de surto psicótico, traremos em breve o próximo e final.


Esperamos que tenham gostado da mesma forma que surtamos escrevendo e revisando. Mas, então, gostaram?O que vocês esperam dessa conversa?

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