Consequences

Fernweh
por FadaDoCafe e RedWidowB

Draco inspirou lentamente, logo soltando o ar igualmente. Os olhos fixos nos dedos esguios, que batucavam o tampo da mesa, acompanhando o barulho irritante e monótono do ponteiro do relógio branco pendurado, de forma torta, na parede verde clara do hospital. Seu estômago reclamava da falta de alimentação, seus ombros latejavam pelo trabalho excessivo e ele tinha certeza que, se resolvesse deitar, dormiria o natal inteiro no leito vazio da sala de repouso.

O corpo do loiro clamava por descanso, mas sua mente parecia incansável. Havia três meses que não conseguia controlar seus pensamentos, e ele odiava não ser dono dos próprios sentidos e pensamentos. Esse tipo de situação o levava para as memórias mais sombrias de sua vida, momentos que fora coagido e usado por pessoas que amava.

Quase riu com asco, percebendo que havia voltado a ser um adolescente imaturo, sendo guiado por terceiros. Bloqueou o pensamento de comparação entre Lucius e Harry, pois não seria saudável para si e muito menos justo com o outro.

— Olha se não é o Malfoy! — Theodore Nott entrou na sala de descanso, escandaloso. De forma surpreendente, ele era a pessoa mais animada com o Natal daquele lugar. — O que você tá fazendo sozinho aqui?

— O que se faz nessa sala? — o sarcasmo brincou na voz do loiro, porém a ação só fez o outro rir. — Terminei minhas obrigações.

— E por que não foi para casa? — o homem se escorou na mesa, sentando de lado no objeto enquanto fitava o loiro.

— Não terminou meu turno, falta uma hora. — Malfoy jogou a coluna contra o estofado da cadeira, dando um ar dramático para a fala, o que fez Nott revirar os olhos.

— Hoje é véspera de natal, duvido que a chefe de setor se incomode.

— Prefiro ficar o tempo exigido — A verdade era que preferia uma desculpa amena para ficar no hospital no lugar de seu apartamento com ar de assombrado. Mas aquilo não era assunto para dividir com Theodore.

— Tudo bem,  senhor das trevas. — o homem gesticulou e, para continuar o teatro, levantou da mesa fazendo uma reverência à frente de Draco. O tom divertido fez com que o loiro torcesse o nariz. — Malfoy, você não tem um pingo de senso de humor.

— Sua astúcia é impressionante! — debochou com um risinho nos lábios. Nott rodou as pupilas.

— Vamos lá, é Natal! — o homem deu um tapa na mesa, a voz um pouco alta, denunciando quão animado estava.

— Véspera. — Sussurrou, e Nott apenas cerrou os olhos para si. Draco deu de ombros, ignorando a reprovação do amigo.

— Você está com cara de morto! O necrotério não é nesse andar.

— E o setor psiquiátrico fica no quinto — o loiro fez cinco com os dedos.

— Touché! — Theodore estalou a língua no céu da boca, dando a luta como perdida.

Nott se concentrou em trocar de roupa, deixando Malfoy em paz. O que, de certa forma, era engraçado; Draco não se sentia em paz. Não importa quantas vezes falasse para si mesmo que estava bem e que o silêncio era confortável, sabia que era mentira.

Desde o fatídico dia, quando Potter terminou consigo, o mundo parou por horas. E de forma alguma isso era exagero.

Por horas, ele permaneceu ali, juntando seus pedaços, recompondo-se para finalmente seguir. Mesmo que fosse o certo, mesmo que eles dois tivessem data de validade desde o início, Draco precisou de toda a perseverança que foi obrigado a juntar com o tempo e empregá-la em suas pernas bambas e coração em frangalhos. De certo modo, o loiro sempre esperou por isso, o momento em que ele veria o quanto não era suficiente para si e voltaria a brincar de casinha com Ginevra. Mas doeu, Malfoy não saberia mensurar o quanto doeu.

Se sentiu abandonado, usado. Muito pior que ser o outro de Harry Potter, era ser equivalente a nada para ele.

— Você tá fazendo "a cara" de novo. — Nott cortou os pensamentos de Draco.

— Que cara? — a sobrancelha quase alva arqueou em dúvida.

— A de: por favor, arranquem minha alma, pois o mundo é cruel demais para eu existir. — o homem pôs a mão no peito e jogou a cabeça para trás, finalizando o ato com a outra mão girando no ar, fazendo uma cena completa.

— Talvez eu me sinta assim. — sorriu sarcástico, tentando manter o ar leve da conversa, mas  soube que não surtiu efeito quando encarou a expressão brincalhona de Theodore endurecer.

— Falo sério, Draco. — o homem suspirou e apoiou as duas mãos na mesa, olhando o amigo nos olhos. — Não sei o que aconteceu, e sei que não vai me dizer, mas você tem que superar isso.

— Eu sei — Falou sincero. Se havia algo que Draco tinha consciência, era sobre isso. — Eu sei.

— Soube que Suzy proibiu você de pegar horas extras e plantões. — A voz séria era estranha no homem que parecia viver uma eterna adolescência. Malfoy umedeceu os lábios tensos pelo rumo da prosa. — Draco, aquela mulher colocaria a gente para trabalhar eternamente, se pudesse.

O loiro jogou a cabeça para trás em frustração, cansado de ouvir o mesmo discurso várias vezes; fosse de sua chefe, de sua mãe, de Astoria, e nem gostaria de imaginar o rosto de Scorpius ao saber que estava trabalhando sem freios.

— Todos estão preocupados com você. Seja lá a espécie de auto penitência que se aplicou, não vai resolver os problemas!

— Obrigado pelo discurso motivacional, mas eu também sou médico, sei meus limites. — brandou seco, querendo encerrar o assunto logo.

— Então volte para faculdade, pois essas olheiras dizem que passou dos limites há dias — Nott ergueu a postura, saindo do apoio da mesa e sua expressão era um misto de preocupação e irritação.

— Eu estou bem. — Draco falou sério, olhando nos olhos do amigo, que franziu o nariz em resposta.

— Só se cuida, idiota! — Ele abriu a porta da sala. — E feliz Natal!

Draco esfregou as palmas da mão no rosto, sentindo a cabeça pesar. Levantou da cadeira, sacudindo as pernas um pouco dormentes pelo tempo sentado.

Foi até o pequeno espelho do local e, por mais que odiasse concordar com Nott, poderia ver onde nasceu a preocupação dele e, pelo visto, do resto da equipe também. Seus olhos estavam fundos, os cabelos — antes tratados com tanto zelo — agora estavam escovados de qualquer jeito para trás e até seu jaleco aparentava estar um pouco folgado. Parecia um moribundo, ou como seu filho o chamou meses atrás, um zumbi médico.

— Doutor Malfoy! Doutor Malfoy! — uma mulher abriu com violência a porta da sala, assustando o homem loiro.

— O que houve? — Disse preocupado, olhando para a residente. Ela parecia desesperada.

— Mulher. Trabalho. Parto. Sessão 10-2. — Ela disse em meio às lufadas de ar. Parecia ter corrido muito para chegar ali.

— Obrigado.

Falou de modo automático, se sentindo energizado enquanto praticamente corria até a sessão.

Havia feito tantos plantões por isso: queria ocupar a mente e manter o corpo ativo, ajudar pessoas enquanto não conseguia fazer isso por si mesmo. Ele era bom naquilo. Foi o que fez quando o mundo pareceu ruim, enquanto seu divórcio ocorria, quando virou a maior figura gay pública de Londres, quando teve que deixar seu filho ir a Hogwarts. Sempre fez isso.

Não importava o quão fadigado estivesse, assim que surgia uma emergência, sua mente começava a jogar estimulantes para todo o corpo. Ficava pronto para tudo.

— Doutor Malfoy. — a enfermeira cumprimentou enquanto preenchia uma ficha com fervor.

— Qual a situação? Por que o alarde? — higienizou as mãos, usando o álcool do balcão.

— A paciente sente muitas dores, aparenta ter rompido a bolsa, à primeira vista ao menos, e possui sangramento maior que o devido... Disse sentir vertigem, mas a maior preocupação é que não há dilatação suficiente para o parto.

— Algo mais? — Apesar do quadro ser um pouco atordoante, não precisava de todo o alarde. Nada que remédios e uma cesária não resolvessem. Draco arqueou a sobrancelha em dúvida.

— É a senhora Potter. — a mulher disse como se aquilo explicasse, pois realmente explicava. A mesma situação em um dia comum haveria uma fila de médicos para atender a esposa do Eleito.

Mas o sentimento não era igualitário para o doutor presente.

O mundo de Draco girou.

As pernas do homem fraquejaram, e teve que piscar de forma vagarosa para conseguir manter a mente desperta. Por um tempo que não conseguiria contar, seus olhos não mais enxergaram a ala hospitalar e sim um hotel trouxa. Piscou com força, expulsando a imagem de sua mente traiçoeira.

Com terror, percebeu seu estômago embrulhar e sua expressão vacilar por instantes. Quis vomitar a maçã que comeu horas antes e não conteve o impulso de estancar no corredor, tendo o olhar cheio de desespero da enfermeira em si. Provavelmente o hospital inteiro estava com os nervos à flor da pele, já que era a esposa do Eleito ali. Mas era diferente para Malfoy. Não era somente a esposa de Potter, mas também a mulher que ajudou a trair, que trazia em seu ventre o motivo do homem que amava tê-lo deixado. Não sabia se iria conseguir atendê-la.

— Não há outro médico obstetra?

— Infelizmente a doutora Pines acabou de ir. O senhor é o único, até a troca de turnos — A mulher fez uma pausa rápida, olhando o relógio de pulso. — Daqui a duas horas.

O loiro engoliu em seco, suas pernas fraquejaram ainda mais, e ter o olhar analítico da mulher em sua frente não ajudava em nada. Quis amaldiçoar Astoria. Se ela não tivesse sido uma grávida tão intensa e cheia de complicações, talvez não tivesse começado a estudar a área para ajudar a ex-esposa e assim, talvez, sua paixão pela área de obstetrícia não aflorasse e não estaria nessa situação. Quis se xingar por ter feito especializações, e mais ainda por ter se envolvido com Harry Potter.

Gostaria de xingar, esbravejar, surtar, descontar suas frustrações, porém, não o fez. Apenas respirou fundo e seguiu.

— Certo.

Conseguiu dizer antes de voltar a andar. O enjoo permanecia e ainda sentia-se fraco, mas aquilo ali não era sobre Harry, sobre si ou até mesmo sobre Ginevra. Era sobre a criança que estava vindo.

Malfoy hesitou por meio segundo para entrar no quarto. Normalmente havia mais de uma mulher grávida no local, mas óbvio que a esposa de Harry Potter não estaria com outras mulheres. Draco respirou fundo. Assim que pisou no quarto, o olhar de desespero de Harry se transformou em pânico. O idiota era transparente até mesmo em situações assim. Quis rir, mas não o fez.

— Boa noite, senhora Potter. — as palavras saíram mais gentis do que imaginou ser possível, principalmente pelo gosto amargo que sentia na boca. Mas Draco sabia o quanto a situação já estava difícil para a ruiva.

— Malfoy — Ginevra arfou, seu rosto estava suado, as mãos brancas de tanto apertar a barra da maca.

Draco estranhou a situação. Com a varinha, analisou a situação, fazendo vários feitiços que o diriam o que de tão errado acontecia com a ruiva. Quase grunhiu, com raiva.

— Como vocês não me avisaram sobre a febre? As placas vermelhas? — Draco soltou com uma voz fria, em uma calma calculada, que fez a enfermeira do local tremer em desespero.

— Quando saímos não-

— Senhora Moreno, a paciente está com febre alta, tem placas vermelhas pela perna e irritações em outras regiões. Sinais claros de reação alérgica! O que ministraram para ela?

— Seguimos o protocolo base! — sua voz saiu trêmula, e Draco quis gritar de frustração.

Virou para Ginevra, que se contorcia na maca. Fechou os olhos tentando manter a calma.

— Pode ser uma reação ao analgésico. — Falou mais para si do que para os presentes. Em passadas rápidas, pegou o prontuário, passou os olhos por ele e seu sangue ferveu ao vislumbrar a resposta. — Vocês verificaram a ficha antes de medicar? Vocês tiveram a decência de olhar o prontuário?

— Ela chegou gritando de dor, apenas seguimos o protocolo! — a mulher defendeu a equipe, fazendo uma veia saltar no rosto de Draco. Sentiu que poderia voar na mulher.

— O protocolo não se aplica às pessoas grávidas! — foi a única coisa que disse, com a voz mordaz. A mulher tremeu, assentindo. — Muito menos quando elas possuem restrições ao uso de Ópio!

Malfoy jogou a prancheta com o prontuário na mulher, que de modo estabanado segurou a mesma no ar. O homem foi em direção à grávida, verificando a pulsação e a traquéia, tendo o olhar nervoso da enfermeira em si.

— Você está esperando o que para pegar amostras de sangue e compressas? Um desmaio? O fechamento da glote? Choque anafilático?

A mulher finalmente despertou, acionando o resto da equipe. O sangue para exames foi colhido, um antialérgico aplicado por meio de poção e um quarto de dose sedativa foi colocada no soro, fora uma dose de morfina. Finalmente Ginevra foi largando a mão da maca, parecendo finalmente mais calma.

— Vamos lá, senhora Potter. — Draco disse, querendo vomitar em seguida. Porém, controlou o asco, se mantendo profissional. — Preciso que conte junto a mim e, se sentir uma contração, prolongue o número. — a serenidade da voz parecia acalmar ainda mais a ruiva, que murmurou um sim. Draco focou em massagear as pernas inchadas e trêmulas da mulher. — Um.

— Um. — falou com a respiração cortada, ainda sentindo dor e ardor nas regiões de exposição alérgica.

— Dois. — Malfoy falou, girando o polegar no peito do pé da mulher.

— Dois! — ela falou alto, quase gritando. Malfoy mordeu o lábio apreensivo, sem notar o olhar analítico de Harry em si.

A contagem continuou, tendo contrações de dois a cinco segundos, o que era perigoso.

— Ela vai cochilar por alguns minutos. As contrações estão muito frequentes, acredito que a bolsa estourou faz horas e ela não notou. Deve ter feito algum esforço que a rompeu de vez e por isso o excesso de líquidos. Teremos que fazer uma cesária urgente nela.

Harry demorou alguns segundos para assimilar que ele falava consigo e, quando finalmente compreendeu, seu coração pesou tanto pela esposa quanto pelo tom profissional que Draco dirigiu a si.

— Faça o que for melhor. — foi a única coisa que conseguiu formular.

— Preencha a papelada o mais rápido possível na recepção, mandarei preparar o centro cirúrgico. — Malfoy encarou a paciente, que pendia a cabeça em um sono guiado pelos medicamentos.

— Confio em você.

Malfoy quis esganar Potter por dizer aquilo e quis bater a própria cabeça na parede por sentir o coração acelerar pelo dito.

Draco sacudiu a cabeça e ficou totalmente focado no trabalho, como era sua especialidade. Naquele ponto, não importava quem realmente era ali, se era a ruiva, a criança ou o pai desta. Precisava ajudar a trazer uma vida ao mundo e, dependendo de como ocorreria a cirurgia, salvar a vida de uma mulher. Suas dores emocionais tinham ficado para trás de seu profissionalismo, e todo o egoísmo que um dia o acusaram de ter, foi dissolvido em meio à empatia por aqueles seres humanos que dependiam de si. De modo automático e atento, seguiu ao centro cirúrgico. Suas mãos não mais tremiam quando as usou no que melhor fazia, assim não se direcionavam à fuga, pois queria ter certeza que, dali, a Potter sairia como mãe novamente. Apesar das adversidades, o procedimento ocorreu bem.

Fora complicado, o tipo de cirurgia que, se gravada, poderia ser usada em aulas pelo nível de exatidão que cada movimento tinha que ser feito. Porém, Malfoy se saiu com excelência.

Draco saiu da sala exausto, precisava dormir urgentemente. Havia passado três horas entre a chegada de Ginevra ao hospital e seu parto. A ruiva, ainda dopada, estava sendo guiada ao quarto até acordar, enquanto o bebê iria para a incubadora. Precisavam averiguar tudo sobre o pequeno ser, todos preocupados e apavorados com a dosagem errônea e as complicações anteriores.

Enquanto isso, o loiro não conseguia tirar da cabeça a imagem da garotinha. Mesmo ainda suja de sangue e fluídos, pareceu fofa, preciosa e frágil. Bocejou assim que saiu da barriga da mãe e demorou um pouco para chorar, sendo acalmada com facilidade.

Tão tranquila, serena. Totalmente alheia ao desespero do centro cirúrgico, dos parentes que a aguardavam e a tempestade emocional que nublava os pensamentos do médico que a segurava.

A culpa nunca bateu em si tão forte quanto naquele momento. Como ousou entrar no lar que abrigaria aquela menina? Inspirou fundo, tendo o olhar preocupado das enfermeiras em si, mas respondeu curto a elas.

Definitivamente não precisava de alguém em seu encalço agora.

— Malfoy! — seu sobrenome foi gritado pelo vasto corredor vazio. O homem ergueu o olhar um pouco zonzo, vendo seu pior pesadelo encarnado.

Eram ao menos quatro cabeleiras ruivas correndo em sua direção.

— Boa noite — sua voz saiu rouca pelo pouco uso.

— Minha filha, como está? E meu neto? — A matriarca iniciou. Malfoy lembrava dela se chamar Molly.

— Na realidade — foi cortado pela voz grossa e impaciente do marido de Molly. Arthur, se a memória não lhe falhava.

— Por que não posso ver meu neto? — o homem parecia raivoso.

— Como ia dizendo-

— Soube que envenenaram a minha irmã — Um dos gêmeos falou depois de ser cortado novamente.

— E que você surtou, Barbie. — o outro complementou. Eles pareciam os únicos mais relaxados, porém os olhos denunciavam a preocupação.

— Weasley! — o tom do medimago saiu grosso e mais alto que o necessário. — Ginevra está bem, apenas dopada pela anestesia. A criança está sendo examinada, para averiguarmos até onde as complicações no parto a afetaram. Porém  não parece que houve quaisquer danos e, inclusive, é uma menina.

— Por que- — Fora a vez de Malfoy interromper Arthur.

— E como estava falando, vocês não podem visitá-los por estarem sendo examinados e por, na ficha dela, ter sido posto que a mãe deveria ser a primeira a ver a filha. Sobre a medicação errônea, eu não estava quando ocorreu. Seguiram o procedimento padrão, entretanto foi mesmo um erro médico cabível a processo. E nunca mais me chame de Barbie.

Com um aceno, o homem loiro passou pelo quarteto embasbacado pelo tom profissional e neutro usado. Arthur parecia desgostoso, Malfoy não saberia dizer se pela sua presença, pela situação, ou por algo à parte.

Se fosse para ser honesto, ele não saberia dizer muito no momento. Draco se sentia fraco, queria ir para casa, não estava conseguindo raciocinar direito. Virou em um corredor escuro, que indicava que ninguém entrava ali há muito tempo e os sensores tinham apagado. Vomitou o pouco que havia comido na primeira lixeira que viu, usando-a de apoio como pôde para se manter em pé.

Ficou alguns minutos olhando o lixo, se sentindo débil. Sabia que estava longe de ser apenas o corpo, pois sua mente estava exausta.

— Pai? — Com brusquidão se virou, olhando Scorpius entrar desesperado pelo corredor.

— O que você está fazendo aqui? — sua voz foi dura e repreensiva.

— Bem... a mãe de Albus teve bebê, e na confusão de virem ao hospital, acabei vindo com o tio Fred. — disse constrangido. — O que o senhor tem?

— Agora? Raiva! — arrumou a postura. — Hospital não é lugar de criança! Você sabe como tem imunidade baixa, o que você está fazendo aqui? Eu falei para aquele idiota que cuidasse de você…

— Você falou com o tio Harry? — o tom surpreso possuía uma dose acusatória, que foi o suficiente para fazer o mais velho estagnar no lugar, arregalando os olhos. Havia esquecido disso: para seu filho, ele não havia falado com Potter.

Há quase três meses, em uma ida à Hogsmeade, Scorpius havia mandado uma coruja, solicitando a vinda do pai. O intuito era pedir ajuda para ludibriar a mãe, pois queria passar o natal com os Potters e Weasleys. Óbvio que na carta não dizia isso, pedia apenas uma conversa com Draco, que foi até lá, dando de encontro com Harry no mesmo lugar. Seu impulso foi fugir, e o fez. Deu de costas afobado, porém foi seguido por um muitíssimo desesperado Potter.

Lembrava dele gaguejar afoito, pensando que as crianças sabiam, pensando que o loiro tinha tramado aquilo. Draco deu um tapa estalado na bochecha dele, que nem os instintos de auror conseguiram fazê-lo desviar, tamanho o susto. O diálogo fora difícil, mas, depois de um pouco de lógica, Potter falou do convite feito por Albus e sobre a carta de Scorpius a si, pedindo ajuda para convencer a mãe a deixá-lo ir.

No fim, Draco disse que falaria com Astoria, e que era para ele cuidar de seu filho.

Foi embora sem olhar para trás, não notando que James, o filho mais velho de Harry, havia os visto; se preocupando apenas em mandar uma carta ao filho, inventou uma mentira sutil sobre trabalho.

— Mandei uma carta. — falou brando.

— Pai — insistiu. Draco olhou para ele, podendo ver nos olhos do filho que ele sabia mais do que falava. No entanto, não conseguiria lidar com isso em seu estado atual.

— Vamos para casa. — conseguiu dizer depois de um silêncio ensurdecedor.

— Vamos à emergência. — o menino falou, passando seu braço pelo do pai, enroscando os membros.

— Eu sou o pai! — disse brincando.

— E eu sou o filho que viu o pai vomitando, escorado em uma lixeira! — o adolescente arqueou a sobrancelha em desafio e Draco riu anasalado. Em momentos como aquele, o garoto era seu espelho.

— Tudo bem. — falou baixo.

— Mesmo se não estivesse. — Scorpius falou em tom de ordem, tendo o pai arqueando a sobrancelha igual ao que havia feito antes, o que provocou uma risada do garoto. — Vem.

Draco permitiu ser levado pelo filho, que parecia um mini adulto enquanto resmungava sobre o quanto o pai era um médico irresponsável e que deveria parar de viver em função do trabalho. Malfoy se sentia um homem muito sortudo pela preocupação do filho, gostava de ver como seu garoto era maduro e preocupado, se orgulhava de seu pequeno. Ele era tudo que um dia quis ser e não conseguiu.

— Eu te amo, filho. — soltou sem nem notar.

— Eu sei. — o adolescente riu antes de abraçar o pai de lado. — Mas ainda vamos lá embaixo, você parece prestes a desmaiar.

— Só trabalhei demais. — encolheu os ombros.

— Isso que veremos. — Ele voltou a andar arrastando o pai. — E eu também te amo, seu irresponsável.

Draco rolou os olhos, com um deboche cômico, quando seu filho cruzou os braços com os ombros para trás de forma imponente, cheio de pompa enquanto esperava o elevador.

— Scorpius! — um grito esganiçado se fez presente.

— Albus? — O Malfoy mais novo se virou preocupado. O amigo estava com as mãos nos joelhos, hiperventilando por conta da corrida.

— Ainda bem que te encontrei, achei que o papai fosse ter um AVC! — Foi a primeira coisa que conseguiu dizer. Draco se fez presente coçando a garganta. — A-Ah! Oi, tio Draco!

— Olá, Albus. — balançou a cabeça, cordial — Informe ao seu pai que Scorpius está bem e vem comigo para casa.

— Pai! — o filho reclamou, meio emburrado. — O senhor prometeu! Sabe como foi difícil convencer a mamãe?

— Claro que sei, esqueceu quem fez o trabalho difícil e abriu mão do ano novo?

— Justamente, não vamos pôr esse sacrifício no lixo! — suplicou. Draco apenas riu do argumento enquanto a porta de aço se abria.

— Vamos. — o Malfoy mais velho apontou com a cabeça para dentro da cabine de aço.

— Albus, vou levar o papai para ser examinado e volto. — Scorpius falou para o amigo que olhava para o pai dele, analisando o mesmo.

— Volta, é? — Draco sussurrou em tom de brincadeira para o filho.

— Dependendo do que for, eu volto. — olhou para o amigo, a mão segurando o elevador. — Se for algo sério, eu vou com o papai.

— O senhor 'tá bem? — Albus indagou, parecendo preocupado consigo. O estômago de Draco revirou mais uma vez e quase abaixou a cabeça em vergonha por ter a preocupação do jovem para si.

— É exagero dele. — falou simples, tendo esperança de não ter transparecido seu acanhamento.

— Veremos. — Scorpius entrou no elevador.

— Obrigado pelo que fez pela minha mãe. — o garoto disse sério. — De verdade.

— Foi apenas meu trabalho. — Albus ia responder, mas as portas fecharam.

Draco deu dois passos para trás, se escorando no aço gelado. Fora apenas seu trabalho, não havia o que agradecer e eles não deveriam agradecer.

— Pai? — Scorpius pareceu temeroso. Draco nem conseguiu esconder a vertigem.

— E-eu tô bem, foi só um enjoo.

O filho se aproximou do pai e fez um afago no cabelo, algo que normalmente irritaria o próprio e até mesmo o pequeno, mas foi bom, fez sua mente focar em outra coisa. Eles chegaram no andar, Scorpius foi um tanto quanto exagerado enquanto falava com a chefe do pai, mencionando até maus tratos. Mas, no fim, Draco Malfoy estava deitado em uma maca recebendo soro e uma enorme bronca da chefe.

— Seus níveis de magia estão todos oscilantes, está fraco e com falta de vitamina D e A. Honestamente, Malfoy, o que você queria fazer? Testar quanto aguenta até uma síncope? — a mulher ajustava o soro com uma expressão de poucos amigos enquanto esbravejava com o homem deitado. — Só volte a pisar nesse hospital quando estiver um atleta de saúde!

Draco revirou os olhos. Scorpius cerrou os seus, repreendendo o pai.

— Vejo você ano que vem. — ela continuou.

— Vou tirar o plantão na virada. — Malfoy soltou despretensiosamente, tendo dois pares de olhos o fitando com raiva.

— Nem fodendo! — a chefe exclamou com revolta.

— Meu filho está aqui, doutora. — Draco brigou falsamente, tendo um sorriso maroto nos lábios dela.

— E ele concorda, né, garoto? — a mulher girou para o adolescente com a sobrancelha arqueada.

— Absolutamente, doutora. — Scorpius concordou sorrindo, entrando na brincadeira dos adultos.

— Estamos acertados. Termine o soro, passe na farmácia e pegue as poções de reposição. Minha recomendação é que volte a comer feito gente e dormir, seu idiota.

— Sempre uma dama. — Malfoy piscou galante, a mulher girou os olhos, rindo baixinho.

— Feliz natal, Malfoy. Para os dois.

Ela saiu do ambiente ainda com um sorriso no rosto, deixando apenas uma piscadela para o filho do funcionário, como um acordo mudo entre eles. Draco fechou os olhos, sentindo o olhar pesado de Scorpius sobre si. Quis puxar o assunto, ter coragem de iniciá-lo e aliviar seu coração. Mas não conseguia nem se imaginar fazendo isso.

— O senhor pretende me contar o que está acontecendo? — a voz do garoto saiu baixa, sem acusações, apenas um questionamento.

— Não. — ainda de olhos fechados sussurrou — Sinto muito.

— Já vivemos isso antes, pai. — Scorpius se aproximou e segurou a mão do pai. Queria que o mais velho se abrisse consigo, cansado do homem guardar tudo para si.

— Eu sei. — murmurou, se sentiu pequeno e inútil, não conseguindo externalizar nem quando perguntado sobre.

— E você prometeu nunca mais fazer isso.

— Desculpa, filho — o progenitor suspirou — Vou me cuidar. Estava acontecendo muita coisa, acabei descontando no trabalho.

— Sei que tem a ver com o pai do Albus. — Draco abriu os olhos rápido e fez um movimento brusco para sentar, sendo impedido pelo adolescente. — Calma. Eu só sei que tem a ver com ele.

— C-como? — Draco odiava gaguejar, mas seu coração batia tão rápido que zunia.

— Quando lhe chamei para conversar, há uns três meses, James viu você e tio Harry saindo do Três Vassouras, e o tapa que deu no pai dele. — o adolescente deu de ombros — Não sei o que ele fez com o senhor, por isso não forcei nada quando mandou a carta.

Houve uma pausa atordoante. Draco olhava o filho e este olhava sua mão junto a do pai. O garoto fitou o pai, depois abaixou a visão novamente, puxando e soltando o ar com pesar.

— Serei honesto com o senhor. — o garoto subiu o olhar de novo, agora fitando o pai de forma intensa. — Eu sei do divórcio dos pais de Albus, sei que envolve uma traição.

Draco arregalou os olhos, sentindo seu mundo ruir a cada palavra dita com uma falsa calma pelo filho. Podia ver através dos olhos cinzas uma tempestade de emoção.

— Eu fiquei muito triste com a situação, sabe? Sou amigo dos três, e quando ocorreu o evento do Três Vassouras, as coisas se encaixaram. Fiquei com vergonha de falar com eles. — o adolescente umedeceu os lábios. — Mas conversei com a mamãe e ela me falou algo importante: o senhor não errou sozinho. A culpa foi de ambos, mesmo que a meu ver seja mais do senhor Potter que sua. Afinal, ele que era casado.

— Filho… — Cortou incomodado com a situação e principalmente com o lábio trêmulo do mais novo.

— D-Deixa eu terminar. — ele suspirou. — Voltei a falar com Albus e ele me falou um pouco sobre a parte do pai dele, e eu falei da sua. De como o senhor parecia acabado, como eu não lembrava de vê-lo tão triste, nem quando Lucius fez aquilo com o senhor, muito menos quando se divorciou da mamãe.  A única coisa que permanecia era esse desconto desacerbado no trabalho, sempre se repetindo em cada situação ruim que aconteceu com o senhor.

Scorpius olhou com repreensão o pai. Foi a primeira vez que seus olhos ganharam um sentimento ruim e Draco sabia como o filho se preocupava consigo. Aquilo também era motivo de culpa para si, afinal, ele tinha razão. Sempre que sua mente fervilhava, ele trabalhava até a exaustão.

— Enfim, essa situação é uma merda. Quando olho para o tio Harry, tenho vontade de puxá-lo em um canto para dizer umas verdades! E tenho certeza que James e Albus sentem o mesmo com relação ao senhor. Porém, isso é problema de vocês, não nosso. Enquanto  respeitarem nossa amizade, pedimos que resolvam a situação sem magoar qualquer um, mais do que já estão.

O garoto terminou um pouco ofegante. Seu lábio inferior tremia de leve e havia duas lágrimas solitárias em cada bochecha.

— Eu realmente não te mereço como filho.

— Não diga isso, sou assim porque me criou junto com a mamãe. — ele suspirou igualmente cansado — Quando quiser falar, vou estar aqui, assim como ela. Queria ouvir uma versão completa, não apenas retalhos.

Draco continuava não sendo o melhor de todos em demonstrar carinho, mas sentiu ainda maior gratidão pelo filho que tinha. Mesmo com todos os problemas e dores, ele ainda conseguia enxergar que possuía demais apenas por olhar naquele rosto tão parecido com o seu e saber que haviam feito por ele o que Lucius nunca fizera por si; e que, por Merlin, aquela criança o amava e respeitava por ele mesmo e não por medo.

— Filho, eu te amo. Prometo que conversarei com você sobre. — o garoto concordou com a cabeça, e fez um carinho usando o polegar na mão do pai. — Você pode ficar para o resto do natal com eles. Suba antes que eles voltem para a Toca.

— Vou ficar com o senhor. — sorriu pequeno.

O mais velho balançou sua cabeça em negação, mesmo que apreciasse a companhia.

— Não precisa. — franziu o rosto resignado.

— Pelo menos até o soro acabar. — levantou a sobrancelha sugestivo.

— Só até lá. — cedeu, estreitando os olhos.

— Só.

O silêncio que recaiu tinha cumplicidade. Draco sentia orgulho do filho e o amava. Não saberia viver depois de um olhar de decepção direcionado a si por ele, não saberia continuar a respirar se Scorpius ficasse decepcionado consigo e, por isso, prometeu a si mesmo nunca mais fazer algo que pudesse gerar essa reação. O filho nunca sentiria vergonha de seus atos novamente e, se para isso, ele tivesse que engolir aqueles olhos verdes sobre si, ele seria forte e passaria por isso. Engoliria seus sentimentos e vergonha.

O soro terminou e uma enfermeira o liberou. Seguido pelo filho em seu encalço, foi trocar de roupas na sala de repouso para funcionários. Devidamente vestido, se encaminhou ao elevador junto a ele. Scorpius subiria e passaria um resto de natal feliz com aquela família, enquanto ele iria tomar uma poção para dormir sem sonhos e tudo ficaria bem.

— Doutor Malfoy! — uma enfermeira chamou.

— Sim?

— Precisamos do senhor!

— Meu pai está indo para casa! — reclamou Scorpius.

— Scorpius. — o pai repreendeu, o garoto mesmo que contrariado se calou. — O que aconteceu?

— O pai da paciente — exclamou, logo completando — está gritando com a enfermeira! — disse sem exatidão, embolada.

— Seja menos branda.

— O pai da paciente Ginevra está gritando com a enfermeira chefe, que deu a ordem para uso do medicamento padrão. Está um verdadeiro escarcéu! A chefe de setor está em uma cirurgia de emergência e o senhor é o médico responsável pela paciente. — A mulher falava com certo desespero.

— Tudo bem, estou indo.

Apertou o botão do elevador, tendo o filho com uma carranca ao seu lado.

— Tudo nesse lugar é o senhor? — o garoto perguntou emburrado, cruzando os braços para dar ênfase.

— É natal, filho. Estamos com poucos médicos.

O adolescente grunhiu, mas nada disse. Chegaram rápido ao andar e a gritaria já podia ser ouvida assim que pisaram no mesmo. Draco suspirou e praticamente correu até o local, querendo apenas que aquela madrugada acabasse.

— Você quase matou minha filha e meu neto! — O homem gritou. A mulher encolheu os ombros, porém não baixou a cabeça. — Como pode se chamar de profissional da saúde quando duas vidas quase foram perdidas?

A voz de Arthur ecoava pelo ambiente. Ginevra tentava acalmar a criança, que chorava a plenos pulmões em seu colo, e Harry parecia exausto, sentado em uma poltrona, próximo à maca. Molly afagava o braço do marido, pedindo calma, enquanto os gêmeos fitavam a irmã com preocupação, e os outros três filhos do casal estavam encolhidos em um canto do quarto.

— Senhor Weasley, peço que abaixe o tom de voz!  — Draco bradou alto ainda da porta, se fazendo presente.

— Você mesmo falou que ela errou! — o dedo indicador do ruivo foi parar próximo ao rosto do loiro, que calmante abaixou a mão dele, com uma certa carranca no rosto.

— Sim. Falei que era cabível de processo, não de humilhação e assédio verbal. — Seu tom era calmo e baixo o suficiente para ser ouvido, porém nada além disso. Scorpius quis se encolher, pois era o tom que Draco usava para brigar consigo quando criança.

— O que disse? — Arthur soou indignado.

— Abaixe o tom, por favor. Estamos em um hospital! — o tom paciente de Draco fez todos no local ficarem surpresos. — Será prejudicial para todos! Não percebe que sua família está assustada? Sua neta mal chegou ao mundo e tem como recepção gritos? Seja racional. Entendo que a situação é difícil, porém conseguimos contorná-la e todos estão bem.

Conforme Draco ia falando e apontando para os presentes do quarto, Arthur murchava. A expressão de puro ódio foi suavizando e até mesmo Molly, que continha o marido o segurando pelo braço, pareceu ficar mais calma.

— E-eu… — a fala morreu antes mesmo de sair da boca do patriarca, que fitava a neta chorando com agonia.

— Peça desculpas à funcionária, por favor. Ela irá pagar por seu erro, mas não desta forma. — Arthur torceu o rosto com desgosto.

— Amor, por favor. — Molly pediu, o marido bufou e com desgosto virou o rosto para mulher.

— Perdão, me exaltei. — o homem soou verdadeiramente afetado, como se só notasse seus atos agora, no entanto, não honesto quanto ao pedido. Talvez se arrependesse do escândalo e não de suas falas. Ao menos foi o que Draco ponderou.

— Vou me retirar. — a enfermeira fez uma saudação e saiu tremendo da sala. Draco suspirou triste, sentindo pena da mulher.

— Espero que esse tipo de situação não se repita. — Malfoy tinha um olhar mortal e Arthur acenou resignado.

— Obrigada, doutor. — Molly agradeceu.

— Fiz apenas meu trabalho. — repetiu pela terceira vez na noite para os presentes.

— Loirinho, pode dar uma olhada na minha irmã? — Draco cerrou os olhos para um dos gêmeos, a irritação só aumentando quando seu filho riu baixinho do apelido.

— Scorpius. — repreendeu, vendo o filho apenas erguer a mão para o alto em sinal de redenção.

— Aconteceu algo com você? — voltando a pose profissional se virou para a paciente.

— A enfermeira veio verificá-la, mas o papai deu esse surto e ela nem chegou perto da Gina. — o gêmeo continuou a falar pela irmã.

— Eu estou bem. — a mulher tinha a voz arrastada, e o bebê em seu colo finalmente havia parado de chorar.

— Vamos só verificar. — Draco fez alguns feitiços, e puxou um bloco do bolso, anotando neste. — Daqui a uma hora, outra enfermeira virá, talvez a chefe de setor depois desse terrorismo todo. Dê isso para ela. Aqui tem as informações de magia, vitaminas e batimentos. Estamos verificando tudo, apenas por via das dúvidas.

O loiro entregou o papel para a mãe da mulher.

— As pernas dela provavelmente irão inchar bastante, então façam massagem sempre que der. Se ela quiser dormir, deixem. Alimentação apenas do hospital. Provavelmente hoje, pelo meio dia, ela será liberada. — Ditou as informações, tendo a atenção de todos sobre si. — Qualquer coisa, podem ligar para meu número pessoal, já que sou o médico responsável.

— Não podem não. — Scorpius se pronunciou, as cabeças viraram para o garoto. — O senhor tá proibido de vir ao hospital, esqueceu?

— Scorpius, ela é minha paciente.

— E tem outros médicos aqui! — pai e filho se olharam, em uma discussão muda que ninguém na sala entendeu. Mas, pelo visto, Scorpius havia ganhado pelo resmungo resignado do patriarca.

— Certo.

O adolescente tinha um sorriso vitorioso nos lábios enquanto se despedia do pai. Molly pediu desculpas pelo transtorno e por terem trazido as crianças. Mesmo a contragosto, Draco falou que tudo bem.

Desejou feliz natal a todo mundo antes de virar de costas. Seu olhar cruzou com o de Harry, que estava calado, escorado na parede, parecendo estar longe dali ao mesmo tempo que prestava atenção em tudo que dizia. Draco acenou com a cabeça, em uma despedida muda que pareceu acordar o homem.

Malfoy saiu da sala, sentindo-se nervoso. Não deveria ter feito contato visual, nunca poderia olhar naqueles olhos verdes sem sentir algo mais. Tudo que falou sobre enterrar sentimentos morria quando via a imensidão esmeralda.

Tão perdido em pensamentos, não notou quando o homem de cabeleira castanha correu ultrapassando seu corpo, ficando de frente para si.

Talvez ele tivesse chamado por seu nome, talvez ele estivesse o chamando naquele momento, mas os ouvidos de Malfoy zumbiam alto, como em um cenário de guerra. Quis fugir novamente, ou simplesmente virar para ele e socá-lo daquela vez. Seria mais dolorido e efetivo que um tapa. Porém, o som irritante finalmente foi substituído pelo eco de seus sapatos chocando-se no chão e então o ouviu.

— Dei entrada no processo de divórcio. — Harry soltou a informação em súplica. Seus olhos continham uma esperança melancólica, mas obteve um riso curto com escárnio em resposta.

— Parabéns. — Finalizou o loiro, continuando a andar. Seus passos firmes e largos continuaram a ecoar pelo corredor vazio do hospital.

— Draco! — Potter apressou os passos, quase correndo em direção ao loiro novamente. Ergueu a mão, segurando o pulso de Draco, parando-o e virando para si.

Malfoy encolheu o corpo, rejeitando o toque. Harry piscou algumas vezes para assimilar o que havia feito e o resultado.

— O que você espera de mim? — Draco sussurrou com pesar, o lábio trêmulo fazendo conjunto com o bolo na garganta.

Potter afrouxou o toque, vendo a dor nos olhos acinzentados. Quis abraçá-lo, consolar do mal, porém ele era o mal que o afligia. Malfoy fitou um pouco mais os olhos verdes, tendo a certeza que seria a última vez que se permitiria transparecer toda a sua fragilidade e sentimentos pelo homem.

— Eu não sei o que pensas que sou, Harry Potter, mas posso lhe garantir que não sou um de seus admiradores cegos, que torcem pelo momento em que você os dará o mínimo e, principalmente, nem ao menos sou seu. Não quero que me toque — retirou seu braço do contato, ainda que seu corpo estivesse vacilando, trêmulo. — Não quero que pense um só segundo em mim como precursor de suas decisões egocêntricas ou de qualquer um de seus atos irresponsáveis! Você sabe o que tem lá dentro? — ele apontou em direção ao quarto que deixaram, se controlando o máximo para sua mão não tremer, segurando sua vontade de gritar. — Tem um ser humano que vai depender de você e admirar. Tem uma família que nem imagina que tipo de idiotice você veio falar para mim. Tem minha família que, acima de tudo, é a única com a qual realmente me importo e devo me importar, Potter. Então, me diga, o que você quer? Quer que eu aplauda seu movimento tardio e estúpido? Que eu esqueça que engravidou sua esposa enquanto me fodia escondido?

Harry tentou falar algo, ou ao menos ter alguma expressão além do desespero que o tomou durante aquela noite inteira, mas as últimas palavras de Draco drenaram qualquer força que ainda tivesse.

— Pegue seu divórcio e faça o que quiser, Potter, mas não venha a mim. Vá atrás de sua dignidade, seja como pai ou como homem.

Não mais o perseguiu. Suas pernas, sempre fortes e prontas, bambearam, transformando-o em um totem prestes a quebrar. Viu o loiro balançar a cabeça negativamente uma última vez e ir em direção ao elevador, entrando ali e sumindo, deixando para trás o homem que o amava. Mas Harry o entendia. Sabia que, de todas as perspectivas existentes de rejeição, aquela em que Draco apenas o recusava era a melhor. Ele poderia tê-lo agredido, até mesmo azarado-o com o pior que um medimago conseguiria ou gritado, o explanado para todo o hospital como traidor e covarde, finalmente mostrando ao mundo que tipo de erro cometia às escondidas. No entanto, as palavras do outro tinham doído fortemente, apenas por Harry ter certeza de que ele estava certo. Afinal, nem mesmo o auror tinha certeza do que realmente quis dizer ao gritar aquilo.

Que diferença fazia seu divórcio? Ele o faria voltar no tempo e não terminar com Draco? Ou melhor, faria-o retornar ao tempo em que não era um babaca medroso? Obviamente, este não era o caso. O divórcio, na verdade, fora a única medida correta que tomou em todo aquele tempo que se viu perdido no ex-amante. Tanto para ele, ou Ginny ou até mesmo seus filhos, aquele era o único ato digno que cometeu.

O totem não mais sustentava-se sozinho, então desabou no chão gelado do corredor. Harry abraçou suas pernas, encostando seu rosto contra os joelhos cobertos pelo jeans, segurando as lágrimas que não poderia deixar cair ali. Sentia-se estúpido, por uma tentativa tão patética, assim como terrível, por não conseguir apenas alegrar-se pela filha que nasceu. Ele sabia que deveria amá-la na mesma proporção e força que todos os seus filhos, e tinha certeza que o faria, mas a simples imagem de Draco vestido em seu uniforme e ignorando-o conseguiu machucá-lo e desesperá-lo ainda mais. O temor de perder sua filha e Ginny foi triplicado pelo temor de Draco tornar-se de vez, para ele, aquela imagem fria e impessoal.

E se nunca mais o visse sorrir? E se ele fosse apenas mais um detalhe que Draco escolheria esquecer? E se ele fosse tão odiado quanto Lucius fora? E se ele não conseguisse superar o fato de realmente ser tudo isso para o loiro?

Merlin, ele era fraco. Fraco da cabeça aos pés, desde os traumas que o assombravam até os problemas que causou a si mesmo. A realidade era que Harry precisava se encontrar e achou que o primeiro passo estava no divórcio, em livrar Ginny do tormento que ele causava, procurar melhorar como humano. E isto havia sido o passo mais fácil; assinar papéis e vê-la sorrir minimamente, por saber que era o certo para os dois.

Ela, acima de tudo, era o pilar para que sua vida não tivesse desmoronado. Ela, em sua superior e absoluta serenidade e racionalidade. Mesmo em seu direito de tratá-lo como o lixo que era, não o fez. Mesmo que pudesse espalhar ao mundo bruxo inteiro que Harry Potter era um bissexual frustrado e traidor, não fez. De todas as terríveis respostas que poderia dar, utilizou a mais efetiva: deixá-lo com seu silêncio. Não houve briga, muito menos azarações, apenas Harry se julgando sozinho, pois Ginny não era sua mãe ou responsável por ensiná-lo o certo ou errado. Por semanas, após ouvir dos lábios do marido que este a traiu, quando o bebê em seu ventre tinha apenas cinco meses de desenvolvimento, a ruiva apenas o ignorou, prezando sua saúde e a da criança. Ignorou como o insignificante que ele sentia ser, desprezando não só a face sôfrega e opaca, como também os sentimentos que algum dia nutriu por ele. Ainda que qualquer um mais atento pudesse ouvi-la derramar lágrimas durante a noite e que não sorrisse mais como antes, ela não se expôs à loucura que poderia, não o atacou, apenas esperou que a consciência de Potter — que ela sabia que existia — fizesse seu trabalho.

Harry, assim como a esposa esperava, sofreu calado, engolindo todos os auto-julgamentos que já rondavam sua mente desde o momento em se viu interessado em Malfoy, mas triplicados. Existiam tantos fatores para se julgar, tantos erros cometidos, que envolviam outros que ele sempre disse amar… Que tipo de monstro ele havia se tornado? Como pôde ser tão inconsequente? Ele lembrava de tentar se responder com o que sentia por Draco, mas isso era tão injusto com ambos quanto com todos os outros envolvidos. Que tipo de amor poderia permitir tamanho erro?

Entre as lembranças e arrependimentos, novamente se culpou. E se as complicações da gravidez fossem por sua culpa? E se ele fosse a causa para a ruiva não perceber que a bolsa havia se rompido? Não conseguia respirar normalmente, hiperventilando, entrando em um mini estado de pânico mais uma vez. Sem perceber, as lágrimas já desciam de seus olhos opacos, molhando sua pele descuidada e barba malfeita, ardendo em sua alma, manchando sua roupa desarrumada, transformando-o na imagem moribunda que se repetia em sua face desde o dia em que terminou com Draco. Como Ginny conseguia ser tão forte? Como Draco conseguiu seguir em frente?

Ele estava tão cansado. Cansado de correr sem direção, cansado de ser o idiota que ele mesmo se transformou, cansado de se sentir muito menos do que diziam que era. Harry Potter não era apenas um personagem retilíneo, como gostaria de ser, como as pessoas pregavam. O Eleito? Ele não havia feito mais do que qualquer um deveria ter feito em seu lugar — ou ao menos era o que repetia insistentemente em sua mente há anos. As pessoas esperavam de si todas as características de um grande herói, correto, poderoso e incorruptível, quando ele não passava de um órfão assustado e adulto inescrupuloso.

E ele temia tanto. Temia desde sua incapacidade de ser um adulto respeitável, à sua capacidade de errar quando seus sentimentos mais intensos eram envolvidos. Como seria um bom pai para a menina que nasceu? Como seria um bom pai para os filhos que já tinha? Sua única felicidade era saber que eles não o odiavam e nunca iriam, pois Ginevra era boa demais para fazer um pai perder os filhos, mesmo que ele talvez merecesse isso.

Mas e se acontecesse? E se eles, assim como os Weasleys, quisessem distância de si?

Entrando em parafuso pela incontável vez, continuou preso no loop de pensamentos que não o levavam a outra conclusão além do sofrimento. Não conseguia ver qualquer luz no fim do túnel, não sozinho. Era como se o afogassem em um balde de água gelada, onde nem mesmo o fundo de sua fonte de agressão conseguia enxergar. Seus pulmões doíam, seus ouvidos pareciam tampados e seus olhos não enxergavam mais que borrões. Harry, preso em seu próprio sofrimento e inferno pessoal, não prestou atenção nos passos rápidos de Albus em sua direção. Quase permitiu que este o visse destruído por dentro como estava.

— Pai? — ele chamou, se ajoelhando ao seu lado. — Pai, o que houve?

Harry engoliu o choro, juntamente a todos os tormentos que não poderia expressar, se permitindo focar no filho, assim que limpou rapidamente a face.

— Está tudo bem, filho.

— Foi o senhor Malfoy de novo, não é?

Doía tanto ouvir aquele sobrenome. Machucava ainda mais ouvi-lo pela voz de um de seus filhos. Harry não queria passar por aquilo novamente. Não queria dizer a seu filho que estava sofrendo pelo ex-amante, mesmo que este não fosse o único motivo. Balançou a cabeça em negação, fungando.

— Pai, o senhor não tem que mentir. Por favor. Não é como antes.

Ah, Merlin, Harry não aguentou. Sua expressão fechou-se em puro sofrimento e as lágrimas não mais foram controladas. Soluçou alto, tremendo os ombros cansados e puxou o filho, abraçando-o com toda a força, molhando a camisa do mesmo, agradecendo em sua mente por poder sentir o contato mais uma vez. Albus apertou-o igualmente, acariciando as costas que tremiam mais e mais a cada soluço sôfrego que o pai dava. É claro que ele nunca defenderia os erros de seu pai, mas nunca desejaria vê-lo definhar, ouvi-lo e deixá-lo sofrendo. Não quando ele sempre esteve presente, mesmo nos dias mais difíceis, mesmo quando sua mente estava longe.

É claro que nem sempre foi assim. Por mais compreensivo e maduro que fosse, Albus ainda era o filho de Ginny e novo demais. Quando descobriu, quase três meses atrás, tudo o que conseguiu sentir foi ódio, do mais puro e infectante. Quis descontar de todas as formas os sentimentos terríveis que seu pai lhe causara; jogar em seus ombros já curvados e pesados de culpa o peso do ódio que sentia. E Harry enxergou tudo isso em seus olhos esmeraldas furiosos e ouviu, com todas as palavras, o quanto o filho o desprezava. Não só ele, como James também. Sem sombra de dúvidas, o tapa de Malfoy foi o que menos doeu em si naquele dia inesperado e confuso, onde não só reencontrou o amante da pior forma, como também encontrou o contempto que nunca imaginou que sentiria provindo de seus filhos.

Lembrava com clareza de como Albus havia ligado tudo que um dia viu, desde as marcas esquecidas em seu pescoço (que James fizera questão de apontar para o irmão) ao fato de Scorpius comentar sobre parecidas em seu pai. É claro que não seriam o suficiente para ligar Malfoy e Potter em um romance proibido, nem mesmo o fato dos dois estarem coincidentemente tristes e as marcas nunca mais terem surgido. Porém, para fechar com chave de ouro, a briga vista por James surgiu como prova indiscutível e indispensável. E se Albus havia puxado seus olhos e temperamento, a astúcia havia sido de sua mãe. Utilizando-a de forma que Harry nunca imaginou que voltaria contra si, Albus arrastou o irmão até em casa, aproveitando-se dos privilégios (que Harry nunca quis) de serem filhos do Eleito. Em casa, após chegarem quase juntamente ao pai, os dois fizeram o que bons filhos fariam: defenderam a mãe.

Naquele momento, suas ações e palavras independiam da posição de pai do mais velho, bem como não os tornavam desrespeitosos. Não se tratava de algo simples, não se tratava de pequenas besteiras que costumavam pedir do pai. Ali, naquele final de tarde tristonho e revoltoso, James e Albus exigiam de Harry que este honrasse o respeito que tinham por ele. Que respeitasse igualmente a mulher que carregava mais um de seus filhos.

Ainda que Ginny já estivesse ciente de tudo naquele ponto, ainda que Harry já estivesse tentando se redimir, aceitou cada um dos gritos dos filhos, engolindo-os juntamente a todos os outros julgamentos que permaneceram em sua mente, quebrando-o cada vez mais. Quebrando-o como o necessário, para algum dia tentar se reconstruir.

O filho do meio, o único tão semelhante a Potter, cuspiu todas as frustrações no pai, repetindo o quão envergonhado sentia-se por ver que este era apenas mais um traidor. Mesmo não sendo o primeiro a ver evidências, mesmo não se sentindo melhor por espernear por minutos inteiros, Albus quis deixar claro que ele sentia-se enjoado e enraivecido por ter um pai que fazia o que ele fez. James, por outro lado, pareceu endurecer suas emoções, não fazendo questão de se pôr como remetente de ataques e, sim, como expositor da realidade. Disse ao pai que ele era apenas mais um daqueles que desfaziam-se das consequências em prol de desejos e que nenhuma das conquistas de Eleito, nenhum dos dias em que deu tudo de si ao ministério e à família, seriam justificativas para algum dia Harry Potter ter respaldo em uma traição e, talvez pior, por escolher o pai de Scorpius para fazê-lo. O menino repetiu por tempo demais o quanto os dois tinham sido irresponsáveis e desleais, mesmo que se recusasse a dizer que até ele sentia-se traído, quando o homem à sua frente havia sido por anos seu maior exemplo.

Reforçado pelos gritos de Albus, indagou se eles ao menos tinham pensado em alguém mais, se tinham alguma noção de como poderiam afetar as vidas de todos. Em uma mescla de cólera e desprezo, ambos fizeram-no as perguntas que Harry já havia feito a si diversas vezes nos últimos seis meses. E se Scorpius soubesse? E se Ginny não reagisse apenas contra os dois? E se o egoísmo dos dois desfizesse todos os laços que o Malfoy mais novo conseguiu finalmente estabelecer com as outras famílias? Como os irmãos poderiam fitar Scorpius sem ver a imagem do amante por trás?

Depois de tantas indagações, cobranças doloridas e reais, ambos calaram-se após a afirmação que a mãe já sabia e que o divórcio estava por vir. Entretanto, isso não significou perdão, muito menos compreensão. Um bebê ainda estava no ventre de sua mãe abalada, seu pai ainda era um traidor e eles não mais o veriam como o herói que sempre foi. Albus passou semanas sem olhar nos olhos do pai, evitando-o o máximo que poderia, se recusando a fingir que nada estava acontecendo, mesmo que Lily não precisasse e nem devesse estar exposta ao ocorrido também. James, aquele que desde o início desconfiou dos erros do pai e sofreu sozinho, calado, não conseguiu manter-se alheio por tanto mais, acabando por trazer problemas a si mesmo, fugindo da escola e se tornando, por algum tempo, mais um problema no lar.

Harry sentia a loucura lhe dominar um pouquinho mais a cada dia, de mãos dadas ao medo e desespero, correndo em busca do silenciamento de qualquer outro sentimento ameno que ainda existisse em si.

Sozinho, aos poucos, perdendo todas as estruturas que o mantinham erguido, Harry pensou em todas as possibilidades, inclusive a morte, principalmente quando, certas vezes, conseguia ver a decepção e afastamento nos olhos da filha, e nada podia fazer além pedir perdão e continuar tentando. E tentar o quebrava com tamanha força que questionava-se se o resultado seria realmente um futuro melhor. Questionava-se se valia a pena viver até o futuro que parecia estar buscando.

Todavia, ainda que a raiva fosse forte, Albus não era cego. Não precisava conversar com o pai para perceber que, mesmo errado, ele não procurava se justificar, e muito menos parecia indignado ou revoltado, como se a vida fosse injusta. Não. Harry Potter, o homem que o criou com todo amor — e ele tinha certeza disso — estava afundando-se sozinho, em uma culpa que realmente deveria sentir, mas que não deveria destruí-lo O filho do meio conseguia enxergar nos ombros sempre caídos, olheiras e choros escondidos na madrugada que seu pai não era um monstro traidor, apenas alguém que errou e que deveria pagar por isso. Porém, de nada serviria castigá-lo pelo resto da vida. Ele sabia que não há redenção no julgamento infinito.

Em dois meses, a raiva se transformou em perdão e o descontentamento se transformou em algum entendimento. Era estranho para si, mas Harry Potter atraiu-se por Draco Malfoy, se apaixonou por ele e, como todo ser humano, esteve exposto aos males que corrompem, teve o direito de errar e o fez. Era errado, era o exemplo que ele nunca deveria seguir, porém, Albus percebia que não cabia a ele julgar o homem como o marido traidor — como era o papel de sua mãe —, mas sim como humano com falhas e como essas falhas poderiam afetar o balanço entre suas qualidades e defeitos. Isso o fazia um mau pai? Isso o faria esquecer que aquele mesmo homem daria sua vida por ele? É óbvio que isso não o fazia melhor, não o fazia impunível, mas deixava claro que o Eleito era apenas um homem com título, que era suscetível às escolhas erradas e certas, assim como qualquer outro. Assim como todos os outros, estava pagando por seus erros ali, com o desprezo dos filhos, com a estranheza da única família que já teve e a perda de seu amado. Harry estava pagando por seus pecados, e Albus tinha certeza que não tinha que ser um dos responsáveis pelas penitências.

Foi por isso que Albus o permitiu, naquele momento no hospital, externar todas as frustrações contra seu peito, apertando-o para segurar os soluços altos que o levantavam, não ligando para o quão molhada estaria sua camisa depois. Exatamente por saber que seu pai estava tentando e não escondendo-se, não só por si mesmo, como por toda a família que amava. Na opinião do menino, valia a pena apostar sua confiança no dito Eleito mais uma vez.

— Você tentou falar com ele? — perguntou baixinho, esfregando as pontas de seus dedos sobre o couro cabeludo do pai, embolando os cabelos bagunçados entre cada carinho.

O mais velho balançou a cabeça, tentando voltar a respirar normalmente. Fazia tempo demais que não sentia qualquer conforto.

— Sabe que esta foi a pior hora, não é? — continuou a falar baixo, como se guardasse um segredo entre eles.

— Não acho que o verei novamente. — Harry desconversou igualmente silencioso, mesmo que sem querer.

— Não acho que é o momento certo — continuou acariciando os cabelos bagunçados do pai, esperando que o carinho amenizasse suas palavras. — Você foi o mais errado aqui, pai. Não importa se o senhor o ama, não importa se estava com medo e muito menos importa se você está buscando se redimir. Ou ao menos não importa agora. Dê tempo ao tempo, mas não crie expectativas altas sobre isso.

Harry se afastou do toque, desviando os olhos do filho. Mesmo que se sentisse minimamente feliz com sua companhia, ainda mais em meio ao caos que vivia, não queria discutir sobre suas emoções relacionadas a Malfoy. Não por não querer compartilhar sobre, mas por não querer envolver seus filhos nisso. Ao menos não ainda, tão recentemente.

Do chão limpo e branco, seus olhos ficaram nos pés cobertos por sapatos sociais que se aproximavam e então, ao subir até as paredes, encontrou a face machucada de Draco refletida na de um dos ruivos Weasleys. O que mais amava. Ronald observava a cena de longe, machucado apenas com a menção da existência de Potter, de mãos dadas com Hermione. Apenas a mulher acenou para si quando ambos caminharam em direção ao quarto de Ginny.

Ron nunca o perdoaria, ele tinha certeza. Desde o momento em que confessou a traição aos amigos, cerca de um mês antes, explicando o motivo da separação iminente, o ruivo demonstrou exatamente o que Potter esperava: decepção, mágoa e ódio. Ele sabia que não era obrigado a contar, sabia que talvez Ginevra nem ao menos o fizesse ao final de tudo, em sua bondade incalculável, apenas para evitar que Harry perdesse uma segunda vez a família. No entanto, Ron merecia saber, assim como não se perdoaria caso escondesse aquilo pelo resto da vida, omitindo aos amigos que ele era o que era. Assim, foi expulso da casa dos amigos, por Ronald, sem data de possível retorno.

Não estranhou o comportamento do ex-amigo, apesar de se machucar sempre que lembrava ou presenciava aquilo. Diferente de Hermione, que podia repreendê-lo, xingá-lo e até mesmo castigá-lo de alguma forma, o ruivo optou por algo mais doloroso, que o poupasse de gastar suas palavras e tempo. O Weasley não se limitaria aos artifícios inteligentes de Hermione, muito menos seria tolo em perdoar o homem que fez sua irmã sofrer, então o acertou onde doeria mais: rompeu a amizade amada, pedindo que Harry nunca mais chamasse seu nome. E o moreno obedeceu.

Daquela vez, engoliu o choro ao vê-lo. Não o faria pela incontável vez. Observou o casal se distanciar, sentindo-se menos mal por Hermione olhar para trás mais duas vezes, verificando-o antes de desaparecer dentro do quarto. Nos braços de seu filho e sob o olhar de Hermione, sentiu algum alívio. Se sentiu menos sozinho com seus fantasmas.

Albus bateu levemente em suas costas, chamando sua atenção. Virou-se para ele, vendo-o levantar e estender a mão fina para si, num pedido mudo a se levantar e segui-lo. O ato pôde não significar tanto ao filho, mas Harry o enxergou com os olhos brilhantes, sorrindo minimamente e agarrando a mão que o ajudou a levantar. A mão que também o ajudava fugir do afogamento, o ajudava a pensar que valia a pena continuar. Acima de tudo, ainda tinha seus filhos para buscar e reconquistar, assim como uma pequena vida, recém nascida, para cuidar e amar; pelos quais Harry faria questão de ser melhor, de mostrar que aprendera com seus erros.

Quando adentraram o local, a atenção estava toda sobre a pequena, que estava sendo amamentada pela primeira vez. Finalmente sentiu o impacto mais real de seu dia: ele era pai mais uma vez. Todo o sofrimento da ruiva, todo o esforço e preocupação de Draco, permitiram que ele pudesse olhar para aquela menininha e encontrar todo o amor que seu coração precisava para, pouco a pouco, se restaurar.

Observando-a, conseguiu finalmente concentrar-se no que realmente importava, em suas pequenas mãos, seu corpinho frágil, seus poucos cabelos claríssimos, seus pezinhos que balançavam fracamente.

Seus olhos encontraram os de Ginny, que parecia encontrar as mesmas respostas em seu colo. Por aquela criança, valeria a pena continuar a seguir suas vidas, para apresentá-la e protegê-la do mundo, exatamente como tinham feito com os demais, mesmo que as alianças não estivessem em seus dedos e o amor romântico há muito não existisse. Naquele olhar, Harry sentiu como se uma trégua silenciosa houvesse se estabelecido e que, assim como com os filhos, poderia buscar o perdão de Ginny e, um dia, voltar a ouvi-la rir como fazia quando eram amigos.

— Você pode pegá-la — ela disse fraquinho, sorrindo com a mesma força. Harry sorriu de volta, imitando-a.

Quando a bebê finalmente pareceu satisfeita, a ruiva acenou para ele, chamando-o para perto. Com todo o cuidado, a criança foi passada a seus braços. Segurando a fofura e maciez da pele quentinha em seu tato e sentindo o coração acelerar de puro amor, teve certeza de que valia a pena tentar. Valia a pena sofrer no presente, caso isso significasse que no futuro aquela pequena, assim como todos que amava, iria sorrir para si verdadeiramente, pelo seu eu que buscou melhorar.

— Ela é linda, não é? — a mãe disse, arrumando-se na cama, deitando corretamente.

— O melhor presente de Natal, de absolutamente todos os natais da minha vida — respondeu Potter, novamente fitando a ex-esposa, que parecia sonolenta.

Sorriu verdadeiramente, virando para seus filhos que, depois de meses, finalmente o corresponderam. As lágrimas preencheram seus olhos, de alegria, de alívio. Sua filha estava viva e todos ali tinham tanto a viver ainda. Ele tinha tanto a viver e aprender.

Desejou, do fundo de seu coração, que pudesse chegar lá. Que suas forças fossem revigoradas a cada vez que pensasse na lembrança da primeira vez que segurou cada um de seus filhos nos braços. Que as consequências de seus erros pudessem moldá-lo da forma que o faria merecedor de todo o amor que perdeu.

E, se tivesse sorte, torcia por algum dia rever o sorriso de Draco de uma perspectiva em que não houvesse mais mentiras e dores envolvidas. Em que nunca mais fosse o motivo das lágrimas de alguém.



Olá, docinhos! Como vão?

Esta fic foi escrita para a semana de especiais de fim de ano do projeto que, com essa, finaliza sua primeira edição.

Agradecemos à nywphadora pela revisão e psychocover pela capa linda, além da potterfoy pelo plot que iniciou tudo isso!

Esperamos que tenha gostado (se é que é possível kk), vemos vocês dia cinco, com a finalização dessa trilogia, por assim dizer!

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