Capítulo 4 - Pesadelos reais

NO PRIMEIRO ANO EM QUE PASSAMOS a morar no conjunto habitacional abandonado da prefeitura, outras sete famílias dividiam os espaços vagos e mal-acabados dos apartamentos. Dos oito andares do prédio central, apenas dois não eram habitados, e guardavam uma porção de entulhos de obras como vigas, blocos de cimento, caibros e outros pedaços de madeira usados para a construção. Tudo que possuía algum valor comercial era vendido e o dinheiro era repartido entre as famílias.

Um ano depois da minha chegada ao prédio abandonado, a família Moura se despediu de todos nós e partiu dali rumo ao interior de Minas Gerais. Josué, o pai, havia conseguido um meio de voltar para a cidade natal e carregou com ele a esposa e as duas filhas pequenas; uma de sete e a outra de oito anos. Não tínhamos muito com o que festejar, mas naquele dia, Cleiton sugeriu erguer um brinde em honra do sucesso dos Moura e papai arranjou um fardo de cerveja quente para que eles comemorassem.

Menos de seis meses depois, a família Andrade também conseguiu lugar melhor para morar e marido e mulher se mandaram de São Francisco d'Oeste em direção a uma cidade vizinha, Calheiras, com a promessa de emprego e moradia à vista. Laurentino, o homem, tinha sido aprovado num processo seletivo para trabalhar como peão de obra na construção de um shopping que seria inaugurado dali a dois anos e, desesperado para sair daquela situação de morador de rua, ele não pensou duas vezes.

Papai e Cleiton também se candidataram a vagas para encorpar o tal canteiro de obras do shopping, mas nada haviam conseguido para a nossa infelicidade. Os dois ainda tentaram se colocar em mais três vagas para obras na mesma cidade, mas a crise no país continuava aflitiva, embora agora a inserção de uma nova moeda tivesse estabilizado bastante a inflação e dado ao povo mais poder de compra com o seu suado dinheiro.

O trabalho com os homens de Maranelli passou a ser mesmo a forma mais imediata de conseguir alguns trocados e papai continuou prestando serviços ao crime organizado não só para pagar a dívida imensa que havia feito com Gerônimo Falcão na época do tratamento do câncer de mamãe, mas também para conseguir minimamente o nosso sustento dentro das condições miseráveis em que vivíamos. A contragosto, Demétrio saía todos os finais de semana para ajudar na carga e descarga dos carregamentos que deixavam a cidade via estrada de ferro pelo bairro da Boca do Crime e, às vezes, só voltava para casa na segunda-feira, caindo de bêbado ou extremamente cansado do trabalho pesado.

Além de papai, mais duas famílias que moravam no mesmo prédio também faziam "bico" para a organização de Maranelli. Maria Aparecida Moreira — a Cida—, esposa do vizinho que conhecíamos como "Tatu", era cozinheira numa das várias instalações espalhadas pela cidade onde os homens do chefão do crime refinavam a cocaína que produzia e vendia para fora de São Francisco d'Oeste, e o seu marido, era ajudante no serviço de transporte. Junto com o casal Moreira, os Macedo também ajudavam nos laboratórios de cocaína e ambos, esposa e marido, eram proibidos de falar sobre o assunto fora das locações onde trabalhavam a fim de evitar problemas com a polícia.

Embora não causássemos problemas para os comerciantes vizinhos aos prédios onde morávamos, não era raro que viaturas fossem chamadas na calada da noite após denúncias de desordem para nos acordar com batidas no portão de madeira que fechava a entrada e para que nos reportássemos sobre algo que jamais havia acontecido. Não éramos bem quistos naquela região e a situação com as pessoas que residiam nas redondezas foi ficando cada vez mais insustentável com o passar dos anos.

Eu era a criança mais nova a fazer parte da pequena comunidade de moradores daquele conjunto habitacional e tive que aprender cedo a me equiparar aos meus colegas para não ser chamada de incapaz ou coisa pior.

A minha melhor amiga ali dentro se chamava Maria Antônia e ela era a filha do casal Macedo. Era dois anos mais velha que eu, tinha pele morena, cabelos encaracolados, nariz arrebitado e uma voz afinada de cantora gospel. Foi com ela que aprendi a maior parte das tarefas diárias que tanto os adultos quanto as crianças tinham que cumprir para manter o mínimo de organização dentro dos apartamentos. O berço onde ela havia dormido até os seus quatro anos tinha sido dado ao meu pai tão logo ele chegou comigo ainda pequena em seus braços e, mesmo quando eu já estava grande demais para caber dentro dele, o móvel continuou ocupando um espaço de destaque em meu quarto.

Maria era uma garota cheia de energia que não conseguia parar quieta no lugar. Vivia para cima e para baixo atendendo aos pedidos dos moradores e adorava se sentir ocupada; seja levando entulho para vender nos ferros-velhos das redondezas, seja comprando cigarro para os fumantes, cerveja para os beberrões ou para prestar serviço de aviãozinho para os homens de Gerônimo Falcão como eu. Embora o meu pai tivesse me levado pela primeira vez para ajudá-lo com o seu trabalho, tinha sido com a garota que eu havia aprendido os grandes segredos do ofício.

— Você não pode dar mole — alertou-me ela certa vez, enquanto íamos juntas para uma das bocas de fumo da Zona Oeste. —, faz o teu trabalho e se manda. A polícia é doida pra botar a mão num aviãozinho que entregue todo o serviço a eles por essas bandas.

— Eles querem pegar a nossa carga?

Eu mal tinha feito oito anos. Era ingênua e não compreendia como as coisas funcionavam naquele ramo.

— Não, tonta! Se a polícia te pega, eles vão te bater até você dizer pra quem trabalha. Isso é "entregar o serviço", ligada?

Durante todo o primeiro ano naquela nova função, Maria e eu fizemos grande parte das entregas em parceria. Ela dizia que em dupla era mais fácil e que, daquela forma, uma podia dar suporte à outra em caso de haver olheiros em torno das bocas ou mesmo durante uma possível batida policial no meio da entrega.

— Nós somos irmãs agora. Precisamos fazer tudo em conjunto.

Eu nunca havia conhecido nenhuma outra garota da minha idade até chegar àquele prédio e foi muito fácil me apegar a Maria, mesmo ela sendo mais velha que eu. Além dela, havia também mais duas crianças morando no conjunto habitacional; uma garota de nove anos, filha de Cida e Tatu cujo nome era Larissa e o Joaquim, o garoto de doze anos que era o filho único do casal Toledo.

Os Toledo moravam no andar de baixo do meu e eram, sem dúvida, os mais problemáticos entre os moradores da nossa comunidade. Vicente, o pai de Joaquim, era viciado em drogas desde que chegara ao prédio e o cara vivia brigando com a esposa por conta do seu vício.

Numa noite, Ariana, a mulher, subiu as escadas aos gritos com as suas roupas rasgadas, a pele marcada de hematomas e os lábios cortados. Ela bateu em minha porta implorando por ajuda. Era um final de semana em que papai não estava em casa e eu mesma atendi a mulher. O desespero estava estampado em seu rosto.

— Me acode, por favor! O Vicente doidão. Ele vai me matar!

Eu já tinha meus dez anos na época, mas não podia fazer nada por Ariana. Em vez de ficar parada, no entanto, fui até o apartamento de Cleiton e Jacira e expliquei o que estava acontecendo aos dois.

— O Vicente está quebrando tudo lá embaixo — disse para enfatizar o desespero de Ariana. —, alguém precisa fazer alguma coisa!

Nós todos sabíamos que qualquer ruído fora do comum dava razões para que os nossos vizinhos chamassem a polícia para bater em nossa porta e tentar nos expulsar da nossa casa, por isso, Cleiton se sentiu no dever de tentar dialogar com Vicente, embora o homem estivesse além de diálogos.

Em abstinência de cocaína, o morador da casa de baixo tinha surtado e começou a quebrar tudo que via pela frente, incluindo a própria esposa e o filho. Sem saber o que fazer, pedi para que Ariana entrasse em meu apartamento e esperasse as coisas esfriarem ali em minha companhia. Enquanto aguardávamos por notícias, começamos a ouvir gritos ecoando nos corredores vazios e, algum tempo depois, o soar barulhento da sirene de uma ambulância que acordou a todos no prédio.

Num acesso de fúria, Vicente havia atingido Cleiton com um espeto de churrasco e o coitado precisou ser levado às pressas ao hospital com um ferimento na perna esquerda. Me senti culpada e pensei que nada disso teria acontecido se o meu pai estivesse em casa aquela noite. Cleiton só retornou para casa no dia seguinte e, depois disso, Vicente sumiu do prédio, envergonhado demais pelo que havia feito em seu momento de insanidade. Nem Ariana e nem Joaquim nunca mais ouviram falar dele.

Mesmo com a vida atribulada que tínhamos na comunidade e com os problemas de relacionamento que, às vezes, surgiam pelo convívio diário com pessoas que pareciam viver à beira de um surto psicótico, assim que se recuperou, Cleiton continuou aplicando as suas aulas no sexto andar que havíamos apelidado de "escola" por conta do ambiente didático e educacional que o nosso professor havia dado ao lugar. Construída sobre pilhas de tijolos e caibros de madeira, o esposo de Jacira tinha montado na escola uma espécie de estante onde nos disponibilizava as dezenas de livros que tinha em seu poder e que pareciam se avolumar ainda mais a cada semana.

Entre os meus colegas, eu era, de longe, a que mais me interessava por leitura e foi numa tarde após a aula de Geografia do dia que o Cleiton me explicou de onde vinham aqueles livros.

— As escolas públicas da cidade recebem todos os anos um kit contendo, além de material escolar para as crianças, vários livros que acabam sendo descartados ao fim do ano letivo. Assim como os seus amigos de aula — e ele se referia à Maria, o Joaquim e Larissa —, os alunos do ensino fundamental também não têm o hábito de ler fora da escola, por isso, eu consigo esses volumes com certa facilidade. Uma diretora que conheci na época em que lecionava me faz doações de tempos em tempos. Ela diz que é melhor do que jogar tudo no lixo.

Com o passar dos meses, eu comecei a visitar com mais frequência a biblioteca improvisada de Cleiton no sexto andar mesmo quando não tínhamos aula e me tornei uma leitora assídua de alguns autores brasileiros como Cecília Meireles, Mário de Andrade e Monteiro Lobato. Além dos livros próprios para alunos do ensino fundamental, passei a me interessar também por outros clássicos da ficção brasileira e, logo, estava devorando títulos de Machado de Assis, Guimarães Rosa e Graciliano Ramos.

— Esses são muito avançados para a sua idade, Sil — disse-me ele uma vez, com um sorriso incrédulo no rosto fino e a pele mal barbeada. —, tem palavras aí que você nem vai entender o significado.

— Mas eu gosto assim mesmo — respondi, radiante. —, o que eu não sei, eu anoto pra procurar depois no dicionário.

Cleiton tinha um velho dicionário da Língua Portuguesa em sua biblioteca e eu sempre fazia as minhas pesquisas antes da aula, fortalecendo a minha ortografia e aprendendo cada vez mais sobre o nosso idioma. Embora não frequentasse a escola, não queria ser mais uma ignorante qualquer, e almejava, mesmo criança, conquistar a independência financeira que eu sabia que só seria possível se eu fosse uma pessoa letrada e instruída. Eu não queria morar naquele cortiço o resto da vida e sabia que precisaria lutar para tirar a mim e a meu pai de lá.

O vício do meu pai em álcool se tornou rapidamente outro dos vários problemas que tínhamos para nos manter no conjunto habitacional. Ele trabalhava todos os finais de semana nas vias férreas abandonadas da cidade perto da Boca do Crime e do pouco que tirava de grana com o seu serviço, parte ficava com Falcão e a outra metade ia para os bares, onde ele fazia paradas costumeiras antes de retornar para casa.

O dinheiro que papai conseguia à frente do transporte das toneladas de pó que Falcão despachava da cidade toda semana começou a não dar mais para o nosso sustente básico, e até mesmo as minhas incursões com Maria junto às bocas de fumo deixaram de render os trocados que rendiam para que eu pudesse comprar um pouco de arroz, feijão e algum legume para o jantar. O meu pai tinha acumulado uma dívida impagável com Falcão e, praticamente tudo o que conseguia de material era usado na tentativa de ressarcir aquela dívida. Eu sabia que algo muito errado estava acontecendo, mas todas as vezes que tentava conversar com ele sóbrio, o meu pai me rechaçava e me mandava caçar o que fazer.

A situação se agravou ainda mais quando fui apanhada por uma anemia forte que me abateu dias antes de papai sair para trabalhar. Jacira me acompanhou ao posto de saúde e foi constatado que o meu estado tinha sido ocasionado pela falta de uma alimentação diária decente.

Naquele mesmo dia, Cleiton e Jacira tiveram uma conversa séria com papai e só então ele se conscientizou que não tinha mais como gastar todo o nosso dinheiro em bebida. Ele precisava assumir a responsabilidade de ter uma filha em fase de crescimento dentro de casa. Assim que o casal deixou a nossa casa, papai se ajoelhou à minha frente e pediu perdão.

— Eu... Eu vou cuidar melhor de você a partir de agora, filhinha. Eu vou parar de beber... eu vou dar um jeito de pagar a minha dívida com o Falcão e as coisas vão tomar jeito.

De certo modo, as coisas deram uma melhorada nos meses seguintes. Papai agora saía de casa todos os dias para ajudar as equipes de Falcão com outras tarefas que ele não queria me dizer quais eram, mas aquilo começou a render um bom dinheiro. Passamos a ter o básico de comida dentro da nossa casa e, com o que tinha aprendido com Jacira, eu mesma preparava o nosso jantar no fogão à lenha que Cleiton ajudara a construir. Todas as noites, eu esperava por meu pai para que comêssemos juntos e, por um tempo muito breve, encontramos a harmonia que tanto precisávamos em nossa família.

Os anos passavam rapidamente no interior das paredes frias e malcuidadas daquele que era o nosso lar e eu nem tive tempo de entender as mudanças físicas que estavam ocorrendo em mim. Eu tinha me tornado uma adolescente conforme os estudos de História me faziam entender cada vez melhor como a distribuição de renda era desigual em nosso país e sentia a minha mente cada vez mais aguçada com os números, as equações e as operações matemáticas que ficavam cada vez mais avançadas a cada nova matéria. Havia, no entanto, uma defasagem quanto aos meus conhecimentos em Ciências biológicas, o calcanhar de Aquiles de Cleiton, e eu me peguei em desespero certa noite, quando me vi sangrando em minhas roupas íntimas e achei que estava morrendo.

Cheia de receios e com as mãos trêmulas, bati mais uma vez na porta de Jacira, e com toda a sua paciência, a minha mãe postiça decidiu, enfim, explicar o que estava me acontecendo.

— Você não está morrendo, Sil — e ela me fez um carinho nos cabelos curtos que ela mesma me ajudava a cortar. —, o seu período menstrual chegou pela primeira vez. Acontece com toda menina da sua idade e isso vai te acompanhar ainda por um bom tempo em sua vida.

Nunca ninguém tinha me explicado reprodução humana de um jeito tão simples de entender e, depois daquela conversa, Jacira conseguiu me deixar mais tranquila com relação ao sangue que parecia me esvair inteira todos os meses a partir de então.

No dia seguinte, ela também me acompanhou ao posto de saúde e nós duas começamos a participar de uma campanha da prefeitura que distribuía absorventes íntimos femininos de graça para mulheres em situação de rua.

— A Maria passou pelas mesmas coisas que você há algum tempo, Sil — me explicou Jacira, no caminho de volta para casa. —, ela também achou que sangraria até morrer e pensou que as cólicas pré-menstruais fossem alguma doença sem cura. Depois de um tempo, apesar de todo o desconforto que o período menstrual da mulher traz, todas nós acabamos nos acostumando. Você também vai.

Eu tive vergonha de dizer o que tinha acontecido ao meu pai à noite quando ele chegou do trabalho, mas para o meu azar, a Jacira já o tinha informado assim que ele pôs os pés no prédio. Senti o meu rosto ferver quando ele tocou no assunto durante o jantar.

— Agora você é uma mocinha, Sil. Vai aprender a lidar com novas situações em sua vida e quero que saiba que estarei sempre ao seu lado para ajudar no que for necessário.

Poucas coisas me arrancavam as palavras da boca, mas toda aquela demonstração de carinho do meu pai tinha me deixado realmente comovida, e eu nem soube como retribuir. De maneira tímida, acenei positivamente e continuei tomando a sopa de ervilhas que tinha feito há algumas horas. Estava morna e sem gosto, mas eu não tinha mais do que reclamar. O meu pai me amava.

As semanas seguintes foram muito intensas em nossa comunidade e eu mal tive tempo se assimilar tudo de diferente que estava acontecendo. Jacira finalmente havia conseguido engravidar após dezenas de tentativas sem sucesso e da recusa de Cleiton em querer que um bebê nascesse nas condições em que o casal se encontrava sem uma moradia digna. Mas eu fiquei muito feliz pela minha mãe adotiva.

— Eu vou ganhar um irmãozinho!

Ela me abraçou ternamente e, com um riso indisfarçável no rosto, respondeu:

— Ou uma irmãzinha!

Além da gestação de dois meses de Jacira, quem também estava cheia de motivos para comemorar era a Ariana que tinha conseguido uma vaga em um abrigo da prefeitura para morar e que já planejava colocar o Joaquim em uma escola de verdade. Ela teria uma ocupação na cantina do abrigo como cozinheira e poderia pagar o aluguel por um apartamento simples, mas muito mais digno que o conjunto onde morávamos. A mulher tinha ficado arrasada com o sumiço do marido viciado em drogas, mas depois de tanto sofrimento, ela finalmente tinha motivos para sorrir.

— Em uns dois ou três anos — disse ela, no dia em que comemorávamos a sua mudança. —, acho que consigo juntar um dinheirinho para comprar um terreno no interior de São Paulo pra voltar a viver perto dos meus irmãos. Tenho fé!

Alguns dias depois, todos nós estávamos ajudando Ariana com as poucas coisas que tinha no cortiço e embarcando tudo num caminhão. A vida ali era dura e, além das camas onde dormiam, não havia muito com o que se apegar.

A minha surpresa acabou acontecendo na escada, enquanto eu ajudava o Joaquim a descer com uma poltrona velha que a mãe usava para costurar próximo a janela, enquanto havia luz do dia. O menino soltou o peso da cadeira sem aviso e eu quase caí desequilibrada. A sua mão segurou firme o meu pulso fino e, então, ele me puxou para perto, aproveitando que as demais pessoas da comunidade estavam espalhadas no andar de cima ou no de baixo arrumando a mudança sobre o caminhão.

— Eu... nunca tive coragem de falar, mas agora que vamos ficar longe, acho que chegou a hora.

Joaquim estava me encarando dentro dos olhos e uma sensação inédita começou a me tomar. Ele tinha prendido os meus braços. Eu tinha vontade de chutar a sua perna para me soltar, mas ao mesmo tempo, eu não queria sair dali. O meu coração começou a palpitar acelerado.

— Do que... você está falando?

Joaquim era quatro anos mais velho que eu. Já tinha sombra de barba na cara magra, cabelos encaracolados cheios e veias saltando nos antebraços. Tínhamos crescido praticamente juntos nos corredores vazios daquele prédio. Havíamos brincado de pega-pega e esconde-esconde nas construções vizinhas com as demais meninas, e nós dois nunca antes havíamos sequer pensado em nada romântico entre nós. Eu era uma criança e nada daquilo se passava pela minha cabeça... até aquele momento.

— Eu sempre quis te beijar, Sil.

Ele foi se aproximando de mim sem que eu pudesse — ou quisesse — fazer nada. Quando percebi, os nossos lábios estavam se encaixando como nas fotos de casais de cinema que eu já tinha visto nas revistas velhas que o Cleiton tinha em sua biblioteca ou como nas histórias que lia nos livros. Eu fiquei sem reação por um instante, mas quando percebi que aquilo era bom, quis mais.

— Quinho! Sil! Se perderam no caminho?

O grito de Ariana lá embaixo interrompeu o nosso momento e, depois disso, eu nem tive tempo de olhar para a cara de Joaquim ou saber o que ele estava pensando. Menos de uma hora após o nosso beijo de despedida — o primeiro da minha vida — ele subiu na caçamba do caminhão em meio às coisas que tínhamos trazido do alto do terceiro andar, acenou para mim e sumiu de vista assim que o motorista dobrou a primeira esquina da avenida Princesa Isabel. Eu nunca mais veria o Joaquim na minha vida.

O meu primeiro contato com o sexo oposto tinha me deixado incrivelmente eufórica, mas depois de Joaquim, ainda levariam anos até que tivesse uma segunda chance de sentir algo tão maravilhoso quanto aquele beijo. Eu vivia rodeada de pessoas mais velhas do que eu e não possuía interesse em outras meninas até então. Oportunidades de momentos mais ousados com Maria e Larissa surgiam aos montes todos os dias pelo fato de que vivíamos praticamente grudadas, mas eu realmente não enxergava aquilo como uma possibilidade na época.

Mal sabia eu, no entanto, que não teria mais muito tempo para pensar naquele tipo de questões românticas. Já naquele fim de semana após a partida do filho dos Toledo, papai resolveu me carregar com ele para uma reunião da organização a qual ele agora fazia parte integralmente, e foi a partir daí que a minha vida virou do avesso completamente.

Já faziam alguns meses que a Maria não me acompanhava mais em meus passeios pela Boca do Crime e eu tinha aprendido a fazer todos os caminhos sozinha. Sempre com a aparência largada, as roupas velhas e os cabelos bem curtos, eu cobria agora a maior parte dos trabalhos de aviãozinho e praticamente todos os malandros das quebradas mais barra-pesada da cidade já me conheciam. Eu era notoriamente a filha do ex-boxeador Demétrio Santoro, um dos homens de confiança de Gerônimo Falcão, e ninguém sequer tentava me passar para trás nas negociações ou pensava em mexer comigo.

Naquela noite, eu cheguei bem cedo ao local acompanhada do meu pai e percebi logo que havia algo estranho pairando no ar. Diferente dos lugares usados para os encontros da cúpula da organização em outras ocasiões, daquela vez, tinham arranjado um galpão gigantesco nos arredores da Boca do Crime e, assim que pisamos os pés no local, enxergamos pelo menos uma meia-dúzia de carros pretos e insulfilmados parados na porta, todos eles brilhando de novos. Eu nunca tinha vista nada tão ostentoso.

— Dizem que o grandão em pessoa vai estar aqui hoje.

O meu pai estava mais tenso do que de costume e a razão daquela tensão tinha nome e sobrenome: Antônio Maranelli.

Eu tinha participado de pelo menos uma dúzia de reuniões como aquelas, mas nunca tinha visto o chefão da organização de perto. Maranelli era um cara enorme e tudo nele exalava ostentação. Costumava usar sempre ternos muito bem cortados na cor preta e as suas vestes eram impecavelmente bem cuidadas, ao contrário de Falcão, que quase sempre parecia um molambo tentando ser fino. Até mesmo o prendedor de gravatas do homem era feito de ouro, assim como o relógio em seu pulso que chegava a brilhar refletindo a luz artificial sobre as nossas cabeças. Aquela era uma figura difícil de desviar os olhos e mais ainda de esquecer.

Eu não me lembro de quase nada que foi dito naquela reunião por conta do que me aconteceu depois, mas ao que parecia, Maranelli estava insatisfeito por conta do roubo de uma das suas cargas que tinha deixado a antiga estação ferroviária de São Francisco d'Oeste, como de costume, e que havia sido extraviada na metade do caminho. Aquela jogada praticada por grupos rivais do velho chefão tinha lhe custado alguns milhões de reais e ele não parecia nada satisfeito em perder tanta grana.

Eu não sabia na época, mas fazendo as minhas pesquisas posteriormente, vim a descobrir que Toni Maranelli era filho de um descendente de italianos chamado Genaro Maranelli que havia desembarcado no Brasil no século passado atraído pela corrupção ativa que era praticada no país tupiniquim sem que as autoridades fizessem nada para impedir. Na época, São Francisco d'Oeste ainda era uma cidade recém-fundada com população pequena formada, acima de tudo, por trabalhadores rurais, e que tinha pouco a oferecer ao restante do estado de São Paulo.

Genaro ficara interessado pelo tráfico de ópio que acontecia quase que livremente pela estrada de ferro que ligava a pequena cidade à capital paulista, e não demorou a tomar para si tanto a produção da plantação do narcótico quanto o transporte da droga que era produzida. Em pouco tempo, ele tinha liquidado com todos os seus rivais da região e se tornou o primeiro e único produtor da área, o que fez com que a sua fortuna começasse com as exportações.

Nos anos oitenta, ainda durante a ditadura militar no Brasil, o filho mais velho de Genaro, Antônio, resolveu assumir uma cadeira na organização criminosa do pai e foi dele a ideia de começar a sua própria plantação de cannabis sativa, além da criação dos primeiros laboratórios para o refino da cocaína, produto que, em pouco tempo, começou a faturar muito mais alto que o ópio e o LSD que o seu pai comerciava. A partir de então, a fortuna dos Maranelli cresceu exponencialmente e a indústria do narcotráfico que pai e filho haviam construído se tornou uma das mais poderosas de toda a América Latina, motivo pelo qual Toni era tão respeitado por seus pares.

Eu era só uma menina magrela e tonta que não entendia praticamente nada daquilo. Estava naquela reunião porque o meu pai achava importante que eu soubesse sobre o que era dito e porque pensava que eu era mais inteligente até mesmo do que ele próprio, o que no frigir dos ovos, faria toda a diferença.

Certa vez ele havia me dito que eu tinha facilidade em aprender as coisas e que queria que eu observasse aquelas reuniões para aprender com quem sabia mais. Eu não entendia bem quais eram as suas intenções, mas imaginava que papai me via como alguém que possuía a esperteza necessária para, um dia, erguer o meu próprio império da contravenção e aquilo me assustava. Eu não pretendia ser uma criminosa para sempre, mas em algum momento da sua vida tortuosa, Demétrio tinha desistido de sonhar com uma vida melhor para nós dois e achava que a marginalidade era mesmo o destino dos Santoro. Eu discordava em silêncio.

Eu estava absorta demais em meus pensamentos para prestar a atenção, mas durante toda aquela reunião que durou horas noite adentro, eu estava sendo vigiada por um homem que fazia parte da equipe de Maranelli e que não me perdeu de vista um só minuto.

Os grandes líderes estavam sentados ao redor de uma mesa retangular comprida bem no meio do galpão e todos os capangas ficavam de pé, ao redor dos seus comandantes. Papai estava bem à esquerda de Falcão, a vista de todos com os seus ombros largos e o peitoral estufado. Eu me mantinha bem atrás dele, a uns três metros de distância, encostada em um balcão velho numa das paredes laterais.

De onde eu estava, era possível ouvir com precisão o que a voz de Maranelli dizia aos demais subordinados com aquele sotaque italiano esquisito, e eu conseguia enxergar por entre os braços dos capangas a sua figura corpulenta que ocupava toda a cadeira em que sentava.

Do lado de lá da mesa, de frente para onde eu estava, havia cerca de seis outros comandados do chefão, cada um deles responsável por uma das várias operações que o homem dirigia na cidade. Além do tráfico, a organização também operava com mercenários armados, banqueiros, chefes de quadrilhas especializadas em sequestro e até mesmo políticos regionais. O homem que me encarava sem parar era o pior deles. Ele se chamava JJ "Jack" Hernandes e era o responsável pelo Bairro Burlesco dentro da Boca do Crime, o maior antro de prostituição da cidade e a parada obrigatória para todo pervertido que desembarcava em São Francisco desde a fundação da cidade.

De repente, eu estava apavorada.

A sensação de que eu estava sendo observada o tempo todo durou até o final da reunião e, quando os "generais" de Maranelli começaram a debandar do galpão em direção ao estacionamento em frente, vi quatro seguranças escoltarem o velho italiano para fora e me perdi por um segundo de olho no brilho hipnotizante daquele relógio dourado que ele usava no pulso esquerdo.

Quando me voltei para o centro do galpão, papai estava de conversa com o tal Hernandes e aquilo, por alguma razão, me fez tremer na base. Daquele ângulo, o corpo enorme de papai encobria a silhueta esguia do sujeito que tinha cara de cafetão barato com seu bigode fino e o chapéu Panamá sobre os cabelos engordurados, mas vez ou outra, eu conseguia enxergar aqueles olhos obcecados me encarando e eu sabia que estavam falando sobre mim.

Na saída, ainda assustada, peguei a mão grande do meu pai sem coragem de olhar para trás na direção onde estavam agora Hernandes e Falcão. Não consegui conter a minha curiosidade.

— O que aquele homem de chapéu queria com o senhor, pai?

Papai estava visivelmente incomodado e foi sucinto em responder apenas:

— Nada, Sil. Não era nada.

Uma semana após aquela reunião, eu já nem pensava mais no assunto e estava mergulhada de cabeça na leitura de um livro num canto da casa quando papai informou que eu o acompanharia mais uma vez à Boca do Crime.

"It – A Coisa" de Stephen King era um thriller fantástico de aventura e terror que havia me prendido desde a primeira página. Eu simplesmente não conseguia mais largar. Em pouco tempo, aquela obra tinha se tornado uma das minhas favoritas de toda a vida e eu estava fissurada na leitura. Não tinha o costume de retrucar as ordens de meu pai, mas naquele começo de noite, resolvi fazê-lo.

— Hoje eu não quero, pai. Prefiro ficar lendo o meu livro.

Com o passar do tempo, eu havia enchido dos inúmeros livros que Cleiton me arranjava o antigo berço em que eu havia dormido quando bebê e passei a ter bastante orgulho da minha coleção. Como ninguém mais naquele cortiço tinha o costume de ler, eu era a única que via algum valor naquelas obras de capas amassadas, dobradas e até rasgadas, por isso, tinha naqueles mundos fantásticos da ficção o meu grande e único refúgio da realidade.

— Não é uma sugestão, Silmara. É uma ordem!

O meu exemplar de It era com certeza o meu xodó dentre os demais livros por ser o mais bem cuidado. Subitamente, vi aquele calhamaço de mais de mil páginas sendo tirado das minhas mãos com fúria e arremessado para um canto da sala empoeirada onde morávamos logo depois.

— PAI!

Demétrio não era o tipo de homem que se enfurecia com facilidade e apenas o álcool era capaz de lhe tirar o juízo quando ele o ingeria em excesso. Papai nunca havia levantado a mão para mim na vida, mas naquela noite, senti que estava disposto a fazê-lo caso eu não o obedecesse.

— Veste uma roupa menos rasgada e se prepara para sair. Eu mandando!

Eu segurei o choro, recolhi o meu livro do chão, desamassei a capa que ficara em estado bastante lastimável, apanhei algumas páginas que se soltaram dos cadernos colados e o botei junto aos demais em meio às pilhas dentro do berço. Não entendia o que eu tinha feito para que Demétrio estivesse tão zangado comigo, mas depois daquele ataque enfurecido, decidi fazer o que ele queria.

Era por volta das nove da noite quando chegamos ao mesmo galpão que tinha sido usado para a reunião de uma semana atrás, mas a movimentação em frente era bem menor daquela vez. Contei três carros estacionados e apenas uma dupla de capangas armados fazia a segurança do lugar do lado de fora.

No interior da construção, a mesa retangular agora estava ocupada por Falcão na cabeceira, Martino Vargas, o líder dos mercenários num dos lugares à esquerda, Romero Assis — que na época eu não sabia se tratar do delegado de polícia da cidade — ocupando uma das cadeiras da direita, Flávio Ventura, um dos responsáveis pelo maior laboratório de cocaína de Maranelli sentado ao lado de Assis e, perto dos dois, estava Antero Laerte, um vereador da cidade que tinha sido eleito na última campanha por pregar o bordão "corrupção zero" nas mentes dos seus eleitores.

Eu tinha ficado feliz pelo simples fato de que o tal "Jota Jota" não estava presente, mas para a minha total infelicidade, ele surgiu pouco depois, gingando os quadris de maneira displicente e dando uma última baforada no cigarro que havia acabado de arremessar longe. Assim que me viu presente, tornou a me olhar daquela maneira obsessiva. Os olhos baixos escondidos pela aba do Panamá, o nariz fino e aquele sorriso malicioso sob os fios pretos do bigode indecente. Eu estava com cada vez mais medo daquele homem.

Diferente da reunião anterior, aquela demorou menos de uma hora e pareceu que eu mal tinha me assentado no galpão e já estava na hora de ir embora outra vez. Me sentia angustiada em ficar no mesmo espaço que todos aqueles homens asquerosos e, por conta do meu desconforto, mal tinha prestado a atenção na pauta da reunião.

Fiquei sentada ao fundo do galpão em uma cadeira de metal dobrável à espera do meu pai, e de lá, o vi sair caminhando para o lado externo do galpão na companhia de Falcão. O número dois da organização de Toni Maranelli ergueu um dos braços sobre os ombros do meu pai como se os dois fossem velhos amigos a baterem um papo e, pouco depois, desapareceram da minha vista.

Eu não tinha relógio, mas sabia que tinha se passado muito tempo desde a saída de papai, o que me botou nervosa. O galpão estava agora praticamente vazio e apenas três capangas que haviam feito parte da reunião perambulavam no local de armas em punho, como que montando guarda. Em todos aqueles anos de andanças pelas redondezas, eu sabia muito bem sair daquela região e voltar para casa a pé, mas as minhas pernas estavam pesadas de medo. Eu não me mexi do lugar até que aquela figura veio andando do lado de fora em minha direção. Hernandes tinha saído para fumar outro cigarro e baforava enquanto me dizia as palavras que jamais saíram da minha mente:

— O teu pai pediu pra eu vir te buscar, querida. Eu vou te levar até ele.

Eu estava agora ainda mais paralisada de pavor e a minha primeira reação foi arregalar os olhos e balbuciar algo que não fazia qualquer sentido.

— Ele... está... devia estar...

A mão de Hernandes tocou o meu ombro e ele me incitou a me levantar do meu assento para acompanhá-lo até o lado de fora. Ele tornou a dizer que iria me levar até onde o meu pai estava e, assim que pisei fora do galpão, olhei ao meu redor me certificando que não havia mesmo qualquer sinal de Demétrio por ali. Eu só pensava em porque ele havia me deixado naquele lugar daquele jeito tão repentino e comecei a imaginar o pior.

Eles o mataram por causa das dívidas. É isso... eles mataram o meu pai.

Quando entrei no sedan preto insulfilmado, me sentei no banco de trás e me vi sendo encarada através do espelho retrovisor pelo próprio Hernandes, percebi que não era o meu pai quem estava correndo risco naquele momento e sim eu mesma. O motorista ao lado do cafetão começou a embocar o carro em direção Oeste, entrando cada vez mais nos becos sujos da Boca do Crime, local em que eu só havia estado poucas vezes em meu trabalho de transportadora de drogas. Eu nunca tinha visto como aquilo funcionava à noite e, de repente, os meus olhos estavam sendo ofuscados pelas luzes coloridas e os letreiros em neon que brilhavam sobre a minha cabeça, deixando bem claro que tínhamos chegado ao Bairro Burlesco, o bairro da prostituição.

— O... O meu pai...?

Eu estava gaguejando e as palavras mal saíam da minha boca. O carro continuou mergulhando nos corredores estreitos por onde apenas um veículo podia passar de cada vez e logo estacionou em frente a um sobrado onde na fachada se via escrito "Le Plaisir". Eu não fazia ideia o que aquelas palavras significavam, mas sabia exatamente onde aqueles dois haviam me levado.

— Eu quero ver o meu pai agora...

Hernandes foi o primeiro a descer do carro e, ignorando totalmente o meu pedido, se encaminhou até o meu lado e abriu a porta exigindo que eu descesse. Eu mal conseguia firmar os pés no chão, mas tão logo pisei na calçada em frente aquele sobrado nojento, o homem agarrou o meu pulso e me puxou em direção ao portão que dava entrada ao Le Plaisir. Sem muita polidez desta vez, Hernandes mandou que eu subisse em sua frente um lance de escadas puídas cobertas por um tapete vermelho ordinário e eu me agarrei ao corrimão com força, não querendo mais soltar.

— Anda, garota! Continua!

Um corredor iluminado por luzes de teto tão vermelhas quanto o tapete da escada se abriu à nossa frente e a mão de Hernandes me deu um empurrão nas costas para que eu me dirigisse até o final dele. Ao longo daquela passagem estreita, havia mais quatro portas que jaziam fechadas ao meu redor e um som abafado de gemidos e gritos ecoava através delas. Eu estava em pânico e, quando me aproximei da porta ao fim do corredor contra a minha vontade, ainda tentei suplicar:

— Por favor... eu não quero entrar...

A maçaneta girou pelo lado de dentro e, no instante seguinte, vi surgir diante dos meus olhos a imagem monstruosa de Gerônimo Falcão trajando um roupão de cetim azul. Ele estava com um sorriso demoníaco no rosto e, tão logo me viu ali de olhos arregalados o encarando assustada, abriu espaço junto à porta — o mínimo de espaço possível que a sua barriga imensa permitia —, eu fui impulsionada mais vez por Hernandes e entrei no quarto aos tropicões.

entregue, chefe. Como combinado.

Hernandes fez então uma reverência movendo levemente o chapéu sobre os cabelos engordurados do lado de fora e, pouco depois, Falcão fechou a porta atrás de si passando o trinco. Cada um dos meus músculos tremia e eu estava desesperada. O quarto com aquelas luzes vermelhas foscas, a cama de casal com os lençóis de cetim e toda a mobília antiga agora me causavam uma sensação de claustrofobia. Eu não sabia o que fazer.

— Não precisa ter medo, querida.

Ao dizer aquilo, o porco gigantesco começou a caminhar lentamente em minha direção me acuando contra a cama e eu me agarrei à ilusão de que tudo aquilo não passava de um pesadelo como os descritos nos livros de Stephen King. Enquanto ele se aproximava cada vez mais, eu fazia força para acordar. Mandava que a minha mente me tirasse daquele sono profundo, que ela me libertasse daquele sonho pavoroso, mas quando ele finalmente me alcançou, percebi que nada conseguiria me despertar daquele pesadelo real.

Eu estava sozinha no pior momento da minha vida e naquele dia, todas as minhas ilusões inocentes se desfizeram diante dos meus olhos enquanto eu olhava fixamente as pás daquele ventilador de teto sobre a minha cabeça girando, girando e girando. 

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