𝓒𝓪𝓹𝓲𝓽𝓾𝓵𝓸 𝓤𝓶

𝕵á 𝖈𝖆𝖎𝖆 𝖆 𝕹𝖔𝖎𝖙𝖊 de domingo, e isso significava que eu deveria estar a caminho de casa. O dia foi intenso. Havíamos começado a coreografar uma das músicas para o próximo comeback, um processo que, geralmente, demandava bastante esforço e paciência. Recebemos diversas propostas de coreógrafos e passamos a tarde reunidos sob a liderança do Lee Know para analisar e decidir quais coreografias se encaixam melhor. Nem preciso dizer que essa tarefa pode facilmente consumir horas – e hoje não foi diferente.

Apesar do cansaço acumulado após tudo isso, eu ainda estava na empresa. Sentado no meu estúdio, verificava os ajustes na câmera enquanto lia as mensagens dos fãs no bbl. Eles estavam, como sempre, ansiosos e especulando sobre o que estava por vir.

Sinceramente, tem sido cada vez mais difícil manter as lives semanais. O fandom cresceu em uma proporção que eu sequer consigo mensurar. Embora todo artista trabalhe para ter sua arte amplamente reconhecida, esse crescimento traz um peso. Agora, qualquer coisa que eu diga ou faça é motivo de comentários maldosos, problematizações ou até hate. Às vezes, parece que até meu jeito de respirar vira pauta.

Não vou mentir, eu não dou muita bola para estes comentários. Na verdade, acho divertido analisar como a cabeça dessas pessoas funciona. Transformo as críticas negativas em combustível para seguir aperfeiçoando meu trabalho. No entanto, para a empresa, a situação é mais delicada. Já me aconselharam a reduzir as lives ou até parar de vez.

Mas eu não estou disposto a abrir mão disso. Esses momentos de conexão com o STAY são algo único que criei para interagir diretamente com meu fandom. Sou extremamente grato a eles, pois me permitem viver o sonho que sempre desejei. Aos domingos, à noite, criamos juntos um espaço especial: ouvimos música, discutimos coisas triviais do nosso cotidiano e compartilhamos situações inusitadas. Não consigo simplesmente abandonar isso.

No estúdio, o cenário à minha volta estava uma bagunça: almofadas esparramadas pelo pequeno sofá preto, copos de café acumulados nos cantos e folhas soltas com rascunhos de letras espalhadas. Resolvi dar uma organizada antes de ligar a câmera. Afinal, mesmo que só aparecesse meu tronco na transmissão, Deus me livre de deixar uma impressão desleixada. Juntei a bagunça, ajeitei as almofadas e até organizei a prateleira no canto, onde guardo todos os nossos álbuns. Embora simples, meu estúdio é um presente valioso da JYPE.

Quando olhei o relógio, vi que já eram dez horas da noite. Era o momento. Dei play em FAM, sentei-me na cadeira e ajustei um sorriso antes de apertar o botão para iniciar a live. Em menos de cinco minutos, o contador de acessos já passava da casa do milhão. Continuei sorrindo e acenando enquanto mais STAYs chegavam.

A live seguiu o padrão de sempre: respondendo perguntas casuais e compartilhando histórias do dia a dia. Em certo momento, coloquei uma música mais romântica para tocar, o que despertou especulações nos comentários. Logo, começaram a acusar: "Ele está apaixonado!". Não consegui conter o riso e brinquei:

— Qual é, pessoal, eu nunca me apaixonei.

Claro que ninguém acreditou. Resolvi continuar:

— Sério, não tenho nem tempo pra respirar, quem dirá pra me apaixonar. Além disso, vamos combinar que parece dar muito trabalho. Vocês gostam mesmo de viver sofrendo assim?

Os comentários vieram cheios de risadas e provocações, me chamando de anti-romântico. O STAY começou a insistir que eu precisava consumir mais histórias de amor. Decidi entrar na brincadeira e pedi indicações de livros e filmes, mesmo que romance não seja meu estilo. Afinal, seria divertido interagir com eles.

Entre "Um Amor Para Recordar" e "Romeu e Julieta", a tela ficou inundada de sugestões. Até que um título chamou minha atenção: "Perdida", de Carina Rissi. Repeti o nome para confirmar, e o STAY brasileiro, em peso, começou a vibrar nos comentários, praticamente implorando que eu lesse o livro. Fiz uma pesquisa rápida e descobri que ele havia acabado de ser lançado em inglês. A promessa foi feita: "Vou ler um dia".

Quando terminei a live, já passava das onze da noite. Era hora de voltar ao dormitório.


Quatorze dias passaram, e o STAY não me deixou esquecer aquela promessa. Todo dia as mensagens sobre Perdida lotaram o bbl e as redes sociais, até que tive a ideia – meio maluca – de sugerir que lêssemos juntos. O resultado? O livro esgotou em todas as plataformas possíveis, tanto em inglês quanto em português. Agora não tinha escapatória. Tinha que honrar minha palavra.

Hannah, minha irmã, conseguiu um exemplar diretamente da Austrália. Quando finalmente recebi o pacote, me vi cara a cara com um livro grosso. Na capa, uma mulher com um vestido de época e tênis All Star vermelho chamava atenção. Não parecia algo que eu leria por conta própria, mas uma promessa é uma promessa.

Me joguei no sofá branco da sala, agora mobiliada de forma impecável e refinada – uma vitória de I.N, pois se dependesse de mim, tudo teria cara de quarto de adolescente. Tirei uma foto do livro e enviei para o Bubble, gerando uma nova onda de euforia. Sem muita expectativa, comecei a virar as páginas.

Ainda nem tinha me aprofundado quando ouvi a porta do dormitório se abrir. I.N voltou para casa, trazendo Changbin e Han. Pareciam ter passado uma noite divertida.

— E aí, devia ter saído com a gente! — exclamou Changbin ao me ver. Seus olhos pousaram no livro em minhas mãos, o que rendeu uma provocação surpresa de Han:

— Eu sabia, ele tá lendo mesmo! E aí, tá gostando?

Fiz que não com a cabeça:

— Primeiro capítulo ainda. Sem opinião.

Eles riram, e I.N, enquanto caminhava para a cozinha, jogou:

— Boa sorte com isso. Parece bem sua cara ficar entediado rápido.

Ri de volta e pensei que talvez o tédio estivesse mesmo a caminho. Ou será que não?

O que inicialmente parecia ser uma leitura chata acabou me surpreendendo de maneira inesperada. Em apenas três dias, eu devorei o livro de cabo a rabo, e logo me vi à procura da continuação, que, para minha infelicidade, só estava disponível em português. Fiquei completamente cativado pela saga de Sofia – sua tentativa desesperada de voltar ao presente enquanto lutava para não se apaixonar por Ian Clarke.

O curioso é que não fui apenas eu quem se viu envolvido nessa trama; muitos STAYs também acabaram fascinados pela história, e até descobri que existe uma adaptação cinematográfica. Quem diria que um romance pudesse me conquistar tanto?

Além do fascínio pela história em si, o livro acabou despertando em mim reflexões que eu não esperava. Percebo que, afinal, dizer que eu "nunca me apaixonei" é um exagero. Lembro-me de Kate Tunder, uma garota da Austrália que frequentou a mesma escola que eu. Ela era linda – cabelos dourados, olhos claros e um sorriso gentil que iluminava qualquer ambiente. Por tanto tempo eu quis ter coragem para confessar que a achava atraente, mas minha timidez sempre foi mais forte. Nunca criei nenhuma oportunidade para isso.

Por vezes, ainda esbarro com Kate quando visito meus pais. Hannah gosta de organizar pequenas reuniões entre os conhecidos, e Kate sempre está por lá. O curioso é que nada mudou: ela continua linda, e eu sigo sendo apenas uma figura quase invisível para ela. Algumas coisas, ao que parece, estão destinadas a permanecer assim.

Houve, é claro, outros momentos. Algumas idols atraíram minha atenção no passado, e tive pequenas aventuras que incluíam beijos furtivos e algumas noites casuais. No entanto, nada dessas experiências foi, além disso – uma conexão física que terminava tão rapidamente quanto começava.

No momento, estou saindo com Julie, uma idol que debutou há pouco tempo. E, meu Deus, ela é espetacular. Toda vez que nos encontramos, sou tomado por uma mistura de fascínio e desejo. No entanto, nosso envolvimento termina no instante em que o sexo acaba e cada um retorna à sua própria vida. Não há saudade, nem apego, apenas uma satisfação momentânea.

Agora que tenho 27 anos, me dou conta de que talvez já fosse hora de ter vivido uma grande paixão – daquelas que tanto inspiram músicas quanto geram histórias lamentáveis por darem errado. Mas isso nunca aconteceu comigo. Não é que eu seja incapaz de sentir; o problema é que não consigo desenvolver esse tipo de vínculo emocional com quem me envolvo, a não ser com meus amigos.

Talvez, assim como Sofia na história que me prendeu, eu tenha nascido na época errada para encontrar minha "alma gêmea". Às vezes, me pego imaginando que tipo de pessoa ela seria, caso existisse. Culpa do maldito livro, que plantou essas ideias na minha cabeça. Não que isso realmente importe. Ao menos, todos os outros membros do grupo já viveram suas paixões e se magoaram – sempre com histórias recheadas de lágrimas e términos dolorosos.

A mim, no entanto, tais experiências permaneceram distantes. Até porque, antes de qualquer coisa, há ainda a questão da empresa. Eles proíbem qualquer relacionamento sério e fariam de tudo para me convencer de que o amor é incompatível com o meu trabalho.

Sim, eu admito, sou emocionado. Às vezes, gostaria de ser o Bang Chan idealizado pelos STAYs nas fanfics espalhadas pelo Wattpad e outras redes sociais de fanfic. É engraçado como sempre sou retratado em extremos: ou me transformam em um dominador, ou em alguém perdidamente apaixonado. Mas, em praticamente todas as versões criadas pela "delulagem" do fandom, há uma constante – eu me apaixono por alguém e movo mundos e fundos por essa pessoa.

Só que talvez meu par ideal seja, na verdade, uma personagem fictícia. Quem sabe, a própria Sofia, com sua personalidade instigante, ou até mesmo a Nami, de One Piece, que também carrega características que poderiam atrair alguém como eu. Ou, olhando sob uma perspectiva mais realista, o grande amor da minha vida é meu trabalho. Minha música, o Stray Kids e tudo o que construímos juntos. Esses talvez sejam os únicos vínculos capazes de ocupar, com plenitude, o espaço que muitos reservariam para um romance.

Nem todo mundo precisa de um amor no sentido físico ou carnal. Coisas que me trazem felicidade e completude podem muito bem ocupar esse lugar. Sempre que um vazio aparece, quando a carência bate ou os desejos carnais falam mais alto, eu sei como lidar. Afinal, eu nunca disse que era santo, não é? Porque, no fim das contas, sexo casual, todo mundo faz.


Bbl- abreviação da palavra "bubble" que significa bolhas. É um aplicativo pago para fãs onde idols mandam mensagens para esses fãs e interagem com eles.

FAM - Música do Stray Kids escrita por Bang Chan, Changbin e HAN onde a cada verso eles apresentam um membro do Stray Kids. A música foi lançada originalmente em japonês sendo lançada mais tarde em coreano para um album especial feito para os fãs do grupo.

Carina Rissi - Carina Rissi é uma escritora brasileira de ficção. Ela adquiriu proeminência pela famosa série de livros Perdida e é autora de outros best-sellers como Procura-se um marido e No mundo da Luna.

Sofia, Ian Clarke - Ambos personagens principais do livro "Perdida" de Carina Risse.

Delulagem: expressão criada que vem de Delulu. Giria muito usada no fandom kpop como uma pessoa que sonha demais com idols em diversos cenários, em sua maioria sonham com o idol sendo namorado dessas pessoas.

One Piece - One Piece é uma série de mangá escrita e ilustrada por Eiichiro Oda que conta a saga de Monkey D. Luffy e sua tripulação, tendo uma legião de fãs por todo mundo







Alguém aqui já leu "Perdida"?

Ótimo livro, super indico

Bjs em vossos corações e até o próximo capítulo ❤️

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