𝓒𝓪𝓹𝓲𝓽𝓾𝓵𝓸 𝓼𝓮𝓲𝓼
𝕻𝖆𝖘𝖘𝖊𝖎 𝖆 𝖓𝖔𝖎𝖙𝖊 𝖎𝖓𝖙𝖊𝖎𝖗𝖆 atormentado por pesadelos. Via repetidamente o carro, o acidente e a cena de mim mesmo afundando em alto-mar. Era como se algo me puxasse sem que eu pudesse reagir ou mudar o resultado. Aquela sensação de impotência era insuportável. Tudo o que eu queria era respostas, mas estou à deriva do destino, sem nenhuma explicação clara de por que ou como cheguei ali.
Quando abri os olhos, o brilho do sol refletiu pela janela, deixando o quarto levemente azulado. Com um gesto lento, passei a mão pelo rosto e me sentei, só então percebi que ainda estava com as roupas que usava no dia anterior. Espreguicei-me, sentindo os ossos estalarem e uma leve dor no corpo, resultado de uma noite de sono mal dormida.
O suor escorria em minha pele, e eu sabia que precisava de um banho urgente. Contudo, era um tanto desconfortável pensar em deixar o quarto, já que eu não fazia ideia de como as coisas funcionavam ali. Enfrentar aqueles corredores intermináveis só para descobrir onde havia um banheiro não era nada animador. Porém, à medida que a sensação física ficou mais urgente, percebi que não tinha escolha. Afinal, eu duvidava que, naquela época, houvesse qualquer coisa semelhante aos banheiros modernos e dentro de casa.
Suspirando, decidi enfrentar a situação. Saí do quarto com passos hesitantes, explorando os corredores escuros. Era provável que estivesse muito cedo e talvez não tivesse ninguém para acender os castiçais ou qualquer outra fonte de iluminação. Apesar disso, uma penumbra permitiu que eu visse o suficiente para me orientar.
Por fim, localizei as escadas principais e desci até o térreo. Deduzi que a área dos funcionários era nos fundos da mansão, então segui essa direção. Com alguma sorte, talvez encontrasse Natalie, que poderia me ajudar a resolver meu problema. De repente, as vozes começaram a ecoar pelo ambiente, e logo avistei algumas figuras. A princípio, era difícil dizer quem era, mas logo ficou claro que eu havia chegado aos locais destinados aos empregados.
Os olhares curiosos me acompanharam enquanto eu atravessava o espaço. Era óbvio que as pessoas ali se perguntavam quem eu era e o que fazia naquele local. A julgar por suas expressões, imaginavam que eu fosse alguém importante, mal sabem eles que sou apenas uma marionete do Arthur.
Ao entrar na cozinha, reparei em duas grandes mesas cobertas por forros azuis. Ao redor delas, várias pessoas trabalhavam, ocupadas com o preparo de alimentos. Todos interromperam o que fizeram para me observar com curiosidade, como se eu fosse algum tipo de criatura exótica. Fiquei sem jeito, tentando entender quem poderia me ajudar.
— O que o senhor faz aqui? — Disse uma senhora negra de expressão gentil.
— Eu... preciso de ajuda — balbuciei de forma insegura.
— Ora, mas este lugar não é adequado para alguém como o senhor. Alguém aqui, ajude-o! — Ela falou com firmeza, o que me deixou ainda mais constrangido. Pelo jeito, pensam mesmo que eu era alguém de alta importância.
— Chris? — Uma voz familiar chamou minha atenção. Natalie surgiu de um canto qualquer, com seu inconfundível sorriso. Dessa vez, ela vestia um vestido branco repleto de babados, que, embora simples, destacava ainda mais sua beleza. Seu cabelo volumoso estava solto, ressaltando suas feições marcantes. Era difícil não notar sua presença — o que você está fazendo aqui?
Os funcionários, que antes eram intrigados apenas comigo, agora observavam Natalie com igual curiosidade, especialmente depois de ela ter falado comigo com tanta informalidade. Fiquei satisfeito de encontrá-la, era mais fácil me comunicar com ela.
— Eu preciso de ajuda — disse baixinho ao me aproximar.
— Tá, eu te ajudo — ela respondeu com um sorriso simpático. Então, encarou os outros ao redor, que ainda nos observavam sem disfarçar a curiosidade — relaxa, gente, ele é dos nossos. Vai trabalhar para Sr. Evergreen também.
— Hm, engomadinho desse jeito? — um homem comentou em um canto, me fazendo reparar no estado das minhas roupas. Estavam visivelmente amarrotadas após eu ter passado a noite com elas, mas ainda exalava riqueza, diferente das dele, que eram mais simples.
— Relaxa, Otto, ele não é como eles — Natalie rebateu com bom humor antes de se voltar novamente para a senhora que foi gentil. — Bom dia, Arlen.
— Bom dia, senhorita Nat — a mulher respondeu sorridente antes de retornar ao trabalho, criando um efeito em cascata enquanto todos voltavam às suas atividades.
Natalie pegou minha mão e me deixou para fora da cozinha. Certamente, seria menos constrangedor explicar minha situação ali, na frente de tantas pessoas.
— Deixa eu adivinhar... tá precisando ir ao banheiro? — ela disse de forma descontraída enquanto caminhávamos.
— Como você sabe? — indaguei, surpreso.
— Você tá andando todo desengonçado. Parece alguém apertado pra ir ao banheiro.
Seguimos por uma trilha de pedras que nos levaram até uma casinha de madeira, simples e afastada da mansão. Assim que a vi, percebi que não seria necessária qualquer explicação. Eu havia estudado história e sabia exatamente o que aquilo era.
— Deixa eu adivinhar, os banhos também são arcaicos assim? — perguntei e Nat riu.
— Banho? As pessoas aqui não tomam muitos banhos. Estamos na primavera, então o clima é mais agradável, mas geralmente é muito frio. Mesmo assim dá muito trabalho preparar banhos aqui, tem que esquentar agua e tudo. No geral eles só se limpam com toalhas úmidas e banhos ficam mais restritos para épocas mais quentes ou quando realmente precisam.
— Já esperava por isso. Deixe me cuidar dos meus problemas — disse abrindo a portinha da casinha.
— Se divirta — Natalie brincou, soltando uma risada bem-humorada.
— Obrigado pela gentileza — rebati com um sorriso sem graça.
Ela fez uma pequena reverência, segurando a barra do vestido de forma teatral, antes de me deixar sozinho. Já dentro da casinha, fui surpreendido pelo cheiro desagradável, embora não fosse diferente do que eu esperava. Afinal, as coisas eram precárias naquele tempo.
Concluí minhas necessidades e, enquanto abotoava a calça, uma estranha sensação de déjà vu tomou conta de mim. Alguma coisa naquele ambiente parecia familiar, mas de uma forma inexplicável. Fechei os olhos e forcei a memória, até que um lampejo me veio à mente.
Saí da casinha meio cambaleante, tão confuso quanto inquieto. A expressão curiosa de Natalie encontrou-me imediatamente.
— O que foi isso? — ela disse, surpresa com meu estado.
— Por acaso, você já leu um livro chamado "Perdida"?
— Provável que não. Odeio ler, gosto mais de filmes.
— É que... bem, nesse livro acontece exatamente isso. A protagonista volta no tempo, para o século XIX, e tem uma cena igual a esta, dela tendo que usar um banheiro desses — murmurei, ainda tentando assimilar tudo.
Me senti um completo idiota por não pensar nisso antes. Eu li o livro duas vezes, refleti sobre a minha incapacidade de me apaixonar, mas sequer cogitei que a história pudesse ter alguma relação com o que estava acontecendo comigo.
— E se, para sair daqui, precisamos seguir a mesma jornada da personagem principal? Encontrar o amor verdadeiro? — perguntei, puxando pela memória toda a trajetória da protagonista até finalmente conseguir retornar ao seu tempo.
Natalie me lançou um olhar intrigado e, logo, começou a rir alto, como se eu tivesse acabado de contar a maior das piadas.
— Ah, Chris, pelo amor de Deus! Só falta me dizer que foi uma fada madrinha que levou ela pro passado! — provocou, ainda rindo.
— Não ironicamente, tem uma fada madrinha mesmo... me chamou de Chris? — arqueei uma sobrancelha, curioso por ela estar me tratando tão informalmente desde o dia anterior.
— Não posso te chamar de Chris? Christopher é muito longo.
— Tudo bem... Mas Natalie também é comprido, então, a partir de agora, é só Nat.
Ela sorriu de leve e retomou o caminho em direção à casa. Conversar com Natalie tornava os momentos mais leves, quase ajudando a dissipar a ansiedade que havia me consumido antes. Em questão de minutos, já estávamos cruzando as escadarias da mansão.
Mas nosso bom humor se desfez assim que vimos Dália parada, nos assistindo com uma expressão serena. Vestia um traje branco adornado por uma delicada faixa azul amarrada na cintura, que lhe dava um ar de elegância.
— Senhorita Eithar! Não deveria estar com Florence, ajudando-a? — Sua voz soou educada, mas firme, enquanto um sorriso suave permanecia em seus lábios — bom dia, Sr. Bahng. Espero que tenha tido um bom descanso.
— Estou bem, obrigado — respondi, acenando levemente com a cabeça. Então, meu olhar pousou sobre Natalie, que imediatamente assumiu uma postura submissa. Aquela mudança brusca me incomodou bastante.
— O Sr. Bahng precisou de ajuda, e eu estava orientando-o sobre como resolver sua questão. Se me derem licença, Florence me espera — Natalie inclinou levemente a cabeça em um gesto de respeito antes de se afastar.
Apesar do sorriso habitual de Dália, não parecia estar mesmo sendo gentil. Depois que Natalie passou, ela segurou meu braço e começou a me conduzir pela mansão.
— O médico já chegou e irá examiná-lo antes do desjejum. Venha, estamos todos preocupados com a vossa saúde — disse gentilmente.
Fui levado ao meu quarto, onde um homem alto e barbudo me esperava. Sem delongas, Dália nos deixou a sós. Em seguida, o médico passou a examinar meus sinais vitais com técnicas que me surpreenderam por sua similaridade aos métodos de saúde do meu tempo. Curioso como certas práticas parecem sempre transcender os séculos.
Após garantir que eu estava em perfeito estado de saúde, o homem se retirou. No entanto, Dália logo reapareceu, pegando meu braço com delicadeza e guiando-me pelos corredores enquanto falava sem pausa.
— Foi um enorme alívio saber que a vossa saúde encontra-se robusta. E, sem dúvida, todos nós estamos transbordantes de entusiasmo com a notícia feliz de que vós e a senhorita Layla unir-se-ão em matrimônio.
Apenas sorri sem ânimo nenhum. Ainda estava tentando processar a ideia de que, para escapar dali, precisaria ser forçado a me unir a alguém. No livro "Perdida", Sofia não teve essa obrigação para voltar ao seu tempo.
Chegamos à sala de jantar e avistei a mesa já preparada para o café da manhã. Natalie estava ali, ao lado de Florence, que tagarelava sobre algum assunto que parecia importar apenas a ela. Notei que os cabelos de Natalie estavam parcialmente presos com uma fita branca. Na verdade, todas as mulheres da casa andavam com os cabelos presos ou parcialmente presos quando estavam na presença de todos. Sorri rapidamente para ela, mas, para minha surpresa, Natalie me ignorou. Estranho.
Me sentei ao lado de Nathan, que devorava seus ovos mexidos com entusiasmo.
— Bom dia, Sr. Bahng. Parece que o médico já o examinou — comentou Arthur, sem sequer desviar os olhos do jornal que segurava.
— Sim, está tudo perfeitamente bem com ele. O estimado Sr. Tomaz realizou todos os procedimentos necessários e confirmou a excelente saúde do Sr. Bahng.
— Como você veio parar aqui? — perguntou Nathan, com curiosidade.
Sorri sem jeito, respondendo:
— Acredite, eu também adoraria saber.
Arthur, ainda focado no jornal, fez uma observação mais prática.
— Estas terras já conheceram tempos de maior segurança. A meu ver, Sr. Bahng, vós fostes vítima de um ato de violência e, atualmente, enfrenta um lapso de memória.
Não era como se ele fosse acreditar, na verdade, então preferi simplesmente concordar.
— É, pode ser.
Um funcionário se aproximou, pronto para me servir chá, mas recusei gentilmente, pegando o bule de sua mão e despejando o líquido na xícara por conta própria. Essa atitude simples, que deveria passar despercebida, foi suficiente para criar um momento de estranhamento. Percebi que todos à mesa me observavam como se eu tivesse quebrado algum tipo de regra sagrada.
— Obrigado — falei para o funcionário que estava com o bule, devolvendo-o a ele.
Ele sorriu, timidamente, antes de seguir em frente. Contudo, minha atitude pareceu encontrar aprovação em Natalie, que esboçou um sorriso discreto, mas a desaprovação do restante.
Depois do desjejum, Arthur me levou ao seu escritório para uma conversa sobre seus negócios. Fiquei sabendo que ele era duque e que, embora sua linhagem fosse real, ele estava longe da sucessão ao trono. Seu principal empreendimento residia em sua frota marítima, mas ele também negociava cavalos, atividade central naquela propriedade de Bristol.
Sua narrativa parecia infinita, e precisei inventar uma desculpa — o cansaço e a necessidade de um banho — para escapar. Ele prontamente ordenou que meu banho fosse preparado no quarto.
Com isso, tentei voltar sozinho, mas me perdi de novo nos corredores labirínticos da mansão. Já cansado, quase gritei por ajuda, quando notei uma borboleta-azul voando em um dos corredores. Por algum motivo, senti o impulso de segui-la.
A borboleta me levou até um corredor ornamentado com belíssimas pinturas a óleo. Ela pousou na moldura de uma em particular, e, intrigado, me aproximei. Era o retrato de uma jovem de pele escura e olhar marcante. Vestia um longo traje creme cheio de babados e segurava algumas flores com delicadeza. Seus cabelos, parcialmente presos em um penteado elaborado, contrastavam com o azul vibrante dos olhos que haviam sido cuidadosamente pintados. Baixei o olhar até a plaquinha dourada na moldura e li o nome: Layla Alicia Evergreen.
Então, aquela era a sobrinha de Arthur, Layla, a quem ele tanto desejava que eu me casasse. Não consigo entender por que estavam tão determinados em apressar o casamento dela. Afinal, ela tinha apenas dezesseis anos, idade em que deveria estar se dedicando a preocupações leves, típicas de adolescentes, e não à responsabilidade esmagadora de um matrimônio.
Era desconfortável pensar como, naquela época, tantas meninas eram forçadas a se casar, mesmo sem a maturidade necessária para lidar com essa situação. Ainda assim, há quem sonhe em ter nascido neste século, mas, para mim, parecia apenas cruel.
Senti um peso no peito ao considerar que precisaria levar ela na conversa, para manter as aparências. A ideia de iludi-la me incomodava profundamente, mas ficar preso ali era algo que eu também não podia suportar. Passei a mão pelo rosto, desgastado pela situação. Tem que ter outra maneira de escapar daquela realidade sem descer ao nível de manipular uma adolescente.
A borboleta-azul continuava a traçar sua rota pelos corredores sinuosos e, sem refletir muito, a segui pela mansão até finalmente encontrar o meu quarto. Assim que ela entrou, passou diretamente pela janela e levantou voo. Era algo estranho, mas antes que eu pudesse pensar no significado daquela borboleta, ouvi passos e me virei para encontrar quatro mulheres aproximando-se, cada uma carregando baldes de água que, pelo aspecto, pareciam pesados.
— Deixem-me ajudá-las, senhoritas — ofereci, sorrindo.
As mulheres trocaram olhares incrédulos, como se minha atitude fosse algo fora do esperado. Peguei dois dos baldes de madeira, que estavam realmente pesados, e adentrei no quarto. Lá, encontrei a governanta acompanhada de outra funcionária, que mexia em uma banheira já sendo preenchida.
— Sr. Bahng? — A governanta ergueu o olhar, surpresa ao me ver carregando os baldes.
Derramei a água na banheira, esvaziando primeiro um balde, depois o outro. Retornei rapidamente para buscar mais e repetir o processo com os dois últimos recipientes. As mulheres agradeceram com pequenas reverências antes de seguir com o que estavam fazendo.
— Colocamos sais de banho na água para o vosso relaxamento. O sabonete está bem aqui, e há vestes limpas separadas para o senhor. Haveria algo mais que desejais? — perguntou a governanta, com a mesma postura educada de sempre.
— Não, obrigado. Qualquer coisa eu chamo — respondi.
Após sua saída, perdi pouco tempo e entrei na banheira. As banheiras daquele período, ao que parece, mantinham o calor da água por pouco tempo, e eu não era o tipo que enfrentaria um banho frio por livre e espontânea vontade. Terminei rapidamente e, ao vestir a roupa deixada para mim, precisei observá-la com mais atenção.
Era composta por uma calça social clara, uma camisa de tom creme, um colete que fazia par com a calça, além de um casaco e um lenço que, claramente, servia como gravata. Tentei amarrá-lo, mas, como esperado, fui incapaz de fazer algo decente, embora tenha arriscado. O casaco era curto na frente e mais comprido atrás. Finalizei o visual com botas que ficaram um pouco grandes nos pés.
Ao me fitar no espelho, não contive uma risada. Parecia ter saído de um filme de época. Decidi me aproximar da janela, de onde uma brisa agradável soprou em meu rosto. A paisagem diante de mim era digna de uma pintura: vastos campos verdes que se conectam com o céu azul cristalino. Por um momento, senti um desejo de sair da mansão e explorar os arredores, de mergulhar naquele cenário tão pacífico e distinto do que eu conhecia.
Deixei meus pensamentos me guiarem e caminhei pelo corredor, desta vez acertando o caminho até as escadas. Começava a me familiarizar com a arquitetura do lugar. Nos fundos da mansão, fui agraciado por um belo jardim repleto de esculturas, fontes e estufas. O espaço parecia interminável e claramente exigia uma fortuna para ser mantido. Segui sem rumo, apenas deixando os pés me levarem pelos prados verdes que se estendiam além dos limites formais da propriedade.
À medida que caminhava, fui tomado por uma tranquilidade inesperada. O céu jamais parecera tão claro, e o ar, incrivelmente puro, era carregado pelo leve aroma de ervas que cresciam pelo caminho. O som dos pássaros era relaxante, e o clima descontraído parecia contagiar todos os funcionários, que me lançavam sorrisos educados à medida que passavam. Era um contraste gritante com o ritmo caótico e a impessoalidade da minha época.
Saí dos limites da propriedade e me vi em uma trilha sombreada por belas árvores. Depois de um longo percurso, saí do bosque e fui surpreendido por um penhasco. A vista era de tirar o fôlego. Ao longe, pássaros sobrevoavam em formação, enquanto as ondas majestosas quebravam lá embaixo, compondo um cenário tão perfeito que poderia ter facilmente saído de um quadro renascentista.
Enquanto admirava a cena, passos sutis me despertaram dos pensamentos. Virei-me e avistei Natalie se aproximando. Seu vestido azul-claro balançava com o vento, deixando-a ainda mais encantadora. O casaco preto que cobria seus ombros contrastava de forma harmoniosa com sua pele, enquanto seus cabelos cacheados dançavam de forma desordenada, mas sem perder um toque charmoso. Com um sorriso cúmplice, caminhou até mim.
— Então você encontrou o meu local secreto — disse ela, mantendo o tom descontraído de sempre.
— Secreto? Olha o tamanho desse lugar! Nada disso é secreto — retruquei um tanto implicante, levando-nos a uma risada espontânea.
Após isso, o silêncio se instalou. Ficamos apenas contemplando a beleza ao nosso redor. Não era todo dia que alguém podia apreciar uma vista como aquela.
— Por que trocou de roupa? Vai a algum lugar? — perguntei, sem esconder minha curiosidade. Quando a vi, trajava um vestido branco.
— Florence derrubou maquiagem em mim. Precisei vestir outra coisa. E você, hein? Todo pomposo com esse visual de nobre.
Sorri timidamente e o silêncio voltou a reinar, enquanto continuávamos apenas observando o horizonte e ouvindo o mar quebrar nas pedras lá embaixo.
— Esse lugar me deixa em paz — comentou ela, com os olhos perdidos na paisagem — me faz pensar que talvez viver aqui não seja assim tão ruim.
— E quanto tempo dura esse sentimento? — perguntei, rindo em seguida.
Natalie me lançou um olhar divertido e percebi mais uma vez como ela era cheia de nuances. Seu rosto pequeno, o nariz levemente pontudo e o olhar perspicaz que irradiava um charme natural davam a impressão de que ela seria popular onde quer que estivesse.
— O que está olhando? — questionou, notando minha observação mais longa.
— Nada... Nat, estava pensando... Qual sua última lembrança antes de parar aqui?
Ela franziu o cenho por alguns segundos e, em seguida, respondeu:
— Acho que estava no meu apartamento. Ouvi gritos, vi fumaça e, depois, tudo ficou escuro. Quando dei por mim, estava aqui.
— Fumaça? Tipo, um incêndio?
— Sim. No início, achei que estava morta. Mas algo me dizia que não era isso. Se não for magia, eu vou partir para a teoria de alienígenas.
Ri alto diante daquela ideia absurda, enquanto ela me observava com um sorriso satisfeito.
— E você rindo da minha teoria da fada madrinha.
— Aliens são mais possíveis do que uma fada.
— E eu também achava que viagens no tempo eram coisa de ficção científica.
— Ainda é provável que a fada madrinha — ela me olha com desdém.
— Qual seu problema com fadas madrinhas? — arqueei a sobrancelha, me divertindo com suas expressões.
— Porque aí a gente estaria em algum roteiro da Disney, e teríamos um vilão bem carismático e algum tipo de poder. Aqui temos os Evergreen e eles não são nada carismáticos e nenhum de nós tem poder, só fomos dois fodidos que de alguma forma estão presos no passado.
Ela falou tão rápido e com uma cara tão séria que nem parece que acredita em bruxos asiáticos e em alienígenas. Ficamos em silêncio, observando o mar azul adiante, até que decidi compartilhar com ela a similaridade de nossas últimas lembranças até chegarmos ali.
— Antes de parar aqui, salvei um garoto de um atropelamento. Acho que acabei sendo atropelado no lugar dele — contei, enquanto uma preocupação súbita tomava conta de mim. Só conseguia torcer para que o menino estivesse bem.
— Você deu a sua vida por um garoto? — perguntou Natalie, me lançando um olhar incrédulo.
— Ah, sabe como é... vi a situação e não consegui simplesmente virar as costas — respondi com um sorriso tímido.
— Na verdade, eu não sei como é — admitiu, sua expressão adquirindo um tom misterioso. Depois de um breve silêncio, ela continuou — sempre fui sozinha, sabe? Nunca tive alguém que se importasse comigo de verdade. Acho que, por causa disso, aprendi a não me importar também. Até mesmo no meu trabalho, eu nunca liguei para nada que não fosse eu mesma. Confesso que fui muito rude com algumas pessoas, sempre pensando primeiro nos meus interesses.
Ela pausou, como se considerasse suas palavras, e eu não soube ao certo como responder. Seus olhos se voltaram para mim com certa hesitação, enquanto sua voz saía quase como um sussurro:
— Deve achar que eu sou uma pessoa horrível, né?
— Não, eu não acho isso — falei, com firmeza e sinceridade — na verdade, eu te vejo como alguém que precisou se virar sozinha desde cedo e que aprendeu a se proteger do jeito que conseguiu. Não tem nada de errado em pensarmos em nós mesmos às vezes, mas, sabe, a empatia é essencial. Acho que é um dos sentimentos mais bonitos que o ser humano pode ter.
Enquanto ela absorvia minhas palavras, decidi aliviar o clima com um toque de brincadeira.
— E não se preocupe, Elsa. Mesmo que o seu coração seja de gelo, isso não faz de você a pior pessoa do universo.
Ela soltou um sorriso leve, desviando os olhos momentaneamente, antes de retrucar:
— Talvez você tenha razão. Mas vou te dizer: se eu tivesse os poderes da Elsa, esse lugar seria muito mais interessante.
— Ia tocar o terror por aqui? — perguntei, entrando na brincadeira.
— Ah, claro! Por aqui, somos fãs de um pouquinho de caos — brincou, com um brilho travesso nos olhos — Não sou sonserina à toa.
— Bem que te achei parecida com a Bellatrix. Vai sair por ai pulando e matando o Sirius Black também?
— Diva incompreendida.
Rimos juntos, e naquela risada compartilhei algo mais profundo. De repente, o mundo pareceu desacelerar. Mais uma vez, fui fisgado pelos olhos de Natalie, e algo neles me prendeu.
Havia um mistério profundo na forma como ela me olhava, um enigma que parecia abrigar segredos ainda não revelados. Era como se seu olhar conversasse diretamente com alguma camada escondida da minha alma, algo tão íntimo e único que se tornava quase hipnótico.
O pensamento surgiu sem que eu pudesse evitar: "Eu adoraria desvendar todos os segredos que seus olhos escondem." Ela era como um livro por ler, e só de pensar nas possíveis histórias e sentimentos que encontraria ali, eu me sentia ansioso e intrigado.
Olhar para ela, naquele momento, me fez vacilar em meu propósito de ir embora. Talvez valesse a pena ficar e não arriscar ficar longe desse olhar.
Disney - A Disney, oficialmente conhecida como The Walt Disney Company, é uma das maiores e mais conhecidas empresas de entretenimento do mundo. Foi fundada em 1923 por Walt Disney e Roy O. Disney. É famosa por seus filmes de animação, personagens icônicos, parques temáticos, programas de televisão e, mais recentemente, por suas aquisições de outras grandes empresas, como Pixar, Marvel, Lucasfilm (Star Wars) e 20th Century Fox.
Elsa - é um personagem icônico do filme de animação da Disney "Frozen", que foi lançado em 2013. Ela é a Rainha de Arendelle e possui poderes mágicos para controlar e criar gelo e neve. Elsa é conhecida por sua famosa canção "Let It Go" ("Livre Estou", na versão brasileira), que se tornou um grande sucesso.
Sonserina - no original em inglês Slytherin , é uma das quatro casas da escola de magia e bruxaria de Hogwarts, no universo de Harry Potter, criado por J.K. Rowling. As outras três casas são Grifinória (Gryffindor), Lufa-Lufa (Hufflepuff) e Corvinal (Ravenclaw). Cada casa tem suas próprias características e valores distintos.
Bellatrix e Sirius Black - são dois personagens do universo Harry Potter. Bang Chan fez uma piada usando a clássica cena em que Bellatrix sai pulando e cantando "eu matei Sirius Black", fazendo uma comparação já que Bellatrix e Nat tem cabelos cacheados.
Oi pessoal, quanto tempo!
Estão gostando da história? Me contem aqui, estou curiosa para saber
Até o próximo capítulo
Bjs 🩷
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