4 - Eu nunca comi carne mal passada (Parte 3)
Então tudo foi combinado.
Felicity aceitara tudo melhor do que o imaginado.
Eu pensara em formas boas para agradá-la.
Summer me dera um ótimo exemplo de local para o encontro.
O horário chegou mais rápido do que eu imaginara.
Eu estava nervoso.
Mas só um pouquinho.
Quase nada.
Felicity apareceu em um vestido amarelo, fazendo-me sorrir. Estava bonita, só que de uma forma diferente da que eu via nas outras garotas. Foi engraçado pensar assim. Ela parecia nervosa ao me avisar que precisava voltar para casa às 10 horas daquela mesma noite, mas não dei muita atenção para isso. Não naquela hora.
Burro como sempre, Franklin Thompson!
Bem.
Seguiremos.
Ou tentaremos.
Enfim.
Felicity me acompanhou em silêncio durante todo o percurso, fato responsável por me deixar com uma pulga atrás da orelha. Essa garota não parecia saber o que era silêncio dois dias antes, quando falara feito um papagaio brasileiro. Seria daquelas que fala demais quando nervosa? Ou o nervosismo apaga sua linda voz? Gostaria de saber. Descobri a resposta para isso dias depois, mas permaneci no escuro naquele dia. Eu tentei iniciar uma conversa entusiasmada, mas apenas ganhei um sorriso nervoso por parte dela. Acontece. Bem, não comigo, mas já ouvi dizer que acontece. Há uma primeira vez para tudo! E as primeiras vezes podem ser muito boas.
Eu esperava que esse fosse o meu caso.
Levei Felicity a um restaurante que tinha carnes como especialidade. Ideia de Summer? Talvez. Estava sedento por um bife mal passado, do jeitinho que pedia, principalmente, quando viajava para o Brasil. A carne do Brasil é uma das melhores que já comi, aliás. Voltando... Felicity torceu o nariz quando mencionei meu desejo. Estávamos frente a frente em uma mesa para casais... Não que fôssemos um casal. Longe disso! Casal é apenas uma palavra que algumas pessoas usam para dizer que há um homem ao lado de uma mulher. Ou dançando com uma mulher. Ou conversando com uma mulher. Ou saindo com uma mulher. Ou dormindo com uma mulher. Coisas assim!
— Você não gosta de carne mal passada? — Perguntei, entortando a boca ao rejeitar a ideia. Não consigo me lembrar de alguém que realmente não gostasse de carne mal passada.
— Não é isso. — Olhou para o teto e depois para mim. — Não lembra do nosso jogo?
— Jogo? — Naquele momento percebi algo terrível. Estava bêbado demais na noite em que conheci Felicity, por isso muitas memórias estavam cortadas ou confusas. Não lembrava exatamente de um jogo, mas de uma conversa controversa.
— O jogo no qual disse que nunca comi carne mal passada. — Suspirou, como se decepcionada com meu aparente esquecimento. — Você não parece lembrar de muitas coisas daquela noite, Logan.
— Desculpe. — Suspirei, igualmente decepcionado comigo. — Fico meio fora do ar quando bebo demais. — Admiti algo que nunca admitira para ninguém. Na verdade, irritava-me apenas pensar nessa possibilidade. Então por que eu estava contando justamente para Felicity? Acho que soltei coisas assim por ter quase certeza de que nunca mais a veria novamente. Moramos em cidades diferentes, afinal de contas. Não era como se fôssemos nos esbarrar em cafés pequenos periodicamente.
— Percebi. — Olhou para as próprias mãos. — Não gosto muito de pessoas que bebem.
Caí no conceito de Felicity, ao que tudo indica.
— Por quê?
Ela respondeu dando de ombros. Não parecia querer falar sobre o assunto. Não insisti, mesmo porque nossa conversa foi interrompida por garçom jovem.
— Boa noite. — Ele deu um sorriso educado e observou Felicity, entretida com o guardanapo de pano. Não o culpo por admirá-la. A iluminação do lugar dava um brilho diferente à garota. — Já sabem o que vão pedir ou preferem olhar o cardápio?
— Já.
— Cardápio.
Felicity e eu dissemos coisas muito diferentes ao mesmo tempo. Isso pareceu divertir o garçom.
— A melhor carne da casa. — Disse, preocupando-me minimamente com o preço do prato. — Mal passada. — Completei, desagradando Felicity mais uma vez. Que garota difícil!
— Para os dois?
— Não.
— Sim.
Dissemos opostos em uníssono, novamente. Quase como se ela fosse o dia e eu a noite. Interessante!
— Sim? — Ele me olhou e eu concordei. — Certo. E para beber?
— Água. — Felicity respondeu rispidamente, como se evitando que eu a contrariasse.
— Vinho branco. — Pedi, dizendo o nome de uma marca qualquer em seguida. Era um dos poucos nomes que George me ensinara. E quer saber de uma coisa? Como estivera no Brasil meses antes, quase pedi uma caipirinha. O garçom nem deve saber o que é uma caipirinha! Vi Felicity franzir o cenho e segurei o riso. Ela é muito diferente das outras garotas com quem já saí. — Eu vejo seu desagrado, mocinha. — Comentei quando o garçom saiu.
— Eu falei uma coisa e você simplesmente desconsiderou!
— Não desconsiderei! Vou beber pouco.
— Vocês sempre dizem isso. — Bufou.
— Vocês?
— É.
— Vocês quem?
— Vocês. — Olhou para as mãos. — Alcoólatras. — Disse baixinho.
— Eu não sou alcoólatra! — Protestei no exato momento em que meu vinho chegou. Agradeci ao garçom e tomei um gole, apreciando o gosto suave e, ao mesmo tempo, forte das uvas fermentadas. George me ensinou a apreciar um bom vinho.
— Não? — Ela olhou para a minha taça.
— Isso é beber socialmente. — Expliquei, incomodado com sua insinuação.
A garota sorridente deu de ombros. O sorriso parecia sarcástico, mas não tive como ter certeza. Ela deu um gole em sua água.
— Seus pais também bebem socialmente? — Ela perguntou com uma curiosidade genuína. Foi a minha vez de dar de ombros, ignorando completamente o rumo da conversa. Felicity pareceu perceber meu desconforto. — Então... — Ela olhou do seu copo d'água para mim.
— Então?
— Então... — Ela arrumou o guardanapo em seu colo. — A câmera da sua amiga funcionou?
— Perfeitamente. — Sorri, mesmo que estivesse mentindo. Eu não vira Rebeca com a câmera ainda. Apenas devolvera.
— Que bom! — Ela deu um sorriso enorme, parecendo orgulhosa de seu próprio trabalho. — Parece que estou ficando cada vez melhor nisso!
— Bom saber... — Olhei para a minha taça, pensando em algo para dizer. — Você nunca bebeu nada alcoólico?
— Não.
— Por quê?
— Não tive interesse. — Olhou em meus olhos. — Por que se interessou pela bebida?
— Meus amigos bebiam e bebem. — Respondi de forma automática. E depois me senti um idiota. Que tipo de resposta é essa? Que cara diz que começou a beber porque os amigos bebiam? Isso é tão patético! E tão real ao mesmo tempo! Eu sou tão babaca por ser um seguidor de ceitas.
— Logan. — Felicity disse. Olhei para meus dedos percorrendo um caminho pela taça de vidro. Eu comecei mesmo a beber por causa dos meus amigos? E por que nunca considerei isso antes? — Logan? — Por que eu estava contando essas coisas para Felicity? Não era como se estivesse bêbado há dois dias. — Logan? — Nem como se eu estivesse bêbado por um gole. Aliás, bebi outro gole ao pensar nisso. — Logan! — Senti a mão da garota sobre a minha, que se encontrava no centro de mesa. Sobressaltei-me.
— Sim? — Pisquei algumas vezes e acabei soltando uma de minhas pérolas sujas: — Por um momento esqueci que meu nome era Logan.
Até porque esse não era meu nome!
— Só você mesmo! — Ela riu com gosto. Sua frase parecia indicar que me conhecia muito bem, o que estava longe de ser verdade. — Bem, como eu dizia... — Ela olhou para baixo e então para mim de novo. — Logan, você é de onde?
— Nova York. Você?
— Vancouver mesmo. — Pareceu pensar. — Você gosta de Sean Johnson, não é?
— Sim. — Quis rir com a ironia da situação.
— E de quais outros artistas gosta?
— The Vamps. — Respondi rapidamente. A resposta de sempre.
— Gosto também. São muito bons. — Deu um sorriso enorme. — Imagine uma parceria deles com o Sean!
— Seria legal mesmo. — Sorri e realmente comecei a considerar a ideia. Talvez fosse algo que Sean achasse interessante também. E eu, que quebra, ainda conheceria minha banda favorita. Só vantagens!
— Você ouviu o novo álbum?
— Wake Up?
— Sim.
— Sim. Ouvi.
— E de qual música gostou mais?
— Piece Of Mind. É meio que a minha música.
— Piece Of Mind é a música do Logan. — Riu. — Vou registrar isso para o futuro.
Futuro? Ela estava considerando que nos veríamos novamente?
— E qual a sua música favorita?
— É difícil escolher uma só, mas ultimamente é Windmills.
— Muito boa!
— Eu ou a música?
— As duas.
— Bom. — As bochechas dela ficaram avermelhadas. Ia fazer uma brincadeira, mas não deu tempo. O garçom chegou com os nossos pedidos. — Que rápido!
— Acontece de ser rápido para as pessoas certas. — Ele sorriu abertamente para Felicity. Estava dando em cima dela? Que descarado! A verdade era que o restaurante estava quase vazio. Éramos eu e Felicity competindo pela atenção do garçom com outros três casais. Nada demais.
— Valeu. — Agradeci o garçom, esperando sua saída para poder voltar a conversar. — Ele estava dando em cima de você, caso não tenha notado.
— Imaginação sua. — Ela deu de ombros e olhou para a carne. Pareceu achá-la bonita, mas isso não permaneceu quando cortou um pedaço. — Dá para ver o sangue escorrendo! — Fez cara de nojo.
— É uma delícia quando misturamos com o molho da própria carne. — Instruí, cortando um pedaço de minha própria carne. Estava suculenta, do jeitinho que gosto. Deleitei-me com o pedaço durante alguns segundos. Vi que Felicity não comeu o pedaço dela. — O que foi?
— Isso me dá vontade de virar vegetariana.
— O sangue?
— Sim.
Ri discretamente. Ela estava me mostrando um jeito tão único!
— Prove, não custa nada.
— Custa meu bom senso. Parece que mataram o boi ali atrás e colocaram um pedaço no meu prato!
— Não seja exagerada! — Revirei os olhos para não rir mais. Ela estava me divertindo de uma forma que nem imaginava. Acho que sua inocência a deixa mais divertida e cativante.
— Olha isso! — Ela espremeu o pedaço de carne com o garfo, fazendo com que o sangue escorresse. Isso só me deu mais fome. Vampiresco demais da minha parte? — Eles mataram o boi agora!
— Posso te garantir que não. — Segurei o riso.
— Isso aqui pode dar um monte de doenças! Está praticamente cru! — Continuou sentindo repulsa do bife.
— Não dá não! E é uma delícia! Ande! Prove!
— Não!
— Vamos Felicity. Não custa nada, sabe? — Repousei meus talheres sobre o prato e agarrei o garfo dela. Espetei o pedaço de carne novamente e sorri. — Aventure-se com coisas novas.
— Mas meu pai diz que coisas cruas podem matar... Menos peixe. — Ela ponderou. Não parecia muito animada. — Pode ter uma larva minúscula na carne que vai me matar.
— Sei...
— Pode ser aquelas que vão até meu olhos e me deixam cega.
— Isso já aconteceu com alguém que conhece? — Perguntei, pensando em uma forma de tranquilizá-la. Estava mais do que óbvio que os pais a mantinham em uma redoma de vidro.
— Não.
— Então! — Ri baixinho e levantei o garfo, apontando-o para a sua boca. — Confie em mim! Nada acontecerá. — Disse a última frase com menos impacto, já sabendo que era algo que não podia garantir.
— Promete?
— Prometo.
— Vou confiar em você então. — Fechou os olhos e abriu a boca. É para eu alimentá-la mesmo? Sério? Só ia dar o garfo na sua mão, não colocar a comida na sua boca. Ela continuou de olhos fechados. Ok então. Tomei cuidado ao, pela primeira vez em minha vida, colocar comida na boca de uma garota. Foi estranho. — Hum... — Ela se pronunciou enquanto mastigava. — Hum... — Ela abriu os olhos e me olhou. E então arregalou os olhos ao engolir. — É bom mesmo!
— Viu? — Ri, divertindo-me de verdade com a situação.
— Vi. — Pegou o garfo da minha mão e comeu mais alguns pedaços, em silêncio. Segui seu exemplo, observando-a. — Meu pai vai me matar quando descobrir, mas obrigada por não ter me deixado ficar sem experimentar isso!
— Eu que agradeço por ter confiado em mim tão cegamente! — Sorri com sinceridade. Então senti o peso de minhas palavras. Mais uma vez algo se revelava para mim. Ninguém nunca confiara em mim assim, tão cegamente. Felicity era a primeira. Deve ter algo de especial nela. Olhei em seus olhos e ela olhou nos meus. Sorrimos um para o outro. Havia um brilho em seus olhos. Posso jurar que vi um clima no ar. Um clima entre nós. Como nos filmes sabe? Talvez como em Amizade Colorida, com duas pessoas se olhando e depois se beijando sobre a mesa mesmo. Engraçado. Mas nada aconteceu.
Ou melhor, aconteceu.
O celular de Felicity tocou o que percebemos ser um alarme. Franzi o cenho e ela me olho, parecendo desesperada.
— Nove e meia! — Exaltou-se.
— O que tem? — Perguntei, não entendendo seu desespero.
— Eu tenho que estar em casa às dez.
— Tudo bem, nós pedimos um táxi e você chega lá uns 15 minutos depois das dez. — Dei de ombros. Era algo tão fácil de se resolver.
— Não! Você não está entendendo! — Ela balançou a cabeça e começou a se levantar. — Eu tenho que estar em casa às dez, caso contrário, meus pais me matam.
— Calma Felicity, não é tão preocupante. Você é maior de idade, seus pais não deveriam te assustar tanto.
— Você não sabe como é viver com meus pais. — Suspirou e pegou a bolsa.
— Espera aí! Senta. — Disse com calma. — Conversamos mais um pouco e te levo para sua casa.
— Não! Eles não vão me deixar sair de novo com você! — Ela olhou ao redor e suspirou. — Eu preciso ir! — E, sem mais nem menos, Felicity começou a correr em direção à saída.
Arregalei os olhos e me levantei, determinado a segui-la. O garçom pigarreou atrás de mim, impedindo-me de correr. Claro... A conta. Bufei, querendo encontrar a garota novamente antes que sumisse. Abri minha carteira e tirei várias notas, jogando-as sobre a mesa. Sabia que era muito mais do que a refeição custava, mas não dei a mínima. Precisava encontrar Felicity! Corri para fora do restaurante, tentando encontrá-la.
Corri muito.
Por alguns minutos.
E, não sei como, acabei parando em uma praia, sozinho. Suspirei. Felicity conseguira fugir de mim novamente. Será que fora uma desculpa para me despistar? Será que não gostou de minha companhia? Olhei para o céu estrelado, sentindo a areia em meus pés. Será que eu deveria procurar Felicity novamente ou era um caso perdido? Meu celular tocou, como se para responder minha pergunta.
— Alô? — Atendi.
— Frankie? — Era a voz de Summer, só que fraca.
— Sim.
— Atrapalhei seu encontro?
— Não. — Meu encontro se atrapalhou sozinho, completei mentalmente.
— Está podendo conversar então?
— Sim, estou sozinho com as estrelas. — Literalmente.
— Uma coisa muito estranha aconteceu.
— Fala. — A curiosidade deixou a frustração em escanteio.
— Sean e Ethan vieram aqui na minha casa e, detalhe, segurando um buquê de flores.
— O quê?
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