2 - Eu nunca joguei esse jogo


— Prazer Logan! — Ela disse com entusiasmo. — É um nome lindo!

Apenas tirando o fato de que esse não é meu nome...

— Obrigado!

— De nada! — Naquele momento percebi o quanto ela era educada e decidi ser um pouco mais legal. Não é como se fosse perder um braço por conversar com uma garota nova, não é mesmo?

— Está tomando um drink de laranja? — Perguntei, tentando puxar assunto.

— É apenas suco de laranja, se o barman não me enganou. — Falou, olhando para o seu copo. Fez uma careta por alguns segundos, então me olhou. — O que você está bebendo? — Indicou meu copo com o seu.

— Tente adivinhar. — Sorri, colocando o líquido da latinha em um copo e esperando a resposta óbvia.

— Não sei... — Ela não parecia muito confortável, mas não entendi o motivo.

— Vai, não é difícil! — Incentivei. Era uma pergunta simples.

— Hum... — Ela suspirou e encarou o copo, parecendo concentrada. — Suco de morango feito na água com gás? — Sugeriu.

Fiz careta. Ela só podia estar brincando, não é?

— O quê? — Arregalei os olhos.

— Não sei... — Fechou os olhos por alguns instantes e eu nem soube o que dizer. — Eu enxergo meio avermelhado, rosa... Nunca sei ao certo qual dos dois, mas é a cor que vejo e vários sucos de morango por aí. — Deu de ombros. — Me ensinaram que esses são os possíveis nomes da cor, mas nunca consigo ter certeza.

— Como assim? — Aquilo não estava certo.

— Tenho Tritanopia. — Foi a resposta simples e rápida.

— Tritanopia? — Pisquei, deixando meu copo sobre o balcão. Meu interesse não estava mais na bebida.

— É um tipo de Daltonismo. — Respondeu de volta, esperando que eu entendesse. Entendi, mas gostaria de saber a diferença desse tipo para outros. Ela pareceu ler meu pensamento. — Tritanopia é o tipo mais raro dentre todos, e os médicos me disseram que ocorre porque eu não tenho receptor para a cor azul... Mas não tenho certeza, sabe? — Ela suspirou ao ver que eu não conseguia falar nada. Continuou: — Não vejo tons de azul e não enxergo amarelo.

— Completamente?

— Completamente. Nada de amarelo para mim.

— Ah. — Agora fazia sentido.

— Vejo essas duas cores, segundo meu médico, como se fosse rosa claro. E parece que isso prejudica um pouco minha visão de qualquer coisa que tenha azul, como roxo, verde... Cores assim que eu nunca vi na vida, segundo me contam. — Suspirou. — Mas vida que segue, não é mesmo? — Voltou a sorrir. — Pelo menos eu enxergo algumas cores. Imagine quem não enxerga nenhuma cor ou é cego!

— É... — Caramba, isso era muito para processar. — E como você ficou com isso?

— É genético.

— Seus pais têm?

— Meu pai sim, mas minha mãe não... Só que o pai dela tinha e ela teve o gene da anomalia. Havia 50% de chance de eu ficar com o cromossomo X sem nada e com o defeituoso... Fui premiada! — Deu uma risadinha sem graça. — É engraçado pensar que eles se juntaram pensando "ah, quem sabe ela dê a sorte de não ter e só passar o gene para os filhos". — Colocou seu copo sobre a mesa. — Mas o destino juntou aqueles dois, então nunca reclamaria da Tritanopia.

— Justo. — O positivismo dela me fez dar um sorriso fraco. — Como descobriu?

— Eu pintava o sol de rosa, por exemplo, porque me mostraram um lápis amarelo e eu o vi como o rosa claro. Então eu usava o que aparecia primeiro. Calhava de ser sempre o tal do rosa e minha mãe percebeu que eu tinha conseguido o gene "ruim". — Fez aspas com a mão. — Mas eu não vejo como algo de todo ruim. É apenas algo que me faz ser eu. Não é maravilhoso, mas dá para viver!

— E como consegue falar tão abertamente disso? — Indaguei, realmente curioso. Felicity parecia mais interessante do que imaginara a princípio.

— Eu acho que não falar dessas coisas apenas dá espaço para o tabu, sabe? — Tomou um gole do seu suco e me olhou, séria. — Se nós, portadores do que chamam de doença, não falarmos dela abertamente, apenas estaremos fortalecendo a perspectiva negativa. — Umedeceu os lábios, parecendo se preparar para falar muito mais. — O preconceito se fortalece mais quando temos medo de falar das coisas, ao meu ver. E não explicar tudo às pessoas apenas incentiva na criação e sustentação de estereótipos. O preconceito começa com a gente, entende? E cabe a nós acabar com ele, pouco a pouco.

Wow.

Fiquei até sem ar diante de tanta sabedoria. Quem diria, hein? Parece que Sean tem fãs muito inteligentes!

— Você é muito mais interessante do que eu imaginava, Felicity. — Tive que dizer, admirado com a garota.

— Obrigada! — Deu um sorriso brilhante. — Você também, Logan.

Certo.

— Você quer que eu te pegue uma bebida mais forte? — Fiz minha pergunta costumeira. Uma música romântica tocava ao fundo e eu sabia quem estava a aproveitando bem.

— Não bebo nada alcóolico, se é isso que está me perguntando Logan. — Respondeu com uma voz que considerei adocicada.

— Não? — Estranhei e ela balançou a cabeça, negando. — Você por acaso é menor de idade?

— Aqui na nossa província sim, já que a maioridade é aos 19 e eu ainda tenho 18. — Deu de ombros. — Mas esse não é o motivo. Eu apenas não gosto.

— Entendo.

— Muitos adolescentes aqui bebem, como em qualquer lugar do mundo, mas eu nunca me interessei.

— Certa você! — Falei, bebendo mais um gole da minha cerveja. Felicity riu. — O que foi?

— Nada não.

— Você quer jogar um jogo? — Falei sem mais nem menos.

— Jogo?

— Sim. Acabei de inventar aqui! — Minha animação provavelmente se devia à bebida, mas não dei muita atenção ao fato. Eu recordava vagamente de ter jogado aquilo com alguém, porém, escolhi dizer que era ideia minha. — Levantamos os dedos das duas mãos, sobre a mesa. Então falamos coisas que nunca fizemos na vida e, caso o outro tenha feito, abaixa um dedo. Quem abaixar todos os dedos primeiro perde.

— Eu nunca joguei esse jogo. — Ela sorriu. — Será que isso conta?

— Não né. — Ri fraco. Ela era boa! — Posso começar?

— Vá em frente! — Ela deixou o copo na mesa, exatamente como eu fazia, e esticou os dedos. Fiz o mesmo.

— Deixe-me ver... — Usei de alguns segundos para pensar em um bom modo de começar. — Eu nunca me apaixonei por alguém que gostasse de mim. — Disse, referindo-me a Ruby.

— Eu também não. — Sorriu, parecendo me entender. Provavelmente não entendia. — Eu nunca comi carne mal passada.

— O quê? — Arregalei os olhos enquanto abaixava um dedo. — Você não sabe o que é comida boa!

— É o que me dizem. — Riu e sacodiu os 10 dedos. Que feio! Fazendo fusquinha!

— Que vida triste. — Pisquei, pensando no que falaria em seguida. — Eu nunca usei uma Polaroid. — Apelei, vendo que ela estava com uma dentro da bolsa, a qual estava aberta sobre o balcão. Não me pergunte o motivo para estar aberta, pois não faço a menor ideia!

— Que injusto! — Ela olhou para a própria bolsa, tratando de fechá-la. Ri e ela esticou nove dedos para mim. — Eu nunca menti.

— Nunca? — Abaixei um dedo. Meu nome é Logan, não é mesmo? Poupe-se, Frankie.

— Nunquinha. — Sorriu com orgulho.

— Ok então. — Suspirei por ter perdido mais uma vez. — Eu nunca falsifiquei nada. — Porque mentir o nome não é a mesma coisa que falsificar. Falsificar, para mim, é usar o nome de outra pessoa em documentos e coisas assim.

— Também não. — Ela pareceu feliz em saber que eu não era tão sem caráter. Os nove dedos ainda estavam lá. — Eu nunca dormi fora de casa.

— Como assim? — Pisquei, esperando que ela dissesse que era mentira. Não. Abaixei mais um dedo.

— Pais muito protetores. — Deu de ombros.

— Estou vendo. — Ainda estava chocado demais, por isso disse algo besta. — Eu nunca tive um cachorro.

— Que vida horrível! — Foi a vez dela se espantar. — Deus do céu, eu tenho cachorros desde que nasci! Odiaria viver sem. — Ela estava realmente indignada, pelo que podemos perceber. Abaixou um dedo. Oito! — Minha vez?

— Sim.

— Eu nunca madruguei.

— Que vida triste, Felicity! — Lamentei, abaixando outro dedo.

— A sua também, Logan! — Ela riu.

— Eu nunca comi comida de barraquinha. — Falei, imaginando que ela sim.

— Em que mundo você vive? — Ela perguntou, indignada. Sete dedos, Felicity. — Eu nunca beijei.

— Golpe baixo, hein? — E que vida lamentável, hein? Eu não queria ser ela. Pensei em algo que parecia normal as pessoas fazerem. — Eu nunca joguei tênis. — Parecia besta, mas isso tinha muito significado para mim.

— Também não. — Menos mal. Ela olhou para o teto, parecendo pensar. — Eu nunca abandonei ninguém.

— Isso é o que mais faço. — Disse com pesar, abaixando meu sexto dedo. Sobravam quatro. Uau Frankie, você sabe contar. Parabéns! — Eu nunca cozinhei.

— Você só come fora? — Ela balançou a cabeça, abaixando outro dedo. Fiz que sim com a cabeça. — Eu nunca faltei no trabalho.

— Caramba, Felicity! — Abaixei outro dedo. Ela estava apelando! Era a minha vez de apelar! — Eu nunca tomei banho com meus irmãos. — Até porque eu não tenho irmãos, ou irmãs!

— Também não, sou filha única. — Riu do meu fracasso. Droga! Ela ia apelar mais, eu sentia. — Eu nunca quebrei nada.

— Nem um dedinho do pé? — Perguntei, lembrando de meus diversos episódios com gesso nos braços e nas pernas. Ela fez que não com a cabeça. Dois dedos para mim. — Ok então. — Suspirei, pensando em uma maneira de vencer. — Eu nunca assisti filme romântico no cinema. — E só de pensar nisso...

— Que cara sem coração você é, Logan! — Abaixou mais um dedinho e fez cara de determinada. Sinto que ferrou! — Eu nunca nadei de noite.

— Como você é sem graça! — Reclamei. Sobrava um dedo para mim e cinco para ela. Eu tinha minha cartada final! — Eu nunca tive um jantar em família. — Fui sincero e ela pareceu travar por alguns segundos. Ponto para mim! Parece que a desestabilizei!

— Eu nunca seria você, Logan. — Balançou a cabeça e me analisou. Ela parecia estar analisando minha personalidade, assim conseguiria adivinhar o que eu fizera ou não. Aquilo estava me assustando! E quer saber de uma coisa? — Eu nunca voei. — Ela é boa nisso!

Game over, Franklin Thompson.

— Droga! — Reclamei. E como sou orgulhoso, ainda disse. — É claro que eu ganhei porque você é uma pessoa careta demais, certo? Não dá para ganhar de você!

— Obrigada! — Ela riu muito e me deu um empurrãozinho. Achei divertido e quase me permiti sorrir, mas a expressão dela mudou de uma hora para a outra. — Que horas são?

— Hum... — Olhei meu relógio de pulso. — Quatro e trinta e cinco. — Dei de ombros.

— Essa não! — Levantou-se em um salto. — Meus pais vão comer meu fígado!

— Calma! — Levantei também, rindo de seu desespero. Nunca passei por aquilo para entender.

— Calma nada! — Balançou a cabeça. — Desculpa a má educação, mas preciso ir! — E saiu correndo com a bolsa no ombro.

— Espera aí! — Era a primeira vez que uma mulher corria de mim em uma festa. Talvez seja por isso que corri atrás dela. — Felicity! — Chamei e vi que Sean nos observava com um sorriso daqueles que indicam sabedoria. Babaca! — Felicity! — Chamei novamente, correndo ainda mais. Ela sequer olhou para trás, nem mesmo quando segurei seu pulso, obrigando-a a parar. Virei-a para mim, lembrando de uma das coisas que ela dissera que nunca tinha feito. Uma coisa que eu sempre fazia quando conhecia uma garota legal nas festas. — Faltou uma coisa. — Disse no que considerava ser minha voz sedutora. Ela estava sem ar. E eu poderia deixá-la ainda mais assim! Sorri e aproximei nossos lábios, roubando um selinho. Queria ter ido adiante, mas a garota não era receptiva como as outra. Em vez de retribuir, Felicity deu-me um tapa bem dado na cara e voltou a correr. Dessa vez não a segui, pois havia mais um fato sobre mim que eu poderia ter dito no jogo.

Eu nunca encontro as garotas das festas de novo.

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