Prólogo

"Eu espero não passar por todo esse inferno à toa." — Come & Go, Marshmello ft. Juice WRLD

Uma fina linha de suor descia pelo rosto de Erick enquanto suas unhas estavam cravadas nas minhas costas, por baixo da camisa. Teu corpo estava perdendo o mesmo ritmo que o meu quando suas pernas tremeram e teu rosto se acomodou no vão do meu pescoço e ele mordeu a região, como uma forma de extravasar.

Minha mão que o estimulava estava suja. A outra, afrouxou o aperto em tua cintura – era mais fina do que a minha. Senti a ardência na pele causada pelas unhas, a sensação era quase um frenesi. Ofegante, Erick mexeu as pernas para sair do meu colo e se jogou ao meu lado na cama, enquanto eu procurava a toalha de rosto jogada em algum canto do chão para limpar minha mão.

— Cacete, Jason... Tem certeza de que tu não nasceu com um pau? Ele é tão real.

Erick falou como se ainda estivesse em estado de êxtase, paralisado.

— Às vezes, até eu acho isso.

— Por isso que as guria' te adora.

Minha risada saiu baixa, contida. Ele mal sabia que eu raramente fazia isso com outras gurias.

O garoto se levantou para pegar a cueca box do chão e a vestiu. Eu não havia tirado uma peça de roupa sequer, então só o que fiz foi ajeitar o packer dentro da bermuda.

— Não conta pra ninguém, tá? — falei após me arrumar e levantar. — Principalmente sobre... Tu sabe.

Erick franziu as sobrancelhas, mas assentiu. Teu rosto era coberto por sardas, mas o cabelo beirava mais ao cobre do que ruivo.

— Ninguém mais sabe que tu é trans?

Abri a gaveta para pegar o maço de cigarros, precisava de um mentolado. O isqueiro estava na parte de cima da cômoda.

— Danilo sabia, e ele foi parar na porra de um internato.

— Mas deu ruim porque tu é trans ou porque tu é bi?

— Porque ele falava demais. — Minha voz saiu ríspida. O peso daquelas duas palavras me impediam de pronunciar qualquer coisa a respeito.

Erick não teve coragem de falar mais do assunto, e eu não responderia se ele tentasse, de qualquer forma.

— É melhor tu ir, teus pais vão desconfiar. — falei indiferente, sem olhar mais para o garoto. O ouvi vestindo sua roupa e saí do quarto para fumar na varanda.

Ao passar pela cozinha, peguei o celular em cima da mesa e havia uma notificação de postagem.

Charlie postava toda semana, não em seu próprio perfil, mas em um que já era uma referência de marketing da literatura trans. A publicidade feita após escrever o seu livro o deixou famoso, mas eu não sabia muita coisa além disso, pois ele estava desaparecido do perfil pessoal.

Ele já estava em Porto Alegre há quase um ano. Esplendor era uma merda sem ele.

— Jason? — A voz de Erick me fez virar para vê-lo saindo do corredor. — Eu tô indo, tá?

— Beleza.

Fiquei com a impressão de que o garoto fosse falar mais alguma coisa, mas ele apenas desapareceu pela porta.

Minha mente estava em outro lugar. Caminhei até o gramado da varanda e me deitei, sem me incomodar com a sensação da grama arranhando minha pele. Soltei a fumaça para cima e minha garganta se arranhou, me fazendo tossir. Lembrei de minha médica, dizendo que eu poderia trocar o cigarro comum por um eletrônico. Mais tarde eu cuidaria disso.

O celular na grama vibrou, peguei-o com preguiça e ouvi a voz de Paloma do outro lado da linha.

— Boa tarde, Jason. Suas coisas já estão prontas?

— Sim. — Menti. Não havia movido um dedo para fazer as malas até agora.

— Ainda bem, teu pai conseguiu autorização para sair hoje à tarde.

— O QUÊ?! — Me sentei rapidamente e minha cabeça quase girou pelo movimento brusco. — Que porra é essa, Paloma?!

— É do teu pai que a gente tá falando! O juiz que tava acompanhando o processo aposentou e o que entrou agora é amigo dele e vai deixar ele responder em liberdade!

— Puta que pariu, Paloma. — Sem pensar direito, me levantei e corri para o quarto. Eu deveria ter arrumado minhas coisas quando a mulher me avisou. Nós dois sabíamos que o advogado do meu pai estava negociando para sair da cadeia, mas eu não imaginava que seria uma negociação tão rápida.

Bando de corrupto filho da puta.

Guardei minhas coisas como pude, deixando o mais supérfluo para trás. Em breve, meu pai voltaria para casa e eu ficaria na casa de Paloma até a situação voltar ao normal.

A coordenadora da faculdade ainda estava em ligação, me explicando toda a situação, enquanto eu coloquei o celular no viva-voz em cima da cômoda para arrumar minhas roupas.

— Jason, talvez se a gente conseguir mais alguém pra testemunhar contra o Max ele fique preso por mais um tempo.

— Eu não sei, não sei. — falei atordoado, tentando organizar os pensamentos. — O problema é o palco que meu pai quer criar, todo mundo que conhece ele me odeia. Não adianta ter mais testemunha se meu pai já é conhecido demais, ninguém vai acreditar.

— A gente precisa jogar o mesmo jogo! Tu não tem mais contato com o Charlie? Acha que ele poderia ajudar? Eu sei que ele ficou um pouco famoso por causa do livro dele.

Não respondi Paloma de imediato. Coloquei a mala em cima da cama e soquei uma quantidade enorme de roupas lá dentro.

— Jason? Tá aí?

— Eu tô pensando! — Gritei no quarto. — Eu não quero fazer o Charlie passar por isso, e ele tá vivendo a vida dele em Porto Alegre.

— Mas a gente precisa de pelo menos um depoimento de outra pessoa, e ele presenciou tudo! Tu precisa mostrar teu lado da história! As pessoas nem sabem que teu pai fez isso tudo contigo porque tu é trans, elas não têm o que pensar sobre ti, tu precisa contar a verdade!

— Tu quer que eu vou longe demais nisso, nem pensar! — Soltei uma risada incrédula. Paloma deveria estar enlouquecendo.

— Pois então eu espero que tu tenha um plano melhor, guri, porque a gente tá sem muita opção. Quando tiver tudo pronto aí me avisa, eu chamo um motorista pra ti.

— Tá ok. — O som da ligação encerrada me mostrou que Paloma não estava mais na linha. Fechei a primeira mala e me sentei na cama, com as mãos cobrindo o rosto e os ombros pesados pela tensão.

Eu precisava dar um jeito de resolver tudo isso, mas envolver outra pessoa não estava nos planos, mesmo que fosse alguém que eu faria de tudo para ter por perto outra vez.

O coração se apertou, e eu não sabia se era por medo ou pela saudade que eu sentia daquele guri.

"Foda-se minha médica, eu preciso de outro cigarro."

SIM EU ANTECIPEI AS POSTAGENS EM UM DIA GOSTASSE?

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