Capítulo 33
Te virem aí pra ler esse monte de capítulo que to postando de uma vez kkkkkk
"Costumava pensar que era o que eu queria, mas agora, simplesmente não sei." — Everyday, Marshmello ft. Logic
2016.
— Por que tu tá com essa cara, guri? — Gael me passou o baseado depois de dar um tapa. Com as mãos livres, ele prendeu um punhado de cabelo para trás, que estava crescido o suficiente para fazer um coque estilo samurai.
— Meus pais vão se separar. — Soltei a fumaça depois de puxar o cigarro e fechei os olhos.
Nos sentamos no meio-fio da calçada de sua casa, já era tarde da noite. O céu estava com poucas estrelas, devia ser culpa da poluição que as escondia.
Faltavam poucas semanas para o fim do ano letivo e eu iria me mudar para o interior com meu pai, enquanto minha mãe continuaria em Porto Alegre. Eu odiava viver com Max, mas àquela altura já não estava me importando com mais nada e muito menos minha mãe. Ela sempre andava pela casa com um olhar solitário e não se preocupava mais com as coisas.
Minha família estava uma merda.
— Ei, não fica assim! Um guri bonito desse vai ficar triste? — Gael soltou um risinho e pegou o baseado da minha mão. Seus lábios estavam sem batom, como maquiagem havia só um delineado bem feito.
— Tu também é mas é triste. — Pisquei para ele.
— Bah, mas meus motivos são diferentes! Meus pais não gostam do jeito que eu me visto, me acham uma aberração. Mas acontece. E tu vai ficar mais bonito, agora que tá tomando hormônio! Apesar de que tu já era passável antes, só vai ficar com cara de adulto e deixar a cara de guri.
— Engraçado isso de falar que vou ter cara de adulto, não me sinto assim não.
— Tu já fez dezoito, é adulto.
— Bah, tchê! Dezoito é adolescente com passe livre pra fazer merda. — Ri e levei meu corpo para trás, dei um jeito de me apoiar pelos cotovelos para ficar parcialmente deitado na calçada.
— Eu vou sentir tua falta, tu foi um dos poucos amigos que eu tive.
— E tu foi um dos poucos que eu consegui ficar sem estragar a amizade ou querer me dar um soco depois.
— Por que querem te dar um soco depois que ficam contigo? — Gael se virou para me ver.
— Sabe como é, as pessoas se apaixonam. — Pisquei atrevido e ele me deu um tapa no joelho.
— Deixa de ser metido! Tu tem pegada, mesmo, mas não é pra tanto. Quando abre a boca, fala um monte de merda que nem compensa se apaixonar.
— Nossa, assim tu magoa meu coração! — Coloquei uma mão no peito e fingi estar sentindo dor. — Achei que eu fosse importante pra ti!
— Cala a boca! — Gael não parava de rir e me aproximei dele para dar um abraço. — Teus pais não vai estranhar tu tá até tarde assim na rua?
— Certeza que eles nem perceberam, ficam ocupados brigando. — Minha boca se contorceu em uma careta e Gael passou a mão em minha nuca.
— E a sua mastectomia? — Mudou de assunto. — Já foi na primeira consulta?
— Já, tenho um monte de exame pra fazer. A cirurgia vai ser em Esplendor.
— Não vai te atrapalhar na faculdade?
— Não vou me matricular agora. — expliquei.
— Vai tirar um ano de descanso? Filho de gente rica se dá bem, mesmo. — Rolei os olhos, com um sorriso. — E do jeito que teu pai é, aposto que vão ficar famosinhos lá.
— Eu tô tranquilo. — Me afastei do guri e apoiei meus braços nos joelhos, voltando a ficar sentado. — Sabe, Gael, eu me vejo muito em ti, acho que por isso é tão fácil falar das coisas contigo. Só que a gente não tem nada em comum, então nem sei por que me sinto assim.
— Deixa eu ver... Eu sou gay, tu é bi. Existem homens nessa equação, então pronto, algo em comum, a gente gosta de viados. — Ele disse com um orgulho fingido e gargalhei.
— Não é isso! É só... Que tu te parece um pouco comigo quando eu era mais novo.
— Tu nunca me disse como era antes da transição.
— Eu nem sei quando isso começou, na real. Eu só me lembro de ter contado aos meus pais que não era uma garota e depois veio tudo de uma vez: os problemas na escola, a psicológica, a endocrinologista, o bloqueador hormonal... E aí hoje eu sou isso aqui. Parece que... Minha mãe tentou me superproteger quando soube, enquanto meu pai tentou me super-me-foder. — Gael riu com o termo. — Ela era mais dura com ele no início, mas acho que viu que ele tinha razão no fundo.
— Razão? Aonde que o tio Max tem razão de alguma coisa?
— Ah, Gael, eu sei que ele só queria me proteger. — Encolhi os ombros. Estava começando a sentir frio. — Se ele não tivesse feito aquelas coisas, a minha vida na escola teria sido muito pior.
— E aí tu decidiu virar um padrãozinho pra não sofrer bullying.
— Falando assim, me sinto patético. — Meu riso saiu mais triste e abaixei a cabeça. Gael ficou pensativo por um tempo.
Ficamos olhando para o asfalto pelo o que pareceram horas, mas foram só alguns minutos. Meu colega encarava o chão como se de lá saísse alguma resposta.
— Jason...
— Hm? — Virei o rosto para ele. Gael fez o mesmo para me ver.
— Tu gosta de ser um garoto?
— Quê? — Enruguei a testa de tão confuso. — Como assim?
— Só perguntando. — Deu de ombros.
— Bah, não tem essa de gostar ou não. Eu sou um garoto e é isso, ué.
— Mas tu nunca disse antes que era. — Sua cabeça se inclinou e ele parecia me analisar. Seus olhos maquiados me observavam curiosos.
— Lógico que disse, tá doido? Acabei de falar agora também!
— Tu não disse que era um garoto, tu disse que não era uma garota.
— É a mesma coisa! — falei irritado, Gael ergueu as mãos como se fosse rendido.
— Se tu diz... É melhor eu entrar em casa, o frio tá aumentando.
— Eu também vou indo. — Me levantei e ajudei Gael a se levantar, mas antes de me afastar ele me abraçou de repente.
Suas mãos afagaram minhas costas e seu corpo quente me deixou com uma sensação boa; ele era só alguns centímetros mais baixo do que eu, e apoiou sua cabeça no meu ombro.
— Vou sentir tanta saudade, sei que tu não vai me procurar depois mas eu vou sentir saudade assim mesmo.
— Deixa de ser besta. — Tentei rir, mas sabia que ele tinha razão. Eu não mantinha amizades. — Te cuida, viu?
— Tu também... Vê se não se perde.
O conselho de Gael me acertou em cheio. Eu já estava perdido.
2020.
O primeiro perfil que procurei na internet foi o de Robert.
Ele fazia parte do meu grupo de amigos no Ensino Fundamental, e foi só mais um dos colegas que eu propositalmente cortei contato quando saí da escola ou me mudava para outra.
Robert, Thiago, Caíque e Antônio foram meus melhores amigos até o nono ano. Tentei procurar por cada um nas redes sociais, mas não esperava falar com eles, apenas ver como estavam.
O motivo? Inexistente. Eu só queria sentir um pouco o gosto do passado.
Não consegui encontrar Robert, o que me deixou frustrado. Talvez seu sobrenome estivesse errado. Procurei por Thiago e fiquei surpreso ao encontrá-lo com facilidade: o sobrenome francês e o destaque em um artigo ajudaram nisso.
Cliquei na matéria chocado ao ver sobre o tema da notícia: a importância do debate à pauta LGBTQ+ na evolução da saúde pública.
Thiago se assumira gay depois da escola e cursava Medicina, e parecia gostar de produzir artigos. Procurei sua rede social principal e fiquei surpreso ao ver a quantidade de fotos em eventos, palestras e lives sempre com a temática LGBT.
Não pensei duas vezes antes de mandar uma mensagem para ele.
"E aí, Thiago! Tu lembra de mim? Aposto que não deve ter conhecido outro cara chamado Jason, então se depender do meu nome tu vai lembrar sim. Como cê tá?"
Eu não esperava que ele fosse responder, também nem entendia todos os motivos de estar fazendo isso. Meu cérebro só me mandou resgatar convívios do passado e eu segui seu fluxo.
Procurei pelos outros dois guris e não encontrei. Cheguei até cogitar procurar por Guilherme, mas eu não sabia seu sobrenome.
Quem eu estava com mais receio de encontrar era Gael. Seu sobrenome era alemão e eu sabia da facilidade de encontrar seu perfil, mas ainda tinha medo. Se eu o encontrasse, iria querer fazer perguntas sobre nossa última conversa do passado. Eu iria contar que o guri que estava de quarentena comigo havia dito a mesma coisa que ele me disse anos atrás.
Antes de terminar de digitar seu nome, havia uma notificação de Thiago. Fiquei ansioso e abri a mensagem.
"Oi! Foi mal, o Thiago não tá online por esses dias, ele tá no hospital. É o marido dele aqui, tô cuidando do perfil dele enquanto isso. Tu quer o número pessoal dele?"
Minha animação murchou. Digitei uma resposta rápida agradecendo e disse que não precisava, eu só queria saber como estavam as coisas pois não o via há muitos anos. Seu marido agradeceu a preocupação e disse que avisaria a ele que eu dei Oi.
Era por isso que eu nunca me esforçava para manter contatos, já estava cansado mentalmente.
Tomei mais coragem após a tentativa falha com Thiago e procurei Gael. Como imaginei, foi fácil encontrá-lo.
Difícil foi entender a descrição do seu perfil.
"Gael, 21 anos, (-e/elu/-e), não-binárie agênero, birromântique e bissexual, não-monogâmique, apaixonade por Rupaul e Pablo Vittar, e quem me julgar vai tomar no cu."
Li sua bio mais umas cinco vezes para entender o que ele estava falando.
Ele, não. Elu. Caramba, como eu iria mandar mensagem se eu não sabia usar linguagem neutra?
Respirei fundo e digitei uma mensagem ainda mais ansioso.
"Ei, Gael... Não sei se tu vai se lembrar de mim. Na última vez que a gente se falou, tu disse que sabia que eu não ia manter contato e acabei fazendo isso, foi mal. Como tu tá nessa quarentena? Queria colocar o papo em dia."
Reli a mensagem e fiquei satisfeito. Esperava de verdade que ele respondesse.
Ele não, elu. Miséria.
Saí do aplicativo e abri o Google. Estava na hora de sair um pouco da caixinha — e eu não precisava de Charlie para isso. Ainda estava irritado com o que houve e ele não veio me procurar depois de expulsá-lo do quarto, o que me deu um pouco de privacidade.
Cliquei na aba de pesquisas e digitei "como aprender linguagem neutra".
E, assim, novas memórias foram sendo desbloqueadas.
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