Capitulo 17
Volte uma casa pra ver se já leu o cap anterior hein
"E se eu estiver levando isso para o caminho errado, espero que você saiba que você pode falar comigo." — Spotlight, Marshmello ft. Lil Peep
2020.
Assim que higienizamos com álcool e guardamos todas as coisas do supermercado, tomamos um banho e colocamos a roupa usada em um cesto do lado de fora. Eu estava — mais uma vez — preparando o café e Charlie se sentou na cadeira da sala, usava uma bermuda de algodão cinza e uma blusa de manga comprida preta. Em suas mãos, havia o mesmo bloco de anotações e caneta que eu havia usado.
— Acho que a gente devia fazer uma rotina de tarefas semanal.
— Hum, prossiga. — falei distraído enquanto observava a água começar a borbulhar.
— Acho que temos que dividir as coisas, a casa tá começando a ficar bagunçada. Vamos dividir por cômodos?
— Por mim, pode ser. — Desliguei o fogo e passei a água pelo coador cheio de pó de café.
— Pra não ficar cansativo, a gente cria uma semana 1 e uma semana 2. Na semana 1, você fica com alguns cômodos e eu com outros, e na semana 2 a gente troca.
— Beleza, chefe. — falei com um risinho e fiquei feliz quando senti o aroma do café saindo da garrafa térmica que eu acabara de encher. Precisava de uma xícara urgentemente.
— Tu pode ficar com o banheiro, a sala e a varanda essa semana, e eu fico com os dois quartos e a cozinha, então semana que vem a gente troca.
— Combinado. — só concordei com tudo o que ele falou e Charlie surgiu na cozinha com o papel e suas anotações para pregar na geladeira. Colocou um dos ímãs de flor e deixou bem no centro da porta prateada do eletrodoméstico.
— Pronto, vai ficar tudo em ordem. — Ele disse satisfeito enquanto admirava as próprias anotações.
— Tu curte morar sozinho? — perguntei enquanto colocava um pouco de açúcar na minha xícara.
— Sim, é legal ser independente. Quando eu morava com a minha mãe, nem minha própria roupa eu podia escolher.
— Por isso que tu anda mais bonito agora, então.
— Ando? — Ele se virou para mim e ergueu uma sobrancelha. Meu comentário foi bobo demais.
Desconversei e só ri, balançando a cabeça.
— Quis dizer da tua roupa, besta.
— Sei não, tu anda meio diferente. — Charlie cruzou os braços e me olhou divertido. Opa, opa, opa, quem deveria fazer isso era eu!
– Mas tu é chato, guri. Quer café? — Fugi do assunto de novo. Eu hein, podia nem elogiar mais.
— Não, obrigado. — Notei que Charlie descaradamente me olhou de cima a baixo e depois saiu da cozinha.
Segurei a xícara de café com força e dei um gole que aqueceu meu corpo, mas outra coisa me deixava ferver naquele momento: a raiva de mim mesmo por estar daquele jeito. Talvez fosse o fato de só estar com ele durante a quarentena, de não ver outras pessoas, de me sentir solitário e carente ou qualquer outra merda porque não podia pegar ninguém, mas a aproximação do Charlie me deixava meio ansioso e empolgado. Ele tinha seus momentos de birra e que me irritavam, claro, mas estava sendo bom de certa forma tê-lo ali.
E eu me detestava por sentir isso.
Charlie não era especial, ele foi apenas um grande colega na faculdade. Não tínhamos nada a ver um com o outro e ele só estava ali porque iria fazer um depoimento para me ajudar contra meu pai.
"Tá, não é qualquer um que faz isso, mas mesmo assim."
Alguma coisa estava me deixando incomodado e eu não conseguia entender o que era.
A quarentena foi prolongada por mais duas semanas.
Assistimos à notícia desolados no sofá, mesmo sendo óbvio que isso aconteceria eu ainda tinha esperanças. Charlie perguntou se poderia desligar a TV e concordei, também não queria ver mais nada daquilo.
Foi aí que o primeiro fato inédito do dia aconteceu: vi o guri pegar o celular ao seu lado no sofá e desinstalar sua rede social.
— Charlie? — falei com tom de surpresa óbvio, porque há duas semanas ele me chutou por ter pegado seu celular.
— Não quero ver nada disso. — Ele disse em voz baixa e séria, realmente desinstalou o aplicativo e voltou a desligar o celular. Tirei as costas do apoio do sofá e me aproximei dele.
Charlie virou o rosto para a varanda e ficou parado, olhando o chuvisco recente do lado de fora. Seu cabelo preto estava bagunçado e sua blusa de manga curta vermelha toda amarrotada. Não havia motivo para passar roupa também, não podíamos sair de casa.
— Ei, a gente não vai ficar assim não! — Me levantei e peguei o controle remoto para conectar ao YouTube. — Bora' ouvir uma música e aproveitar o tempo que resta!
— Isso não foi nada bom de ouvir, Jason!
— E o que tu quer fazer? Agir como se tivesse morto? Pega as cervejas na geladeira, tchê! O que tu gosta de ouvir?
— Tu não gosta das mesmas coisas que eu, Jason... — Charlie falou quase se arrastando para fora do sofá, rumo à geladeira.
— É de kpop e pop internacional, né? BTS, Britney Spears, mais o quê?
— Katy Perry, Bruno Mars...
— BRUNO MARS! — Gritei e coloquei uma playlist dele, já estava com saudades de ouvir meu cantor favorito de infância.
Como se fosse uma ordem divina, a primeira música tocada foi Lazy Song. Charlie voltou pra sala com duas Heineken long neck rindo por reconhecer a música, já estava com o humor mais leve.
— Today I don't feel like doing aaaaaanythiiiing! — Cantarolei com meu inglês não muito bom e peguei uma das cervejas, já abrindo e tomando um gole. — I just wanna lay in my beeeeed!
— Don't feel like picking up my phoooone, so leeeeave a message at the toooone! — Charlie me acompanhou, ainda um pouco tímido sentado de volta no sofá, e depois deu um gole na cerveja. Dei uma risada ao ouvi-lo cantar, não saberia nunca que sua voz cantando era tão bonita.
Mais uma maldita coisa para reparar nele.
— Obrigado por tentar me animar. — Ele disse com um sorriso sem mostrar os dentes e brindamos com nossas garrafas, dispostos a esquecer que havia uma pandemia lá fora e que não podíamos sair de casa. — Senti saudades daquela cachaça que tomei na sua casa, há uns anos.
— Acho que eu vi aqui! Paloma também gosta. — Fui para a cozinha e vasculhei os armários até achar uma garrafa de 51 pela metade. Procurei dois copos de shot e fui com tudo por entre os braços para a sala, deixando a bebida e os copos no rack.
Enchi até o topo com uma dose de cachaça e Charlie pegou seu copo. Contamos até três e viramos de uma vez, não consegui impedir a careta e a cabeça girando quando a cachaça bateu forte e queimou minha garganta.
— Foi tão rápido. — Charlie parecia intacto com a dose, porra.
— Tu quer mais?
— Queria um limão também.
— Bah, verdade! — Fui animado de novo para a cozinha. Estava tocando Grenade, o que foi totalmente sem sentido uma musica tão deprimente tocar enquanto a gente enchia a cara.
À medida que a garrafa de 51 e nossas long necks se esvaziavam, Charlie ficava mais animado e eu com menos filtro nas coisas que falava. Já havia contado umas cinco histórias de garotas que já peguei, além de umas duas ou três envolvendo garotos.
— Ô Jason, mas aqui... — Charlie dobrou as mangas da camisa para cima. — Tu já transou com uma guria, num foi?
— Uma vez só. — Dei o último gole na Heineken, depois pegaria mais uma garrafa na geladeira.
— E com guri?
— Iiih, sei lá... Vá-rios. — falei pausado e com uma risada, minha cabeça foi para trás e me joguei no sofá.
— Tu já pegou alguém não-binário também?
— E que que isso? — Encarei Charlie e estreitei os olhos. Ele só balançou a cabeça e voltou a beber.
— Tu não vai entender isso bêbado, sóbrio eu te conto.
— Não! Me conta. — Me arrastei pelo sofá e fiquei mais perto dele, os olhos do garoto se abriram mais e ficaram atentos. — Me conta agora.
— Tu não entende essas coisas! Tu é muito binário.
— Não sou não!
— E tu sabe o que é ser binário?
— Não, mas se eu nem sei que que é, então eu nem sou! — Na minha cabeça, o que eu falei fazia muito sentido.
— Tu quer saber mesmo?
— Quero.
— Tu jura?
— Juro.
— Jura juradinho? — Não era só que eu estava ficando bêbado. Charlie estendeu o dedo mindinho e eu, de forma bem idiota, retribui e fizemos nosso pacto de juramento.
Nessa situação, nós já estávamos jogados no sofá, um de frente para o outro. Na televisão, Bruno Mars cantava "nothing on you".
— Tá, vou falar, mas com uma condição.
— Mas eu já fiz o juramento! — Me mexi irritado, mas Charlie continuou a me olhar sério.
— Lembra da primeira festa que eu fui na tua casa e eu queria te fazer uma pergunta, mas tu disse que iria mentir na resposta?
Demorei alguns segundos para entender o que ele estava falando. Já fazia dois anos aquela ocasião, e eu já estava muito bêbado na hora, mas...
Merda. Eu me lembrava, sim.
2018.
— Aí, se você me responder uma coisa, eu bebo. — Charlie me desafiou.
— Como é? — Inclinei a cabeça para ouvir melhor. Ele se aproximou para falar e fiquei um pouco tenso, mas não podia transparecer isso.
— Se você me responder uma coisa, eu bebo isso aqui.
— O que tu quer saber? — Fiquei com medo da resposta.
— Quero saber se um boato que ouvi sobre você é verdade.
Meu sorriso vacilou, mesmo ainda achando graça da situação. Eu já devia desconfiar: eu estava indo atrás do Charlie mais do que normalmente fazia com as outras pessoas. Ele era interessante, bonito, meio birrento, mas eu o achava curioso e divertido. Eu poderia passar horas só falando com ele, provocando-o e o deixando sem graça com as coisas que eu falava, mas ele nunca dava moral para nada do que eu dizia e me via só como um cara popular metido, eu sabia disso.
— E que boato é esse? — Fiquei com medo de novo. Será que alguém havia percebido que eu estava interessado demais nele?
— Você vai ser sincero?
— Tu acha que eu vou ser? — Foi a minha chance de virar o jogo, e deu certo. Charlie vacilou e eu consegui sustentar meu sorriso.
— Não acho.
— Então eu já respondi tua pergunta. — Afastei meu rosto e dei um último gole, deixando Charlie sem palavras, e por fim ele desistiu e tomou sua primeira dose de cachaça.
"Nunca, na minha vida, eu vou deixar alguém saber que eu sou a fim ti."
2020.
— E aí, Jason? Agora tu vai responder minha pergunta de verdade ou não?
A casa caiu kleitin
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