Capítulo 11
"Meus erros provavelmente anulam todos os meus acertos."
2014.
Fabíola fez questão de falar mal de mim para, literalmente, todo mundo da escola. Até a tia da limpeza estava me olhando feio.
Claro que o beijo entre Amanda e eu foi parar nos ouvidos da minha mãe, pois as pessoas eram fofoqueiras demais. Dona Andressa, naquela noite, apenas disse que conversaria comigo quando chegássemos em casa e eu tinha que admitir que estava com medo do seu sermão.
Contudo, quando o dito momento iria acontecer, meu pai também estava em casa e ficou feliz por saber que eu peguei uma guria. Minha mãe desistiu de argumentar.
— Agora vai arrumar um monte de namorada! — Era a sua frase favorita. Meu pai sempre dizia isso com um sorriso maldoso e uma piscadinha, eu até tentava imitar no espelho.
Mas a parte estranha de toda essa história foi o comportamento de Amanda na segunda-feira; ela parecia mais próxima de mim. Queria conversar mais comigo, me abraçava mais, até pediu meu moletom emprestado também. Eu não me importava, pois éramos amigos, mas eu desconfiava de que as pessoas estavam achando que viramos um casal.
Eu não sabia como falar sobre isso e eu nem entendia muito bem o que estava rolando, então só deixei levar. Eu já havia percebido que os garotos não pensavam muito sobre o que acontecia em relacionamentos, se a guria quisesse ficar com ele, bem, se não quisesse, bem também. Eu não deveria ficar pensando demais nisso, apenas curtir.
Por isso, quando Amanda quis ficar comigo de novo depois da aula, eu não recusei.
Havia um beco sem saída perto da escola que era o local perfeito para os alunos se agarrarem depois das aulas. Mesmo com todo mundo já sabendo do que rolou entre nós dois, tentamos ir discretamente para lá. Amanda estava empolgada e eu ainda absorvia aquela nova fase da minha adolescência: a de beijar na boca.
Assim que viramos a esquina da escola, entramos no beco que possuía várias janelas quebradas e uma porta de metal enferrujada encostada em uma das paredes. Evitamos de ficar perto do entulho e encostei minhas costas na parede de tijolos, do mesmo jeito que fiquei na festa.
O segundo beijo com Amanda foi um pouco mais ousado que o primeiro. Ela estava mais solta e parecia sorrir mais entre os beijos também. Seu sorriso era muito bonito, pois ela tinha os lábios carnudos e eu gostava de ver, ainda mais quando ela mordia o lábio de baixo depois de sentir meu quadril pressionando o dela. Eu havia adorado fazer isso na primeira vez e repeti, só esperava que ela não inventasse de querer colocar a mão por ali para tentar me provocar.
E o medo dela descobrir?!
— Você até que beija bem, guri. — Ela disse entre a pausa de um beijo e sorriu para mim. Me senti um máximo.
— Valeu, linda... Mas aqui, nada mudou entre a gente né? Somos amigos ainda?
— Ah... — O seu sorriso vacilou. "Falei besteira?." — Bah, eu acho que sim, quer dizer, de boa pra mim, e pra ti?
— De boa também, pô. — Dei de ombros e inclinei meu rosto para beijá-la de novo, mas ela não estava com a mesma empolgação de segundos atrás.
"Será que eu fui idiota?"
2020.
Um toque irritante do BTS cantando começou a tocar no celular de Charlie, tão alto que me fez acordar irritado no outro quarto – depois que me certifiquei de que ele havia dormido e estava com pulso, preferi dormir sozinho para que ele não acordasse surpreso. Na verdade eu nem sabia se aquela música era deles mesmo, mas percebi que a música era asiática e para mim todos os asiáticos eram o BTS.
O garoto estava em um sono tão profundo que não ouviu o toque próximo a ele na cama, então andei até o aparelho e meu cérebro entrou em estado de alerta ao ler o nome "Sammy" na tela. Rapidamente saí do quarto e arrastei o dedo para atender a ligação.
— Alô?
— Oi? Charlie? — A voz da garota saiu confusa do outro lado.
— Eu pareço o Charlie? Por que tá ligando pra ele?
— Jason? Por que tu tá com o celular dele?
— Tu responde minha pergunta que eu respondo a tua, anda. — Já estava sem paciência para aquela guria às nove horas da manhã.
— Eu só queria saber por que que o teu amigo me ligou trezentas vezes ontem à noite enquanto eu tava dormindo, seu idiota!
— Calma aí, tu não saiu com ele ontem?
— E por que que eu sairia com ele?! De onde tirou isso?
Então Charlie mentiu. Aquele miseravelzinho.
— Não interessa, ele tá dormindo e tu pode ignorar o que rolou! — falei ainda mais estressado do que antes, mesmo sabendo agora que Samantha não tinha culpa do que rolou.
— Ele tava chapado né?
— Não é da sua conta.
— Tem razão, não é. E manda ele parar de me procurar, faz favor.
Eu iria dar uma resposta à altura, mas a chamada se encerrou antes que eu tivesse tempo. Minha vontade era de acordar Charlie na mesma hora e tirar satisfação, mas o destino foi mais rápido do que meus pensamentos e ouvi um barulho de dentro do quarto.
Respirei fundo e deixei o celular na mesa de jantar para ir ver o guri. Assim que entrei no cômodo, andei rápido até ele ao ver que tentava se levantar com dificuldade.
— Ô guri, relaxa aí! — Me aproximei dele e tentei segurá-lo, mas ele usou os braços para me empurrar.
— Eu preciso vomitar.
Charlie estava de cabeça baixa e só olhava para o chão. Ele cambaleou para fora da cama e a sola dos seus pés mal saia do chão enquanto ele se arrastava pelo piso até o banheiro, em frente ao quarto. Andei atrás dele vigilante, prestando atenção nos seus movimentos.
Eu queria começar a interrogá-lo, e talvez dar um soco nele por ter mentido para mim, mas eu – ainda – não podia fazer isso.
Quando ele entrou no banheiro, achei que conseguiria ir junto para ajudá-lo mas a porta quase bateu na minha cara. Moleque ingrato.
— Beleza! — Gritei do outro lado. — Mas tu ainda tem que me explicar o que houve! Já sei que tu é um baita de um mentiroso, seu filho da puta.
A única coisa que ouvi de dentro do banheiro foi o barulho de Charlie vomitando. Eu não ia ficar esperando ele se recompor, então fui para a cozinha passar um café para ajudá-lo na ressaca.
Liguei a TV para não ouvir o guri dentro do banheiro e deixei o jornal da manhã rolando enquanto a água esquentava. A luz do Sol não estava forte e deixei as cortinas abertas, fazendo a luz do quintal entrar na sala de estar e dispensar a iluminação da casa. Seria um dia agradável para uma praia ou andar de skate, se eu não precisasse ficar trancado em casa fugindo do meu pai e se Charlie não estivesse de ressaca.
Prestei atenção na repórter da televisão quando ela disse sobre uma possível quarentena no país, por conta do surto do coronavírus. Mais uma coisa para me preocupar. Se isso acontecesse de fato, eu e Charlie estaríamos ferrados.
Terminei de preparar o café, ouvi a porta do banheiro se abrir e caminhei pela cozinha até ver o garoto pelo corredor. Ele continuou de cabeça baixa até chegar à sala e arrastar uma cadeira da mesa. Charlie não olhava para mim, ao contrário de mim, que o encarava com atenção.
— Charlie? Como tu tá? — Andei com cautela até ele, que abaixou a cabeça e a escondeu com as mãos.
— Minha cabeça... — Ele sussurrou. A maldita ressaca.
— Eu fiz café. Tu escovou os dentes?
— Uhum. — Ele murmurou com desânimo.
— Bah, espera um pouco então, pra não ficar com gosto ruim. — Achei meu comentário idiota; eu estava preocupado com Charlie não gostar do café. Foda-se.
Ele suspirou e esfregou as mãos no rosto. Pela primeira vez no dia, pude ver o seu rosto, péssimo por sinal.
— Guri... — Peguei uma cadeira próxima a ele e me sentei. Charlie não me encarava, olhava apenas para o vidro da mesa. — Por que tu mentiu? Samantha já falou comigo, não adianta inventar coisa.
— Caralho, Jason, é sério que você quer ficar falando disso enquanto eu tô assim... — Charlie falou rápido e um pouco embolado, com a voz dolorosa. Fiz uma careta para controlar uma reclamação na ponta da língua e respirei fundo, decidido a não me estressar ainda mais. Passei a mão nos cabelos e olhei para o outro lado.
— Se depender de ti, não vamo' falar disso hora nenhuma. Me conta por que tu mentiu pra mim.
Minha voz saiu mais séria do que o usual, na tentativa de intimidá-lo. O efeito surtiu como esperado, pois Charlie ergueu um pouco a cabeça, mas ainda com o rosto virado para o lado contrário a mim.
— Se eu falasse que ia sair sozinho, você iria junto.
— Por motivos óbvios, né porra?! É por isso que tu tava ansioso, tu sabia que tava fazendo errado. E aonde tu foi?
— Eu só saí pra... Eu tava estressado.
"Eu tava estressado". Porra, eu também tô estressado, tem um monte de gente estressada no mundo, ainda não é motivo. Essa era a minha vontade de falar, mas me controlei e respirei fundo mais uma vez.
— Há quanto tempo tu tá se drogando?
— Não precisa usar essa palavra. — Charlie resmungou e eu revirei os olhos, minha paciência não era das melhores para enfrentar aquilo.
— Precisa sim, cacete. Tu não era assim, o que foi que aconteceu? É culpa da Samantha? O que que ela fez?
— Ela não fez nada... — A voz de Charlie começou a vacilar. Senti que toquei no ponto que precisava, então toda aquela confusão tinha a ver com a garota.
— Me fala o que que ela fez, guri!
— Ela não fez nada! — Charlie alterou a voz e pressionou as mãos na testa em uma expressão de dor forte. Ele soltou um soluço rouco e rápido e voltou a falar, a voz ainda mais abatida. — Fui eu... É por isso.
— Então o que que tu fez? Cê' foi burro e tá tentando se punir?
— Eu... — Charlie controlou um soluço e apertou os olhos com as pontas dos dedos, mas antes que ele dissesse algo fomos interrompidos, dessa vez pela campainha da casa. Por pouco não pulei da cadeira, pois não era normal receber visitas na casa da Paloma. Até Charlie ergueu os olhos e alternou o olhar entre a porta e eu, confuso.
— Fica aí, eu vou ver no olho mágico. — Por algum motivo eu sussurrei, com medo de alguma coisa. Ele balançou a cabeça e eu me levantei devagar, rumo à porta.
Ergui a ponta dos pés para ver através do olho quem estava do outro lado. Tampei a boca na mesma hora e prendi a respiração, numa tentativa de abafar qualquer ruído meu.
Meu pai estava na porta.
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