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Eu deveria fazer uma lista. Sentia inveja daquele tipo de mulher que administrava uma casa, cuidava dos filhos, era excelente no trabalho e, ao mesmo tempo, conseguia fazer uma lista de compras decente; utilizando blocos de notas, planilhas e tudo mais.
Eu passava a maior parte dos meus dias em casa, apesar de estar quase sempre trabalhando, ainda assim eu estava em casa. Sem filhos, animal de estimação ou qualquer outra coisa que pudesse me impedir de ser uma mulher mais organizada.
Certo que saber fazer tudo não era a minha obrigação, Hugo havia prometido contratar uma funcionária para me auxiliar nos afazeres diários e na cozinha; mas agora que ele tinha um emprego sério ao lado do seu pai e saia todos os dias vestido como se estivesse indo para a guerra, eu me sentia na obrigação de ser mais ativa no lar.
Me peguei rindo daquele pensamento intruso enquanto entrava no supermercado com um carrinho de compras.
Talvez fosse o condomínio, é isso, irei colocar a culpa de ter aquele pensamento antiquado na droga do Paraíso Parque.
O mercado de compras do condomínio não era lá grande coisa, mas assemelhava-se a um mercado pequeno de bairro, cheio de madames pomposas com cãezinhos em suas coleiras andando de um lado a outro como se soubessem o que cada produto de limpeza fazia.
Fui direto para o corredor dos vegetais, escolhi as verduras e parti para o corredor de massa logo em seguida. Tive a ideia de fazer uma macarronada com creme de peito de frango, talvez desse menos trabalho. Mas mantive firme a receita de strogonoff na mente.
- Menina, você por aqui! - Robson tocou em meu ombro.
Eu estava agachada tentando decidir qual marca de creme de leite usar quando senti ele se aproximando. Ergui a cabeça e percebi que ele não estava sozinho.
- Robson, Nicole, que surpresa - eu sorri.
- Estamos tentando decidir entre o vinho branco ou tinto para uma tarde de fofoca no parque - Robson ergueu ambas as garrafas de vinho para me mostrar - As madames estão na ioga, Nicole e eu nos divertimos rindo das posições que elas fazem enquanto flertam com o professor.
Eu sorri só por educação.
- Ainda nem é meio-dia e já estão pensando em beber?
Nicole arfou ao lado de Robson.
- Bobagem, menina, nunca é cedo demais para fofocar e degustar um bom Bouchard - ela tirou a garrafa de vinho tinto da mão de Robson e analisou - vai ser esse.
Eu devolvi uma das marcas de creme de leite à prateleira, levando a outra para o carrinho. Quando estava prestes a me afastar, eles voltaram a me chamar.
- Deveria vim com a gente - Disse Robson, voltando a me tocar - Vai adorar rir das madames. É revigorante.
Eu devolvo o convite com um sorriso educado, estava com a desculpa na ponta da língua quando Nicole tomou a frente.
- Não vamos incomodá-la Robs, não tá vendo que a menina está ocupada? Provavelmente tem mais o que fazer, não tem tempo para fofocar com dois desocupados e falar da vida dos outros. E ela e as madames são amigas.
Nicole deu as costas para mim e fez menção de sair. Eu não deveria me importar, mas aquele comentário me irritou, então não sei dizer se aceitei o convite apenas para contrariá-la ou porque não queria voltar para casa.
Mas quando me dei conta, não só tinha aceito o convite, como também já estava enfiando as compras feitas no carro de Nicole.
Tirei o celular da bolsa algumas vezes enquanto estávamos indo para o parque. Robson e Nicole riam de alguma coisa enquanto ela tentava estacionar a sua Hilux numa vaga minúscula entre uma lambreta e um poste.
Tanto ela, quanto Robson, comemoraram quando o enorme carro parou perfeitamente na vaga.
Eu estava com o número de Hugo digitado, com o dedo flutuando pouco acima do botão verde para chamada quando Nicole saltou do carro e perguntou se eu estava pronta para descer. Bloqueei o celular e voltei com ele para a bolsa.
Algo nas minhas entranhas estava gritando para avisar a Hugo que eu não passei o dia inteiro em casa como havia prometido; algo queria avisar para ele onde e com quem eu estava, só para evitar uma discussão idiota quando ele chegasse.
Nem sempre foi assim. Nem sempre dependi desesperadamente da aprovação dele para algo.
Sai do carro e deixei o celular na minha bolsa no banco do passageiro. Queria mudar isso, queria voltar a ser mais independente. Foda-se Hugo e o que ele fosse pensar. Ele não era o meu dono.
Encontramos uma mesa embaixo da sombra de uma árvore. O parque estava agradavelmente fresco quando nos sentamos.
Pouco a frente, vinte colchonetes encontravam-se na grama, com vinte daquelas madames fazendo posições vergonhosas e engraçadas. O professor, um homem alto e bigodudo, de pele negra, vestindo calça legging e usando uma camiseta cavada preta, andava no meio delas, dando ordens e pedindo que respirassem.
Robson desmanchou-se a rir assim que sentou, Nicole o acompanhou, tirando da sua bolsa três taças e o vinho que haviam comprado. Ela serviu, cruzou as pernas e acenou para uma das senhoras chamada Lídia. A mulher fechou imediatamente a cara.
- Você é debochadissima, Nicole. Ela vai acabar atropelando você quando te vir na rua - murmurou Robson.
- Ela não precisa do meu deboche para isso, apenas me ver na rua.
- Por que vocês se odeiam tanto? - eu perguntei, pegando o vinho servido na minha taça para um gole.
- Lídia é ex-esposa do Roberto - Nicole revirou os olhos - Tiveram um casamento de merda, mas a culpa é minha por ele ter deixado ela para ficar comigo.
- E ela ainda mora aqui? - Lembro de tê-la ouvido dizer que Nicole a expulsou de sua casa.
Robson sorriu.
- Querida, elas são vizinhas. Casas coladas, divididas por uma cerca viva.
- Nossa, que inferno - Me vi dizendo.
Eu era vizinha da mãe de Hugo quando morávamos no nosso antigo apartamento. Não vizinhas de porta, mas ela morava num bloco diferente do meu; mesmo assim era como se a cobra estivesse morando na minha própria casa, pois surgia todos os dias em minha porta.
Eu vivia um verdadeiro inferno, até assumir as rédeas da situação e exigir para que Hugo não deixasse mais ela perambular pela casa.
Ele resolveu isso, em partes, passei a ver a mãe dele algumas poucas vezes durante as semanas, mas nada que chegasse a tirar a minha paciência.
- Relaxa, eu não me importo - Nicole realmente não parecia se importar. Bebericou o vinho e estalou a língua - Eu morava ao lado de uma boca de fumo numa comunidade, dividir a rua com essa megera não é nem um terço da dor de cabeça que eu passei quando não tinha um marido rico.
Eu encolho, me perguntando o que Hugo pensaria de mim se soubesse que eu estava andando com a piriguete/golpista do condomínio.
- Elas dizem que você é uma golpista - me vi dizendo, sem saber exatamente o porquê.
Nicole sorriu amigavelmente para mim.
- Elas têm inveja de mim - Disse - Sou bonita, assertiva e independente. Não preciso ser chaveiro de homem nenhum para me sentir bem. Enquanto elas... Bom, são velhas, caquéticas e não tem muito mais o que fazer além de passar o dia inteiro falando da vida dos outros e tentando agradar os seus maridos. Estou pouco me fodendo para o que dizem.
- Mas convenhamos, amiga, elas não estão mentindo - Robson cacarejou com Nicole.
- Eu não dei golpe em ninguém! - Nicole defendeu-se - Elas me culpam por ter casado com o ex-marido de Lídia, mas foi ele quem veio atrás de mim. Foi ele quem me pediu em casamento. Seis meses depois de nos conhecermos. Eu apenas vi um homem rico ajoelhando e estendendo um anel na minha direção, o que queria que eu fizesse? Eu não sou louca! - Ela negou com a cabeça - Se eu tivesse negado o anel, na semana seguinte ele estaria pedindo outra em casamento. A secretária, talvez. Eu vi ele dando asinha para ela quando ia no seu escritório. Ela teria dito sim, com certeza - Ela bufou, terminando a sua taça de vinho - Ele traiu. Ele é o canalha aqui. Eu só fui ambiciosa.
Robson fez um som com a boca, concordando com a amiga. Serviu mais vinho para ela e estendeu a garrafa na minha direção. Eu deixei que ele completasse a minha taça.
- E você, querida? - Nicole olhou fixamente para mim com olhos verdes claros - Qual é a história de amor do casal vinte do Condomínio Paraíso Parque?
Eu dei de ombros, o que tinha para dizer? Meu namoro com Hugo começou como uma estratégia para obter mais seguidores.
Um negócio e nada mais. Depois de algum tempo veio o amor, mas não havia romance no começo, não como os livros de romance que eu lia.
- Eu o conheci numa festa - Disse - Não tem muito a dizer. Começamos a nos falar nas redes sociais e quando nos demos conta estávamos juntos.
A história claramente não os agradou. O sorriso estava petrificado em seus rostos, queriam mais, estavam sedentos por um conto de fadas romântico.
As velhas do yoga começaram a gritar, o que tirou a atenção de Nicole e Robson de mim e levou para o gramado.
Um grande labrador atrapalhou o yoga delas, correndo de um lado a outro, arrastando colchonete e professor quando ele tentou conte-lo.
Robson e Nicole gargalharam daquilo como se não houvesse amanhã.
O dono veio ao resgate com a coleira do animal estendida. Não usava camisa, apenas um short de treino cinza.
Passei um tempo fitando o seu corpo suado e musculoso enquanto ele prendia o cão e puxava para longe, dando para as mulheres um sorriso de culpa e desculpas.
- Tinha que ser ele - Nicole disse, erguendo o óculos de sol para vislumbrar melhor a visão - O viúvo mais cobiçado do condomínio.
Eu o fitei por um longo período, tudo nele parecia perfeito, até o cão que se debatia desesperadamente na coleira para pegar uma bola.
Os cabelos loiros eram uma bagunça de fios e suor sobre a sua cabeça, a barba por fazer escondia o grande sorriso que ele dava para o animal. Afastou-se das senhoras e respirou fundo. A barriga mexia-se enquanto ele respirava, brilhando graças ao suor e a luz do sol que a tocava.
Não vou ser hipócrita e dizer que ver ele assim não me deixou atraído. Eu senti as borboletas voando no meu estômago, o calor subindo pelo meu peito e se alojando em minha garganta. Joseph era realmente um homem bonito.
Não sei quanto tempo passei o encarando, mas senti o lado direito do meu rosto esquentando, então virei para encarar Nicole, que me fitava fixamente com um sorriso travesso nos lábios.
Ela tirou os olhos de mim e encarou Joseph também, depois voltou a me encarar.
- Você deve estar acostumada com esse tipo de visão - ela disse - Quer dizer: O seu marido é igualmente gostoso. É talvez um dos homens mais atraentes desse lugar; o que não é muito difícil, já que não há muitos homens jovens como ele e Joseph aqui. A maioria dos maridos são velhos barrigudos.
Eu encolhi. Me senti mal por ter desejado Joseph, mesmo que por um segundo. Hugo não era uma pessoa ruim, tinha os seus episódios mas ele realmente me amava.
Confiava nele o suficiente para saber que nunca me trairia, então não tenho motivos para fazer o mesmo.
- Joseph, querido, vem aqui - Nicole chamou, o que fez meu coração palpitar.
Joseph a viu e acenou de volta, vindo com o cão correndo ao seu lado.
- Nicole - ele sorriu - Robson - os olhos me encontraram - Laura, que surpresa.
Eu congelei, baixei os olhos, tentando fugir da maré azul que eram os olhos dele. Respirei fundo e voltei a encará-lo.
A sensação que eu tinha era de estar cometendo um crime; estar perto de Joseph, depois de ter assumido a mim mesma que ele era atraente, me deixava nervosa.
- Joseph, você sabe que eu amo o Spike de coração, não me importo nem um pouco com ele cavando os seus buracos perto do meu jardim de flores ou comendo as minhas plantas. Mas por favor, dá pra manter ele preso do seu lado da cerca ao menos uma vez? - Nicole disse, com a taça de vinho girando entre os seus dedos.
Joseph riu um tanto desconcertado.
- Eu sei que ele tem incomodado, estamos cuidando do seu mau comportamento, Nicole. Não vai mais se repetir.
Nicole sorriu.
- Assim espero - ela bebeu o vinho - Não quero ser uma megera, de verdade, você me conhece. Eu sou uma ótima vizinha. Mas Melanie morre de medo de cachorros, ela ainda está aprendendo. Spike é um amor, sei que nunca vai avançar na minha filha, mas da última vez que ele correu para cima dela querendo brincar, ela acabou mijando nas calças. Um trauma. Sete noites sem dormir direito. Então tente mesmo adestra-lo.
Joseph fez que sim com a cabeça. Ninguém mais estava rindo naquela mesa, ele cumprimentou a todos e saiu.
- Tadinho, Nick - Robson murmurou.
- Eu fui dura, mas estou cansada do cachorro fugindo para o meu quintal e assustando a minha filha - ela bufou - Perdi a vontade de beber vinho, vamos Rob?
As senhoras do yoga também estavam saindo, Spike havia acabado com a festa de todos. Eu me levanto, vendo a hora e percebendo que já passava das uma da tarde.
- Querida, foi um prazer - Robson beijou a minha bochecha - Espero te ver mais vezes.
- É gata, aparece. A sua casa é grande mas viver enfurnada nela não faz bem para a saúde de ninguém.
Nicole me deixou no mercado, onde eu havia estacionado o carro com as compras. Passei na farmácia antes de voltar para casa, comprei o teste de gravidez. Pensamentos intrusos invadiram a minha cabeça na volta. Lembrei de Joseph e do seu corpo atraente, senti calor, minha garganta ficou seca.
Eu não deveria fazer isso. Não seria justo com Hugo, ele me amava, não saiu do meu lado quando eu mais precisei.
Entrei no lavabo e urinei num recipiente descartável, coloquei o palito e esperei os três minutos. Um risco azul surgiu. Um risco apenas. Eu quase gritei de felicidade ao ver aquilo.
Saí do banheiro e fui direto para a cozinha. Eu faria o melhor strogonoff da vida de Hugo, pois não estava grávida.
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