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O suor escorria da palma das minhas mãos até o pulso, criando um charco na minha penteadeira. Aquilo me atrapalhou de certa forma, então ergui a mão na direção do ar gelado do ar condicionado sobre mim, sentindo o vento frio dançar entre meus dedos.
A sensação me agradou. Me deixou mais tranquila. Faço o mesmo com a mão esquerda e depois de ambas secas, volto a atenção para o meu reflexo no espelho. Agora faltava apenas um último detalhe para a maquiagem estar completa.
Opto num batom vermelho sangue. Gosto da cor, do contraste que ela forma diante do meu tom de pele; me faz sentir ser a mulher que um dia eu já fui. A muito tempo. Além do mais, vermelho é minha cor favorita.
Era a primeira vez em que eu me maquiava sozinha desde a minha internação; a sensação foi boa. Era como se uma chama estivesse reacendendo dentro de mim; como se eu tivesse finalmente me reencontrado.
Eu não fui modesta, aproveitei aquela breve euforia de animação e fui criativa na maquiagem. Foi graças a minha desenvoltura e criatividade que virei influencer; os seguidores gostavam das combinações malucas que eu fazia usando tão pouco.
Queria usar um vestido para aquele evento, um vermelho e justo, que valorizasse as minhas curvas e o meu decote; já tinha o vestido em mente quando sentei naquela penteadeira para me maquiar. Ele ficaria perfeito, eu já estava me imaginando com ele, com o cabelo solto, de preferência: a grande juba castanha escura caindo em cachos por sobre meu ombro.
Abri o closet e tirei o vestido do cabide, enquanto voltava para o quarto me deparei com uma opção melhor de roupa. Uma blusa largada branca, rasgada na lateral, curta até o umbigo, junto com uma calça caqui vermelha. O vermelho combinava com a bolsa que eu pensava usar para a ocasião e com o batom vermelho em minha boca carnuda.
Jogo o conjunto sobre a cama e caminho até o moveu com os perfumes. Queria um cheiro doce e citrico, porém leve como a brisa. Não consigo evitar olhar a rua pela janela; o dia estava lindo demais para usar um perfume tão forte.
Visto-me e finalizo espirrando a nova coleção de perfumes femininos de verão da Louis Vuitton. Sou modesta na quantidade que coloco no pescoço e no pulso. Por fim, tirou uma foto, publicando para os meus milhares de seguidores.
Como se estivesse esperando o momento ideal, Hugo surgiu na porta do quarto.
- Tá pronta? - Ele estica o pescoço para dentro do quarto e me encara - Tá cheirosa.
Atravessa o quarto só para cheirar o meu pescoço, depois disso desliza a mão pelas minhas bochechas, passando a digital do polegar em meus lábios.
- Gosto dessa cor em você - ele diz, referindo-se ao meu batom - É da nova coleção?
Eu confirmo com a cabeça e me afasto. Havia deixado um par de brincos adornado com grãos de diamantes sobre a escrivaninha, ele era um dos meus favoritos, tinha o formato de estrela. Enquanto os colocava em minha orelha, sinto a presença de Hugo em minhas costas.
Ele me beija na nuca e desliza a mão pelo meu braço, subindo e descansando em meu ombro; aperta delicadamente, deslizando os dedos até o meu trapézio, onde massageia carinhosamente.
- Eu tenho um presente - ele disse, me forçando a virar em sua direção.
- Presente?
Ele põe a mão que não estava me tocando em seu bolso e tira uma corrente de prata banhada com ouro. Um pingente em formato de lágrima brilhou quando a luz do dia o tocou.
Lançou a corrente por sobre a minha cabeça e a colocou em meu pescoço. O pingente deslizou para dentro do meu decote. Depois de prender a corrente em mim, ele voltou a beijar a minha nuca.
- É lindo - eu disse. Era realmente lindo.
- O objetivo era te presentear no nosso aniversário de namoro, mas achei essa a ocasião perfeita para você usar.
Eu girei meu corpo para ficar de frente para Hugo, beijando-o. Sem demora ele enfia a língua na minha boca, agarra a minha bunda e me leva para ainda mais perto dele. O beijo que me deu era quente e foi se intensificando cada vez mais.
Eu estava prestes a me afastar quando ele terminou o beijo com uma leve mordida em meus lábios. Senti o gosto metálico do meu sangue, ou talvez fosse apenas imaginação.
Quando terminou de beijar percebeu, pela primeira vez desde que entrou, que eu não estava usando o vestido.
- Pensei que íamos combinando.
Estudei o conjunto que Hugo estava usando. Ele havia apostado num traje esportivo social. Um blazer azul escuro, com uma calça social igualmente azul escura; o toque especial (aquele cujo Hugo achou ser a cor perfeita para combinar com o meu vestido) foi uma blusa vermelha de manga longa por baixo do blazer.
Admito que achei a sua atitude fofa. Posso até ter sentido culpa por ter mudado de ideia sobre o vestido de última hora.
- Ah, sim. Sobre o vestido... - deslizei a mão pela roupa que vestia - Eu encontrei esse conjunto e me apaixonei por ele completamente de última hora.
Hugo não disse nada, limitou-se a me encarar com olhos de cachorro tristonho. Eu odiava quando ele fazia aquilo; principalmente por aquele olhar sempre surgir quando eu fazia algo que Hugo não esperava. Me fazia sentir mal, culpada por algo que não sabia.
- E não tem como trocar de última hora? - ele manteve aquele maldito olhar - Poxa amor, eu realmente estava contando que iriamos combinadinhos hoje.
- É que eu... - Porra, como eu sairia dessa? - É que eu já postei a foto do look para o pessoal do instagram.
- Apaga e posta novamente, só não... Só não me deixa na mão. Por favorzinho, paixão.
Não tive outra escolha senão trocar meu look. Levou quase uma hora para colocar o vestido, retocar a maquiagem e remodelar o meu cabelo para que ele ficasse perfeito. Nem preciso dizer o quanto estavamos atrasados por causa daquele pequeno capricho idiota do Hugo.
Ele esperava impacientemente na sala quando eu desci. Suspirou como um homem apaixonado geralmente suspira ao ver a mulher dos seus sonhos vestida de noiva enquanto caminha para o altar.
- Vamos esquecer essa droga de evento - ele disse com um sorriso - Quero arrancar esse vestido de você e te comer em cada cômodo dessa casa.
Veio até mim, mas eu desviei do seu abraço.
- Nós somos o evento, Hugo - eu disse, dando-lhe a minha bolsa de mão para que ele segurasse - Seria uma grande desfeita se não aparecermos logo depois de você ter confirmado DUAS vezes para aquelas senhoras.
A senhora Amélia, anfitriã da festa, havia sido bastante específica quando disse para não nos preocuparmos com comida. Mesmo assim fiz um bolo de cenoura com cobertura de chocolate.
Minha mãe costumava dizer que nunca deveríamos chegar com as mãos abanando em festas alheias. O bolo fora o mínimo que eu poderia ter feito; Hugo ainda não tinha feito as compras do mês. Não tínhamos móveis o bastante na cozinha e nosso forno ainda era uma merda. Levou praticamente a noite inteira para aquele bolo ficar pronto. E ele estava lindo, eu estava orgulhosa de mim.
Dona Helena também ficaria. Ainda sentia um vazio enorme no peito quando pensava nela; mas havia evoluído desde a última vez que pensei. Agora eu não me debulhava mais no choro quando pensava nela, sentia apenas arrependimento. Eu poderia ter feito mais por ela, poderia estar mais presente em sua vida.
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O parque ficava no coração do condomínio. Era absurdamente enorme; com pista de cooper, espaço infantil, brinquedoteca, academia e mesas para churrasco. No centro do parque, um lago artificial abrigava uma mãe pata com sete filhotes. Crianças brincavam nas margens, jogando para os animais migalhas de pão enquanto as babás tentavam afastá-los do perigo de se afogar.
As mães desajustadas fingiam não estar vendo aquilo. Aglomeravam-se como uma colónia de hienas numa espécie de bangalo de madeira na beira do lago; riam exasperadamente umas para as outras com uma taça de champanhe na mão e docinhos de coco na outra.
Quando Hugo e eu chegamos todas voltaram os olhos para nós. Talvez eu tenha me desacostumado em ser o centro das atenções, pois senti o calafrio subir as minhas costas assim que a enxurrada de olhares voltaram para mim. Abracei o braço de Hugo e o pressionei contra o meu peito.
Ele deve ter notado o meu desespero contido, pois entrelaçou a mão na minha e apertou, como quem dissesse que estava ali para a minha proteção.
- Finalmente chegaram - Amélia emergiu da alcatéia de Hienas para nos dar as boas vindas - Estavamos começando a achar que não viriam.
- Laura demorou um pouco para se vestir - Hugo tinha um sorriso de orelha a orelha - Sabe como são essas blogueiras, não é? Sempre indecisas.
Eu sorri em resposta.
- Eu imagino - Amélia também sorria - Demorei quase uma hora inteira para decidir se vinha com essa linda peça de roupa. O que achou Laurinha, tenho futuro como blogueira?
Amelia usava uma combinação deplorável. Uma blusa de gola alta com estampa de zebra, fazendo junção a uma calça caqui preta que nada valorizava a beleza de seu corpo fora do padrão.
Daria para relevar e esquecer a existência daquela calça, mas estampas de animais em pleno 2023 eram inaceitáveis.
Mas como eu diria isso para ela sem parecer cruel?
Sorri e decidi o caminho mais fácil: Ser superficial.
- Não existiria, no mundo, uma blogueira de moda igual a você.
Nunca descobri se Amélia havia entendido o deboche, ela apenas gargalhou da situação e me puxou pela mão, me fazendo largar dos braços de Hugo.
- Venha querida, deixe-me te apresentar para o resto das meninas - virou para Hugo - Hugo, os rapazes estão organizando alguns joguinhos dentro do bangalo. Tem charuto, whisky e conversas chatas sobre negócios. Vá menino, junte-se a eles.
Eu estava implorando com os olhos para Hugo não me deixar sozinha naquele ninho de cobras, mas ele não entendeu os meus sinais e caminhou para dentro da casinha. Amelia entrelaçou o braço no meu, era uma cabeça apenas menor do que eu, possuído talvez os seus 1.60 de altura.
- Meninas, quero apresentá-las a mais nova integrante do Paraíso parque.
- Laura, eu estava louca para te conhecer - Uma mulher loira saltou à frente de todas.
O seu rosto esticado, os lábios inchados e os peitos exageradamente grandes denunciavam todas as cirurgias plásticas a que aquela mulher havia se submetido. Talvez tivesse a idade de todas as outras, eu sinceramente não soube identificar isso no primeiro momento.
- Essa é Luiza - Amélia disse - Fique longe dela, é a mais invejosa das meninas - cochichou em meu ouvido, assim que me afastei da tal Luiza - Lidia e Paloma.
- Ola Aurah, já nos conhecemos - disse Paloma.
- Ah sim, somos vizinhas.
Lidia era a mais alta do grupo, cumprimentou-me com um aceno leve de cabeça e um sorriso áspero.
- E esse lindo rapaz é o Robson, ele mora no lote 0911 - Amélia apontou para um homem rechonchudo de uns trinta e poucos anos - Ele é casado com outro homem - murmurou, empolgada - São as bichas do condomínio.
- Amélia, não podemos tratar essa gente assim - Paloma a conteve.
- Agora podemos menina, agora podemos - Amélia disse, se esforçando para parecer legal - Minha filha disse que a palavra não é mais pejorativa. A propósito, sou super a favor da comunidade GLVT. Sou mãe de uma menina lesbica.
Eu não evito a gargalhada.
- Menina, eu amei seu batom - Robson tocou levemente em meu queixo, erguendo o meu rosto.
Eu não tinha um espelho no momento, mas sei exatamente o que eles viram. Um vermelho vivo, quase como o sangue. A cor perfeita da paixão. Foram longas pesquisas e mais de oito testes falhos para chegarmos naquele tom de vermelho, mais um longo período de protótipos e testes para que a cor permanecesse nos meus lábios. Para que o batom não seja borrado com facilidade.
- É da sua marca? - Paloma analisou.
Eu confirmei.
- Ihhhh, meninas, não olhem agora mas vejam quem está vindo aí - Ouvi quando Amélia cochichou para as outras.
Todas as mulheres que me cercavam olharam em conjunto na direção que Amélia estava apontando.
- Não acredito nisso - Lídia rosnou, depois disso levou as grandes bolas verdes que chamava de olhos na direção de Robson - Quem convidou ela?
- É muita cara de pau aparecer - Luiza afastou-se.
Robson sorriu.
- Eu posso ter comentado por alto - defendeu-se - Mas não convidei.
- Aquela é Nicole, a piriguete do condomínio - Amélia cochichou para mim - Mantenha seu marido longe dela. A alguns anos Lídia foi expulsa da própria casa depois que essa golpista engravidou do Romário.
Olhei pela primeira vez para Nicole. Ela ainda estava longe, mas o vestido justo negro que ela usava brilhava na tarde daquele dia. Desfilava na estrada de pedras que trazia os moradores até o bangalô, ao seu lado uma criança brincava desatentamente com um coelho branco na mão.
Quando chegou um pouco mais perto pude vislumbrar um pouco mais da beleza da Nicole. Em comparação às outras galinhas que me cercavam, Nicole estava muito mais perto da minha idade do que dá delas; talvez tivesse no auge dos seus 30 anos, não parecia ter nenhuma cirurgia plástica além dos seios carnudos. Sua beleza era natural.
Sorriu quando chegou na escadaria do bangalô, pedindo a ajuda de Robson para ajudar a criança a subir as escadas. O vestido justo preto que ela usava possuía pequenos adornos brilhantes, veio com um salto alto da Prada, o que me deixou impressionada, pois eu nunca conseguiria andar escandalosamente bem com um salto tão alto naquela estrada de pedras. Tirou os óculos também da prada e me observou.
- Nicole - Amélia sorriu - Estamos todas se perguntando quando você apareceria.
- Eu estava torcendo para não vê-la hoje - Lidia fungou.
- Que gracinha, amores - Nicole sorriu.
A criança com o coelho aproximou-se dela. A menina tinha, talvez, cinco anos ou um pouquinho mais, o coelho gorducho descansava em seu braço enquanto ela puxava o vestido da mãe, buscando chamar atenção. Notei também que a menina portava síndrome de down.
- Mamãe, patinhos! - apontou para o grupinho de crianças e babás brincando com os patos - Posso ir?
Nicole tirou os olhos de mim e os levou para o lago. Ponderou a ideia e depois suspirou:
- Sim, mas fique perto de uma das babás, onde eu possa ver de preferência. E fique longe do lago. Sabemos a pestinha que é o filho da Beth, você se lembra da baixaria que aconteceu quando eu dei uns cascudos nele por ter te dado aquele apelido feio, não lembra?
A menina confirmou e saltitou na direção do lago.
Amelia limpou a garganta.
- Nicole, querida, como soube da festa?
- Ora mais o condomínio todo sabe.
- Mas ela é apenas para convidados - Luiza veio a frente - Você foi?
Nicole não se importou com a onda de olhares maldosos que lhe atingia, caminhou até a mesa de frios e escolheu um dos cubinhos de queijos para morder, depois disso analisou uma das garrafas de vinho.
- Convidados? Achei que fosse um evento para todos os moradores. Afinal, são as boas vindas dos nossos novos vizinhos - voltou a me encarar - Sou Nicole, prazer.
- Gostou do vinho, Nicolinha? - O sorriso dado por Amélia, apesar de gentil, estava carregado por uma falsidade que me deu asco.
Nicole serviu-se de uma taça e analisou o cheiro, bebericando logo em seguida um e dois goles.
- Era o favorito de Roberto. Trouxe uma caixa de Paris, apenas para mim - Lídia caminhou até a garrafa e a tirou de perto de Nicole.
- Bem que notei o gosto de algo de segunda categoria - Bradou Nicole para as hienas, cuspindo de volta na taça o que restou do vinho em sua boca.
O som que as vizinhas deram foi único, um espanto misturado com revolta, depois disso os cochichos sobre Nicole ser mal educada começaram.
- Segunda categoria? - Lídia estava incrédula - Fui a primeira esposa de Roberto, até ser trocada por algo desagradavel... - Olhou Nicole dos pés à cabeça - Vulgar e cafona.
- Algo melhor, Lidia - Nicole bufou - Ele não te trocou. Você foi substituída. Por algo melhor.
Nicole girou sem sair do lugar, erguendo os seios e deslizando a mão pela bunda. A insinuação de beleza deixou todas naquele bangalô ainda mais revoltadas.
Amélia me cutucou:
- Sinto muito por ter que presenciar algo assim. Geralmente nós nos comportamos. Não somos tão baixas.
Lídia estava enfurecida com a conduta de Nicole. Seu rosto pálido tornou-se vermelho, seus olhos queimaram de ódio. Tive a impressão de que ela pularia no pescoço de Nicole a qualquer momento e, por um breve segundo, me perguntei quem sairia vencedor de um possível combate. Mas Nicole afastou-se no momento seguinte, devolvendo o cubo de queijo mordiscado para a pilha de queijos na mesa.
- Foi um prazer - ela disse para mim, sorrindo - Vou deixá-los a sós, claramente não sou bem vinda. Apareci só para dizer oi, a você , é claro.
Eu sorri educadamente para ela.
- Se quiser uma dica: Fica longe desse ninho de cobras - Nicole continuou, falando alto o bastante para todas ouvirem - Elas são falsas e podem tornar a sua vida um inferno.
Desfilou para longe, indo na direção de sua filha que brincava na grama com o coelho. Chamou-a, pegou a sua mão e partiu, com todas as vizinhas a espionando enquanto criticavam a forma de agir da mesma.
- Ela é uma vadia - murmurou Amélia para mim - Todos do condomínio sabem. Mantenha-se longe dela. Você e o seu marido.
- Ela é uma pessoa legal - Robson revirou os olhos.
- Diz isso pois são amiguinhos - Lidia rosnou. Caminhou até a bandeja com mais de cem cubos de queijos e a jogou toda no lixo - Não queremos contrair seja lá qual doença aquela serpente tenha, queremos?
As outras hienas aplaudiram aquela atitude ridícula de Lídia com afinco, já eu não consegui esconder o desprezo por ver tanta comida no lixo. Exausta, tudo o que pairou por minha mente foi a vontade de ir embora.
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