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- Eu continuo achando que isso é uma péssima ideia - Cirlene resmungou logo depois de abrir a porta e dar uma rápida olhada no lugar.
- Eu vou ficar bem, mamãe - Hugo suspirou mais uma vez.
Cirlene entrou na casa com os lábios espremidos e a cara feia, desaprovando a ideia. Eu entrei logo em seguida, empurrando a cadeira de rodas com Hugo; depois de mim vieram Jacira, a cozinheira de Cirlene e Jefferson, o enfermeiro contratado para trocar os curativos e me auxiliar nos cuidados com Hugo.
- Está abafado, o ar fresco de fora tem que entrar - Cirlene disparou para arrastar a porta de correr de quatro folhas feita de vidro que dava acesso à área da piscina - Tem poeira demais aqui. Quanto tempo você não limpa a casa, Laura? - Os olhos vieram na minha direção.
- Desde o natal, eu acho - murmurei, pouco disposta para aquela conversa.
A reação de Cirlene foi bem mais do que esperada. Ela balançou a cabeça dramaticamente e resmungou para si mesma. Caminhou de um lado a outro, observando a árvore de natal que ainda encontrava-se montada no hall de entrada da casa.
- Tem muito trabalho para ser feito - Tossiu e voltou os olhos para mim.
- Eu não estava morando aqui, Cirlene - lembrei a ela.
Cirlene estava pouco se lixando para as minhas palavras, voltou para a sala de jantar e parou nos dois degraus que dividiam a área de jantar da sala de televisão.
- Odeio plantas de casa moderna. Não foram planejadas para um enfermo morar - ela disse, voltando os olhos para Hugo - Há degraus demais aqui e, vocês não tem quartos no andar de baixo. É um péssimo lugar para uma pessoa com as suas limitações ficar, filho.
Hugo sorriu para a mãe de maneira educada. Acho que ele é a única pessoa do mundo com paciência para aturar Cirlene e seu cuidado excessivo com tudo.
- Eu estou bem, mamãe - ele disse - O médico liberou eu usar muletas.
- Mesmo assim, ele não disse nada sobre subir escadas - Cirlene parou no pé das escadas e lançou os olhos para o segundo andar - Onde vai dormir?
- Aqui embaixo - respondeu o filho - O sofá é espaçoso e confortável, posso dormir nele algumas semanas até me recuperar totalmente.
Cirlene voltou a balançar a cabeça exageradamente.
- Não acredito que vai trocar a sua caminha confortável, no nosso apartamento acessível, por essa casa cheia de degraus e limitações.
- É a minha casa - Hugo bufou - Além do mais, temos Jefferson, ele pode me ajudar com a movimentação. Foi para isso que você o contratou, não foi?
- Jefferson não estará aqui o tempo todo - a mãe rebateu.
- Laura vai estar - Hugo olhou para mim e pousou a sua mão sobre a minha, ele sorria esperançosamente.
Eu não devolvi o sorriso, sequer tive coragem de olhar para ele por tempo o suficiente. O constrangimento estava explícito em minha face. Afastei-me dele alguns centímetros, tirei a minha mão do braço da cadeira de rodas e a escondi dentro do bolso da minha calça.
Vi, do canto dos meus olhos quando Hugo voltou a olhar para a mãe.
- Eu não sei... - Cirlene disse - Não gosto disso.
- Vai ficar tudo bem - murmurou o filho - Pode confiar em mim.
Cirlene bufou, sendo vencida pelas palavras e pelo sorriso do filho. Caminhou até a cozinha e abriu todos os armários, ouvi a porta da despensa sendo aberta e seu resmungo de descrença ao encontra-la vazia. Em meio a esse tempo, eu já tinha arrastado Hugo para a sala de jantar e pedido a ajuda de Jefferson para tirá-lo da cadeira, descer os dois degraus e sentar no sofá.
Hugo ainda encontrava-se com os fixadores de fraturas enfiados na região do seu tornozelo e na coxa da perna direita e, segundo o médico, permaneceria com aqueles ferros enfiados em sua carne por, pelo menos, mais um mês.
Foi difícil observar aquilo nos primeiros dias, mas depois de três semanas acabei me acostumando. Hugo também sentiu muito mais dores nos primeiros dias e, eu chorei várias vezes quando o escutava gritar enquanto Jefferson e o time de enfermeiros precisavam movê-lo para algum lugar.
Os últimos dias foram pesados, acho que não só para mim, mas para todos da família Cassius; desde a alta de Hugo ele tem passado os dias na casa de seus pais, eu me senti na obrigação de acompanhá-lo, cuidar dele como cuidou de mim quando eu estava mal.
Eu sei que fiz promessas. Sei que disse que nunca mais voltaria para Hugo e, pretendo mantê-lá, de verdade, mas eu não podia simplesmente abandoná-lo. Eu tinha uma dívida eterna com ele, fazer isso era como estar pagando essa dívida.
Hoje completa um mês desde o acidente de Hugo, apesar dele ter bem mais mobilidade do que tinha nos primeiros dias depois de sua alta, ainda faltava muito para estar totalmente curado. Eu decidi ficar até ver ele andando, depois disso iremos resolver, de uma vez por todas, todas as pendências de nossa separação.
Hugo teve a sorte de ter bons pais ao seu lado, pessoas que se importam de verdade com o seu bem-estar. Cirlene pagará todos os remédios e um time de profissionais para cuidar de Hugo enquanto doente, mesmo assim ele me queria por perto para dar apoio emocional enquanto se recuperava; então meu trabalho era aquele, ficar e deixar que ele sorrisse para mim algumas vezes ao dia.
Não vi problema algum nisso. Eu não tive ninguém mais além dele quando eu estava em seu lugar.
Na época, sozinho, Hugo arcou com os remédios, pesquisou bons psicólogos e hospitais para que eu pudesse melhorar. Ele foi, para mim, o Kriudis e a Cirlene.
Enquanto Hugo era paparicado pelo time de enfermeiros, decidi cuidar de mim mesma e da gestação. Na semana passada Nicole e eu fomos fazer a primeira ultrassom, Hugo quis ir junto, mas deu trégua depois de eu ter prometido fazer uma videochamada na hora do exame.
O bebê estava bem. Crescia forte dentro de mim. Ainda era cedo demais para descobrir o sexo, mas eu tenho certeza de que é um menino.
Minha mãe costumava dizer que uma mãe sempre sabe, muito antes de todo mundo saber.
Mas, sinceramente, torço para estar enganada. Torço para estar esperando uma menina, assim as chances dessa criança ser parecida com Hugo serão menores.
Estou colocando uma almofada debaixo do pé enfermo de Hugo quando Cirlene volta da cozinha.
- Vocês não tem nada na despensa - ela disse, incrédula - Precisam fazer compras. Urgente! - Girou os ombros na direção de Jacira, que havia começado a tirar os enfeites da árvore de natal - Jacira, vamos no mercado. Vou comprar algumas coisas para você fazer uma sopinha - voltou-se na direção de Jefferson - Se esse sofá machucar e ele sentir muita dor, por favor, me liga na hora.
O silêncio reinou naquela casa quando Cirlene partiu para o mercado. Eu pude suspirar, mais relaxada. Sentei-me ao lado de Hugo no sofá. Ele inclinou o corpo na minha direção e por um momento pensei que fosse me beijar, por isso esquivei o rosto, mas tudo o que Hugo fez foi tocar a minha barriga.
- Acha que ele vai ser feliz aqui? - Perguntou enquanto alisava o meu abdômen - Eu já consigo imaginá-lo subindo e descendo as escadas. Enlouquecendo as vizinhas e bagunçando toda a casa. Meu Deus! - exclamou de repente, tirando a mão de mim e voltando a encostar no sofá - Precisamos de grades de proteção na piscina. Urgentemente. Também precisamos contratar pessoas para montar o quarto dele. Temos que começar a pesquisar preços de berço, carrinho de bebê e cadeirinhas para o carro. Vamos comprar duas, não vamos? Uma cadeirinha para o seu carro e outra para o meu - Hugo esfregou o rosto com aflição - Tem tanta coisa para pensar. Espero que dê tempo.
- Ainda é cedo, Hugo - eu disse, em comparação com a dele, a minha animação era nula.
Estamos apenas nas primeiras semanas de gestação, o bebê não era maior do que um caroço de feijão.
- Ainda nem sabemos o sexo do bebê. Além do mais, precisamos cuidar de você primeiro - Eu toco o seu rosto, deslizando os meus dedos nos pelos ralos em seu maxilar - A sua barba já cresceu, e só fazem três dias que eu a aparei.
Levanto-me do sofá e me afasto, Hugo me segue com os olhos. Jefferson estava sentado na mesa da cozinha, preparando os curativos da perna direita e do braço esquerdo de Hugo; não me olha diretamente enquanto trabalha.
Eu entro na cozinha e pego a mochila com algumas coisas de Hugo, fui eu quem a arrumou, por isso tenho certeza que coloquei a máquina de barbear em algum lugar ali dentro. Olho para o relógio e noto que já são cinco da tarde.
Hugo trocava os curativos, pelo menos, uma vez ao dia, sempre depois do banho noturno (isso quando ele não reclama dos comichão e dá um jeito de tirar o curativo para coçar a área afetada); sempre próximo às 20 horas, já que era esse o horário que Jefferson largava.
Saber que, a qualquer momento, só ficaria Hugo e eu naquela casa, me assusta um pouco. Apesar de ter passado o último mês com ele na casa de seus pais, poucas foram as vezes que ficamos realmente sozinhos. Eu dormia no quarto de hóspedes e sempre arranjava algo para fazer quando me encontrava sozinha com ele em algum lugar da casa.
Voltei para a sala com a máquina de barbear na mão. Hugo ria de um vídeo engraçado em seu celular, mas o guardou quando eu voltei a sentar do seu lado. Liguei a máquina, dobrei uma toalha em seu colo, para que os pelos caíssem sobre ela, e comecei a fazer a sua barba.
Ele me encarou silenciosamente enquanto eu raspava tudo. Quando termino ele sorri, inclina-se para a frente e me beija nos lábios.
Foi tão rápido que eu nem tive tempo de reagir. Quando lanço a minha cabeça para longe, Hugo já havia se afastado. Sorria descontraidamente, os olhos brilhavam de uma forma estranha.
- Eu estou feliz por você estar aqui - ele disse - Pensei que você ia embora. De verdade. Mas você ficou. O amor venceu, né? Ele sempre vence.
Eu não sei o que dizer, então me encolho, pego a toalha com os pelos de sua barba e a levo para o lixo do lavabo. Saio e subo as escadas correndo, antes disso aviso para Jefferson que vou tomar banho e entrar em reunião com alguns contribuintes da empresa. Eu minto.
Tomo banho e me tranco no quarto, ficando ali até Cirlene voltar do mercado e Jacira bater na porta avisando que a sopa está pronta.
Quando desço, Hugo já está sentado à mesa, tomando uma tigela quente de sopa.
Como já passava das 20 horas, Jefferson foi embora, Cirlene está sentada no sofá, assistindo a novela e Jacira na pequena mesa da cozinha, servida da sopa que fez.
Atravesso a sala de jantar sem falar com Hugo, vou para a cozinha, sirvo-me de sopa e me sento com Jacira. Meu plano é ignorar Hugo, o máximo que puder, até todos irem embora.
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1866
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