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Aviso de Gatilho: Violência Física


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Acordei com o barulho de móveis arrastando pelo chão. Homens davam ordens, algo pesado caiu e rolou, alguém gritou:

- Segura ae!

Deslizei minhas mãos pelo cobertor, tateando o colchão com os dedos à procura do controle do blackout, quando o encontrei apertei no botão para erguer as persianas.

A luz do dia emergiu para dentro como uma violenta onda dourada, me cegando por alguns segundos; quando me acostumei com a claridade, olhei para o relógio na mesa de cabeceira.

08:47. Estava tarde, mas aos sábados eu me permitia sempre dormir um pouco mais. Me levantei e suspirei, desta vez o barulho de coisa sendo arrastada parou, no lugar disso o ruído irritante de uma furadeira vindo da área da piscina.

Abri a porta que levava até a varanda, diferente da vista da suíte do casal, que dava para a piscina, a varanda do quarto de hóspedes estava voltada para a rua. Deslizei os pés para fora até ter a visão completa da pista.

Um caminhão da MasterFit estava estacionado na minha porta, com um velho de aproximadamente 60 anos fumando encostado na cabine.

Ele me viu assim que saí, mas não fez nada além de me encarar por alguns segundos e depois dar uma ordem para o homem que saiu de dentro de casa.

O homem intruso voltou para o interior com uma caixa pesada. Voltei para o quarto, tirei o pijama, coloquei uma blusa, uma calça moletom e desci para ver o que estava acontecendo.

Sete homens estranhos se encontravam dentro da minha casa (não dentro, exatamente dentro, estavam todos na área da piscina) e pareciam montar alguma coisa.

Passei por Hugo, que estava na cozinha, sem dar bom dia. Ele me viu e eu o vi, mesmo assim fingimos não nos ver. Encostei na porta de correr de vidro e observei o que eles estavam aprontando.

- Bom dia, dona - um deles foi educado.

Havia uma confusão de materiais largados no deck da piscina, a maioria irreconhecível, esperando para ser montado. Um já estava pronto, e aquele reconheci ser uma máquina de supino.

Tendo uma referência do que estavam montando, reconheci os outros equipamentos. Extensora, flexora e máquina para agachamento.

- Estão montando uma academia? - constatei o óbvio.

O homem que me deu bom dia balançou a cabeça em confirmação.

Eu entrei e fui direto para a cozinha.

- Por quê?

Hugo estava preparando café, virado para a cafeteira quando voltou para me encontrar. Sua expressão estava fria, seu olhar morto para mim, os cabelos uma bagunça. Mal havia trocado palavras comigo desde que me pegou flertando com Joseph.

Eu já havia lhe pedido desculpas, jurei de pés juntos que não aconteceu nada entre mim e Joseph, mesmo assim Hugo não pareceu convencido. A sensação de ter alguém que ama com raiva de você era horrível. Havíamos começado aquela semana com eu puta com ele por algo que ele fez, agora eu havia passado de vítima para a principal culpada.

Que reviravolta de merda!

Não tiro a razão de Hugo. Ninguém merece a sensação de ser traído. Não poder mais confiar na pessoa que mais ama. Não desejaria aquilo para ninguém.

Eu daria o tempo necessário para que Hugo decidisse sozinho o que seria do nosso relacionamento, mas a frieza com a qual ele vinha me tratando estava me matando. Hugo sempre fora enigmático em certas ocasiões; aprendi que deveria esperar qualquer coisa vindo de um Hugo irritado, mas montar uma academia em casa, para que eu não possa ver Joseph, era loucura.

Ele passou por mim e foi direto para a área da piscina, com duas xícaras de café fresco na mão. Ofereceu para dois dos homens trabalhando e perguntou se iriam demorar muito.

- O senhor comprou bastante coisa - desse o homem que estava chefiando tudo - Acho que vamos levar a manhã toda para montar tudo. Ainda tem o saco de treino e os halteres. As duas esteiras chegam mais tarde.

Hugo moveu-se até a caixa pesada que, mais cedo, vi um dos homens carregando, abriu e tirou de dentro oito pares de halteres, um sendo mais pesado que o outro.

- Hugo, isso é loucura - eu o segui, cruzei os braços e o encarei enquanto ele pesava os halteres com simples flexões de bíceps - Olha para mim enquanto falo com você!

Ele virou o rosto para me encarar, ainda estava ajoelhado, organizando os pesos numa fileira, do menor para o maior. Do mais leve para o mais pesado.

- Eu não quero uma academia em casa - fui incisiva, para que ele veja que estou falando sério.

- Com uma academia em casa não vai precisar sair - ele murmurou, estranhamente calmo.

Eu odiava quando ele agia pacificamente enquanto eu estava enfurecida. O seu jeitinho passivo agressivo me dava vontade de socá-lo.

- Eu vou sair, com ou sem uma academia em casa, Hugo - eu bati o pé no chão - Não treino sozinha, vou sempre com a Nicole e o Beto. O que houve com o Joseph foi apenas um caso isolado, e nunca mais vai se repetir.

Hugo engole em seco, se levanta do chão mas não tira os olhos de mim. Havia tanta raiva contida ali, eu me afasto alguns passos, sem saber exatamente o motivo.

- Você não era assim - ele disse - Talvez essas pessoas estejam influenciando a ser. Bem que previ. Você não deve andar com uma golpista e um... Um... Um veadinho. São péssimas influências para uma mulher direita como você.

Eu ri.

- Está irritado comigo, não com eles, isso não te dá o direito de ser preconceituoso.

Ele respirou fundo.

- Você não vai mais voltar para aquela academia - ordenou - Não quero você perambulando pelo condomínio. Não quero você visitando essa gentinha que chama de amigos, muito menos quero eles na minha casa. Entendeu?

- Você não é o meu dono! - eu disse, com raiva - Não vai me prender só porque acha que eu te trai.

Ele olhou em volta, notando o rumo que aquela discussão estava tomando, me pega pelo braço e me puxa para dentro, para que os homens não escutem o que temos a dizer um para o outro.

Ele me aperta com força, eu reclamo que está doendo, mesmo assim ninguém pede para ele me soltar; os homens apenas limitam-se a olhar, ou fingir não estar olhando. Hugo me puxa até a escada, quando me solta deixa o formato roxo dos seus dedos no meu braço.

Seus olhos me encaram enquanto eu massageio o meu braço, estavam arregalados. Puro ódio.

- O que diabos eu sou para você!? - ele berra em minha direção - Onde está a droga do respeito por mim? Onde está!?

- Não grita comigo, Hugo!

Ele se afasta, vermelho. As veias saltavam de seu pescoço e em sua testa. Ele respira, passa a mão pelo cabelo e volta a me olhar.

- Você gosta dele?

A pergunta me pegou desprevenida. Como ele poderia ter cogitado algo assim?

- Hugo, eu amo você.

Ele negou com a cabeça.

- Não foi isso o que eu perguntei, Laura - disse - Você se sente atraído por ele?

Eu o fitei por alguns segundos. O que eu deveria ter dito?

- Não.

Hugo riu, não acreditou nem um pouco naquela resposta.

- A quanto tempo isso está acontecendo?

- Não há nada entre nós dois, Hugo.

- A quanto tempo, porra!

Eu engulo em seco.

- Desde a primeira semana que chegamos aqui.

Ele volta a negar com a cabeça com o sorriso incrédulo no rosto.

- Tem correspondido os flertes dele?

- Não. Eu não tenho...

- Vocês já transaram?

- Nunca! - eu cuspi as palavras imediatamente, com firmeza, para que ele visse que estava falando a verdade - Eu nunca faria algo assim com você.

- Mas você quer, não quer?

Eu fiquei em silêncio. Tudo em mim clamava uma mentira, mas as palavras não saíram a tempo.

- Você já transou comigo pensando nele?

Eu congelo, meus olhos fitam Hugo, fixamente.

- Não - menti.

- Eu não entendo você - ele suspirou, lágrimas surgiam em seu rosto - Depois de tudo o que eu fiz. Depois de todas as declarações... De tudo. Não entendo como teve coragem de fazer isso.

- Eu não fiz nada, Hugo.

Um meio sorriso abriu-se em seus lábios.

- Bem que o meu pai disse. Você é ingrata, Laura. A porra de uma mulher ingrata! - suspirou com o sorriso ainda lá - Paga de santa na internet, mas basta apenas um macho relar os olhos em você que está abrindo as pernas para ele como a vadia que é.

Eu havia chegado no meu limite. Girei o corpo com a mão estendida, dei-lhe um tapa, forte o bastante para o tabefe ecoar pela casa. Hugo apenas virou o rosto, as lágrimas desceram, as pontas dos dedos tocaram a bochecha avermelhada. Por fim, ele voltou a me encarar.

Havia tanta raiva no olhar que ele me lançou que eu prendi a respiração. O medo me consumiu.

- Hugo...

Por um segundo achei que ele avançaria em mim como um leão faminto, mas não foi o que ele fez. O soco que ele deu na parede foi tão forte que o gesso ficou amassado. Deu as costas, pegou a chave do carro no porta chaves e abriu a porta.

Eu o segui.

- Hugo, para onde está indo?

Ele ligou o motor e deu ré, nem se importou quando eu tentei entrar em seu caminho. Fez a baliza com agilidade quando os pneus do carro tocaram o asfalto, depois disso pisou no acelerador. Os pneus cantaram num berro de irá.

Ele não estava indo na direção da portaria. Ele estava indo para outro lugar, e eu sabia o que pretendia fazer. Entrei em casa, peguei a chave do meu carro, destranquei e submergi para dentro. Liguei o motor e o segui. Deixando a porta da casa aberta e todos os homens que ali trabalhavam.

Havia chegado no clube idiota de golfe alguns segundos depois de Hugo. Ele estava saltando do carro quando eu estacionei no gramado. Sequer preocupou-se em fechar a porta de seu veículo quando andou pesadamente para dentro da casa.

- Hugo, o que vai fazer? - eu o segui, tentando chamar a sua atenção, mas Hugo me ignorou - Hugo!

Ele passou pela porta, o segurança tentou me barrar com a desculpa de que eu não era membro, mas escorreguei entre os seus braços e entrei. Ele veio atrás, mas não me segurou ou sequer tentou me impedir.

Numa das mesas, jogando baralho com outros três homens, Joseph se encontrava. vestia terno e gravata na cor branco gelo. Os olhos migraram do jogo de cartas em sua mão até Hugo.

- Tentou comer a minha mulher, seu filho da puta? - Hugo bradou.

Joseph ficou em pé.

- Hugo, você está irritado. Vamos se acalmar - ele disse.

- Se acalmar? Acha que pode se meter no relacionamento dos outros e sair impune?

- Não houve nada entre mim e Laura.

- Hugo, ele diz a verdade, não houve nada entre nós dois.

Hugo não ouviu, estava com raiva demais para isso. Empurrou a mesa entre eles dois, deixando baralhos e copos de vidro com bebidas caírem no chão. Saltou na direção de Joseph. Hugo foi o primeiro a soca-lo no rosto, Joseph cambaleou para trás, mas não caiu no chão. Ao invés disso, Hugo escorregou em algo, se desequilibrou mas apoiou-se nas mesas para voltar a ficar em pé.

Aproveitando o desleixo de Hugo, Joseph devolveu o soco com um cruzado no queixo de Hugo. Por um momento pensei que Hugo havia perdido a consciência, mas ele apenas balançou a cabeça.

- Hugo! - eu gritei - Para! Solta ele!

Hugo agarrou Joseph pelo pescoço. Joseph debateu-se, falhando em fugir do mata-leão que Hugo lhe deu. Os seguranças voaram para cima da confusão, afastando Hugo e Joseph. O nariz do loiro sangrava, o seu rosto estava vermelho demais; Hugo ainda se debatia de raiva nos braços dos funcionários.

- Vai embora Joseph! - Ordenou Diogo, um dos membros do clube - Hugo, chega!

Joseph saiu, sendo ajudado por alguns seguranças. Só quando ele foi embora que Hugo parou de lutar contra os homens que lhe seguravam.

- Trás água pra ele - disse Diogo - E um saco de gelo para esse inchaço nos lábios.

Uma cadeira foi colocada para Hugo sentar.

Um dos funcionários desapareceu no bar e retornou com um saco de gelo e um copo d'água. Hugo pegou o saco e o levou direto para a vermelhidão dos lábios inchados. Estava ofegante, segundos depois começou a chorar.

- O que houve, meu filho? Pra que isso? - Perguntou Diogo.

Hugo não respondeu, os olhos castanhos fitavam-me. Me culpava por tudo. Senti um calafrio terrível subir a minha pele.

Eu me vi subjugada. Havia tanta culpa em minhas costas que não consegui suportar o choro. Me acabei de chorar no meio daqueles homens.

- Me perdoe - eu disse, soluçando - Hugo, por favor, me perdoe. Ajoelhei perante ele, afogando o meu rosto em seu colo. Chorava como uma criança, sentindo-me exposta demais perante todos aqueles julgamentos.

Quando me aproximei, pensei que ele fosse me afastar. Eu estava errada. Indo contra todas as possibilidades, o que Hugo fez foi acariciar os meus cabelos.

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