Capítulo 9
Voltamos ao quarto depressa e guardei minhas roupas rapidamente. Cameron não estava no quarto e Ethan ficou me esperando na porta. Até o chamei para en-
— Noooossa! Onde estavam vocês dois? — Camilla deu um sorrisinho.
— Ei! Calma aí, Milla! Eles foram comprar algumas roupas, certo? — Lewis também sorria como ela, mas tentava nos defender.
— Ahn... Sim. — sentei em uma das cadeiras ao lado de Cameron. — Como você sabia?
— Vi vocês dois no mini shopping.
— Eu pego seu almoço, Alessia. Já venho. — disse Ethan saindo, de novo, correndo para pegar as bandejas no restaurante japonês onde estávamos comendo hoje.
— Acho que tem alguém a fim de alguém... — Julie me olhou e riu de
leve.
— Bem... Ahn... Não é nada disso. Só está sendo gentil. — senti o ros-
to esquentar.
— Querida! Ele é um vampiro! Vampiros não são gentis! — Camilla riu exatamente como Julie e isso começou a me irritar.
— Ei! Eu ouvi isso! — falou um rapaz de cabelos castanhos escuros que chegara agora e sentara-se ao lado de Lewis.
— Exceto o Noah, claro. — emendou Camilla, ainda rindo.
— Obrigado. Quem é? — e indicou a mim com o queixo. Tinha cabelos escuros, como já disse, e seus olhos eram de um azul intenso e bonito. Seu rosto era bem branco, mas seu corpo tinha um porte físico forte e não era muito alto, no entanto também não era baixinho. Percebi por seu sorriso que era um vampiro também.
— Me chamo Alessia. — e continuei o encarando.
— Ah. Oi! Prazer em conhecê-la! Sou Noah. — e sorriu ainda mais.
— Igualmente. —voltei-me para Ethan, que vinha correndo com duas bandejas até a mesa. Sentou-se ao meu lado e colocou a bandeja na minha frente. — Obrigada.
— Disponha! — e sorriu contente.
— Uma dica! — Noah olhava para mim e todos o encararam.
— Qual? — falei me sentindo um pouco insegura.
— Não aceite favores de vampiros. Nunca são favores. Sempre vão te pedir algo em troca. Assim como quando você faz algo de bom para eles, também ficam te devendo. — Noah explicou e Ethan o encarou estreitando os olhos.
— Quieto, Noah. — falou entredentes. Noah deu de ombros e riu.
— É. Descobri isso hoje. — sorri fraco.
— E mesmo assim continuas deixando Ethan lhe fazer favores? Eres tola? — Noah me encarava como se fosse uma completa idiota. Engoli em seco.
— Queres calar a boca, por favor? — Ethan imitou o modo como Noah falara com um falso sorriso, fazendo todos na mesa, menos eu, rirem. Concentrei-me em terminar meu almoço e só quando comecei a comer percebi o quanto estava faminta, pois mal comera ontem... Só o lanche que Cameron me trouxe a noite e o resto do dia não havia comido nada.
Ouvi o sinal tocar e era como um despertador irritante e alto. Todos levantaram da mesa automaticamente e levaram as bandejas de volta aos restaurantes. Fiz o mesmo, imitando eles. Quando me levantei, vi o garoto, o Mestre das Sombras, sentado em um canto, em uma mesa, sozinho. Senti meu coração se apertar e entendi que teria que arrumar um jeito de conhecê-lo melhor e enturmá-lo com os outros. Apenas quando também me olhou e se levantou, sorrindo de leve, foi que reparei que o estava encarando.
— Você podia pelo menos disfarçar. — Cameron sussurrou em meu ouvido, me fazendo dar um pulinho de susto e levar a mão ao coração.
— Eu não estava! Eu... — desviei o olhar do garoto para olhá-lo.
— Então por que se assustou? Vai dizer que não me viu chegar? — e
riu.
— Exatamente! Você foi muito silencioso. — falei na defensiva, mas
não pude deixar de rir.
— Vamos logo! Qual a sua primeira aula?
— Feitiços com a professora Havena.
— Certo! Vem comigo! Vou te mostrar onde fica a sua sala. — e foi me guiando para fora da ala de restaurantes em direção ao andar seguinte do prédio (o segundo andar), enquanto ia me explicando que o primeiro andar da parte da direita do castelo, era a ala de restaurantes, que o segundo e terceiro eram as salas de aula e o quarto era o mini shopping. Na parte da esquerda, ficava no primeiro andar, a secretaria, a diretoria e a biblioteca. No segundo e terceiro andares, os quartos dos alunos e, no quarto andar, os quartos dos professores e de alguns funcionários do castelo.
Ainda tinha outra parte do castelo que ficava além do hall de entrada (através dos enormes portais que existiam no fundo do salão), essa parte era reservada exclusivamente para a Rainha e sua corte. Era lá também que ficava o salão de julgamento e alguns cômodos particulares da Rainha e dos seus subordinados. Falou o caminho todo, me explicando que quando tocasse o sinal era melhor já ter feito amizade com mais alguém para me indicar a próxima sala, mas no meio da fala, lembrou que tinha aulas de poções junto com Camilla e seria fácil para ela me encontrar e me mostrar a sala correta. Então... quando batesse o sinal era bom encontrar Camilla.
— Aqui. Até mais! Boa sorte! Nos vemos na quarta aula! — e me deixou em frente a uma porta de madeira, onde havia, entalhadas, duas varinhas cruzadas.
— Até mais! — acenei e entrei na sala procurando um lugar para me sentar. Os acentos eram como os de faculdade, estilo arquibancada, mas eram divididos em duplas e em cima das mesinhas tinham alguns equipamentos estranhos. Sentei na terceira fileira, nas cadeiras do canto, e fiquei de cabeça baixa observando os alunos entrando.
Esperei por um tempo e ouvi outro sinal tocar. Os alunos se apressaram em se sentar nas suas cadeiras e só então reparei que ninguém trouxe livros nem cadernos. Fiquei pensando em como iríamos anotar as instruções ou as explicações, foi quando alguém sentou ao meu lado.
— Olha! Que ótimo! Sua primeira aula é comigo! — Ethan sorria lar-
go.
— Ah! Oi. —forcei-me a sorrir e me encolhi mais na cadeira, me afas-
tando dele.
— Acho a aula da Havena muito chata, mas a professora é gata. Isso ajuda muito. — e olhou fixamente para a moça que entrava na sala. Ela era bonita. Seria outra aluna? Tinha cabelos lisos, de tamanho curto e preto, com mechas roxas, seus olhos eram castanhos (ou pelo menos pareciam de onde estava olhando) e sua pele era de um bronzeado leve. Parecia uma dessas jovens adolescentes rebeldes. Suas roupas eram azuis escuras e repletas de cintos e tachinhas prata e nos pés calçava uma bota estilo coturno e preta. Usava uma espécie de calça legging e uma blusa regata apertada com uma espécie de echarpe transparente azul escuro, cobrindo os ombros e descendo nas costas como uma capa.
— Bom dia, alunos. Nossa aula de hoje será sobre feitiços latinos. Ou seja, preparem o seu latim porque teremos que conjurar algumas coisas nessa língua ancestral. — disse a mulher e meu queixo caiu ao perceber que era a professora Havena.
— Bom dia, professora. — a classe toda ecoou e fiquei como idiota olhando a professora. Só saí do transe quando olhou diretamente para mim e Ethan me cutucou.
— Olá. Aluna nova, certo? Como se chama? — sorria para mim.
— Ah... Oi. Meu nome é Alessia. — senti-me completamente sem graça quando a sala toda virou de seus acentos para me encarar.
— Seja bem-vinda, Alessia. Gostaria de me acompanhar nesse feitiço?
— Ainda sorria e me encarava.
— Ah. Ahn... — tentei pensar em como recusar.
— Aceite. — Ethan sussurrou entre dentes.
— Por quê? — sussurrei.
— Aceite. — e me lançou um olhar de censura.
— Tudo bem...
— Ótimo! Venha até aqui, por favor! — chamou-me com um sorriso.
Respirei fundo e Ethan me ajudou a passar por ele para sair dali e descer até ela. — Ethan não se importa de procurar outra parceira, não é?
— Não, professora. — e foi se sentar com outra garota.
— Obrigada. — sorriu graciosamente. — Mais algum novato? — e observou a sala, mas ninguém levantou a mão ou se manifestou.
— Professora? — chamei baixinho.
— Sim? — voltou-se para mim e me espantei ao sentir uma onda de
poder se irradiar dela.
— Realmente não sei como ajudá-la... vim da região das fronteiras. — e me encolhi ainda mais.
— Tudo bem. Vou orientá-la. — e pegou minha mão, me guiando até sua mesa. Engoli em seco quando me entregou uma varinha.
— Muito bem. Este será um feitiço de evocação do fogo, e caso algo de errado aconteça, vocês usarão o feitiço de evocação da água que aprenderam na semana passada. — a professora anunciou pegando sua própria varinha. Enquanto as varinhas dos alunos pareciam pedaços de galhos de árvores, a da professora era do mesmo formato, mas era dourada e encrustada com pedras azuis escuras. A classe toda explodiu alegre com o feitiço que fora anunciado. Pelo jeito gostavam de evocar o fogo.
— Professora, não... — comecei a tentar explicar que não havia a-
prendido esse tal feitiço da água, mas ela me cortou.
— Repitam comigo! — sua voz reverberou na sala, cheia de poder. —
In calore Ignis, virtus derivatur...
— In calore Ignis, virtus derivatur... — a sala ecoou.
— Oh ignis amet, quos ego faciam! — a professora continuou e repeti com a sala em seguida.
— Oh ignis amet, quos ego faciam! — todos repetiram e da ponta de nossas varinhas brotou uma chama, como a de um fósforo. Em seguida foi aumentando até o tamanho da chama de uma tocha.
— Uau! — observei a chama, encantada.
— Agora apontem as varinhas para esse béquer com um pouco de palha no fundo e a imaginem queimando. — pediu a professora. Posicionei-me em frente ao béquer da mesa dela e apontei a varinha com cuidado.
— Fantástico... — sussurrei enquanto a palha começava a pegar fogo.
— Cuidado! Abaixem a chama para que o fogo não seja demais e acabe por fazer o béquer estourar. — orientou. Olhei a chama e a imaginei baixando, mas a chama não baixou. Comecei a ficar nervosa e entrei em desespero, o que só piorou tudo e fez a chama aumentar mais e mais.
— Essa não! — todos na sala olharam para mim.
— Abaixe a chama! — ordenou Havena.
— Não consigo! Não dá! — falei um pouco alto demais e fechei os o-
lhos assustada.
— Cuidado! — Havena gritou e no mesmo instante o béquer estourou. Só senti os pedacinhos de vidro cortando minha pele e ainda assim não consegui abrir os olhos. Ouvi a sala toda começar a gritar e ouvi uma pequena correria, só então resolvi abrir os olhos e percebi que a minha volta havia um círculo de fogo da minha altura.
— Não! Como saio daqui? Socorro!
— Acalme-se, Alessia! — ouvi uma voz conhecida gritar.
— Ethan? — tentei enxergar através do fogo, mas foi inútil.
— Sim! Sou eu!
— Saia da sala garoto! É perigoso! Eu cuido disso! — era a voz da
professora.
— Não! Posso ajudar também! Gelidus in Aquam! Indistincta manque
puritatis! Infinite etiam prisca nouitate, nunc obtestor!
— Gelidus in Aquam! Indistincta manque puritatis! Infinite etiam prisca nouitate, nunc obtestor! — a professora ecoou o grito de encantamento de Ethan e então meio que começou a chover em mim e o fogo se apagou. Caí de joelhos no chão, com o coração aos saltos.
— Você está bem? — a professora havia corrido até mim e ajoelhado ao meu lado.
— Tudo bem com você? — Ethan também correra até mim e se ajoelhara, me abraçando.
— Estou bem. Eu... — parei de fala ao sentir que Ethan estava lambendo meu rosto. — O que está fazendo?
— Ethan! Saia de perto dela! — Havena puxou-o pelo ombro, mas ele me abraçou pela cintura, me puxando para ele.
— Pare com isso! — tentei empurrá-lo. — O que está fazendo?
— Seu sangue. Ele é um vampiro. — a professora ainda tentava afas-
tá-lo.
— Como assim meu sangue? — e a encarei alarmada.
— Quando o béquer estourou os cacos de vidro, cortaram sua pele fazendo-a sangrar.
— Tira ele de cima de mim! — estava sem folego por causa do medo que se formava.
— Ethan, saia de cima dela agora! — Havena tentou puxá-lo novamente e a reação dele me assustou. Virou o rosto para ela, chiando e a olhando com os olhos vermelho-sangue.
— Ignis! Quos egos faciam! — a professora gritou e uma chama brotou em sua varinha. Ethan olhou a chama assustado e então piscou diversas vezes.
Ao abrir os olhos de novo, estavam verdes novamente, mas parecia confuso.
— O que...? — falou parecendo tonto.
— Saia da sala. Agora. Você acabou de atacar sua colega. Vá! — Havena falou com a voz dura, puxando-o para longe de mim e me ajudando a levantar.
— Obrigada e desculpe pela bagunça... — falei baixo, envergonhada.
— Está tudo bem. Fique calma. — colocou o braço sobre meu ombro me guiando para fora da sala. Minhas roupas estavam cheias de furinhos e minha pele cheia de cortes. Meu corpo estava tenso pelo que acontecera entre Ethan e eu.
— Não tive a intenção de fazer aquela confusão toda... — fitei o chão ainda me sentindo mal por tudo aquilo.
— Não tem problema. Vamos arrumar aquilo rápido, não se preocupe. — e então se dirigiu aos alunos do corredor. — Estão todos bem? — gritou para que todos a ouvissem. Todos assentiram e ela continuou. — Então se dirijam para suas próximas aulas! Sim, estão dispensados! Vão para a segunda aula do dia!
— Certo, professora! — todos ecoaram e começaram a se dirigir para suas próximas aulas.
— Você está bem? — falou novamente para mim.
— Estou. Acho melhor também me dirigir para minha próxima aula.
— Tudo bem. Se acha que está bem para a próxima aula, é melhor
que vá. Sabe onde fica?
— Não...
— Suba para o próximo andar, a última porta à direita do corredor.
— Obrigada. — e segui para a próxima aula.
Fiquei esperando na frente da sala até bater o sinal. Esperei todos saí-
rem de lá de dentro e então entrei na sala e me sentei na primeira fileira, perto da janela. A professora veio até mim. Era um pouco mais baixa que eu e tinha os cabelos verdes escuros presos em um coque. No alto da cabeça, uma franjinha cobrindo a testa, um vestido verde claro encrustado com o que me pareceram esmeraldas, que era frente única e nos pés usava delicadas sapatilhas esverdeadas que pareciam feitas de cristal. Sua pele era de um tom verde perolado, seus olhos eram verdes claros e suas asas eram de um tom de verde quase transparente, porém brilhante. Era encantadora e delicada.
— O que houve com você, querida? É aluna nova? — sua voz me lembrava do som de sinos. Era óbvio que era uma fada.
— Estou bem. Só estourei um béquer, sem querer, na aula da professora Havena. E, sim, sou aluna nova.
— Oh! Seja bem-vinda! — disse com um sorriso radiante.
— OH, CÉUS! O QUE HOUVE ALESSIA? — ouvi a voz conhecida de Camilla.
— Estourei um béquer na aula da Havena. — Camilla sentou-se ao meu lado e observou meus ferimentos.
— Querida, você será perfeita para a aula de hoje! — falou a professo-
ra-fada.
— Por quê?
— Iremos treinar poções de cura e você já está bem machucada. Poderá me ajudar. — disse sorrindo.
— Ah, claro. Ajudo, sim, professora.
— Sou Tulipy! Professora Tulipy! — então, se virou para a sala. — Bom dia, classe! Hoje faremos poções de cura! — e foi até a mesa que ficava de frente para a arquibancada de alunos. Eu nem vi quando os outros alunos entraram.
A aula de Tulipy foi interessante e até boa para mim, pois curou meus arranhões (pelo menos os dos braços). Camilla também teve sua chance de curar meus arranhões, já que era minha parceira na aula. Quando o sinal finalmente tocou, a sala inteira soltou sons de lamento. A professora disse que continuaríamos na próxima aula com as conclusões e uma nova poção para fazermos, então todos saímos e Camilla me indicou onde seria minha próxima sala.
Entrei na sala seguinte e dessa vez me sentei em uma das cadeiras lá no alto da arquibancada. Fiquei no canto esperando que a professora e o resto dos alunos entrassem. Observei a porta distraidamente e nem reparei nos outros alunos, até o Mestre das Sombras entrar. Pareceu não me notar ali e sentou-se em uma das primeiras carteiras, num canto afastado e sem ninguém. Meu coração saltava no peito e minhas mãos tremiam. Será que não me viu ou será que me ignorou?
— Olá! — disse um rapaz ao meu lado e dei um pulo de susto.
— Ah. Oi. — e sorri automaticamente. Era Noah, um os amigos de Cameron.
— O que houve com você? — e apontou os machucados.
— Ah. Estourei um béquer na... — comecei a explicar novamente, mas a professora chegou naquele mesmo instante.
— Bom dia, meus amores! Parem de conversar! Vamos começar a
aula!
Ela parecia ter uma altura mediana e seus cabelos eram loiros e ondulados, chegando até o quadril. Usava uma blusa branca de mangas bufantes (parecia aquelas blusas de ciganos) e uma saia laranja longa cheia de desenhos tribais em preto. Nos pés calçava um tamanco que parecia ser de madeira, nos braços tinha muitas pulseiras e nos dedos diversos anéis. Sua pele era clara e seus olhos me pareceram claros também, mas não consegui definir exatamente a cor. Era muito bonita. Todas as professoras desse lugar têm uma beleza sobrenatural.
— Bom dia, Rosalie! — ouvi a sala responder.
Não sei o que dizer da aula de Rosalie, não que fosse chata ou entediante, mas não parava de olhar para o garoto das sombras. Por que as pessoas não tentavam falar com ele? As classes, pelo que percebi, tinham um número par de alunos para que pudessem se sentar em duplas, mas o garoto que devia se sentar com ele preferiu sentar-se sozinho. Só sei dizer que a aula era de história, mas que a professora misturava um pouco com literatura, o que me deixou um pouco confusa. Acho que com o tempo me acostumo.
Depois da aula de Rosalie, Noah apontou a sala das aulas de alquimia e segui para lá. Entrei na sala e Cameron me chamou para sentar-me ao lado dele. Não consegui fugir de sua pergunta sobre o que havia me acontecido e expliquei de uma vez, disse também que tinha mais alguma coisa para contar sobre o que havia acontecido, mas tinha que ser em particular. Quando terminei, a professora entrou na sala e se apresentou.
— Olá, classe! Caso tenham alunos novos me chamo Ixía e dou aula de alquimia para vocês. Minha aula é uma das mais difíceis e espero que prestem muita atenção.
Ixía tinha a pele morena e os cabelos pretos curtos e repicados, seus olhos eram azuis escuros e vestia uma roupa marrom e dourada. Um sobretudo marrom e dourado cobria as calças pretas e as botas de couro marrom que usava, sua roupa era repleta de adereços dourados (correntes, relógios, pulseiras, brinco e anéis). Nos explicou que depois de algumas aulas (se nos dedicássemos de verdade) poderíamos conseguir fazer transformações básicas de objetos comuns em metais. A aula dela passou rapidamente. Cameron seguiu comigo para a ala de restaurantes e após pegarmos nossas bandejas de comida espanhola, nós seguimos para nos sentarmos com os amigos dele. Percebi o olhar estranho de Ethan para mim e também percebi como estava quieto hoje, mas acho que fui a única a perceber. Manteve o olhar baixo o tempo todo e comeu em silêncio. Não vi o Mestre das Sombras na ala de restaurantes hoje, mas tentei não pensar muito nisso.
— Ah! Aqui está a novata que explodiu o béquer e botou fogo na aula da Havena! — falou uma voz irritante que infelizmente conhecia. Rachel. Virei-me para encará-la.
— Pois é. Foi um acidente.
— Novatos... sempre fazendo besteiras! — e riu. Suas amigas a acompanharam no riso enquanto se afastavam.
— Odeio essas três. — Camilla as fitava com raiva.
— Não se esqueça que você já foi uma delas, Milla. — Noah colocou a mão no ombro dela.
— Pois é. Acho que por isso as odeio tanto. — deu de ombros e voltou a comer.
— Por que te expulsaram do grupinho? — Lewis a encarava, pensati-
vo.
— Não. Por que me iludiram me fazendo acreditar que eram legais. — Respondeu com um olhar irritado.
— E só são três ingênuas idiotas e manipuladoras. — Julie completou gesticulando no ar com seu garfo.
— Sim. Só são isso mesmo e se acham. — Noah deu de ombros e voltou a comer.
— Mas bem que você tentou ficar com a Rachel, não é? — Cameron o encarou com a sobrancelha arqueada.
— Nada disso! Quem quis foi o Ethan! Não eu! — respondeu na de-
fensiva e todos (menos eu) olharam para o Ethan esperando sua resposta. Só percebeu que o encaravam depois de um tempo.
— Ah! É sim. Erro meu. — Ethan respondeu rápido e então o sinal tocou. Aproveitou a deixa e saiu da mesa rapidamente. Os outros ficaram comentando o que "raios" deu nele hoje e fiquei em silêncio.
Minha aula seguinte foi de música e Julie me acompanhou. Ela era muito boa! Tocava e cantava como ninguém e até me fazia sentir vontade de dançar e acompanhar a música. Infelizmente não tinha tantas habilidades e, quando ela e a professora Stella tentaram me ajudar a tocar violão, fui um completo desastre. Treinei a aula toda em vão, mas aceitei porque era a minha primeira aula e com certeza teria que treinar muito para ficar como Julie. Julie estava ali para demonstrar, não que estivesse no mesmo nível meu e dos outros alunos. Ela arrasava, enquanto nós simplesmente tentávamos.
A aula de música acabou e já eram sete da noite. Como era estranho estudar a esse horário! Sempre estudei de manhã em meus colégios humanos normais e agora estava, às sete da noite, seguindo para uma aula de... Camuflagem? Sim. Camuflagem. E meu professor era Jack, um fantasma que nem me atrevi a perguntar a idade (se é que fantasmas faziam aniversários). Dessa vez, quem estava na aula comigo era Lewis e fez o possível para me ajudar. Nas aulas de camuflagem, íamos todos para uma sala digital especial, que simulava diversos ambientes noturnos e nos fazia procurar esconderijos decentes em cada novo ambiente. Quem não conseguisse se esconder, era manchado com as bolas de tinta lançadas sabe se lá de onde (me lembrava do paintball que jogava com meus amigos). Ao fim da aula estava completamente colorida parecendo um arco-íris ambulante, a sorte era que terminávamos a aula quinze minutos mais cedo para termos tempo de nos lavarmos rapidamente e seguirmos para a aula seguinte. Tomei uma ducha rápida e meus machucados arderam em contado com a tinta, a água e o líquido que nos deram para tirar a tinta. Limpei-me rapidamente e como não tinha outra roupa para colocar, tive que pôr a mesma, toda furadinha e chamuscada (por causa do vidro do béquer e do fogo) e toda pintada (por causa da aula de camuflagem/paintball). Corri para a aula de teatro, com a certeza de que estava atrasada e entrei na sala de supetão. O professor (que já havia começado a aula) me olhou arqueando a sobrancelha.
— Desculpa! Sou nova e vim da aula de camuflagem do professor Jack, mas tive pouco tempo para me limpar e meus machucados ardiam por causa do béquer que estourei na aula da Havena e... — comecei a falar rapidamente, até que tive que dar uma pausa por estar sem fôlego. Pensei que o professor iria me fuzilar e me dar uma enorme bronca, mas sorriu e veio até mim de maneira firme e gentil, cheio de controle sobre si.
— Olá, mocinha. Sou o professor de teatro e meu nome é Thommas. — disse com uma voz suave e segura. Era alto, tinha olhos verdes intensos e cabelos bem pretos. Sua pele era extremamente clara e usava um terno preto. Por cima do terno uma capa preta estilo capas de saltimbancos medievais, com capuz nas costas. Tinha um livro nas mãos e uma postura de galã de novela que me deixou sem fôlego. Ao olhar seu sorriso vi os caninos que se projetavam e meu estômago revirou. Era um vampiro! Meu professor era um vampiro! Tentei sair do transe e responder alguma coisa.
— Ah... Oi! Meu nome é Alessia. Desculpa interromper sua aula. — meu rosto estava corado, me sentia completamente sem graça.
— Não tem problema! Estávamos apenas formando pares para a encenação que sortearemos e faremos no fim da aula. — e fez um gesto para que o seguisse até o fim do auditório, onde estavam sentados os alunos nas cadeiras em frente ao palco (a sala de teatro era como as salas de um teatro de verdade, com palco, cadeiras para a plateia, cortina vermelha e tudo o mais).
— Ah! Claro! Quem será meu par? — sentei-me devagar.
— Coitada... — ouvi alguém murmurar.
— Espero que não se machuque... — outra voz sussurrou.
— Espero que não se apaixone... — alguém disse com uma risadinha.
Fiquei olhando para o professor, esperando sua resposta. Após pedir para a sala se silenciar, subiu ao palco com uma prancheta na mão direita, um livro debaixo do braço e alguns papeis quadradinhos na mão esquerda.
— Muito bem! — limpou a garganta e a sala toda ficou em silêncio. — Vou anunciar os pares e qual cena deverão representar! Drake e Harriet, uma cena de humor. Cody e Jake, uma cena de luta. Mike, Cindy e Fionna, uma cena de terror. Layla e Kelly, uma cena de mistério. Jane, Patrik e Friedrich, uma cena de traição. Trevis e Cole, uma cena de morte.
— Certo professor. — Drake e Harriet foram para um dos cantos do teatro para combinar tudo.
— Ok. Você vai se surpreender, professor Tom! — Cody e Jake estavam animados.
— Essa é a intenção, garotos. — falou o professor, sorrindo de leve.
Mike, Cindy e Fionna saíram conversando sobre o que iriam fazer. Layla (uma das amigas de Rachel) seguiu com sua parceira Kelly, para ensaiarem. Trevis e Cole pareceram felizes por interpretar a morte e Jane, Patrik e Friedrich subiram ao palco e sumiram por detrás das cortinas.
— Professor, e eu? — encarei-o confusa.
— Você fará par com Zein, que já deve estar chegando. Avisou-me que chegaria atrasado. — então, a porta do auditório se abriu novamente e o Mestre das Sombras entrou. — Olá, meu rapaz! Seja bem-vindo à minha aula.
— Obrigado, professor. — e se aproximou de nós. Finalmente pareceu me notar e me olhou tão fixamente que achei que estivesse vendo através de mim.
— Oi. — falei baixinho e tentei sorrir.
— Esta será sua parceira, Zein. Espero que não se importe de ajudála. É novata e precisa de alguém experiente para orientá-la. — enquanto o professor ia dizendo essas palavras meu coração pulou, se acelerando. Por que tinha que ser meu par? Bem, queria mesmo enturmá-lo... Talvez não seja tão ruim.
— E o Senhor deseja que eu a oriente? — Zein também não parecia muito feliz e ainda me encarava.
— Sim, por favor.
— Sabe que me saio melhor sozinho... — e finalmente desviou o olhar de mim. Desviei o olhar também, fitando o chão.
— Sim. Por isso mesmo acho que deveria tentar outras formas de atuação. — disse o professor. O olhei e percebi que Zein fez o mesmo.
— Sim, Senhor. — e baixou a cabeça. — Que tipo de cena nós faremos?
— Bem... Para vocês separei uma cena especial. — o professor sorriu
e pensei enxergar malícia em seu sorriso, mas logo espantei essa ideia.
— Que cena? — Zein parecia impaciente. O professor nos levou ao canto esquerdo do auditório e então nos ditou o que deveríamos fazer.
— Quero uma cena que misture um pouco de tudo. Mistério, terror,
luta, traição e amor.
— Por que não morte ou humor, no lugar de amor? — falei sem que-
rer.
— Por que vocês terão mais química em cenas de romance. E além do mais, nenhum dos outros fará esse tipo de cena. Aproveitem! — E se afastou.
O Mestre das Sombras (que agora sabia que se chamava Zein) ficou em pé na minha frente e não tive outra escolha senão encará-lo e tentar dizer algo que poderíamos encenar.
— Teve alguma ideia? — sua voz suave e sedutora perguntou baixinho.
— Sim. — respirei fundo antes de falar. — Pensei em algo assim: você fica escondido atrás das cortinas e vou caminhando no palco, em frente a elas e você move as cortinas como se fosse o vento soprando.
— Hum... continue.
— Certo. Isso será a parte de mistério.
— Posso manipular a névoa para cobrir o palco de maneira que dê um cenário mais adequado.
— Tudo bem. — tentei ignorar o nó que se formava em meu estômago ao lembrar da névoa. — Você acha que consegue sussurrar coisas para que todos ouçam e que façam com que tenham medo?
— Claro. — e deu de ombros.
— Muito bem. Então quando estiver perto de uma das aberturas da cortina, vou virar de costas como se algo tivesse me tocado por trás, e aí você surge atrás de mim, me fazendo gritar de medo. O terror.
— Tudo bem. Parece bom. Posso te segurar e você tenta lutar comi-
go, para fugir de mim. A cena de luta.
— Sim. Pode ser.
— E a parte que misturará a traição ao amor já sei. Vou "trair" minha espécie ao te proteger da névoa e não a matar por que "a amo".
— Certo. — engoli em seco. Meu coração já queria sair pela boca de tão nervosa que estava e tinha certeza que minhas mãos trêmulas estavam suando frio.
— Como você se machucou? — falou enquanto voltávamos a nos sentar com os outros e a primeira dupla se arrumava no palco.
— Explodi um béquer na aula da Havena e espalhei fogo por toda parte. Depois, na aula de camuflagem, fui atingida por todas as cores de tinta dos cenários. — e sorri de leve. Ele riu um pouco e sorri ao ouvi-lo rir.
— Vamos começar! — gritou o professor para chamar a atenção de
todos.
A apresentação de Drake e Harriet foi espetacular, assim como todas as demais apresentações e imediatamente o professor já foi atribuindo-lhes as notas, que eram dadas em grupo, ou seja, se um erra, todos perdem nota. Assisti a todas as apresentações e quando chegou a nossa vez, meu coração estava disparado de nervoso e meu estômago estava dando voltas.
— Comecem! — ordenou o professor e comecei a andar pelo palco como se estivesse com medo. A sala foi completamente escurecida e só havia um feixe de luz, que iluminava apenas a mim. No chão havia a névoa evocada por Zein e quanto mais tinha que andar por ela, mais medo sentia, como se estivesse mesmo em perigo. Zein começou a sussurrar as palavras.
— Em noites de frio e de lua fraca, as trevas reinam. Não deverias sair de sua casa e seguir por um bosque escuro e sombrio sozinha. Não tens medo da morte?
— Eu saí, pois vim atrás de você. O ser que se esconde na noite e a todos assusta. O que queres ficando sozinho? Por que tens medo de ser encontrado? — meu coração saltava. Era um ótimo ator!
— Não tenho medo de ser encontrado. Ouça a figura do vento uivante. Sinta a penumbra de sombras inquietantes. Siga na noite a imagem de gritos e horror e assim irás me encontrar. — disse fazendo sua voz reverberar pelo auditório, mesmo que fosse apenas um sussurro. Era a deixa para me virar. Virei-me para trás e então a luz piscou. No segundo em que se acendeu novamente, senti braços fortes envolverem minha cintura e um hálito gelado roçou meu pescoço. As pessoas no auditório gritaram de susto. — Aqui estou.
Dei um grito alto e agudo, como se estivesse apavorada (e quem disse que não estava?) e tentei sair de seus braços numa luta desesperada, porém inútil. Ele me segurou mais forte e senti minhas pernas ficarem bambas. Me virou para ele e ao encontrar seu olhar esqueci do auditório, esqueci do professor e de suas notas, esqueci até o que aconteceu hoje nas aulas desastrosas que tive. Consegui apenas olhá-lo e mergulhar em seus olhos cor de mel com traços de vermelho-sangue... Algo chamou minha atenção para além dele. A névoa se erguia e formava uma gigantesca mão escura de sombras. Gritei novamente, dessa vez realmente com medo. Ele se virou, colocando-se à minha frente.
— Corra, fuja daqui! Corra! — disse enquanto lutava para afastar as sombras, mas não consegui correr. Não sabia se era encenação ou não, então agi involuntariamente e o abracei por trás, pela cintura. O sinal tocou, mas ninguém se mexeu, continuaram assistindo e nós continuamos encenando.
— Não vou deixá-lo. Vim até aqui para que não estivesse mais sozi-
nho. Não vou largá-lo na solidão novamente. — falei alto para que todos ouvissem em meio aos gritinhos e comentários. Ao dizer isso levantei o rosto para olhá-lo e me encarava embasbacado, como se tivesse dito algo que jamais ouvira antes. E não duvido disso, mas esse momento não durou muito e a névoa fez um som gutural como o de uma fera rugindo. Só deu tempo para que se virasse de frente para mim e me abraçasse, então a névoa nos arremessou pelo palco fazendo-o cair em cima de mim. A dor que senti com o choque foi real e o medo que senti da névoa também. Não estava encenando! Havia perdido o controle!
— Obrigado por se opor aos demais e acreditar em mim, mas agora creio que perdi o controle e não posso protegê-la completamente. A névoa irá te matar e ela sou eu! Vou te matar! Sou um monstro! — Sussurrou me olhando nos olhos, ainda sobre mim. Jurava que todos haviam prendido a respiração enquanto a névoa se aproximava de nós.
— Não tenho medo de você. Você não é um monstro. Você pode controlá-la! — meu coração batia tão alto que sabia que podia ouvir.
— Não posso... — lágrimas ganharam seus olhos e apertou o corpo junto ao meu e me beijou. A névoa investiu pesadamente em nós como se estivesse com raiva e as luzes se acenderam. A névoa se dissipou e o auditório explodiu em aplausos.
— Bravo! Fantástico! Perfeito! — gritava o professor, mas não conseguia prestar muita atenção. Zein ainda estava em cima de mim e ainda me beijava.
— Caraca! — alguém gritou.
— Fiquei toda arrepiada! — Outra pessoa falou.
— Foi incrível! — alguém mais acrescentou.
— Zein? — sussurrei entre o beijo com o coração parecendo que iria
explodir e a respiração rápida e ofegante.
— Ah. Desculpe. — e saiu de cima de mim me ajudando a levantar.
— Tudo bem. — meu rosto estava completamente corado. Os alunos tinham começado a sair do auditório e no contra fluxo vinha Leslie com um sorriso no rosto.
— Vocês foram magníficos! — e batia palmas. — A perdoo pelo atraso em minha aula.
— Obrigada. — fitei o chão.
— Gostaria que desenvolvessem essa ideia em uma peça e que se apresentassem para a escola toda. O que acha Leslie? — o professor sorriu para ela.
— Acho uma ótima ideia! — e me olhou de relance. Zein estava segurando minha mão e quando fixou seu olhar nesse gesto, senti meu rosto esquentar e tentei soltar a mão, mas ele a segurou mais forte.
— Vou pedir à Rainha hoje mesmo! — e o professor começou a sair
do auditório.
— Vou com ele. Tenho aula de caça agora. — Zein falou baixinho, soltou minha mão e seguiu o professor.
— E agora você tem aula de reforço à feitiçaria. — Leslie me puxou pelo braço e me guiou até sua aula. Me entregou um livro e pediu para ler o primeiro capítulo como lição de casa e trazer minhas dúvidas na próxima aula. Saí mais cedo e segui para o quarto. Peguei uma roupa, tomei um banho, me troquei e depois me joguei na cama. Cameron entrou no quarto logo em seguida.
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