Capítulo 5
- Está pronta? - Ária entrou no meu quarto no dia seguinte bem cedo, trazendo uma mala preta de viagem.
- Estou. - Nem se quisesse ou se tivesse me preparado, estaria pronta para uma coisa dessa.
- Por favor, tome cuidado por lá. Aqui nada é o que parece.
- Vou tentar. - Sorri de leve.
Ela me abraçou rapidamente e depois me levou para a parte de fora da estalagem, onde uma carruagem (sim, uma carruagem!) esperava para me levar ao castelo onde, pelo que entendi, teria que morar e só poderia sair nos fins de semana.
Entrei na carruagem e começamos a viagem. Era toda fechada, de maneira que não consegui ver o caminho até lá. Fiquei pensando em várias coisas enquanto seguia. Por que Ária havia nos ajudado? Será mesmo que "só não gostava de mortes?" E como Leslie ficou sabendo que estava aqui e que era uma feiticeira? "As notícias correm rápido", foi o que disse, mas cheguei ontem! Me transformei faz apenas algumas horas! Como pôde saber? "Nada é o que parece ser nesse lugar" e agora entendo que tudo aqui é realmente estranho e suspeito.
Desconfiar? De tudo e de todos. Mas como viver desconfiando de tudo e de todos, se não conheço nada nem ninguém por aqui? Quem vai me explicar as regras e os costumes? Ária? E se Ária também não for o que parece?
- Chegamos, senhorita. - o homem que conduzia a carruagem me tirou de meus devaneios.
- Ah, sim. - Percebi que segurava a portinha aberta e me oferecia uma das mãos para que me apoiasse para descer e só então, reparei direito nele.
Era alto, mas nem tanto, apenas mais do que eu. Tinha cabelos curtos, escuros e presos em um rabo de cavalo pequeno na parte de trás da cabeça, que deixavam a mostra suas orelhas pontudas, denunciando sua identidade. Era um elfo. Mas que tipo de elfo? Não sabia. Sua pele era bem clara, ou seja, não era um elfo da floresta, e também não era acinzentada, então não era um elfo ferreiro. Era de um branco perolado, e o que raios isso queria dizer?
- Senhorita? Não vai descer? - E arqueou as sobrancelhas.
- Ah, sim. Vou. - Saí da carruagem, meio estabanada, mas antes tive tempo de reparar em seus olhos. Não eram esverdeados como os de Aron e também não eram acinzentados, como ficaram os de Daniel. Eram de um tom de azul claro meio opaco e desbotado. Eram bonitos, porém se você olhasse rápido, pensaria que não tinha cor nas írises. As roupas eram simples, porém refinadas, mostrando que trabalhava para a realeza.
Pegou minha mala e começou a me acompanhar até a porta do castelo (eu disse porta? Aquilo era tudo, menos uma porta! Passaria até um caminhão por ali!). No alto de uma escadaria de pedras, estavam me esperando a suposta irmã de Ária, Leslie, e mais duas pessoas encapuzadas, de maneira que não se via seus rostos e nem seus corpos, apenas um enorme manto preto.
Subi alguns degraus para chegar ao enorme portal (Isso! Parecia um portal!). A construção era toda em estilo gótico, o que deixava o lugar ainda menos receptivo. As pedras de que era feito eram pretas ou cinza escuras.
- Ah, olá. - Disse timidamente ao chegar ao topo da escada.
- Olá. Seja bem-vinda, Alessia. Queira vir comigo para que lhe mostre o seu dormitório. - Leslie falava como se fosse a própria dona do local.
Seu vestido era nada menos que luxuoso e chique. Era todo preto, mas era como se o tecido brilhasse. O decote era fundo e diria até vulgar, mas nela caía muito bem, porque delineava todo seu corpo se ajustando na cintura e se abrindo do quadril para baixo.
O elfo que carregava minha mala e eu a seguimos até a parte esquerda do castelo, onde ficavam os dormitórios, de acordo com o que Leslie falara.
- O lugar é muito bonito. - Imaginei que só o elfo me ouviria, mas Leslie também ouviu.
- Certamente. Agrada-lhe o estilo gótico?
- Sim. Esse estilo mais a combinação de cores escuras, também é muito legal.
- Gosta de cores escuras? Talvez tenha que deixá-la em um quarto na ala dos vampiros e bruxos. - Notei o sorrisinho dela apesar de estar uns
p
assos a minha frente. Engoli em seco. A ideia de ter bruxos ao meu redor não me parecia estranha, mas a parte relacionada a vampiros era, com toda a certeza, assustadora.
- Como quiser....
Continuamos a caminhar e subimos até o quarto andar do castelo. Ufa! Achei que nunca iriam acabar esses degraus! Saímos em um corredor largo, coberto no chão por um tapete vermelho e dourado, as paredes eram de pedra cinza escura e nelas haviam várias portas.
Nos intervalos entre cada porta, haviam quadros e obras de tapeçaria, representando cenas que me pareciam medievais (como o resto desse lugar, aliás). As portas eram de madeira, mas a madeira tinha diferentes tonalidades pelo que percebi.
O corredor que seguia para a esquerda tinha sempre portas de cores claras (e as madeiras das portas conseguiam assumir um tom de azul claro, amarelo, rosa e, estranhamente, bronze). Nas portas da direita, que era para onde estava me levando, vi portas apenas em tons escuros (púrpura, azul-escuro, cinza-escuro com preto, e por fim, o vermelho). Parou comigo em frente a uma das portas azuis escuras e deu dois toques de leve.
- Pois não? - ouvi uma voz grave, masculina, gritar lá de dentro.
- Abra, por favor. Você tem uma nova companheira de quarto. - evitei olhá-la com uma expressão do tipo "como assim vou dividir um quarto com um cara?".
- Ah! Claro. Só um momento. - a voz respondeu e logo em seguida um rapaz alto, de cabelos curtos castanhos claros e olhos da mesma cor dos cabelos abriu a porta vestindo um conjunto de moletom azul marinho e meias brancas nos pés. Era, além de alto, forte. Seus músculos eram perceptíveis mesmo debaixo de um moletom. Acho que estava dormindo....
- Cameron, esta é Alessia. Será sua nova companheira de quarto. Sim, vai ficar aqui. Precisa de alguém forte, responsável, inteligente e organizado para ajudá-la a se adaptar ao colégio e suas regras. - e, sem dar tempo para que nenhum dos dois dissesse nada, completou. - Ótimo. Espero que fiquem amigos ou quase isso. Jeffrey! Pode deixar a mala ali.
- Sim, senhora. - disse o elfo que estava carregando minha mala. Entrou no quarto, após pedir licença, colocou a mala em um canto e depois saiu atrás de Leslie. Entrei no quarto, meio receosa e Cameron fechou a porta.
- Bem... ahn... tudo bem com você? É difícil ser nova, não é? - percebi que estava tão sem graça quanto eu.
- Sim... - não tive coragem de encará-lo. Fui até a cama, que estava perfeitamente arrumada com um edredom azul escuro, imaginando ser a minha e sentei-me ali arrastando minha mala comigo. Comecei a desfazer a mala para colocar as coisas nas gavetas da cômoda que havia ao lado.
- Você é uma bruxa também? - olhei-o confusa.
- Não. Sou uma feiticeira. - e voltei a me concentrar em minha mochila.
- Ah. Não entendo... por que não a colocaram junto com os outros feiticeiros?
- Não sei. Pode voltar a fazer o que estava fazendo. Não vou ficar te enchendo.
- Não. Não está me enchendo. E, ahn... bem... não dá para voltar a dormir, você está na minha cama. - e riu de leve.
- Ah! Desculpa! Não sabia que... - levantei depressa e agradeci por
não ter colocado nada nas gavetas ainda.
- Tudo bem! Calma! - riu e me ajudou a tirar minhas coisas de cima da cama.
- Obrigada. - sorri envergonhada.
- Não se preocupe. Não sou um veterano chato que gosta de encher novatos. - e piscou para mim.
- Ah, claro. Imaginei que não.
Terminamos de tirar as coisas dali e quando estava acabando de arrumá-las nas gavetas (nas certas dessa vez) encontrei um livrinho com as regras básicas da cidade e da sociedade deles. Ária! Com certeza ficou preocupada de não ter conseguido me dar aulas sobre o lugar antes de ser arrastada para o centro dele.
- Bem... é dia de Solis, então nós... bem... nós meio que dormimos até tarde, almoçamos e depois ficamos lendo livros, vendo filmes, conversando sobre qualquer coisa ou, no meu caso, fazendo os trabalhos e tarefas que acumulei durante a semana.
- Ah... claro. Você quer ajuda?
- Ahn... bem... você não estava na aula. Não tem como me ajudar.
Desculpe. - Agora foi a vez dele de sorrir sem graça.
- Ah. Tudo bem. - sentei na minha cama e comecei a folhear o livrinho de Ária. Logo em uma das primeiras páginas havia a explicação de como eram contados os dias aqui:
Dia Solis (Dia do Sol, que para você é o domingo).
D
ia Lunae (Dia da Lua, que é a segunda-feira).
Dia Martis (Dia de Marte - terça-feira).
Dia Mercuri (Dia de Mercúrio - quarta-feira).
Dia Lovis (Dia de Júpiter - quinta-feira).
Dia Veneris (Dia de Vênus - sexta-feira).
Dia Saturni (Dia de Saturno - sábado).
E os nossos meses apesar de apresentarem, em número, o mesmo
q
ue o de vocês, possuem nomes diferentes de acordo com o que acontece em determinado mês. As datas de início e término também não coincidem (é como o calendário adotado pela França durante a fase popular e a Revolução Burguesa do seu mundo):
Número Novo/ Mês/ Duração pelo Calendário Tradicional:
1º Vendemiário (Colheita de Uvas) 21/09 a 20/10
2
º Brumário (Névoa) 21/10 a 20/11
3º Frimário (Geadas) 21/11 a 20/12
4º Nivoso (Neve) 21/12 a 20/01
5º Pluvioso (Chuvas) 21/01 a 20/02
6º Ventoso (Ventos) 21/02 a 20/03
7º Germinal (Germinação Plantas) 21/03 a 20/04
8º Floreal (Flores) 21/04 a 20/05
9º Plairial (Campo) 21/05 a 20/06
10º Messidor (Colheitas) 21/06 a 20/07
11º Termidor (Calor) 21/07 a 20/08
12º Frutidor (Frutas) 21/08 a 20/09
Bem... o que pude perceber é que teria mesmo que me esforçar para entender tudo que se passava aqui e como as coisas fluíam nesse lugar. Os dias e os meses não eram muito complicados, só tinham nomes meio... peculiares. Acabei rindo da palavra que usei porque pensei de uma maneira muito semelhante à maneira de Daniel falar.
- Nossa... o que está tão engraçado? - Cameron sorria e me observava curioso.
- Ah! Ahn... nada! - fechei o livro e o enfiei embaixo do travesseiro.
- Tudo bem então... - e voltou a se concentrar em seu trabalho com o computador.
- Desculpe, eu estava rindo porque me lembrei de um amigo meu. Da maneira como fala a palavra "peculiar". - senti-me mal por tratá-lo de maneira arrogante.
- Ei. Tudo bem. Não me deve satisfações de tudo o que pensa. Mas... ahn... o que exatamente lhe fez pensar na palavra "peculiar"? - um meio sorriso tomou conta de seu rosto.
- Ah! Ahn... - tentei enrolar para pensar numa resposta que não
e
ntregasse que estava completamente perdida na cidade toda e não apenas na escola. - Bem, estou meio perdida porque começo as aulas amanhã e não recebi minha grade de aulas ainda. Considerei minha chegada tão repentina, "peculiar".
- Ah! Claro. - e sorriu mais largo. - Achei que estivesse incomodada por dividir o quarto com um garoto.
- Não. Quer dizer, sim. É estranho, mas não tenho medo de você ou nada parecido.
- Nem deveria mesmo. É normal por aqui garotos dividirem quarto com garotas, mesmo que não sejam conhecidos, amigos ou namorados. -
s
enti o rosto corar.
- Claro. - desviei o olhar.
- Ária deve tê-la indicado para o meu quarto por que me conhece. Eres humana, não? - falou tão naturalmente que não soube o que dizer, mas minha boca foi mais rápida.
- Sim.
- Bem, pode contar comigo. Não vou contar a ninguém. Sou afilhado de Ária, e por isso confiou você a mim. Deve ter feito um acordo com Leslie.
- Acordo? Leslie sabe que sou humana?
- Não. Leslie não sabe. Mas Ária deve ter feito algum acordo do tipo "deixo ela ir se você a deixar no quarto do meu afilhado".
- Ah. - ajeitei a cama para um dia inteiro deitada ali, porque pelo jeito é o que faziam nos domingos em que não podiam sair da escola.
- Ei! Quando acabar aqui, quer que vá com você buscar sua grade de aulas?
- Ahn... pode ser. - sorri tentando parecer agradecida e não surpresa.
Voltou a olhar a tela do computador e peguei novamente o livro debaixo do travesseiro. Li algumas páginas, até perceber que Cameron estava parado em frente à minha cama, estalando os dedos para chamar a minha atenção. Fechei o livro e o enfiei embaixo do travesseiro de novo.
- Oi. Desculpa. - ri de leve. - O que foi?
- Vamos? Já terminei o trabalho.
- Já? Minha nossa!
- Sim. Era fácil. Agora vamos. Se troque para podermos ir.
- Tudo bem. - saí da cama e a arrumei antes de me trocar para irmos.
Observei o quarto e fiquei aliviada ao ver que tinha um banheiro onde poderia me trocar. O cômodo até que era grande. Você entrava e logo de cara percebia as duas camas debaixo de duas janelas cobertas com grossas cortinas (e no caso do nosso quarto eram azuis escuras, assim como o enxoval).
Entre as camas estava a cômoda com as gavetas para guardarmos nossas coisas (na verdade, à direita de cada cama, pois uma delas ficava encostada na parede da esquerda). Na parede, à uma cômoda de distância da cama de Cameron, estava a porta do banheiro, que não havia reparado antes.
O chão na frente das duas camas tinha um tapete retangular azul escuro e dourado com desenhos de
t
apeçaria como os das paredes lá de fora. Foi então que lembrei: não tinha roupas para trocar.
- Cameron? - já estava na porta do banheiro.
- Sim?
- Não tenho roupas. Eu não trouxe.
- Ah, venha comigo. Vou te levar ao mini shopping do colégio. Não é muito grande, mas tem roupas boas e que nos caem perfeitamente bem. - e sorriu.
- Onde fica? Isso é... - sentia-me surpresa e confusa. Um mini shopping? Aqui?
- Fica no quarto andar do prédio da direita. Isso é um castelo e já percebi que você não foi apresentada a ele todo ainda, certo?
- Sim. - sorri timidamente.
- Bem. Vamos, então. Vou levá-la primeiro ao shopping para comprar umas roupas e depois nós vamos à secretaria buscar sua grade de aulas.
- Certo.
Saímos do quarto em direção ao enorme corredor para podermos seguir até o tal shopping no castelo. Era engraçada a ideia de ter um shopping dentro de um castelo, que na verdade era um colégio. Mas se só havia adolescentes ali, fazia sentido.
- Cameron, só adolescentes estudam aqui?
- Sim. As crianças apenas brincam e se divertem até seus quinze anos.
- E depois vêm para cá. - deduzi.
- Bem... mais ou menos. - percebi que ficou tenso de repente.
- Como assim?
- Alguns adolescentes vêm para cá. Outros acabam indo trabalhar porque não são aceitos aqui.
- Por que não podem pagar?
- Não. Porque a Rainha não os deixa estudar aqui. A escola não é paga. Todos os aceitos podem frequentá-la normalmente sem pagar à parte.
- Sério?
- Sim. Assim como as roupas da lojinha. Nós recebemos um cartão da escola para comprarmos o que quisermos nas lojinhas do shopping. É um cartão ilimitado, mas não se anime muito. Só vale para o shopping do castelo.
- Não. Não sou viciada em compras. - ri e ele sorriu para mim.
- Isso é realmente "peculiar". - e me fez rir ainda mais, rindo comigo também. Nesse momento, enquanto ríamos, não percebemos as duas garotas que se aproximavam de nós e acabamos trombando com elas.
- Ei! Não olham por onde andam, não?! - gritou a mais alta delas.
A garota era muito bonita. Era alta como já falei, seu rosto era oval e tinha o queixo fino. A pele extremamente clara, o cabelo era cor de vinho e seus olhos, violeta. Fiquei boba observando e não percebi o que havia gritado, nem como logo em seguida olhou para Cameron e ambos começaram a conversar. A garota ao lado dela era um pouco mais alta que eu, tinha a pele um pouco mais escura que a da outra menina, cabelos loiros arruivados e olhos cor de mel, seu rosto era redondo e seu olhar não era como o da garota que gritou. A primeira tinha um olhar ameaçador e metido, enquanto a segunda tinha olhos de coelho (não na cor, na expressão), assustados e submissos.
- E você? - a mais alta gritou para mim. Consegui sair do transe de observá-las. Limpei a garganta e empinei um pouco o queixo, levantando a cabeça.
- Eu me chamo Alessia, sou nova na escola e Cameron está me levando para conhecer o lugar. - usei um tom nem muito gentil e nem muito arrogante. A outra menina me olhou assustada e então, quando a olhei, desviou o olhar.
- Ah é? Eu me chamo Rachel. E esta aqui ao meu lado é Ramona. - seu tom era arrogante. - E, Cameron, não prefere sair conosco e deixar a novata se virar um pouco para variar? - insinuou-se para ele, que desviou rapidamente fazendo com que quase caísse de boca no chão. Segurei o riso.
- Não. Não quero. Leslie me pediu para ajudá-la a se adaptar e é isso o que vou fazer. Fora que Alessia é minha companheira de quarto. - disse simplesmente e por um breve segundo vi o queixo de Rachel cair de incredulidade enquanto se levantava, mas logo seu olhar tornou a ser metido e até raivoso.
- Leslie a colocou no seu quarto? - notei que não conseguiu disfarçar a perplexidade.
- Sim. - Cameron soou indiferente.
- Rachel! Ramona! Venham! Já vamos começar! - ouvi outra voz feminina gritar no fim do corredor e logo em seguida Rachel passou por mim e bateu com o ombro no meu, jogando seu cabelo na minha cara. Ramona a seguiu depressa nos deixando sozinhos no enorme corredor.
- Não ligue para elas. São duas coitadas. - e voltamos a caminhar.
- Tudo bem. Já estou acostumada com gente assim. - dei de ombros.
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