Capítulo 26

Quando chegamos à Caverna de Cristal, não precisamos nem entrar para saber que havia algo errado. Estavam todos os nossos amigos e colegas para fora da caverna, inclusive o dragão Dust, e olhavam para dentrocom ares de tristeza e raiva.

— O que aconteceu? — falei ao encontrar Ária.

— Atacaram nosso esconderijo. Sabiam que estaríamos aqui.

— Alguém se feriu?

— Não.

— Então prestem atenção! — gritei e subi em uma das pedras mais próximas. Quando todos os rostos se viraram para mim, me senti um pouco constrangida, mas mesmo assim continuei. — A Rainha dos Vampiros foi mandada ao mundo fantasma, porque Leslie foi quem enfiou a espada em seu coração! Por favor, me perdoem por ter permitido isso! Nós precisamos sair de Fantasy imediatamente, porque jurou que assim que nos encontrasse, iria nos matar! Ouvi de um dos fundadores que há um lugar para onde poderemos ir e recomeçar nossas vidas longe da ditadura e das regras dessa Rainha louca! Peço que todos que queiram nos acompanhar fiquem e nos sigam, mas saibam que não será fácil sair de Fantasy e passar pela fronteira! Algo me diz que haverá guardas nos esperando! Vocês estão comigo?

Fiquei feliz ao ouvir os gritos das pessoas que nos acompanhariam, mas me preocupei com a fala de Arak. Disse que era para darmos o melhor de nós nessa corrida pela vida, porque caso contrário, quem fosse ferido ou lerdo demais, seria deixado para trás, atrasando os guardas que possivelmente nos seguissem. Todos concordaram e isso me preocupou ainda mais. Enquanto as criaturas pegavam suas armas e pertences restantes, tive tempo de tirar Lewis da minha mente e arrumar o vestido para que conseguisse correr com facilidade. Como ainda havia algumas armas nele, simplesmente cortei-o mais curto para facilitar na corrida.

— Estão todos preparados? — Arak berrou o mais alto que conse-

guiu.

— Sim! — disse o grupo de umas setenta pessoas, mais ou menos, incluindo jovens, adultos e crianças. Contei rapidamente e havia umas treze crianças, uns vinte adultos e uns trinta jovens (sem contar os fundadores e as pessoas do "meu" grupo).

Começamos a correr pela floresta o mais rápido que conseguíamos. Comecei a pensar que assim que saísse de Fantasy poderia observar minha família sem que percebessem, só para ver se estavam bem. Foi então que me lembrei de algo: Como iria sair de Fantasy? Eu e Daniel ainda somos em parte humanos! Não conseguiremos atravessar a barreira como os demais.

— Ária! Temos um problema! — e me aproximei mais dela.

— Qual?

— Daniel e eu somos humanos ainda! Não conseguiremos atravessar

a barreira mágica!

— A barreira mágica ainda está desfeita no momento. A Rainha morreu e Leslie terá que refazer o feitiço com um ritual específico. Não é algo rápido! Vocês conseguirão atravessar!

— Tudo bem, mas como saberemos se já atravessamos a barreira?

— Nós, que somos criaturas daqui, sentiremos uma espécie de tremor seguido por um arrepio na coluna, indicando que ultrapassamos a fronteira. Avisaremos a todos quando isso acontecer.

— Certo.

Corremos por um longo tempo e já estava começando a sentir minhas pernas amolecerem quando ouvimos um grito. Automaticamente todos pararam de correr e aguçaram os ouvidos para escutar de onde havia vindo.

Vinha de trás, da retaguarda.

— Os cavaleiros da Rainha! Estão aqui! — Alguém gritou e todos retomaram sua corrida, desesperados para chegar logo à fronteira.

— Ária, o que faremos? E agora? — comecei a sentir o pânico tomar

conta.

— Corra! O mais rápido que puder! Se vir algum dos cavaleiros, não hesite, mate-o! — Senti um tremor percorrer o corpo. Matar? Como assim matar? Não consigo matar nem uma formiga! Como mataria uma pessoa? Lewis não estava mais comigo!

Continuei correndo e rezando mentalmente para não me deparar com nenhum cavaleiro, quando tropecei em uma raiz. As pessoas que vinham atrás de mim não pararam para ajudar. Algumas olhavam com pena, outras nem sequer olhavam e continuavam a correr, pisoteando tudo que estivesse no caminho.

Quando finalmente consegui me levantar, tentei voltar a correr, mas alguém segurou meu braço com força. Virei-me e tentei me chacoalhar para me soltar. Era um dos cavaleiros. Consegui soltar meu braço, tirei a adaga que estava presa no decote e enfiei no peito dele, que arfou e gritou algo, depois caiu no chão rindo. Rindo? Não entendi porque ria, mas, ao virar-me, percebi que havia outro e esse outro apontava para uma flecha em minha direção.

No mesmo instante, foi como se tivesse sentido meu coração parar e voltar a bater de novo, em seguida pareceu que o mundo havia congelado e tudo que via era aquele homem apontando uma flecha em minha direção e sorrindo de forma maldosa.

Não havia alternativa. Eu morreria assim? Não conseguiria escapar? Será que isso era uma forma de castigo por ter deixado que me usassem como arma e assassina de uma Rainha ditadora?

Não! Não vou morrer! Tem que haver um jeito! Vou conseguir escapar! E aquela Rainha mereceu a morte que teve! Só preciso pensar em uma maneira de fazer o tabuleiro virar a meu favor. Então me lembrei do colar com pó de fada que o Ethan dera para mim. Perfeito! Trocaria de lugar com o inimigo! Ótimo! Era isso mesmo que precisava.

Com um movimento rápido, arranquei o frasquinho do colar e bebi o conteúdo (não precisei destampar, porque a tampa havia ficado presa no colar), fechei os olhos e quando os abri novamente já estava pronta para arremessar a flecha na fenda da armadura daquele cavaleiro. Mas algo deu errado.

Abri os olhos e no mesmo instante ouvi o grito de alguém que fora ferido, alguém que havia se machucado. Alguém que estava na minha frente e não era o cavaleiro ferido com a própria flecha.

— Não! — Gritei a plenos pulmões e corri até o corpo caído de Ethan. — O que aconteceu? Por que não troquei de lugar com o cavaleiro?

— Porque não era isso que deveria acontecer... — Ethan falou em meio à dor. — Eu menti...

— Você o quê? Como pôde fazer isso?

— Você não usaria se te contasse a verdade.

— É claro que não! Jamais faria isso! — E mal percebi quando as lágrimas começaram a rolar pelo meu rosto.

— Fuja enquanto o cavaleiro está tentando entender o que houve. — e foi fechando os olhos devagar.

Não! Ele não iria morrer! Não o deixaria para trás! Olhei a flecha que não havia atingido um ponto muito crítico, estava alojada só um pouco abaixo do ombro direito, ainda assim saía muito sangue. Sabia que só teria uma chance de atacar o cavaleiro e essa chance teria de ser agora. Puxei a espada da bainha do vestido (a espada que restara era comum e de prata) e investi contra o cavaleiro quase inconscientemente.

Acho que fui movida pela tristeza e pelo ódio, pois decapitei o cavaleiro que havia atacado Ethan antes mesmo de conseguir mirar a outra flecha em mim. Ethan precisava de sangue e por isso fiz o que pude para recolher, com o próprio elmo do cavaleiro, o sangue que lhe escorria. Enchi o quanto pude e não sei como não vomitei, mas levei o sangue até ele e o obriguei a beber. Após ter bebido, conseguiu abrir os olhos, mas ainda estava fraco pela perda de sangue.

Segurei-o com cuidado e rasguei uma tira do vestido, uma tira longa para conseguir retirar a flecha e estancar o sangue do machucado.

— Você precisa fugir... outros estão vindo...

— Não vou te deixar aqui. — e deu um suspiro cansado. — Só fique acordado por favor.

— Vou tentar... Alessia! Cuidado!

— O quê? — virei-me depressa, já com a espada em punho, mas a pessoa que estava ali ergueu as mãos ao alto em rendição.

— Calma! Vim para ajudar vocês. — aquela voz era inconfundível,

talvez por isso me fizesse arrepiar.

— Não precisamos da sua ajuda! Você trabalha para Leslie! — Praticamente cuspi as palavras.

— Sim e não. — e tirou o capuz da cabeça. — Vou ajudar vocês a fu-

gir. Sei que seu grupo os deixou para trás.

— Como sabe disso? — estreitei os olhos desconfiada.

— As trevas me contaram. — e se aproximou de nós.

— Sabe que se nos ajudar, Leslie com certeza irá descobrir e o castigar, não sabe? — Falei enquanto me ajudava a retirar a flecha, estancando o sangue. Ethan tentava não gritar, mas acho que a dor era um pouco forte demais. Quando finalmente conseguimos, Zein me ajudou a erguer Ethan com cuidado e começamos a arrastá-lo para a direção que havia seguido o nosso grupo.

— Eu sei.

— E mesmo assim vai ajudar?

— Vou.

Ouvi alguns barulhos vindos de trás e meu coração disparou. Os cavaleiros haviam nos alcançado! O que faríamos agora? Não tinha como corrermos com Ethan machucado! E também não seria fácil lutar e protegê-lo.

— Não se preocupe. A noite está nos encobrindo. — Zein sorriu de

leve.

— Obrigada pela ajuda. — retribuí o sorriso. — Você poderia vir com

a gente.

— Era o que estava pensando. — Ethan falou com muito esforço.

— Não! Com toda certeza seu grupo não me aceitaria.

— Tentarei convencê-los. Você pode andar cobrindo o rosto, disfarçando-se enquanto isso.

— Viver me escondendo? — e arqueou a sobrancelha.

— Sim, apenas enquanto tentamos dar um jeito. E então?

— Tudo bem, mas acho que vou terminar essa história decapitado. — Zein tentou rir, mas parecia um pouco incomodado.

— Não se eu puder evitar. Para matar um de meus amigos, terão que me matar antes.

— Amigos? — E olhou para mim com uma expressão confusa.

— Tudo bem, se não se considera amigo, então que seja apenas um "protegido" meu. — revirei os olhos seguindo em frente.

Finalmente alcançamos o grupo que nos havia abandonado e ao longo do caminho, vimos vários cavaleiros caídos sem vida. Zein e Ethan me avisaram quando passamos pela fronteira e assim que avistamos o grupo de Ária, percebemos que estavam concentrados em algum tipo de discussão.

— Ária, o que houve? — e cheguei ao centro da roda.

— Há um problema. — deu uma rápida olhada para Ethan e o encapuzado que o segurava. Percebi que deu um sorriso para eles e depois para mim, como se já soubesse que jamais deixaria um ferido. Não se mostrou muito impressionada com o ferimento de Ethan, acho que sabia do colar que havia me dado. Preciso me lembrar de perguntar isso depois.

— Que problema?

— Para fazer a magia do teletransporte que nos levará à antiga ilha de Magic, precisamos de um representante poderoso de cada uma das classes. — E faltam classes?

— Sim.

— Quais?

— Feiticeiro ou bruxo, e vampiro.

— Mas Ivan não é feiticeiro e bruxo?

— Sim, mas não pode ocupar os dois cargos no feitiço.

— Entendi. Mas então quem poderá ocupar esse cargo? Ária, você

não poderia ser a feiticeira?

— Poderia, mas ainda faltaria um vampiro.

— Então você será a feiticeira e Ivan o bruxo. Vocês têm alguma se-

reia entre si?

— É claro! — Sarina caminhou um pouco mais à frente do círculo.

— Você tem pernas?

— Só por essa noite, eu e as outras sereias teremos pernas por conta

de um feitiço de Ária e Ivan.

— Tudo bem. Acho que só falta um vampiro agora.

— Poderia fazer o feitiço. — Zein falou ainda com o rosto encoberto, segurando Ethan e disfarçando a voz.

— Quem é você? — Ivan o encarou desconfiado.

— Acho que não importa quem é, mas sim que quer ajudar. E sei que pode. — Sorri confiante.

— Mas... — Ivan começou a responder, mas Ária o cortou.

— Ela está certa. Vamos logo! Alguém ajude a segurar o garoto ferido! Os que participarão do círculo central apresentem-se! Os demais tratem de tocar em um dos representantes do círculo! Fechem a corrente e completem a roda! Vamos!

— Vai lá. — Sussurrei a Zein e sorri de leve. Lewis ficou ao meu lado

para ajudar a segurar Ethan. Toni, o amigo vampiro de Ethan, segurou-o onde estava segurando até agora e disse que poderia ficar tranquila, porque agora ele e Lewis dariam conta. Procurei Cameron e segurei seu braço para fechar o círculo, olhei em volta e todos faziam o mesmo.

— Agora! Todos do círculo de fora fechem os olhos e não abram enquanto não ouvirem a minha ordem! Quem abrir os olhos antes do tempo será deixado para trás quando o feitiço se completar, entendido?! — Ivan falava alto e tentava olhar para todo mundo. Todos assentiram.

Fechei os olhos e tudo que conseguia sentir eram os batimentos do meu coração estavam cada vez mais rápidos, e achei que teria um ataque cardíaco. Ouvi os fundadores, Ária e Zein, recitando o feitiço e comecei a me sentir tonta. Será que fazia parte da mágica? Não posso desmaiar agora! Aguente firme! Minhas pernas estavam bambas, mas me forcei a ficar em pé. Continuei me concentrando em ouvir o feitiço que estava sendo conjurado:

"Magic classies,

Feceruntque sibi tyrannidem,

Neque exspectant,

Nunc opus est, ne, Dona in hoc loc,

Oportet autem illum,

Fac nos Magic, Alia terram amet,

Quod salvus erit,

Initium novum vitae, Nec morá: discedite,

Nos beam ibi autem!

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