Capítulo 21


Dia Martis (terça-feira). Era noite, havia voltado das aulas e me arrumado para dormir porque estava realmente cansada. Depois que Cameron chegou e se ajeitou também, começamos a conversar. Conversávamos sobre a próxima reunião do nosso grupo e me contava que Julie queria arrumar um nome melhor que o apelido "Liga da Justiça", porque essa era apenas uma homenagem ao grupo de heróis criado pelos humanos e precisávamos de um nome próprio. 

— Concordo.

 — Ela é criativa! Vai até inventar um hino de guerra para nós! — e começou a rir.

— Não duvido! — acabei rindo também. Depois de um tempo, quando consegui parar de rir, Cameron mudou totalmente sua expressão e me olhou de uma forma mais séria.

— Alessia...

— Sim?

— Lewis foi falar comigo no dia Solis...

— Ele disse que iria atrás de você.

— Disse também que você conseguiu tocá-lo quando estava sem o medalhão. Isso é verdade?

— Bem... é verdade sim. Algum problema? — alguma coisa em minha mente já me colocou em alerta vermelho, indicando mais problemas a caminho.

— Na verdade não é exatamente um problema...

— Então o que é?

— Bem... se for mesmo verdade, isso quer dizer que você tem poderes com a alma e não só com a magia por causa de Ária.

— Poderes com a alma?

— Sim, mas não sabemos exatamente o que você pode fazer. Só sabemos que você pode fazer alguma coisa com as almas das pessoas.

— Pessoas. Você diz humanos?

— Sim, mas não somente humanos. Você pode mexer com as almas de outras criaturas também. Isso foi comprovado como uma espécie de regra e por isso temos como saber.

— E isso é bom?

— Depende da extensão do poder. Pode ser muito bom ou inútil.

— E como vamos saber se é um ou outro?

— Vamos discutir com o conselho na reunião do dia Veneris. Agora é melhor dormirmos, está ficando tarde.

— Tudo bem. Boa noite, Cameron. — e apaguei o abajur do meu lado da cômoda, já havia apagado o dele.

Então... provavelmente tinha esse poder com a alma e isso poderia ser bom ou ruim, mas só descobriríamos na sexta-feira (Veneris). A questão para mim na verdade, era por que tinha esse poder. Era normal? Ou era tipo uma aberração? Queria... não. Precisava falar com Ária urgentemente.

...

Às vezes as coisas parecem estar dando errado... Daí você pensa que tudo vai melhorar e que vai sair dessa, mas quando se é adolescente e principalmente se for como eu, isso não acontece e as coisas só parecem piorar cada vez mais. Por que não pode melhorar? A resposta é: porque comigo tudo sempre acontece de uma maneira diferente.

Foi no intervalo do dia Mercuri. Eu e meus novos amigos estávamos conversando em uma mesa, na frente do restaurante de comida italiana, na ala de restaurantes do colégio, quando um homem que parecia um elfo, mas não tinha orelhas pontudas. Se aproximou de nós e entregou a cada um de meus amigos e de algumas outras pessoas ao nosso redor, um papel enrolado como um pergaminho.

— O que é isso? — disse a Cameron.

— É uma convocação da Rainha. — Camilla já havia aberto o dela. Quando me virei para olhá-la, estava extremamente pálida e olhava o papel assustada.

— Convocação para que?

— Um julgamento. — Cameron falou devagar e baixou o papel na mesa.

— Julgamento? — meu coração disparou.

— Sim. — afirmou com a expressão tomada pela preocupação.

— Estamos sendo acusados de proteger uma humana. — Camilla baixou o papel também. Assim que terminou de falar senti meu sangue gelar e parecia que o mundo estava girando ao meu redor.

— Vocês estão sendo acusados de me proteger, não é? — senti-me mais culpada do que nunca.

— Sim. — Julie parecia a ponto de chorar.

— Não se preocupem. — Ethan deu de ombros em tom de desdém e todos o olharam.

— Como assim "não se preocupem"? — Noah quase gritou.

— Ah! Fala sério! Vocês não se lembram de que criaturas como nós

não são castigadas? — Ethan já estava irritado.

— Somos castigados, mas não com penas de morte. — Cameron cor-

rigiu.

— E nós não seremos mortos, mas, e as criaturas da luz? Elas serão! — Julie parecia realmente brava e preocupada. Logo havia algumas pessoas a mais em torno da nossa mesa e os reconheci como as minhas testemunhas (só Stella, Havena e Ônix não estavam ali).

— Vocês também receberam isso? — disse Jim, o amigo fantasma de Lewis.

— Sim. — todos responderam.

— O que vamos fazer? — Essa era Cindy, a fada que fazia teatro comigo.

— Quando é o julgamento? — encarei os rostos de meus amigos.

— Hoje. — Cameron engoliu em seco.

— Não dá tempo de fazer a reunião... — falei mais para mim mesma.

— O que faremos? — Karine, a ninfa que dividia o quarto com Julie, estava com a mesma expressão dos demais.

— Vamos ao julgamento e depois decidimos o que fazer. — Ethan fa-

lou em tom sério.

Todos concordaram após explicar que provavelmente sairíamos todos impunes, como Cameron e Ária sempre saíam. As pessoas ao redor da mesa começaram a se dispersar e logo que o sinal tocou, nos levantamos para colocar as bandejas de volta nos restaurantes.

— Teremos que ir ao julgamento agora. — Cameron sussurrou para mim.

— Tudo bem, mas vamos perder as outras quatro aulas?

— Sim. Eu e os outros vamos perder. Você não. Você não foi convocada e não poderá ser chamada como testemunha. Desculpa.

— O QUÊ? Como assim não vou poder ir com vocês?

— Nós não temos o direito de nos defender. Seremos julgados e não poderemos levar testemunhas. — senti-me realmente mal por tê-los colocado nessa situação. Também senti raiva da Rainha e de Leslie por terem feito isso. E senti mais raiva ainda desse sistema de justiça ridículo! Então, enquanto meus amigos seguiam para o julgamento, tive que seguir para as minhas aulas normais.

As aulas foram ainda piores do que estavam sendo para mim depois do meu julgamento, mas pelo menos hoje não tive a aula da Leslie e pude seguir direto para "O Salão Dourado" da Rainha, para esperar meus amigos. O julgamento estava terminando quando finalmente consegui convencer o guarda a me deixar passar. Meus amigos estavam saindo e pareciam completamente abalados. Isso não pode ser bom...

— Cameron! O que houve? — indaguei preocupada.

— Foi pior do que pensei.

— O que houve? — perguntei novamente ao ver que Julie e Camilla estavam chorando. Fui até elas e as abracei enquanto caminhávamos.

— Lewis e Jim foram condenados. — Julie soluçava de tanto chorar.

— Condenados? Condenados a que?

— Carmen, Mike, Tanya, Cindy e Ônix também. — Camilla comple-

tou.

— Todos foram condenados. Menos os vampiros e as duas professoras. — Noah corrigiu.

— Vocês foram condenados a que? — já me sentia completamente impaciente.

— Lewis e Jim serão exorcizados no dia Veneris. Mike, Cindy e Tan-

ya serão decapitados hoje à noite e foram até levados para as masmorras. Ônix e Carmen foram condenados ao exílio e têm até Veneris para irem embora. Cameron foi condenado a doar sangue todos os dias durante sete meses. Camilla, Julie e Karine foram condenadas a doar sangue todos os dias durante três meses. — Noah explicou com a voz marcada pela tensão.

— Isso não pode ser verdade... — estava horrorizada. Seguíamos para o saguão do castelo e voltávamos para nossos quartos. — E o que vamos fazer para salvá-los?

— Nada. Não podemos. — Noah deu de ombros com expressão de desagrado.

— Como assim? Como não podemos? — questionou indignada, mas Cameron me puxou para o quarto e se despediu brevemente de Noah e dos outros. Trancou a porta e esperou por um tempo. Depois se sentou na cama e pegou seu o iPhone.

— Vou enviar uma mensagem para os outros avisando que faremos uma reunião hoje de madrugada. — explicou antes que perguntasse.

— Reunião para que?

— Vamos tentar salvar Lewis e Jim. E também vamos esconder Ônix e Carmen.

— Ah! Isso é ótimo! Pensei que não fossem fazer nada... — sentei na cama também. — E o que faremos com Mike, Cindy e Tânia?

— Alessia... — pareceu triste e cheguei a pensar que não soubesse como continuar.

— O que? — tentei encorajá-lo, mas meu coração havia entendido a mensagem antes que meus ouvidos a tivessem escutado.

— Não podemos fazer nada por eles. Já devem estar mortos há essa hora. — e parecia estar se segurando para não chorar.

Eu não fui tão forte e desabei em lágrimas. Ele veio se sentar ao meu lado e me abraçou, dizendo que ficaria tudo bem e que salvaríamos os outros.

— Você mandou uma mensagem para Ária? — falei depois de ter me recomposto e estar pronta para a nossa reunião.

— Sim.

— Onde vamos esconder Lewis e Jim? E como vão sair de seus quar-

tos, se vi dois seguranças os vigiando?

— Não posso dizer aonde irão. E sairão de lá com a sua ajuda.

— Por que não pode? E como assim com a minha ajuda?

— Quando Ethan e Zein bebem do seu sangue, direto do seu corpo, conseguem ler seus pensamentos e vasculhar sua memória. O Mestre das Sombras não está do nosso lado e não é seguro você saber, já que ainda vai beber seu sangue. E vai ajudá-los, porque assim saberemos se você tem o poder com a alma.

— Já entendi porque não posso saber, mas que história é essa de ajudar com esse poder de alma? — tentei disfarçar a pontada de raiva e tristeza que me provocou a menção ao nome dele.

— Você e Julie têm poderes com a alma. Vocês duas irão até o quarto deles e deixarão que entrem em seus corpos para conseguir tirá-los de lá.

— E como vamos entrar lá?

— Vão escalar a parede até a janela do quarto e vão entrar por lá.

— Escalar a parede?

— Ethan vai ajudar. Controla o ar e vai ajudar vocês a "voar".

— Ahn... certo... — ainda não tinha certeza se podia mesmo confiar em Ethan e nesse plano doido de Cameron.

— Não se preocupe. Julie vai te explicar como é a sensação de ter alguém dentro do seu corpo antes que você faça isso. — e sorriu. — Está pronta?

— Sim... — forcei um sorriso, ainda meio insegura, mas não pareceu perceber.

— Vamos sair de fininho... — e abriu a janela.

— Cameron... Estamos no quarto andar!

— Sim, eu sei. — e passou a perna por cima do beiral da janela.

— Você não está pensando em pular, não é?

— Não. — riu e então puxou uma corda da mochila que levava nas

costas.

— Vamos descer de rapel? — senti o coração querendo pular para fo-

ra do peito.

— Terá que ser assim, Alessia. Desculpa. E temos que nos apressar, Ethan e os outros já devem estar a caminho.

— Lewis sabe que vamos fazer isso?

— Contamos enquanto subíamos para os quartos.

— Certo...

Não foi fácil descer... nunca pensei que meu corpo pesasse tanto! Acho que estou precisando de uma dieta... Segui Cameron pelas sombras do jardim-boque do castelo até a parte dos fundos, onde ficava a janela do quarto de Lewis e Jim. Quando chegamos Julie e o professor Ônix já estavam lá. Logo chegaram Carmen, Ethan e Noah.

— Onde está Ária? — olhei em volta, mas não a vi.

— Vai nos esperar na estalagem. — Cameron explicou.

— Certo.

— Está pronta? — Julie se aproximou de mim com um sorriso confi-

ante.

— Acho que sim. — mas na verdade queria dizer que não estava pronta e que estava com muito medo.

— Ethan! Ajude-nos por favor. — pediu Julie mais como uma ordem. Enquanto sentíamos o vento nos levantar e nos fazer subir em um pequeno redemoinho, Julie foi me contando o que sentiria. Primeiro um pouco de falta de ar quando o fantasma entrasse no meu corpo e depois que estivesse em mim, seria como ter outra consciência. Seria como se tivesse uma dupla personalidade que falasse comigo o tempo todo e que pensasse por si só. Achei isso muito estranho, mas não podia deixar mais ninguém morrer ou se machucar por minha causa.

Entramos no quarto e os dois garotos estavam sentados em suas camas, com duas mochilas apoiadas na da direita. Levantaram assim que nos viram e nos ajudaram a entrar.

— Vocês estão bem? — Julie entrou primeiro.

— Estamos. — Lewis assentiu com a cabeça e me ajudou a entrar.

— Ela sabe o que vai acontecer? — Jim olhou em minha direção, mas

entendi que a pergunta foi para Julie.

— Sim. Eu sei. — falei antes por ela. — Sei exatamente o que vai a-

contecer e resolvi ajudar, afinal, é por minha culpa que vocês estão nessa.

— Certo. — abaixou a cabeça e pareceu meio constrangido.

— Desculpe. Não queria soar irritada ou grossa.

— Chega! — Lewis sussurrou. — Vamos logo!

— Tudo bem. Quem vai ficar no corpo de quem? — Julie encarou os dois com as mãos na cintura.

— Ahn... posso ficar no seu? — Jim falou.

— Por mim tudo bem. — deu de ombros.

— Alessia? Tudo bem ficar com você? — Lewis falou e assenti.

— Certo. Aquelas mochilas são para nós levarmos? — Julie apontou as mochilas na cama.

— Sim. — Jim disse.

Fiquei observando enquanto retiravam seus medalhões e nos explicavam que teríamos que esperar entrarem em nós para depois pendurar os medalhões no pescoço. Pediram para que deitássemos na cama, porque quando entrassem com suas almas nos sentiríamos tontas e talvez desmaiássemos por alguns segundos. Fizemos o que pediram e não sei Julie, mas enquanto contavam, fechei os olhos. Senti uma falta de ar e uma exaustão de repente e quando abri novamente os olhos, Julie estava com uma mochila nas costas, o medalhão de Jim no pescoço e me observava intrigada.

— Deu certo? — encarou-me cheia de expectativa.

— Acho que sim... — sentia uma dor de cabeça horrível.

— Lewis? — falou e ouvi minha voz responder.

— Estou aqui. — Ele/eu disse.

— Certo. É melhor irmos, então.

— Isso é estranho... — disse enquanto me levantava e colocava a mochila nas costas e o medalhão no pescoço (escondido por debaixo da blusa).

"Sei que parece estranho", ouvi uma voz sussurrar e pensei que Julie havia escutado, mas continuava tentando passar pela janela com a mochila. A voz estava só na minha mente...

"Lewis?", perguntou mentalmente e me senti meio boba por estar falando para o nada.

"Estou aqui", riu. "Você está se sentindo bem ou minha presença a incomoda?"

"É um pouco estranho, mas não incomoda".

"Isso é bom. Agora é melhor você sair! É a nossa vez!", obedeci.

Quando estávamos todos em terra firme, começamos a nossa fuga. Andávamos pelas sombras e tentei não pensar muito nisso, mas era inevitável não pensar que pareciam envolver-nos. Fiquei com medo de que fosse por causa do Mestre das Sombras e que ele havia nos encontrado.

"Não acho que seja ele quem nos encontrou..., mas isso é realmente estranho. Parece que as sombras estão nos encobrindo", Lewis falava em minha mente.

"Está acontecendo de novo...", não consegui evitar o pensamento.

"De novo? Isso já aconteceu antes"?

"Sim. Quando ataquei o Ethan para impedir que bebesse o sangue de uma humana, empregada do castelo", não era para ter dito isso, mas não conseguia evitar meus pensamentos.

"As sombras te encobriram", parecia confuso.

"Sim", era difícil esconder pensamentos de alguém que estava dentro da sua mente e de uma alma que compartilhava o corpo com você...

"E você não contou isso a ninguém por que isso a assusta, certo?", concordei. "Não se preocupe. Não vou dizer a ninguém e deixar que você fale quando estiver pronta, mas saiba que isso é realmente fantástico e perigoso."

"Fantástico e perigoso?", minha mente indagou devagar, enquanto meu corpo corria pelo jardim-bosque do castelo, seguindo meu grupo para sairmos dali por um muro de planta, que ficava ao sul dos muros do castelo e servia como passagem secreta dos estudantes vampiros. Apenas os vampiros conheciam, mas Ethan acabou nos contando daquele lugar para que pudéssemos fugir.

"Fantástico, por que você teria três poderes especiais. Magia, Alma e Sombras. E perigoso, porque controlar as sombras pode ser perigoso. Você viu como o Mestre das Sombras ficou. Não que acredite que você ficará como ele."

"Entendi, mas pretendo contar ao Cameron e a Ária assim que essa loucura toda passar", falei enquanto passávamos pelo muro e corríamos pelas vielas do vilarejo que margeava o castelo e formava uma pequena cidade. As vielas estavam escuras porque apenas as ruas eram bem iluminadas, mas a escuridão era boa, pois nos encobria e nos ajudava em nossa fuga. Ninguém pareceu perceber que nenhuma criatura notava a nossa presença enquanto corríamos para longe dali e nenhum dos guardas super treinados da Rainha, nos viu passar em momento algum e nem desconfiou de que estávamos ali. Isso porque as sombras nos encobriam.

"Você não está achando que é ele quem está nos ajudando a fugir, não é?", Lewis questionou depois de um tempo.

"Ele quem?" questionei apenas para ter tempo de pensar em uma res-

posta.

"O Mestre das Sombras. Você não tem esperanças de que ainda vai nos ajudar, não é? Ele te entregou! Disse que você era humana! E foi quem te atacou na floresta, na aula do Jack, eu sei. Eu vi! Te salvei dele!", Lewis mandava seus pensamentos tão rápido que me senti um pouco tonta e parei de correr.

— O que houve Alessia? — Julie parou de correr também.

— Estou bem. Tudo bem. — tentei acalmar meus pensamentos.

— Então continue correndo! Estamos muito perto ainda! — não parecia que era ela quem estava falando. Seria Jim? Provavelmente.

— Já estamos indo! — Sem querer falei no plural. Julie riu de leve e continuou. A segui correndo o mais rápido que podia.

"Desculpe tê-la feito ficar tonta e confusa...", agora falava mais devagar e minha tontura havia passado.

"Tudo bem, mas não faça mais isso".

"Não farei. Não devia ter dito tudo de uma vez, mesmo porque, sei a

resposta".

"Sabe?", comecei a achar muito ruim esse negócio de compartilhar o corpo.

"Sei. Você quer acreditar que está te ajudando, mas sabe que não está e fica brava consigo mesma por estar se iludindo."

"Acho que esse negócio de dividir a mente deveria ser um método de ajuda psicológica", e ri de leve ao invés de dizer para parar de vasculhar meus pensamentos.

"Se os humanos não fossem tão ignorantes e egoístas, poderíamos ajudá-los. Ah... desculpa. Nem todos os humanos são assim. Você não é.", disse meio constrangido.

"Não se preocupe. Não vou expulsá-lo de mim só porque disse que a raça humana é ignorante e egoísta."

"Você diz como se não fosse humana."

"Tecnicamente... fui fechada da humanidade quando entrei em Fantasy. Isso não me faz menos humana, é claro, mas me sinto como uma de vocês aqui. Sei que parece ridículo e que sou bem mais fraca que as criaturas de "Fantasy", mas realmente me sinto em casa. Talvez por causa das criaturas boas que conheci", fFalei novamente sem querer. Não queria me abrir com ele! O problema é que era difícil esconder meus pensamentos.

"Isso não é ruim. E você é mais forte do que você pensa". Então tivemos que parar nossa discussão mental porque o grupo havia parado de correr. Estávamos chegando à estalagem de Ária, na fronteira entre a vila e a floresta.

— Estão todos bem? — Cameron questionou e todos assentiram. — Ária vai nos ajudar a encontrar um local seguro onde vocês quatro podem se esconder. É o melhor que podemos fazer por enquanto.

"Por mim, tudo bem. Fico agradecido por estarem nos ajudando",

Lewis ainda falava em minha mente.

— Jim falou que isso que estamos fazendo é muito mais do que pode-

ria pedir. — Julie falou.

— Lewis e Jim. Ária vai guiá-los até seus esconderijos e o professor Ônix e Carmen irão com vocês, mas Alessia, Julie e eu teremos que voltar para o castelo. — Cameron explicou encarando a mim e a Julie.

— Jim falou que por ele tudo bem.

— Lewis disse o mesmo.

— Vamos para a estalagem, então. — e nós o seguimos até a estalagem de Ária.

Quando chegamos, Ária nos esperava na porta, mas estava completamente irreconhecível, vestida com uma espécie de manto com capuz que cobria todo o seu corpo e seu rosto. Entramos e nos entregou mantos idênticos ao dela à Carmen e Ônix.

— Os fantasmas estão com vocês? — Ária encarou cada canto do re-

cinto.

— Sim. — dissemos Julie e eu ao mesmo tempo.

— Tirem os medalhões e os deixem sair. — pediu disfarçando a sur-

presa.

Tiramos os medalhões e depois nos colocaram sentadas em duas poltronas almofadadas da estalagem. Senti novamente aquela falta de ar estranha e senti o corpo pesar. Fechei os olhos e quando os abri novamente Ária, Ethan, Cameron e Julie estavam me observando.

— Está tudo bem com ele? — falei meio tonta e com dor de cabeça.

— Sim. — Cameron me ofereceu a mão para que me levantasse.

— E aonde estão? — observei a estalagem vazia.

— Partiram com duas amigas minhas para o esconderijo. Não se pre-

ocupe. — Ária sorriu de leve.

— Agora é melhor voltarmos para o castelo, está ficando tarde. — Ethan disse em tom sério.

— Ou cedo. — Julie riu.

— Engraçadinha. — Ethan revirou os olhos.

— Que horas são? — tentei me erguer apesar da tontura.

— Quase cinco da manhã. — Ária disse.

— Temos que voltar antes que amanheça. — terminei de me levantar com a ajuda de Cameron.

— Por quê? — Julie me encarou confusa.

— É mais difícil nos verem em meio às sombras do que na claridade do dia. — expliquei sem mencionar que talvez conseguisse fazer as sombras nos esconderem.

— Não vamos conseguir voltar a tempo. — Cameron falou devagar.

— E se vocês fossem a cavalo? — Ária estava com a expressão pensa-

tiva.

— Chamaremos muito a atenção. — Ethan comentou.

— Ária, você não pode fazer algum tipo de feitiço para que a gente seja... ahn... tele transportado? — senti-me meio boba, mas tinha que perguntar.

— Feitiços de teletransporte não são tão simples assim. — falou, mas não começou a rir como pensei que faria.

— Então não temos escolha. É melhor corremos. — dei de ombros e me dirigi para a porta. Os outros concordaram.

— Peguem esses mantos. — Ária nos entregou quatro mantos escuros como a noite. — Isso os ajudará a se camuflar nas sombras.

Agradecemos e vestimos os mantos. Em seguida saímos pela parte de trás da estalagem e começamos a correr o mais rápido que conseguíamos. Corríamos contra o tempo e sempre em meio às sombras, por mais perigoso que fosse com o Mestre das Sombras jogando no time rival. Nosso objetivo agora era voltar para o castelo antes do amanhecer, sem sermos vistos.

Conseguimos chegar aos muros que circundavam o castelo antes de amanhecer, mas para isso tivemos que correr sem parar, mesmo que estivéssemos realmente cansados. Já não aguentava dar mais nenhum passo, mas os dois rapazes e Julie pareciam dispostos a correr uma maratona. Era capaz de correr bastante, mas isso era covardia! Um deles era um bruxo, o outro um vampiro e a garota, uma ninfa! Era óbvio que o rendimento físico deles era bem melhor que o meu! Era apenas uma humana que teve o sangue misturado ao de uma feiticeira!

— Tudo bem com você, Alessia? — Cameron falou enquanto Ethan observava a movimentação dos seguranças.

— Sim... só estou... cansada. — respirava ofegante pela corrida.

— Tudo bem. Acho que podemos ir. — Ethan estava de volta onde estávamos escondidos.

— Alessia está cansada... esquecemos que é humana e se cansa mais

fácil que nós. — Cameron o encarou sério.

— Esqueci como os humanos são fracos. — Ethan falou em seu tom esnobe e se aproximou de mim.

— Então você deve ser mais fraco ainda para ter conseguido te deixar

inconsciente... — e estreitei os olhos ao encará-lo.

— Como é? — Cameron olhou de um para o outro desconfiado.

— Esqueça. — Ethan se posicionou na minha frente, de costas para mim. — Suba.

— Ahn?

— Suba nas minhas costas. — falou impaciente.

— Não! — e me encolhi com medo que alguém tivesse ouvido.

— Shhhh! — falaram os três juntos e se encolheram também. Esperamos um tempo em silêncio, mas ninguém pareceu se aproximar da passagem secreta do muro.

— Suba logo! — Ethan parecia irritado e ainda mais impaciente.

— Alessia, por favor! Você sabe que não aguenta mais andar! — Cameron pediu aos sussurros.

— É claro que aguento! — ignorei a tontura que bateu.

— Suas pernas estão bambas e você está se sentindo um tanto tonta. Você está cambaleando. — Ethan me observou de cima a baixo. — Ande logo e deixe de orgulho!

— Tudo bem... — disse meio a contragosto, mas sem muitas opções.

Havia muitas árvores em frente ao muro de plantas que havia se formado nesse lado da escola e isso era bom, porque ajudava a nos esconder. Cameron foi à frente, passou em meio às plantas e ajudou Ethan a passar comigo pendurada em suas costas. Julie nos seguiu por trás. Continuamos seguindo pelo jardim, sempre com cuidado, tentando chegar à ala dos dormitórios. Ethan parecia um pouco tenso e olhava ao redor de nós o tempo todo, como se procurasse uma ameaça invisível.

— O que houve? Está sentindo ou ouvindo algo estranho? — sussur-

rei na orelha dele.

— Não há nada de errado... parece que ninguém nota a nossa presença. É só que... — parou de falar e parecia lutar para encontrar as palavras certas.

— É só que...?

— Parece que as sombras estão se movendo conosco, mas não estão

hostis como quando perto do Mestre das Sombras. Parecem querer nos encobrir e nos ajudar a ficar ocultos. — senti meu sangue gelar.

— Por que será? — disse depois de uns segundos de choque.

— Não sei..., mas isso é muito estranho.

— Sim... — e achei melhor encerrar o assunto.

Avançamos rapidamente e conseguimos entrar no prédio alguns segundos antes de um dos guardas da ronda passar em frente ao portal da frente. Respiramos aliviados por conseguirmos pelo menos entrar no prédio do castelo. Agora precisávamos chegar ao andar dos quartos e entrar sem sermos vistos.

Foi muito mais fácil do que pensávamos e em certo momento, enquanto subíamos as escadas, um guarda passou no corredor de cima, mas Cameron fez a tocha que ardia diminuir a intensidade (nos deixando quase no completo escuro) e o guarda passou direto. Conseguimos chegar à porta do quarto de Cameron, entramos os três, porque um guarda estava se aproximando e Julie ficou para distraí-lo.

— Acho melhor você ficar aqui. — Cameron falou enquanto Ethan me colocava no chão.

— Não! — disse sem pensar.

— Por que não, Alessia? Qual o problema? — Ethan tentou soar magoado ou inocente, mas notei seu olhar malicioso.

— Ahn... — tentei pensar em algo coerente, mas não consegui.

— É melhor mesmo ficar... meu quarto é no fim do corredor e se Tony me vir entrando a esse horário vai estranhar. Não costumo acordar cedo.

— Certo. Então você pode ficar. — Cameron concordou e senti meu coração acelerar de nervoso. Calma! Ele não poderia fazer absolutamente nada! Cameron está aqui dessa vez! Não que tivesse mesmo feito algo... Pensando bem... nunca me fez nada além de beber meu sangue e dividir a cama comigo. Não é algo horrível.

— Eu pego o saco de dormir. — e fui até a cômoda de Cameron.

— Terceira gaveta Alessia. — Cameron entrou no banheiro para se

trocar.

— Por que não quer que eu fique? — Ethan sussurrou em meu ouvido, fazendo meu coração saltar.

— Por que não! — tirei o saco de dormir e fechei a gaveta com força, esquecendo que não era para fazermos barulho. Virei-me de frente e entreguei-lhe a "cama" de uma maneira um pouco bruta. Depois segui para minha cama. Ele veio atrás de mim.

— É isso que ganho por te carregar até aqui? — e sentou ao meu lado. Me afastei um pouco mais, enquanto tirava meus sapatos.

— Você que se ofereceu. — tentei soar indiferente ou até irritada.

Tudo, menos com medo.

— Podia pelo menos me deixar dormir com você...

— De jeito nenhum! E Cameron também não iria concordar! — es-

treitei os olhos e ignorei as batidas loucas do meu coração.

— Tenho certeza de que se dissesse para dormir na sua cama, porque te carreguei até aqui e estou cansado, ele deixaria. — e se aproximou um pouco mais de mim.

— Ele não deixaria.

— Será que não? Quer apostar? — e sorriu de um jeito sedutor, mas brincalhão.

— O que ganho apostando algo com você? — e joguei meus sapatos para debaixo da cama.

— Fico sem beber seu sangue por uma semana, se você ganhar.

— Tudo bem. E se perder o seu "prêmio" já vai ser dormir comigo,

certo?

— Não exatamente... quero mais alguma coisa. — falou de um jeito malicioso que fez meu sangue gelar.

— O que seria?

— Um beijo. — e quando o encarei incrédula, sorriu de um jeito completamente encantador. Resista! Pensei comigo.

— Um beijo? — quase ri.

— Sim. Costumo pedir bem mais que isso, mas sei que Cameron e Ária iriam me decapitar se pedisse outras coisas. — e deu de ombros.

— Tudo bem. Trato feito. — aceitei porque estava crente de que ganharia. Cameron jamais iria deixá-lo dormir comigo!

— Tudo certo? Vamos dormir? — Cameron saía do banheiro nesse mesmo instante.

— Claro! — Ethan ajeitou o saco de dormir entre as duas camas. Cameron havia deitado e estava afofando os travesseiros.

— Ahn... acho que Ethan pode dormir na cama... — tentei falar baixo

para não sei ouvida.

— O quê? — Cameron me olhou com uma expressão descrente.

— É... Ele me carregou até aqui e deve estar bem cansado. — e fiz questão de entregar em meu olhar que estava desconfortável, com medo dessa situação.

— Se você acha..., mas se fizer qualquer coisa é só gritar que estou

aqui e sei uns ótimos feitiços para esse tipo de engraçadinhos! — e deitou virado para o outro lado, me deixando a encarar a cama dele, boquiaberta e incrédula. — Boa noite!

— Boa noite. — Ethan se ajeitou do outro lado, enquanto ainda era incapaz de me mexer e havia parado sentada na cama, encarando o nada.

— Boa noite... — sussurrei ainda sem acreditar que havia perdido a aposta. Não é possível! Fiz questão de demonstrar que não estava gostando da situação! Acho que não atuo tão bem assim...

— Não vai dormir? — Ethan sussurrou em meu ouvido, me fazendo dar um pulinho de susto.

— Vou. — deitei de costas para ele.

— Alguém não sabe perder... — sussurrou passando o braço em volta da minha cintura e se aconchegando.

— Cala a boca!

— Ainda quero o que falta do prêmio! — tive vontade de socá-lo. Também tive vontade de me socar, por estar me arrepiando por falar próximo à minha orelha e por me abraçar.

— Dorme. — falei ríspida e fechei os olhos.

— Amanhã. — e senti quando deitou a cabeça no travesseiro novamente. Ótimo. Eu sou incrível! Como se já não bastasse toda a merda em que me meti, ainda arrumo problemas pessoais com um vampiro que só quer beber meu sangue e me usar para depois jogar fora. Além de ser metido, cheio de si, interesseiro e ter se oferecido para me usar de doadora e escrava. Estou muito bem de "amigos". Adormeci e de maneira nenhuma pensei que receberia a notícia que recebi no dia seguinte... 

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