Capítulo 20

Sabia que isso não daria certo. Só aceitei mesmo vir e não cabulei a aula porque pensei que o professor Jack estava brincando quando falou que sua aula seria diferente e que ao invés de uma aula de paintball,teríamos um treinamento mais próximo da realidade. 

O fato é que não explicou que no lugar das bexigas e bolinhas de tinta, teríamos agulhas, galhos vivos e atacaríamos uns aos outros com bastões de espuma (pelo menos eram de espuma), enquanto corríamos na floresta atrás do castelo, que era o seu "Campo de Treinamento" e que apelidei secretamente de CECLAM (Campo do Exército Completamente Letal Aterrorizante e Mortífero). Após ter sido furada, ter apanhado um pouco, ter caído depois de tropeçar em uma pedra e ser agarrada por galhos sobrenaturais que feriram minha pele e esfarraparam minhas roupas, finalmente notei que estava sendo seguida. Pensei que fosse um dos alunos de Jack, mas ao ver o vulto, tive certeza que não era um dos meus "companheiros de fuga e esconderijo", mas sim uma criatura que caçava outra mais indefesa.

Meu instinto ignorou o cansaço e fez minhas pernas correrem o mais rápido que pude. Via as árvores passarem por mim rapidamente conforme corria e não tive coragem de olhar para trás. O medo me fazia seguir em frente sem parar e a adrenalina corria solta em minhas veias. Meu coração batia acelerado e era capaz de senti-lo em meus ouvidos. Ouvi a coisa se aproximar cada vez mais e em meio ao desespero, acabei caindo em uma espécie de barranco, escorregando até a parte plana, que era uma clareira na qual havia um lago de águas cor de sangue. O lago me fez esquecer que estava sendo perseguida e me deu mais medo que a perseguição em si. Me arrastei para longe do barranco com dores nas coxas, nas costas e no braço. O sangue fazia os machucados arderem.

Pensei que estava livre e que a criatura não me seguiria barranco abaixo, mas estava errada. Ouvi o sinal do colégio tocar avisando o fim da aula, ao mesmo tempo em que ouvi uma espécie de silvo ou chiado, que me lembrava de já ter ouvido antes em alguma criatura... Esforcei-me para pensar em meio ao medo e de uma coisa estava certa: se Jack desse pela minha falta, mandaria virem me procurar e talvez chegassem a tempo de me salvar... Logo entendi também de onde ouvira aquele som: foi de um vampiro! Um VAMPIRO! Estava sendo caçada por um vampiro! Não tinha a mínima chance de sobreviver... nem que me achassem! Se Lewis pelo menos soubesse algum feitiço... Se pelo menos tivesse tido tempo de me preparar para essa aula maluca! Jack é completamente idiota por colocar alunos novos a fazer uma dessas aulas! A não ser que... os alunos novatos, mesmo sendo novatos, resistam às armadilhas do campo de treinamento! É claro! Não é louco e nem idiota. Acontece que o treinamento não foi feito para um humano e sim para criaturas mais fortes e resistentes! Lewis já havia me explicado isso antes e tentara arrumar tempo para me treinar, mas o professor acabou por adiantar a data do teste e não tivemos tempo suficiente.

Pensei nisso por um tempo sem conseguir me decidir se era bom ou não ter entendido, afinal, era humana e se os treinos não eram para humanos. Como explicaria (caso sobrevivesse) o porquê de estar aqui e não com meu "dono"? Será que acreditariam que não sou mais escrava por ser híbrida? Será que iria mesmo morrer? E por que a minha vida não começou a passar na frente dos meus olhos como a um filme que anuncia a morte, como dizem? Meus pensamentos foram interrompidos quando ouvi um barulho de galhos se quebrando e pude ver uma espécie de névoa se estender e espalhar desde o final do barranco, seguindo em minha direção.

Será que as sombras estão querendo me ajudar novamente? E o que raios isso quer dizer? Podia me comunicar com as sombras ou só me protegiam? Mas se me protegiam, por que faziam isso? Meus pensamentos internos foram bloqueados com a dor que senti quando a névoa alcançou meus pés descalços e começou a arranhar minha pele, fazendo os machucados que já existiam sangrarem mais. Aquela coisa também cortava minha pele onde não estava cortada. Não consegui me controlar e acabei gritando de dor.

Tentei me afastar, mas não consegui. Me seguravam e feriam ao mesmo tempo. Não conseguia mais chamar por ajuda, apenas gritava de dor. Até que não consegui mais gritar e fiquei apenas deitada no chão sem me mexer, porque cada movimento causava a agitação da névoa, que me feria ainda mais... e então o vi.

O Mestre das Sombras saiu da escuridão à minha frente. Estava com uma espécie de manto escuro em suas costas, suas roupas também eram escuras e se camuflavam com a noite. Seus olhos estavam vermelhos e chegavam a brilhar no escuro, como as estrelas brilhavam no céu noturno. Estava com um leve sorriso nos lábios, que pude perceber quando se aproximou de mim, ficando a dois passos apenas.

— Olha só o que vocês encontraram... — falou com seu tom de voz natural. Calmo e sedutor. Senti um arrepio correr minha coluna, mesmo nas condições em que estava.

— O que você faz aqui? — consegui sussurrar em meio a dor.

— Soltem-na. — e fez um gesto com a mão. A névoa se afastou de mim, mas nem assim consegui juntar forças para lutar.

— Não pense que vou te agradecer. — e odiei que minha voz tivesse

saído tão trêmula.

— Você não precisa me agradecer com palavras. — senti seu tom de voz ficar mais tenso e sombrio.

— Não sou mais sua "escrava"! — tentei gritar, mas saiu mais como um sussurro. — Nunca fui.

— Você ainda é minha doadora. — e cortou a distância de dois passos, se ajoelhando ao meu lado.

— Não posso agora.

— Pode e vai. — seus olhos faiscaram.

— Estou atrasada para a aula da Leslie e Jack deve estar me procurando!

— E eu estou na aula de caça dos vampiros.

— Mas não está na hora ainda. Se era você quem estava me caçando antes, você não deveria estar na sua sétima aula também?

— A minha sétima aula é a última e é aula de caça.

— Você não tem oito aulas como eu? — tentei enrolá-lo ao máximo.

— Não. Não preciso de aulas extras. Isso é para novatos ou para castigados. — e deu um sorriso metido.

— Castigados?

— Sim, como seu amigo Cameron, que foi castigado por ajudar humanos, mas vamos logo ao que interessa.

— Sua aula não deveria ter acabado?

— Acabou. — E passou o braço por baixo das minhas costas, erguendo meu corpo.

— Então você não deveria ter voltado?

— Você voltou? — e me ajeitou em seu braço, tirando meu cabelo da frente do pescoço.

— Não, porque estava me caçando e estou machucada.

— E ainda não terminei a minha caçada. — e com a outra mão começou a acariciar meu rosto. Engoli em seco e prendi a respiração. Tentei encarar seus olhos e buscar alguma esperança neles, mas não consegui enxergar nada além de sede e desejo.

— Termine logo. — forcei-me a falar e prendi a respiração de novo.

— Não vou te matar. Isso não seria divertido. — então, avançou com as presas projetadas, mordendo meu pescoço.

Não lembro exatamente o que me aconteceu depois da dor da mordida. Acontece que já estava tão machucada e sentindo tanta dor, que não aguentei a mordida dele e desmaiei. Enquanto estava desmaiada, "sonhei" que estava em um daqueles balanços nos quais as crianças gostam de brincar em parquinhos e balançava de um lado para o outro. Meus cabelos voavam com o vento e a brisa fresca trazia um perfume gostoso de flores. Estava com um vestido todo branco que parecia ser de seda e cetim. Tinha detalhes em dourado nas duas mangas longas e soltas e também na cintura, como um cinto. Estava descalça e enquanto dava os impulsos para continuar balançando sentia a grama em meus pés. Era um dia claro e finalmente percebi que o balanço estava pendurado em uma árvore no alto de uma colina verde. A vista também era linda. Natureza por toda a parte... até que alguns trechos de conversas foram chegando e perturbando a minha paz.

"O que houve...?"

"Por que ela não acorda?"

"Vampiro... bebeu seu sangue".

"Está fraca..."

"O que você fez com ela?"

Não queria abrir os olhos. Não queria ser tirada daquele momento de alegria e paz, mas quanto mais ouvia as conversas e tinha noção do que se passava ao meu redor, mais era afastada daquela paz que estava sentindo. Senti como se estivesse dentro de um carro que freasse de repente, era como se estivesse sendo arremessada para frente e depois de volta para trás.

Agora queria abrir meus olhos, mas não conseguia. Queria falar e ver, mas só conseguia ouvir e sentir. Pude sentir quando alguém se aproximou e pegou uma de minhas mãos. Ouvi a pessoa falar comigo. "Alessia, por favor, acorde.", e tentei acordar, tentei apertar a mão da pessoa ou dar algum sinal de que a havia ouvido, mas não conseguia me mexer. Ouvi e senti quando outras pessoas se aproximaram de mim e todas me pediram para acordar ou para reagir, mas não conseguia fazer nada além de ouvir e sentir. Uma das pessoas acariciou meu rosto e a ouvi chorar, mas não sabia quem era. Não reconhecia as vozes apesar de saber que já as havia escutado antes.

Depois as vozes conhecidas cessaram e ficaram apenas outras que não conhecia. Tentei sentir o cheiro de onde estava e me lembrou de um hospital. Isso me apavorou. Estava em um hospital? O que estava fazendo aqui? Por que vim parar aqui? Comecei a sentir o corpo cansado de novo e acabei cedendo ao cansaço e ao sono. Adormeci.

...

Quando abri os olhos novamente, vi um teto de coloração acinzentada e tive a impressão de que já estive aqui antes. As paredes à minha volta eram de pedra, mas estavam pintadas de branco. As luzes do cômodo eram mesmo como as luzes de um hospital e estava deitada em uma daquelas camas típicas de hospitais. À minha esquerda, à uns três passos de onde estava, tinha uma janela grande que dava para um jardim-bosque. À minha direita, tinha uns aparelhos médicos estranhos e na parede ao lado direito da porta, tinha aquelas cadeiras de sala de espera.

Tentei erguer o corpo e sentar, mas estava me sentindo realmente fraca... E com fome. Muita fome! Parecia que tinha um buraco no meu estômago, que ameaçava devorar todo o meu organismo por dentro se não comesse nada imediatamente.

— AH! Ela acordou! — ouvi alguém falar lá de fora. Logo duas mu-

lheres vestidas de branco entraram e atrás delas, dois rostos conhecidos.

— Cameron! Julie! — sorri feliz por vê-los.

— Como você está se sentindo? — Cameron se aproximou primeiro.

— Fico tão feliz que você tenha acordado! — Julie estava com o rosto manchado por lágrimas.

— Ahn... eu estou bem, mas faminta. — e ri de leve.

— Rosanne! Busque algo para ela comer! — ordenou uma das mulhe-

res de branco e a outra saiu apressada.

— Ahn... obrigada. — forcei um sorriso.

— Não precisa agradecer. É apenas o meu trabalho. — falou parecen-

do indiferente.

— Essa é Lisa. Uma das enfermeiras do castelo. — Cameron fez a

gentileza de apresentá-la.

— Ah. — tentei disfarçar meu olhar confuso.

— Vou fazer alguns exames básicos com ela agora. Vocês precisam sair. — Lisa já os empurrava em direção à porta.

— Tudo bem. Mas ela precisa comer alguma coisa antes. Ficou muito tempo sem comer nada. — Cameron alertou-a enquanto saía.

— Quem é a enfermeira aqui? — a mulher parecia estar com raiva e acabei me encolhendo ao notar seu olhar, mas Cameron não se intimidou.

— A enfermeira deveria saber que é melhor fazê-la comer antes de qualquer exame, já que ficou um dia e meio sem comer nada. — e saiu com Julie, deixando para trás a mulher com uma cara de quem chupou limão. — dormi por um dia e meio?

— É. — descontou a raiva em sua resposta curta e grossa. — Coma alguma coisa, depois farei os exames. — e saiu batendo a porta.

Tentei sentar na cama e fiquei observando a janela enquanto a comida não chegava. Tinha dormido um dia e meio? Isso não podia ser saudável, certo? E que fome! Que horas devem ser agora?

— Duas da tarde. — alguém respondeu e se não estivesse tão fraca teria dado um pulo e caído da cama. Tudo que fiz foi dar um gritinho assustado.

— Lewis? O que está fazendo aqui? Como te deixaram entrar? — ten-

tei disfarçar o susto.

— Desculpa, não queria te assustar. — e sorriu envergonhado.

— Tudo bem. Como te deixaram entrar?

— Não me viram entrar. — e mostrou o local onde deveria estar o medalhão que o permitia se materializar.

— Onde...? O que...?

— Tirei o medalhão e vim para cá. Sabia que não me deixariam en-

trar.

— Você não está... — tentei apurar a vista e percebi que parecia transparente. O ar em volta dele ondulava junto com a sua imagem.

— Não. — E riu. — não estou materializado.

— Então como posso te ver?

— Estou deixando que me veja. — e sorriu de um jeito fofo.

— Ah... claro. — fingi que compreendia.

— Então... Como você está? Fiquei com medo que tivesse chegado tarde demais quando te encontrei... — e pude sentir que estava triste e preocupado. Senti como se fosse eu quem estivesse sentindo isso.

— Não precisa ficar triste ou preocupado, estou bem! — sorri tentando demonstrar confiança. — E vou ficar bem melhor assim que comer algo.

— Não te alimentaram ainda?

— Acabei de acordar.

— O quê?! — parecia irritado. — Me disseram que você acordou ontem, mas que já estava dormindo e não poderia visitá-la!

— Disseram? Quem disse?

— A enfermeira... Lisa, eu acho.

— Não gostei dela. O que aconteceu com a antiga enfermeira? Uma

vampira alta de cabelos escuros...

— Ninguém gosta dela. A antiga médica daqui desistiu de trabalhar no castelo. Não gostava daqui e nem de como a Rainha organizava as coisas. Essa outra vampira chata foi contratada depois e agora comanda as outras enfermeiras. Só está cuidando de você por que Ethan pediu e parece que Leslie também... Ela nem se importa com os doentes.

— Leslie? Por que pediria isso?

— Não sei...

— Ei. Chegue mais perto! Pode sentar na cama, não vou te passar nenhuma doença.

— Tudo bem. E não estava pensando isso. — e se aproximou da cama.

Quando ergueu seu corpo transcendental e sentou ao meu lado acabei esbarrando nele sem querer. Com isso, se virou para mim com uma expressão assustada e seu rosto, que já estava um pouco transparente, ficou ainda mais invisível.

— Você me tocou?

— Ahn... desculpa... — e me encolhi confusa. Será que havia quebrado alguma regra dos fantasmas ou algo do tipo?

— Você realmente me tocou?

— Sim. Desculpa. Foi sem querer.

— Não! Não se desculpe. Está tudo bem. É só que... — e foi interrompido quando a porta abriu e a enfermeira Rosanne entrou.

— Tenho que ir. Depois preciso falar com você e com Cameron. — Lewis sussurrou e desapareceu completamente. Percebi que quando passou ao lado de Rosanne, ela estremeceu.

— Ai credo! — falou e olhou em volta um pouco pálida. Me segurei

para não rir.

Colocou a bandeja com comida em meu colo e depois saiu do quarto. Comi o máximo que consegui e depois comecei a ficar mole e com sono (não sei como, já que tinha dormido por um dia e meio), mas não pude dormir.

Logo Lisa entrou no quarto e começou sua bateria de exames. 

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