Capítulo 2
Naquela noite não consegui dormir muito bem. Fiquei pensando o tempo todo na minha família e no quanto ficariam preocupados. E também em como contaria isso para Carla e Daniel. Quando digo "isso", me refiro ao fato de estarmos presos nessa cidade.
Todos os humanos conhecem os mitos sobre Fantasy, mas nenhum nunca voltou para contar a história. Na verdade, só um único humano voltou, mas, após escrever um livro chamado Memórias de Fantasy, contando tudo sobre o reino sobrenatural, acabou ficando louco e foi internado em um hospício.
O lugar era realmente encantador, mas tinha seu toque de terror. Nunca estivemos aqui antes e isso era pavoroso. Quero dizer, íamos ter que viver aqui para sempre (isso se sobrevivêssemos) e não conhecíamos quase nada sobre o lugar e seus habitantes. Tudo o que sabia era o que diziam os primeiros capítulos do livro de um humano tido como louco. Só consegui ler dois capítulos, porque meus pais encontraram o livro e o jogaram fora. Diziam que precisava ler coisas reais e não ficar vivendo de fantasias. E o que poderia fazer? Tentei argumentar, mas não adiantou. Quando se tem dezesseis anos, nenhum adulto te leva a sério.
Levantei da cama com uma dor de cabeça bem forte, mas ignorei e fui tomar um banho. Ao sair encontrei em minha cama um vestido de cor púrpura, mangas longas, decote redondo e comprimento longo e ao seu lado um cinto grosso e dourado. No chão, ao lado da cama, estava um par de botas de cano curto, bico fino e cor preta. Ao tirar o vestido da cama percebi que tinha um capuz, o que seria útil para nos escondermos e passarmos despercebidos.
Vesti-me e saí do quarto. Decidi contar a Daniel primeiro, pois era mais cabeça do que Carla, apesar de ser bem apegado à família. Achei que seria mais fácil lhe contar do que à Carla, porque provavelmente iria começar a chorar e negar dizendo que não ficaríamos presos aqui de jeito nenhum. A reação dos dois me surpreendeu.
Quando bati no quarto de Daniel ninguém respondeu, então abri a porta e vi que não havia mesmo ninguém no quarto. Segui para o de Carla, bati à porta e nada. Abri e ela também não estava lá. Senti meu coração batendo forte contra o peito com medo de que algo tivesse acontecido com meus amigos, mas, ao entrar de novo na "parte bar" da estalagem, vi meus amigos sentados a uma mesa conversando com uma criatura de orelhas pontudas e pele um pouco esverdeada (só percebia que era esverdeada se olhasse bem de perto).
— Oi gente. Como vocês estão? — me aproximei da mesa.
— Nossa! Que vestido lindo! — Carla não conseguia ser muito discreta...
— Ficou muito bom em você. — Daniel sorriu e me olhou de cima a baixo.
— Ah... Obrigada. — sorri um pouco sem graça e sentei ao lado da criatura de orelhas pontudas.
— Olá. Como se chama a senhorita? — a criatura me observava com olhar curioso.
— Meu nome é Alessia e o seu? — tentei ser educada e não o encarei muito.
— O nome dele é Aron! — Carla respondeu por ele.
— Certamente. — Aron sorriu.
— Aron é um elfo da floresta! — Daniel parecia animado.
— Elfo da floresta? — encarei-o, confusa.
— Sim, Senhorita Alessia, sou um elfo da floresta. Por isso minhas roupas são em tons que se camuflam com as árvores e minha pele é esverdeada.
— Ah. Claro. Como pude esquecer?! — forcei um sorriso.
— Não precisa fingir. Sou amigo de Ária e vou ajudá-los também. — disse em tom conspiratório.
— Você sabe que somos H-U-M-A-N-O-S? — fitei-o e usei seu mesmo tom de voz.
— Sim. — e riu de leve.
— Como pretende nos ajudar? — continuei o encarando.
— Vou emprestar meu DNA para que Ária transforme seu amigo em elfo. — Olhei para Daniel surpresa, que sorriu feliz.
— Vo-você vai ser um elfo? — não consegui disfarçar a perplexidade.
— Sim. Vou ser um elfo, mas não sabemos de que tipo ainda. — e sorriu ainda mais.
— E você, Carla?
— Ária disse que vai procurar uma amiga dela. Acho que se chama Rose e vai me emprestar seu DNA também. — também parecia feliz.
— Ma-mas... Ária já lhes disse que...
— Já contei sobre a magia de Fantasy. Eles sabem que estão presos aqui. — Ária se aproximou de nós também. Olhei para meus amigos, confusa.
— Vou sentir falta da minha mãe e da minha avó, mas sei que assim que passar o luto por minha "morte", ficarão bem. — Daniel disse devagar.
— E não me importo com meus pais, porque não se importavam comigo. Sei que nem vão reparar que sumi, mas meu namorado vai sofrer... — ouvi sua voz embargar.
— Jonathan vai ficar bem. Não se preocupe, Carla. — Daniel abraçou-a pelos ombros.
— Ahn... certo... vocês já sabem no que serão "transformados", mas e eu?
— Você terá o meu DNA. — Ária sorria e a olhei incrédula.
— Vai mesmo deixar me transformar em...? Ahn...? — não sabia exatamente o que Ária era.
— Em feiticeira? — Riu. — Sim, é claro. Por que não?
— Deixa... — sorri sem graça, me sentindo boba. — Quando vamos fazer a transformação?
— Bem... não é exatamente uma transformação, mas uma camuflagem. — explicou.
— Camuflagem? — senti-me cada vez mais perdida.
— Ária pode fazer com que se pareçam com essas criaturas e tenham alguns de seus dons, mas terão coisas que vocês não serão capazes de fazer. — Aron completou a explicação.
— Ah! — falamos os três amigos, em uníssono.
— Vamos logo fazer a camuflagem! — Ária disse animada e a seguimos pela estalagem até o canto esquerdo do balcão onde havia outra porta. Essa porta levava a um pequeno corredor com três portas. Entramos na última, que era a única da direita. Lá dentro era como uma caverna de bruxa, mas bem arrumado. Também era cheio de coisas estranhas.
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