Capítulo 16


É claro que Cameron não iria me deixar dormir antes de


tirar a limpo toda essa história das aulas com o Lewis e depois da saída da aula de teatro. E ainda precisava contar

sobre o julgamento...

— Ah! Oi, Alessia! Você chegou mais cedo que eu hoje! — e sorriu enquanto entrava no quarto.

— Sim. — forcei um sorriso. Fechou a porta e sua expressão mudou completamente.

— Certo. Agora me conte. Sei que você tem muita coisa para me explicar e Ária vai ficar possessa quando souber o que você andou aprontando! — e se dirigiu para a minha cama, sentando na beirada, enquanto me ajeitava para começar a falar.

— Sim. Lewis vai me dar aulas por causa dos treinos malucos do Jack. Deixei a aula de teatro porque o professor pouco se importava se estávamos ou não nos divertindo ou nos sentindo bem, só queria ter marionetes para chamar a atenção da Rainha para si mesmo. E por fim, talvez você não saiba disso, mas amanhã tenho um julgamento com a Rainha já que também desisti de ser sua atriz particular porque queria que eu bebesse o sangue do Mestre das Sombras e também não queria que continuasse a beber do meu. Já basta estar presa ao Ethan com isso. — puxei o ar com força para voltar a respirar.

— Você tem um julgamento com a Rainha? — juro que ficou mais

pálido do que já era.

— Pois é...

— Como você deixou isso acontecer? Você estava sozinha?

— Sim. — não queria que fosse brigar com o Mestre das Sombras por algo que já estava feito e não havia como arrumar.

— O Mestre das Sombras estava com você, não é? — e me encarou

sério.

— Não! Ele não... — ia tornar a mentir, mas pelo olhar de Cameron percebi que sabia que estava mentindo. — Tudo bem. Estava comigo. Foi na aula de teatro.

— Por que não te impediu?

— Não teve tempo. Falei sem pensar.

— Você sabe que... — mas já sabia o que ia dizer e completei a frase.

— Que estou encrencada e a Rainha vai me machucar muito ou me

matar. Sim. Eu sei.

— Certo... quantas pessoas te disseram isso hoje?

— Com você, três.

— Quem?

— Ethan, Zein e você.

— Se propuseram a te ajudar? A depor a seu favor?

— Ahn... eu meio que briguei com Zein e disse que não queria a ajuda do Ethan. — Fui diminuindo o tom da minha voz e fitando um ponto fixo, de cabeça baixa.

— VOCÊ FEZ O QUÊ?

— Desculpa... os dois me irritaram muito hoje e estava extremamen-

te estressada.

— Tudo bem... precisamos agora decidir o que faremos em relação a

isso.

— Há realmente algo a ser feito?

— Precisamos de votos para que você não seja condenada à pena máxima.

— Só por não querer atuar para posso morrer?

— Sim. É uma possibilidade que não pode ser descartada.

— E o que você vai fazer?

— Vamos chamar o pessoal e tentar convencer Ethan a nos ajudar novamente. — e já se levantou da minha cama voltando a calçar os sapatos.

Levantei também e embora estivesse completamente cansada física e emocionalmente e fui com ele atrás do pessoal. Saímos do quarto tomando cuidado para que ninguém nos visse. Seguimos até o quarto de Julie e sua colega de quarto foi quem atendeu.

— Pois não? — A garota estava com cara de sono e vestida com uma camisola curta, apesar de estar frio. Tinha a pele clara e os cabelos de um tom azul escuro, que me fez pensar se nasceu assim ou se eram tingidos (não sou idiota, mas a menina devia ser uma criatura mágica e por isso o cabelo dela podia nascer colorido).

— Queremos falar com Julie por favor, Karine. — Cameron pediu em um tom de voz calmo, porém indicando urgência.

— Tudo bem. Querem entrar? — e deu uma olhada para Cameron que me fez pensar que fosse pular em cima dele e arrastá-lo para dentro.

— Não. Chame-a e diga para ir para o meu quarto, porque precisamos falar com ela. — a garota me olhou ao ouvir minha voz e seu olhar expressava... repulsa? Sério, essa garota é muito idiota.

— Certo. — e fechou a porta. Seguimos então para o quarto de Noah e foi o mesmo quem atendeu, por isso nos poupou de conversar com alguma outra criatura que talvez me irritasse tanto quanto a primeira que encontramos no quarto de Julie.

— Algum problema? — tentei não me irritar com o olhar que tentou disfarçar, provavelmente procurando algum ferimento em meu corpo.

— Sim. Por favor, vá para o nosso quarto e espere lá. Reunião de emergência. — Cameron disse e Noah assentiu, voltando para dentro para vestir algo que não se parecesse com um pijama.

Fomos para o quarto de Camilla e o garoto com quem dividia o quarto era mesmo muito legal, pelo menos não me irritou nem nada do tipo. Camilla veio conosco quando fomos chamar o Lewis. O mesmo nos recebeu e nos acompanhou no mesmo instante, como se esperasse que fôssemos buscálo hoje. Por fim, fomos atrás do Ethan, enquanto Lewis voltou com Camilla para o quarto de Cameron.

— Ethan? — Cameron já havia batido na porta pela terceira vez.

— Qual o problema? — gritou uma voz lá de dentro. Provavelmente a voz do rapaz com quem dividia o quarto. — Precisamos falar com o Ethan!

— Ele não voltou ainda! Quando voltar, dou o recado...

— Diga para ir até o meu quarto! Preciso falar com ele!

— Tudo bem!

— Agora temos que procurar Zein e convencê-lo a nos ajudar. — Cameron me encarou com o olhar sério e a tensão pairando no ar. — Não sei se vai querer...

— O que ele te disse que fez com que vocês brigassem?

— Ele... disse que me protegeria da Rainha.

— E você...?

— Disse que não podia, que não controlava a morte e me falou que controlava parte dela. — disse rápido, querendo esquecer o tom que ouvi na voz dele quando me disse isso.

— Por isso vocês brigaram?

— Sim. E depois, Ethan estava vindo e ele foi embora.

— Esqueça. Não vai nos ajudar. Vamos voltar e explicar tudo ao pessoal de uma vez. — e me puxou pelo braço, para segui-lo de volta ao quarto dele.

Deixei que me puxasse, mas decidi por mim mesma que esperaria Cameron dormir e então iria atrás do Mestre das Sombras para me desculpar e pedir a sua ajuda. Voltamos para o quarto e começamos a explicar toda a confusão que havia aprontado (de novo). Depois das exclamações de horror, medo e preocupação, finalmente nos deixaram explicar porque nos reunimos ali.

— É claro que vamos depor ao seu favor! — Julie falou como se fosse óbvio.

— Quando será o julgamento? — Camilla me encarou preocupada.

— Amanhã. —evitei encará-la.

— E a que horas? — Noah também estava me encarando com a mesma expressão de Camilla.

— Não sei. — comecei a me sentir cada vez mais frustrada.

— Isso é mal... Era bom sabermos as horas. — passou a encarar um ponto fixo na parede.

— Se pelo menos vocês tivessem celulares... — suspirei cansada.

— Alessia? — Julie foi quem chamou minha atenção e quando levantei a cabeça todos estavam segurando um aparelhinho no modelo de um iPhone, mas de cores diferentes. O de Cameron e o de Camilla eram azuis escuros, o de Lewis era cinza, o de Julie era de um tom roxo-vinho e o de Noah era vermelho vinho.

— Ah... vocês têm celulares. — senti-me uma idiota por ter esqueci-

do.

— Sim. — Camilla riu. — A tecnologia já chegou para nós também.

— Por que os celulares de vocês são todos iguais, mas de cores dife-

rentes?

— Você pode ter o celular que você quiser, mas nós, por coincidência, escolhemos todos os mesmos modelos e as cores são por causa da classe que você representa. Sou um bruxo e por isso meu celular é azul escuro. — Cameron explicou.

— Ahn... ainda tenho meu celular branco. Isso é um problema?

— Tecnicamente, sim. Branco é a cor dos que possuem mais que três

classes ou poderes. — foi a vez de Lewis explicar.

— Vou ter que trocar meu celular?

— Não. Tive uma ideia. Só não o mostre para ninguém. — Camilla

sorria e todos passamos a encará-la.

— Que ideia?

— Coloque uma capinha azul clara no celular, por ser branco não vai

interferir na cor.

— Só que... onde tem uma loja que vende capas de celulares? — a ideia era boa, mas me sentia confusa por algum motivo.

— Tem uma na cidade, fora do castelo. Te levo lá amanhã, antes do julgamento. — Julie sorriu e sentou-se ao meu lado.

— Se der tempo. — Noah acrescentou.

— Vai dar. — encarou-o séria.

— A Rainha não vai gostar de ter uma garota nova contestando suas ordens e ainda por cima saindo do castelo antes do julgamento acontecer. — retribuiu o olhar.

— Tudo bem. Vou para ela. — Julie deu de ombros.

— E se precisarmos de você? — Noah continuou com o jogo de olha-

res.

— Ele tem razão, Ju, você não pode ir tão longe e podemos fazer isso outro dia. — Camilla tentou quebrar a tensão e foi ecoada por sons de afirmação.

— Tudo bem... — Julie aceitou meio a contragosto.

— Então todos fiquem perto amanhã! — Cameron falou e todos concordaram. Ouvimos alguém bater de leve na porta e Noah atendeu porque estava mais perto. Ethan entrou no quarto com cara de interrogação, mas assim que me viu no meio da roda pareceu entender.

— Aceito ajudá-los. — falou bruscamente.

— Ah! Ahn... obrigada. — disse meio sem jeito.

— Muito bem. Agora todos para seus quartos! Ninguém pode saber de nossa pequena reunião, mas tentem arranjar testemunhas que sejam a favor de Alessia, sem mencionar a sua humanidade. — Cameron pediu. Todos saíram, menos Ethan.

— Eu aceito com uma condição.

— Condição? — Cameron estreitou os olhos.

— É claro! Não sou do tipo que faz favores de graça. — e deu de om-

bros.

— Desgraçado!

— Cameron! Ei! Calma! — Resolvi interferir com medo de que começassem a brigar.

— Eu sei o que vai te pedir! Como você...

— Chega! Deixe-o falar o que quer primeiro.

— Você. — Ethan falou como se fizesse todo o sentido.

— Ahn? — olhei confusa.

— Quero que você me doe sangue no dia e na hora que quiser e não apenas nos dias Lunae. Quero que me deixe beber de verdade. — Ela não vai!

— Tudo bem. — disse de maneira firme e segura, ignorando as voltas que meu estômago estava dando.

— O quê? — Cameron olhou para mim como se fosse louca.

— Exatamente o que você ouviu. Deixo beber meu sangue quando quiser, mas também quero propor uma condição. — E encarei Ethan.

— Diga. — estreitou os olhos.

— Você só vai beber se não tiver perigo algum de me matar.

— Tudo bem. Prometo. — e me olhou fixamente como que para provar que não mentia.

— Ótimo! Agora vá embora. — Cameron empurrou Ethan porta afora. Então fechou a porta com força e veio até mim como se fosse brigar comigo. Me encolhi.

— Vamos dormir. — falei rápido antes que começasse seu discurso sobre a burrada que havia acabado de fazer. Achei que fosse dizer que não e começar a discutir comigo, mas ao contrário, apenas soltou um suspiro, que pareceu carregar toda a tensão que sustentava nos ombros e se dirigiu para sua cama.

— Vamos. Amanhã o dia será longo. — tirou os sapatos deitando na cama sem nem mesmo se trocar.

— Boa noite. — já estava deitada de costas para ele e coberta. — Boa noite e boa sorte.

Esperei Cameron adormecer, levantei da minha cama e calcei os sapatos, peguei meu celular e coloquei no bolso da calça jeans que estava usando. Saí de fininho, em silêncio, para não acordar ninguém. Os corredores estavam escuros e tive que me guiar pelo tato e pela audição, o que foi realmente difícil para uma pessoa que não tem muita coordenação como eu.

Demorei mais que o habitual para conseguir chegar ao saguão principal e por ser tão tarde da noite, apenas algumas poucas luzes para o lado da secretaria estavam acesas. Ninguém parecia circular pela escola às duas da manhã, apenas alguns funcionários que trabalhavam durante a noite, mas não reparavam muito se, por exemplo, havia uma aluna andando a surdina pelas sombras dos corredores da escola. Pelas sombras. Isso me causou um calafrio ao lembrar que estava indo atrás de Zein e que controlava as sombras. Será que sabia que estava indo atrás dele?

Saí do saguão sem fazer qualquer ruído com as portas (acho que o professor fantasma, Jack, ficaria realmente orgulhoso de mim se pudesse saber como me movi pelas sombras, me camuflando sem ser notada e ainda por cima conseguir abrir uma enorme porta de ferro e vidro sem fazer qualquer ruído). Inspirei o ar da madrugada e comecei a andar para a direita, tomando o caminho de onde o vi pela última vez, ou seja, perto do banquinho onde nos conhecemos definitivamente.

Não imaginava que o encontraria tão fácil, mas alguma coisa me dizia para seguir na direção em que estava indo e consequentemente essa direção acabou por me levar até ele. Conforme me aproximava, comecei a ouvir vozes e por instinto agachei, me escondendo atrás de arbustos e me embrenhando nas sombras que sabia que poderiam me denunciar. Sabia que era errado, mas resolvi escutar a conversa.

Primeiro não entendi sobre o que e nem sobre quem estavam falando. Também não entendi com quem estava conversando, mas à medida que o vento me trazia os trechos da conversa, tudo começou a se encaixar como um enorme quebra-cabeça de palavras e trechos de frases.

— Não se preocupe... — ouvi o Mestre das Sombras falar.

— Espero que você realmente saiba o que está fazendo! — uma voz feminina e poderosa bradou.

— Eu sei. Vou entregá-la a você e a Rainha terá sua doadora.

— Quando?

— Assim que tiver a sua confiança e finalmente cair na minha arma-

dilha.

— Não podemos esperar tanto! A Rainha precisa ser alimentada por um sangue poderoso e você falou que o sangue dela era poderoso! — a mulher explodiu em gritos, mas logo se conteve.

— E o que você quer que eu faça? — pareceu se irritar e senti as sombras que me encobriam se eriçarem inquietas. Tentei espiar quem falava com ele, aproveitando a deixa de que as sombras estavam mais espessas e me cobriam melhor. Então, eu a vi.

Meu coração disparou no mesmo instante e não sabia se de medo ou raiva. Leslie estava bem próxima a ele e o seu olhar transmitia malícia e alguma coisa mais que não consegui identificar. Estava o rodeando e em seus lábios havia um sorriso maldoso.

— Por que a protege? Sabe que posso te dar muito mais que uma simples humana, não sabe? — chegava cada vez mais perto dele. Alguma coisa dentro de mim começou a esquentar e parecia tomar conta de todo o meu corpo. Raiva? Por que teria raiva?

Ciúmes... algo em minha mente sussurrou. Não tenho ciúmes dele! Como posso ter ciúmes de alguém que está me enganando e que quer... Deixei a frase no ar quando o ouvi responder.

— Poder? Prazer? Satisfação? Riqueza? — falava em um tom áspero, mas Leslie não pareceu perceber e seu sorriso se ampliou. O Mestre das Sombras também sorria, mas era um sorriso que ocultava alguma coisa, era um sorriso sombrio e assustador.

— Exatamente, meu querido seguidor. — e descia a mão pelo braço direito dele. Não consegui ver mais nada e sem pensar saí dali correndo o mais rápido que pude, sem me importar se faria ou não barulho. 

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