Capítulo 14
— Você está mesmo de acordo com a nossa decisão? — Cameron disse depois que nos despedimos de todos e nos recolhemos em nosso quarto no mais completo silêncio, para que não percebessem que ficamos fora até às três da manhã.
— Tenho um pouco de medo, mas não tenho escolha. — e me ajeitei na cama.
— Você confia nele?
— Nele quem?
— No garoto das sombras.
— Confio.
— Por quê? — e apagou as luzes do abajur.
— Não sei. Algo me diz para confiar e é isso que estou fazendo. Vocês mesmos disseram para seguir meu coração e meus instintos. — tentei encerrar a conversa.
— Certo. Desculpe se a incomodei com essas perguntas, mas precisava saber o motivo pelo qual você confia tanto naquele garoto.
— O desculpo se me responder o porquê precisa tanto saber disso.
— Tenho que te impedir de se apaixonar por qualquer das criaturas
daqui.
— Por que não posso me apaixonar por nenhuma das criaturas da-
qui?
— Se você se apaixonar pela criatura errada, pode acabar morrendo e
algumas dessas criaturas vão encantá-la apenas para usá-la e depois jogar fora.
— E se me apaixonasse por você? — falei antes que minha mente me censurasse. Agradeci por estar escuro, porque meu rosto corou e o ouvi tossir como se tivesse engasgado. — Você está bem?
— Sim. — e limpou a garganta parecendo se recompor. — Você não
está...?
— Não. — ri de leve. — Boa noite.
— Boa noite.
Depois de um longo tempo em silêncio adormeci. No almoço do dia seguinte, não vi o rapaz das sombras em lugar nenhum do refeitório/praça de alimentação. Era um domingo e era bem capaz de almoçar em outro horário, mas mesmo assim fiquei preocupada com alguma coisa que não sabia explicar.
Almocei com os amigos de Cameron, mas não falei muito. Passei a noite toda tentando decorar o que faríamos na peça e não seria muito agradável. Noah dissera que fez duas cópias e entregara a outra ao garoto das sombras, então também já devia estar ensaiando. Vai ver que era isso mesmo que estava fazendo e por isso não veio almoçar no horário como todo mundo.
Voltei para o quarto, tomei um banho lento e demorado, tentando repassar o que aconteceria e quais seriam as reações que se esperava que tivesse. Fiz quase uma meditação, só que ao invés de parar de pensar e encontrar a paz, só consegui pensar ainda mais e fazer uma verdadeira guerra na minha mente. Saí do banho e coloquei uma roupa qualquer de quem pretende ficar na cama o dia todo. A encenação seria apenas de noite, então tinha o dia todo para tentar relaxar.
Deitei na cama e peguei o livrinho de Ária para tentar distrair a mente com qualquer outra coisa que não fosse a atuação. Deu certo, mas ao invés de aprender sobre os costumes e a cultura dessas criaturas, só consegui pensar mais e mais na minha família e uma saudade veio me cortar o coração. Comecei a chorar e agradeci por Cameron não estar no quarto para ver.
O que será que a minha família estaria pensando e fazendo agora? Minha mãe deveria estar realmente triste e provavelmente devem ter dado algum remédio para que adormecesse. Meu pai deveria estar fazendo todo o possível para manter a casa em ordem, em meio ao falso luto que não sabiam que viviam. Meu avô provavelmente estaria recolhido em seu quarto, em silêncio, sofrendo calado a própria dor e meu irmão deveria estar perguntando por mim todos os dias, sem realmente entender o que me acontecera e sem que ninguém contasse o que achavam que havia se passado.
Quando parei de chorar, tive que ir ao banheiro para limpar o rosto e dar um jeito na cara, que devia estar vermelha e inchada, e em meu nariz, que provavelmente estava igual ao da rena de nariz vermelho do Papai Noel. Dei um jeito no meu rosto e ao sair do banheiro, vi Cameron entrando com as roupas que usaria na peça.
— Obrigada. — falei enquanto ele colocava o vestido sobre a minha cama.
— Você sabe que a Rainha não vai aceitar que vá de qualquer jeito, não sabe?
— Como assim?
— Você vai se vestir agora e chamei Camilla e Julie para ajudá-la com essas coisas de maquiagem e cabelos. Trarão um medalhão que Lewis confeccionou e que Camilla ajudou a preencher com magia para protege-la. — Fizeram mesmo isso?
— Sim. Disse que seriam seus amigos também e que a protegeriam.
Agora pegue essa roupa e aquela sapatilha e vista-se!
Fiz o que pediu. Coloquei o vestido vermelho vinho, de mangas longas e apertadas que se alargavam apenas nos pulsos. O decote era em U e deixava à mostra boa parte do colo. Por cima do vestido, na região da cintura, ia um espartilho preto que Cameron me ajudou a amarrar (era daquele tipo trançado como cadarço de tênis). Nos pés calcei uma sapatilha preta e assim que terminei Camilla e Julie entraram com seus quites de maquiagem e grampos para prender meu cabelo em algum penteado louco de época.
— Não sei para que tudo isso. Nem é uma peça de verdade. — disse enquanto terminavam meu cabelo.
— A Rainha quer assim. Ela ordenou. — Julie falou entre dentes.
— Aquela maldita acha que tudo tem que ser perfeitinho só por que é para ela. — resmungou Camilla, que estava com alguns grampos na boca.
— Você trouxe o colar, Milla? — Julie a encarou ansiosa.
— Sim. Está na minha bolsa. Pegue lá, por favor.
— Aqui! — Julie voltou até mim e colocou o medalhão em meu pescoço. Era um círculo de metal dourado, com um rubi em forma de triângulo no meio, era mais ou menos do tamanho de uma laranja, mas era achatado e não esférico.
— É lindo. — falei enquanto observava a peça.
— E poderoso. — acrescentou Camilla se afastando de mim. — Pron-
to!
— Você está linda! — Julie sorriu radiante.
— Obrigada. — tentei sorrir de volta.
— Anime-se! Sabemos que é difícil, mas ele conseguirá se controlar! Você vai ver! — Camilla tocou meu ombro como para demonstrar compreensão e apoio.
— Sei que vai, mas algo me diz que essa Rainha é completamente
louca e vai aprontar algo conosco. — suspirei.
— Tente não pensar então. — Julie deu de ombros. — Simplesmente faça o que ela mandar, se isso não for te prejudicar demais, e siga o que Noah escreveu.
— Está pronta? — ouvi Cameron falar, enquanto entrava com Lewis e o garoto das sombras.
— Ela está! — Camilla me ajudou a levantar. Cameron pareceu surpreso ao me observar quando levantei e endireitei a postura.
— Você ficou muito bela com as vestes de uma condessa. — Lewis me analisava de cima a baixo.
— Está realmente atraente. Não será fácil me controlar. — o garoto das sombras me olhou de soslaio com um sorriso despontando de leve.
— Nem se atreva a falhar! — Camilla o encarou séria.
— Se machucá-la, eu arranco seus dentes! — Julie o encarou como se quisesse esganá-lo ali mesmo.
— Não vou machucá-la. — e desviou o olhar, abaixou a cabeça e fechou sua expressão novamente.
Todos nos dirigimos ao grande salão da Rainha, onde apenas o garoto das sombras e eu poderíamos entrar. Entramos enquanto nossos amigos ficaram lá fora nos aguardando. Cumprimentamos a Rainha, Leslie, o professor Tom e subimos ao palco que já havia sido arrumado com um cenário de salão de baile. A iluminação também já estava pronta e assim que nos posicionamos as luzes se apagaram e apenas dois holofotes foram ligados, um para ele e outro para mim.
Começamos a cena como estava no script. Tivemos que fingir estar em uma espécie de baile, em que era uma das camponesas que entrou de penetra. A festa era dele, que acabou se interessando por mim para ser seu próximo jantar. Me tirou para dançar e o que era uma valsa fria e calma se transformou num tango acelerado e quente. Ao final da dança, havia-me "seduzido" completamente e fiquei ao seu lado, enquanto fingia se despedir de convidados imaginários. Em seguida, fingimos ir para outro cômodo e lá me abraçou pela cintura e foi roçando o nariz, dando leves beijos desde o meu colo até meu pescoço. Ao chegar ao pescoço, inalou o ar e abriu seus olhos, já vermelhos de sede e desejo, para procurar o ponto certo e morder. Meu corpo estava tenso demais para que não sentisse a dor. Acabei gritando um pouco mais do que deveria e isso pareceu não incomodar nem um pouco a nossa plateia. Leslie e a Rainha olhavam fixamente, quase como se estivessem hipnotizadas pela cena, e o professor Tom observava com os olhos arregalados num misto de orgulho e pavor. Esperei passar algum tempo enquanto sorvia o sangue e a dor passava.
— Por favor... chega... — sussurrei mal movendo os lábios, já começando a me sentir enfraquecida.
Parou de beber depois de um minuto mais ou menos e isso já bastou para me deixar ainda mais tonta que antes de pedir para parar. Relaxei meu corpo e me soltei em seus braços como se estivesse morta, enquanto cicatrizava a mordida segurando meu corpo com um dos braços, junto ao dele, para não me deixar cair. Era a hora de reparar que havia me "matado" e então, chorando, juntar os lábios aos meus numa tentativa desesperada de um último beijo, como se me amasse, mesmo tendo me conhecido na mesma noite.
Só que não fez exatamente isso e começou a improvisar saindo do script e me deixando confusa e sem graça. Havia deitado meu corpo no chão com cuidado e continuava a me fingir de morta. Então percebi pelo canto do olho, ao abri-lo um pouco, que estava de pé e olhava para o alto com os braços acima da cabeça e abertos.
"Sombras! Trevas! Escuridão! Acabei de lhes entregar outra alma, mas não quero que se perca e nem que se alimentem dela. Quero que a possuam e a deem vida novamente. Uma vida pós-morte como a minha! Devolvam a mim, quero sua companhia! Quero sorver seu sangue novamente! Quero tocá-la novamente! Beijá-la novamente"!
Senti quando as sombras se enfiaram por baixo da minha roupa, fazendo a pele arrepiar com seu "calor frio", e senti também quando ergueram meu corpo e me envolveram como se me dessem outro sopro de vida. Finalmente entendi que precisaria fingir que estava voltando da morte e que estava sendo tocada por sombras, trevas e escuridão.
Abri meus olhos e tentei parecer a mais confusa e sombria possível. Olhei estreito para ele e dirigi o mesmo olhar para o auditório. Dei um passo na direção da plateia como se fosse atacá-los. A névoa me impulsionou como a uma marionete em direção ao Mestre das Sombras e caí em seus braços. Não consegui me recompor facilmente dessa vez, pois quando me segurou, acabei olhando em seus olhos e ele abaixou para me beijar. Seus beijos misturavam o paraíso e o inferno, eram bons e proibidos, tinham um toque de malícia, mas em oposição, um toque de delicadeza. Era extremamente difícil resistir a isso. A névoa se enroscou em nós fazendo uma espécie de casulo e quando estava quase nos cobrindo completamente, sussurrou para todos ouvirem: "Agora você será minha Princesa das Trevas". Então a névoa nos envolveu completamente e iniciou o beijo novamente, mas dessa vez fomos revelados rápido demais e me afastou meio a contragosto.
Viramos, ambos para a plateia e agradecemos aos aplausos. A Rainha e o professor aplaudiam em pé e Leslie aplaudia meio sem ânimo, como quem comeu e não gostou.
Finalmente entendi o porquê mudou o script após "me matar" e pediu para as sombras me "ressuscitarem". Fez isso para cortar as cenas muito sensuais que estavam me incomodando sem deixar que a cena ficasse chata, de forma que a Rainha mal percebeu que faltaram aquelas malditas cenas. Talvez também seja por isso que Leslie ficara tão irritada, por ter gostado e não reparado nos erros. Descemos do palco e recebemos os cumprimentos da Rainha, que estava mais animada que o de costume (ao que me parecia desde que a vi pela primeira vez).
— Vocês dois são fantásticos juntos! Praticamente senti o que vocês sentiam! — por um segundo, antes de entender que era só modo de dizer, pensei que tivesse descoberto que sou humana ao sentir o que Zein deve ter sentido ao beber do meu sangue.
— Obrigada, Majestade, mas devem existir muitos atores melhores que nós. — sorri timidamente.
— Ah, com certeza existem. — Leslie lançou-nos um sorriso maldoso. — Mas estão ocupados ganhando suas vidas fora de Fantasy.
— Leslie! — repreendeu a Rainha. — Não acho que esses sejam modos de tratar seus alunos que acabaram de me deixar feliz, coisa que você, em anos, não conseguiu fazer!
— Desculpa, Majestade. — e abaixou a cabeça, mas não sem antes me lançar um olhar atravessado, que retribuí por estar começando a me irritar.
— Ótimo. Estão dispensados por hoje! Aproveitem a semana para criar novas cenas, mas não se esqueçam de estudar! — a Rainha bateu palmas duas vezes e então as portas do seu teatro particular se abriram e se dirigiu para fora acompanhada por Leslie, que seguia logo ao seu lado de cabeça baixa. O professor Tom nos segurou um de cada lado e nos retirou dali levando até onde estavam meus amigos.
— Vejo vocês amanhã na aula! — o professor se despediu e então sumiu pelo enorme corredor que ia seguindo pela parte do castelo que era da Rainha.
— Deve ter sido muito perfeita a atuação de vocês! — Julie estava com uma expressão de assombro.
— Por quê? — encarei-a confusa.
— Nunca vi a Rainha tão feliz. — Noah também estava espantado.
— Dava para sentir as ondas de energia positiva que vinham dela. — Lewis estava com a mesma expressão dos demais.
— Disse que quase conseguiu sentir o que sentíamos. — Zein falou e logo todos se calaram para olhá-lo. — Vou indo... Tchau. — e se retirou antes mesmo de poder tentar detê-lo.
— O que ele disse é verdade? — Cameron me encarou preocupado.
— Sim.
— Ele pareceu diferente quando bebeu seu sangue? Te feriu? — naquele momento, parecia mais ansioso do que preocupado.
— Não e Não.
— Então realmente consegue se controlar... — Julie comentou em um tom de voz mais baixo.
— Veremos até quando. — Ethan sorria malicioso.
— Não ligue para o que ele diz. — Julie o encarou estranhamente controlada.
— Mas ele está certo. — Cameron comentou com cautela.
— Ah! Alguém ouve a voz da razão! — Ethan levou as mãos ao alto.
— Você pode calar a boca? — finalmente Julie explodiu como de costume.
— Venha calar! — a desafiou mostrando as presas.
— CHEGA! — gritou um dos seguranças e começou a tirar nosso
grupo da ala da Rainha, nos empurrando de volta ao pátio do castelo ao invés de nos deixar seguir por dentro, para voltarmos ao saguão principal e seguirmos para a ala de restaurantes para jantar meio fora de hora.
— É melhor nos alimentarmos agora. — tentei quebrar o clima tenso.
— Não estou com fome. Podem ir. — Ethan tomou uma direção diferente à nossa quando chegamos ao saguão principal. Ao passar por mim, sussurrou para que não me esquecesse da doação de sangue que faria amanhã.
— Não irei. — sussurrei quase inaudível.
— Também não estou com fome, vou terminar um trabalho de feitiços e depois dormir! Até mais! — Lewis também se retirou em direção aos quartos.
— Boa sorte! — Julie acenou.
Cameron, Noah, Julie, Camilla e eu seguimos para a ala de restaurantes. Jantamos conversando sobre a minha encenação e fui contando os detalhes que não puderam ver nem ouvir, omitindo apenas a minha reação ao olhar nos olhos dele e ficar completamente vulnerável. Voltamos para o quarto e tive um sonho tumultuado, confuso, cheio de imagens que pareciam sem nexo.
Primeiro estava andando em um corredor completamente escuro e tudo que enxergava era o chão enlameado, que sujava meus pés descalços. Depois me via em um quarto, onde havia apenas uma cama, e quando me aproximei da cama percebi que havia alguém deitado nela, mas não vi quem era por causa do cobertor que o cobria. Em seguida me vi em um jardim e todas as plantas, a grama, as árvores, as flores e a água do laguinho que havia ali eram de tonalidades de vermelho, sendo a água de um vermelho escarlate como o do sangue. Seria sangue? Por fim, estava em uma floresta de árvores bem altas, que se assemelhavam a pinheiros, mas tinham copas largas que impediam a passagem de luz. O clima estava frio, mas não a ponto de nevar, estava apenas frio e úmido e a trilha que seguia estava com algumas poças de água e outras de lama, sob as folhas caídas no chão, que faziam um tapete escorregadio. Minhas roupas estavam esfarrapadas e procurava abrigo. Estava descalça novamente e molhada pelas inúmeras vezes que escorreguei e caí. Ameaçava chover outra vez e pensei que fosse por isso que procurava abrigo... eu me enganei.
Em sonho, assim que imaginei isso, ouvi uma espécie de chiado ou silvo de algum bicho que parecia estar caçando, e tão logo entendi que a caça era eu. Comecei a correr desesperada, mas meu esforço foi em vão e já conseguia ouvir os passos do bicho atrás de mim quando o chão sumiu e despenquei em uma ribanceira. Bati em algumas árvores e me arranhei bastante, enquanto escorregava até o final, onde depois de alguns metros havia um laguinho cuja água também era da cor do sangue. Tentei me arrastar até o laguinho para fugir do que me perseguia, mas a dor era forte no meu pé esquerdo e minha perna direita sangrava bastante. Virei meu corpo e me apoiei no braço, de frente para a ribanceira, esperando o que quer que fosse surgir dali. O coração martelava forte contra o peito, o corpo estava exausto e dolorido, a mente bagunçada pelo medo e a respiração ofegante e cansada.
Então a criatura irrompeu e tudo que vi foram suas presas. Presas de vampiro. Logo após esse vislumbre uma névoa escura me envolveu e fechei os olhos com medo quando a criatura me mordeu. Acordei gritando e sentei na cama assustada.
— Ei! O que houve? Você está bem? — Cameron havia levantado e acendido a luz. Estava sentado na beirada da minha cama me olhando assustado.
— Sim... — tentei me acalmar respirando fundo — Foi só um sonho
ruim...
— O que você sonhou? — E tomou minha mão entre as dele.
— Estava sendo caçada por um vampiro.
— Minha nossa... — e se aproximou de mim me abraçando. — Olha... sei que está assim pelo que aconteceu e por que Ethan ainda te tem como doadora, mas tenho certeza que nenhum dos dois jamais a caçaria. Você agora é protegida da Rainha por tê-la feito sorrir e se sentir bem outra vez.
— A Rainha mesmo é uma vampira...
— Mas não sabe de você e enquanto não souber, não irá te atacar ou
te caçar. — E passou a acariciar meus cabelos.
— E quando descobrir? Vou ficar aqui para sempre, Cameron! Em algum momento irá descobrir! — Senti as lágrimas se formando ao pensar que teria que passar o resto da vida fugindo.
— Muitos humanos estão por aí refugiados e a Rainha nem se importa em caçá-los! Você só precisa tomar cuidado enquanto é sangue fresco e novata aqui, depois você não a interessa mais.
— Como sabe disso? Todos os humanos que você ajudou foram capturados! — não consegui medir minhas palavras antes de dizê-las.
— Nem todos foram... ajudei dez humanos e dois escaparam. Sei que é pouco, mas os outros oito eram muito tolos e cinco deles não aceitaram de pronto a minha ajuda, por isso foram achados. Mas você não é assim. Não se preocupe! — e me soltou devagar, levantando-se da minha cama.
— Tudo bem. Desculpa... que horas são?
— Quatro e meia da manhã. Pode dormir mais um pouco. — e voltou para a cama.
Achei que não pegaria no sono de novo, mas tão logo deitei, adormeci. Acordei com Cameron chacoalhando meus ombros e dizendo para que levantasse porque estava quase na hora do almoço. Levantei meio sonolenta e vi que já eram onze e meia. Corri para o banheiro, tomei um banho rápido, troquei de roupa e depois segui com Cameron e Julie (que entrou no quarto enquanto estava no banho) para a ala dos restaurantes.
Logo na primeira aula já foi provado que meu dia não começara bom e também não iria melhorar... Ethan sentou-se ao meu lado de novo e me ajudou nos feitiços, mas durante a aula toda ficava sussurrando em meu ouvido que hoje à noite seu jantar seria melhor que o dos outros e que era para não esquecer o que prometi.
— Não irei. — sussurrava de volta, mas não cansava de me fazer re-
petir isso.
Tocou o sinal para a próxima aula e me passou um bilhete:
"Encontre-me nas pedras acinzentadas à esquerda do jardim-bosque do castelo quando suas aulas terminarem.
Ethan".
Sabia para que era esse encontro e o temia tanto quanto o medo de ser descoberta como humana. Infelizmente não tinha escolha. Teria que ir de "boa vontade" e entregar-lhe meu sangue, em troca de não contar a verdade sobre mim a ninguém.
As aulas seguintes passaram rápido demais para o meu gosto, mas me fizeram esquecer um pouco os meus problemas enquanto pensava nas lições aplicadas e nos feitiços, poções e coisa e tal.
O intervalo também passou rápido. Comemos enquanto conversávamos como quaisquer adolescentes normais. Fiquei um pouco quieta demais hoje, mas ninguém pareceu reparar. Depois do intervalo tinha aula de música e Lewis me ensinaria um pouco mais sobre piano. Era surpreendente a paciência dele com meus erros. Não tenho talento nenhum para música, mas mesmo assim era gentil e repassava comigo várias vezes a mesma lição. Era realmente agradável sua companhia e diferentemente dos outros fantasmas que vi pelo colégio, sorria bastante e parecia feliz. Em seguida tive outra desastrosa aula de camuflagem-paintball com o professor Jack. Não conseguia me concentrar de jeito nenhum e fui acertada por praticamente todos os ataques dos cenários. Cheguei atrasada na aula de teatro de novo, por causa da demora com a tinta, mas novamente o professor Tom me perdoou. Fizemos apenas exercícios de voz e percebi que Zein fez de tudo para não se sentar perto de ninguém além de mim. Era difícil tentar enturmá-lo com esse comportamento tão antissocial e retraído...
Por fim chegou a última aula. Reforço de Feitiços com a Leslie. Já a detestava sem saber exatamente o porquê, e ter aulas com ela era completamente irritante (claramente um teste de paciência da minha parte). Fez questão de segurar a mim e aos outros cinco novatos de suas aulas até o momento de tocar o sinal e quando este tocou, um choque percorreu meu corpo e meu coração acelerou de uma maneira estranha.
Saí da aula e me dirigi até o saguão principal da escola, onde alguns alunos transitavam ou de volta para seus quartos, ou indo para os restaurantes fazer um lanchinho noturno. Olhei o clima lá fora e a noite parecia escura e sombria. Assim que saí pude ver a lua que iluminava tudo com sua luz prateada e me senti um pouco melhor. Caminhei com cuidado para a esquerda do jardim-bosque, tentando encontrar as tais pedras de que Ethan falara e seguindo a trilha não foi difícil de encontrá-las. Estava me esperando deitado em uma das pedras mais baixas e planas e fitava a lua. Assim que notou minha presença virou o rosto e sorriu de leve. Não sei se era efeito do medo ou da confusão em minha mente, mas quando me olhou, a lua refletiu seu olhar e conforme me aproximava, me senti hipnotizada. Andei às cegas até o mais perto que consegui, apenas observando seus olhos, que eram de um tom de verde esmeralda, mas um pouco mais foscos, ao mesmo tempo em que emitiam um brilho próprio que se misturava ao do luar. Seus olhos eram... não há como explicar exatamente como eram. Imagine a perfeição em tonalidade verde e assim chegará perto do que eram seus olhos para mim naquele momento. Seu sorriso, mesmo com as presas a mostra, era tentador e sedutor ao mesmo passo que era doce e angelical, seus dentes eram brancos como a lua que os iluminava. Seus cabelos castanhos claros estavam levemente desgrenhados e por ser uma mistura de liso e cacheado o faziam parecer ainda mais com um anjo, apesar de suas presas desmentirem essa agradável ilusão. Sua pele reluzia em toda uma brancura como o mármore dos salões da Rainha, mas não parecia ser áspera e dura, e sim macia.
— Olá. — e sua voz pareceu tocar minha pele ao ponto de arrepiá-la.
— Oi. — falei quase sem emitir qualquer som.
— Bem... você se alimentou bem hoje, certo? — E arqueou a sobran-
celha.
— Sim. — No mesmo instante que terminou a frase, encolhi-me por causa da minha aflição em terminar logo com isso.
— Não se preocupe, não vou matá-la e a dor não será diferente da dor que sente quando o Mestre das Sombras te morde. — disse em um tom indiferente, mas que soou quase tranquilizador por causa de seu sorrisinho metido ao falar isso.
— Sei que não vai me matar, mas é melhor ir logo. Era para estarmos lá dentro e não aqui fora. — encolhi-me ainda mais por causa de um vento frio que soprou.
— Não precisa se preocupar. Ninguém disse que não podíamos sair do castelo, só não podemos ultrapassar seus muros. — e revirou os olhos.
— Mesmo assim. Cameron deve estar me esperando.
— Certo. Então chega de conversas. Quer que seja rápido, tudo bem, serei rápido. — e se aproximou de mim junto a uma brisa quente, que me fez estremecer. — Relaxe. — sussurrou e olhou fixo em meus olhos. Seus olhos assumiam um tom de vermelho escarlate misturando-se ao verde que me encantara e que agora me assustava, fazendo meu estômago dar voltas.
— Vou tentar. — fiquei irritada por minha voz sair trêmula.
Segurou minha cintura de maneira firme e me puxou colando nossos corpos, fazendo um arrepio correr minha coluna e me fazendo estremecer. Fechei os olhos quando roçou os lábios em meu pescoço, inalando meu cheiro e procurando o ponto certo para morder. Segurei seus ombros por impulso quando mordeu e involuntariamente acabei por segurá-los forte com as unhas, o que jurava que faria marcas em sua pele mais tarde. Bebeu o sangue por um tempo e quanto mais bebia, mais apertava as mãos em minha cintura e me puxava. Então, quando tentei protestar, me soltou rapidamente e cicatrizou a mordida lambendo o local (sim, isso é nojento).
— Seu sangue é realmente muito poderoso e saboroso, mas o sangue da feiticeira atrapalha esse sabor e a energia do poder que senti. — estava um pouco ofegante e limpava a boca com as costas da mão.
— Vou voltar para o dormitório. — mas quando dei o primeiro passo me senti tonta e meus joelhos falharam, fazendo com que eu caísse sentada.
— Vou te levar para o quarto. — e me ajudou a levantar, dando apoio para caminhar, passando meu braço em torno da sua cintura e o braço dele em torno da minha.
— Minha parte orgulhosa não aceita isso, mas a parte racional sim, pois sabe que não vou conseguir chegar sozinha com essa tontura. — tentei soar indiferente.
— É a perda de sangue. Você perdeu ontem e hoje, isso a deixou fra-
ca.
— É. Eu sei. — virei o rosto para o outro lado.
Seguimos para os dormitórios em silêncio. Quase todos os jovens já haviam se recolhido, de maneira que não fomos vistos por muita gente. Me deixou na porta do meu quarto e depois seguiu para o dele. Assim que entrei, Cameron me encheu de perguntas, primeiro porque demorei e onde estava, depois se Ethan não havia me machucado ou feito alguma outra coisa. Quando respondi que não me fizera mal, finalmente sossegou e me deixou tomar um banho e trocar de roupa. Saí do banheiro já pronta para dormir e quando quis começar a conversar, falei de forma gentil que estava muito cansada e que o dia não fora muito fácil. Pareceu entender e me desejou boa noite. Achei que demoraria a pegar no sono, no entanto, enquanto pensava no que havia acontecido, acabei fechando os olhos e dormindo.
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