Capítulo 13

Depois de nos reunirmos no quarto de Cameron e de algumas pequenas discussões sobre a confiança no garoto das sombras, finalmente seguimos para o sub-

solo onde ficava o esconderijo dos meus novos amigos.

Para conseguirmos passar pelo alçapão que dava ao conjunto de corredores que levavam à antiga biblioteca, tivemos que nos esgueirar pelos corredores em silêncio e completamente no escuro, porque a única entrada era na última sala do corredor da direita no primeiro andar, ou seja, onde ficavam a diretoria, a recepção, as salas das secretárias e a enfermaria.

Passar pela diretoria e pela recepção foi fácil, ambas estavam fechadas, afinal, era uma da manhã. As salas das secretárias estavam todas com as portas fechadas, mas algumas tinham as luzes de dentro acesas, o que me fez pensar que as coitadas das secretárias da escola se matavam de tanto trabalhar. A única parte mais complicada foi passar pela enfermaria, que estava com a porta aberta e com duas enfermeiras de plantão lá dentro, cuidando de alguns alunos machucados. Tivemos que esperar meia hora até as duas enfermeiras se ausentarem e conseguirmos passar todos em frente a porta aberta.

Alcançamos a última sala e Cameron abriu a porta que estava trancada após algumas palavras que nem se quisesse entenderia. Quando entramos, o cômodo estava escuro, mas consegui distinguir o que parecia ser uma escrivaninha, uma poltrona e duas estantes de livros. Cameron acendeu uma vela, assim que trancou a porta novamente. O chão era coberto por um tapete que deveria ser muito bonito antes de ficar sujo e empoeirado e o local daria um bom escritório de trabalho, se não estivesse todo abandonado e caído em desuso. Cameron arrastou a estante do lugar com a ajuda de Noah e uma porta de madeira, que parecia não ser usada e nem limpa muitas vezes, se revelou. O cadeado que deveria trancá-la estava enferrujado, era fácil de arrebentá-lo para conseguir entrar e foi o que fizemos. Descemos pelo corredor de escadas que ia aparecendo, mas com a pouca luz me pareciam mais os túneis das entranhas de uma caverna soterrada que estaria pronta para desabar a qualquer momento. Para ficar mais fácil de entender, era como uma mina que caía aos pedaços muitos anos depois de seu auge de exploração e uso. Continuamos andando em silêncio, Cameron e Noah iam à frente, Julie e Camilla logo atrás e por fim Zein e eu.

Quando vi aquele bicho não sei o que foi mais assustador, a aparência de besta completamente anormal ou aquela coisa estar dormindo enquanto Lewis acariciava sua cabeça, calmamente.

— Ah! Vocês chegaram! Os outros já estão lá dentro. Vamos? — falou assim que nos viu.

Cameron nos guiou para dentro da porta que se erguia atrás da criatura e de Lewis. A porta devia ter uns seis metros de altura, como o restante do corredor daquele subsolo, apesar de estar desgastada era aparente que pertencera a uma majestosa biblioteca. Parecia ser feita de ouro ou qualquer outro material que fosse ainda mais precioso e era entalhada com desenhos das criaturas que deveriam viver em Fantasy.

As portas se abriram e nosso grupo foi entrando sem cerimônias, mas não de maneira grosseira. O lugar tinha diversas estantes, quase do tamanho da porta pela qual passamos, e estavam repletas dos mais diversos tipos de livros embora algumas estivessem mais empoeiradas que outras. O espaço era realmente amplo e tanto à direita quanto à esquerda se estendiam fileiras e mais fileiras de estantes que pareciam ser ancestrais. Essas fileiras se ramificavam formando o que deveria ser um labirinto de estantes, papel, traças e poeira. À nossa frente, no espaço em forma de círculo que antecedia o início do labirinto dos livros, estava uma enorme mesa redonda rodeada de cadeiras, que mais pareciam tronos, e era cada uma de uma cor diferente, assim como o vidro da parte superior da mesa que parecia um vitral colorido e abstrato, emoldurado pelo ferro escuro que sustentava toda a estrutura. Ao redor da mesa, estavam sentados Aron, Ária, Rose, Carla, Daniel e Ethan, todos muito concentrados em sua discussão. Nós entramos e Lewis veio por último, fechando as portas enormes atrás de si.

— Então ele veio... — Ethan estava sentado na cadeira de cor acin-

zentada.

— Sim, irá nos ajudar. — tentei soar firme, mas não muito autoritá-

ria.

— Tanto faz. — e deu de ombros desviando o olhar.

— Sentem-se, por favor. — Ária pediu e todos nos ajeitamos. Não sei se importa muito, mas reparei as cores de cadeiras em que cada um sentou. Ethan em uma cadeira cinza, Ária, Julie, Camilla, Rose e Carla em cadeiras amarelas, Aron, Noah e Daniel em cadeiras verdes, Cameron em uma vermelha, Lewis na azul celeste e sobravam cinco cadeiras, uma branca, outra preta e as outras cinco marrom. Zein se dirigiu à cadeira preta e sentou-se. Todos ficaram me olhando enquanto encarava a cadeira de estofado branco decorada em estilo gótico, com madeira escura. — Sente-se nessa mesma, querida. Já vou explicar a você a coloração das cadeiras.

— Tudo bem. — rapidamente me sentei na cadeira. Assim que Ária tornou a sentar-se à mesa, o tampo que parecia ser um vitral se iluminou em todas as cores que o vidro apresentava e assim ficou. Logo as cadeiras em que estávamos sentados se iluminaram também e senti uma onda correr meu corpo. Não sei o que foi aquilo, mas era forte e poderoso.

— Muito bem. A magia nos aceitou mais uma vez. Podemos prosseguir. — Ária estava sentada do outro lado da mesa arredondada. Nas duas extremidades havia uma cadeira e no restante do comprimento, nas laterais, oito cadeiras de cada lado. Nas oito da direita estavam sentadas Camilla e Julie, duas cadeiras vazias, Rose, Carla, Daniel e Aron. Nas oito da esquerda, Zein (sentou-se na primeira), três vazias, Ethan, Lewis, Noah e Cameron. Ária sentou-se na da extremidade oposta à que me sentei. — Estamos aqui porque precisamos decidir o que fazer com Alessia, seus amigos humanos e Zein. — todos assentiram. — Mas antes, devo explicar o porquê das cores das cadeiras para os humanos aqui presentes.

— Por favor... — falei baixinho e me olhou sorrindo.

— Os que estão sentados nas cadeiras amarelas têm em suas almas a essência da magia e a dominam, como Julie, Rose, Carla, Camilla e eu. Os que estão em cadeiras verdes como Daniel, Aron e Noah, controlam a Terra em suas almas. Cameron está na vermelha por causa do fogo e Lewis na azul celeste por causa da água. Ethan está na cinza por causa do ar e Zein está na cadeira preta porque controla muito bem as sombras.

— Ou elas quem o controlam. — Ethan murmurou.

— Alguma coisa a dizer Ethan? — Ária lhe lançou um olhar astuto. — Não. — E deu de ombros.

— Muito bem. As cadeiras marrons são dessa cor por que estão desocupadas ainda. E a sua cadeira é branca, Alessia, porque precisamos ainda descobrir o que está em sua alma. Alguns de nós temos mais que uma afinidade e a cadeira branca costuma ser usada por quem possui três ou mais, mas pode ser usada por você por enquanto. — continuou a explicar me observando absorver suas palavras.

— Por que teria alguma coisa em minha alma? — fitei-a confusa.

— Todos nós temos. — Cameron respondeu por ela.

— Mas Carla, Daniel e eu somos humanos. Por que teríamos algum tipo de magia?

— Porque os humanos também têm essa magia. — Ethan revirou os

olhos ao dizer isso.

— Como assim? — voltei meu olhar para ele.

— Os humanos possuem magia também, mas ela lhes foi negada em todas as suas formas por causa de sua ignorância e ambição. A única magia que sobrou para sua espécie foi o amor e isso pode parecer ridículo, mas essa é a magia mais difícil de controlar e sua espécie a ignora da maneira que pode, sem saber o que realmente representa. — Disse com um tom de voz baixo e controlado. Todos o olharam, confirmando com a cabeça.

— O amor não é magia. É sentimento. — sentia-me completamente confusa com sua explicação.

— Viu? É por isso que não conseguem controlá-lo. Subestimam-no. — e revirou os olhos novamente.

— Do que ele está falando, Ária? — voltei a encará-la, sem paciência para o sarcasmo e o pouco caso de Ethan.

— Bem... diz a lenda que antigamente a humanidade era capaz de controlar as magias ancestrais como as nossas espécies controlam, mas por causa de sua ignorância e ambição foram banidos do Mundo Mágico e todos os seus conhecimentos sobre magia foram esquecidos, menos um. Dizem que apenas o amor foi o que prevaleceu, porque a pessoa que for capaz de controlar o próprio amor e amar a outro tem um poder surpreendente. — Passou a encarar um ponto fixo da mesa enquanto explicava.

— Controlar o próprio amor? — tentei chamar sua atenção, mas foi

inútil.

— Você já ouviu falar que para amar alguém é necessário amar a si próprio antes? — Rose, a fada que treinava Carla, disse com um leve sorriso.

— Já, mas o que isso tem a ver?

— A pessoa que consegue amar a si próprio da maneira que é e nas condições em que se encontra, é capaz também de compartilhar esse amor e amar outras pessoas. O amor é uma magia forte, a partir do momento que você o compartilha, cria laços de magia quase inquebráveis, por isso além de ser poderoso, é perigoso. — o sorriso sumiu de seu rosto ao terminar a sentença.

— Mas por que poderoso? E por que perigoso? — Vi Ethan revirar os

olhos mais uma vez e tentei controlar a raiva.

— Poderoso porque não é fácil uma pessoa amar a si própria na medida certa para compartilhar esse amor e perigoso porque a partir do momento que você o compartilha com a pessoa errada, acaba por se prender da mesma maneira que a uma pessoa boa. — continuava explicando pacientemente.

— Exatamente. — Ária finalmente parou de encarar a mesa e voltou à conversa.

— Mas por que deixaram algo tão poderoso nas mãos dos humanos?

— não pude deixar de fazer essa pergunta.

— Porque o amor pode reverter e curar uma alma ruim. — Rose vol-

tara a sorrir.

— Os humanos são almas ruins? — ainda estava tentando entender tudo o que disseram e me sentia uma completa idiota.

— Muitos, sim, e podem ser convertidos pelo amor. — Disse ainda sorrindo.

— Acha que eu e meus amigos somos almas ruins? — me senti preocupada de repente.

— Não. Se fossem, não teriam cruzado as fronteiras de Fantasy. — Aron entrou na conversa.

— Cruzamos a fronteiras porque não tínhamos más intenções ao entrar aqui. — concluiu Daniel com ar de gênio e Aron assentiu com a cabeça, o que só fez com que seu ego inflasse ainda mais.

— Tudo bem. Entendi. Vocês já sabem como descobrir o que minha alma é?

— Isso só o tempo dirá, querida. — Ária me lançou um sorriso compreensivo.

— Certo. Então vamos tentar focar em nosso problema inicial agora. — decidi antes que acabasse ficando com dor de cabeça, por tentar demais entender algo que não compreendia direito.

— Muito bem então. Vamos ao objetivo da reunião. — e todos voltamos a observar Ária.

— Acho que não deve beber o sangue dela na frente da Rainha. — Ethan iniciou a discussão.

— Se não fizer, vai fazer o quê? A Rainha pediu para que fizesse isso! — Julie o encarou com olhar estreito.

— Diga que já está satisfeito e que não quer beber ou sei lá. — rebateu dando de ombros.

— Você sabe que isso não daria certo. — Noah se intrometeu.

— Então o que vamos fazer? — Carla falou aflita.

— Vocês não vão fazer nada! — Zein elevou um pouco sua voz para ser ouvido. — Eu vou! Não vou me descontrolar! Já provei o sangue dela e sei o que esperar. Sei também que está misturado à magia, ao sangue da feiticeira, e isso não o torna exatamente delicioso.

— Bem... — Ária foi quem quebrou o silêncio que se seguiu. — Sim, misturei meu sangue ao dela, assim como os outros humanos também tiveram seus sangues adulterados.

— Então o gosto e o cheiro não são os mesmos. — Noah concluiu.

— Não. Não são. — Zein confirmou com o tom de voz baixo novamente.

— Então o rapaz tem condições de atuar. Se não sente o cheiro e o gosto como os de um humano comum, não têm porque se descontrolar. — Rose batia com o indicador no queixo pensativa.

— Ele tem como se descontrolar sim. — Cameron protestou.

— Como assim? — a fada passou a encará-lo.

— O cheiro pode estar completamente diferente, mas mesmo o gosto estando adulterado é sangue humano e sentiu isso.

— Sim. Isso é verdade, mas consigo me controlar. Você sabe disso, bruxo. — Zein fitou-o com o olhar baixo.

— Cameron? — Ária falou como que pedindo para que explicasse e o observou.

— Vi quando bebeu o sangue dela. — respondeu após limpar a garganta. Carla e Daniel o olharam espantados.

— ELE O QUÊ? — Carla bateu com ambas as mãos na mesa.

— VOCÊ DEIXOU? — Daniel apenas o encarou incrédulo.

— Acalmem-se. — Aron e Rose pediram juntos.

— Não deixei exatamente. Minha intenção era separá-los, mas não funcionou. E o rapaz estava disposto mesmo a mudar. Bebeu seu sangue e não a machucou. — Cameron explicou rapidamente.

— Sim. Não a machuquei e sei que seria capaz de beber novamente sem a machucar. — Zein cruzou os braços em frente ao corpo.

— Precisamos confiar nele. — Julie se pronunciou por fim e nós to-

dos viramos para ela.

— O que está dizendo, Julie? — Ethan estava inquieto em sua cadeira.

— Quero dizer que Leslie deve ter armado tudo isso para pegar Alessia e Cameron no flagra. Foi Leslie quem trouxe Alessia para cá e quem a deixou no quarto do Cameron, quem indicou os dois à peça e quem espalhou a fofoca do beijo pela escola. Vi sem querer quando contou a Rachel de forma "casual". Deve ter dito à Rainha como deveria ser a peça e o que deveriam fazer para desmascarar Alessia e Cameron. — Explicou e à medida que falava todos concordavam e entendiam a verdade de suas palavras.

— Então eles terão que atuar. — Daniel concluiu após engolir em se-

co.

— Sim. — Julie me observava e sorria de leve. — Porque o único defeito do plano de Leslie é que não sabia que o garoto das sombras a ajudaria se esconder.

— Então está decidido. Terminamos por hoje. — Ária bateu palmas duas vezes e então todos começaram a se levantar de seus lugares, as luzes da mesa se apagaram e Lewis saiu na frente para amansar a quimera, enquanto os outros esperavam seu sinal para prosseguir.

— Aqui está a peça que montei para vocês encenarem. — Noah me entregou uma folha de papel preenchida frente e verso.

— Ah. Ahn... Obrigada. — falei um pouco sem graça por enxergar naquela folha uma quase sentença de morte.

— Sei que é complicado, mas tente pensar positivo. Tudo dará certo.

— sorriu compreensivo.

— Obrigada. Vou tentar. — retribuí o sorriso confiante, apesar de

por dentro não acreditar no seu otimismo. 

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