Capítulo 12

— Minha nossa! Você o quê? — Ária falou quando nos encontramos para almoçar no sábado.

— Pois é. Conheci a Rainha, encenei um trecho do que se tornará uma peça, virei doadora de um vampiro para que não conte a ninguém que sou humana, estou tendo aulas de piano com um fantasma, meu companheiro de quarto, seu afilhado, é um bruxo e beijei um vampiro duas vezes. — tentei falar rapidamente para que não ficasse relembrando o que aconteceu e meu rosto corasse.

— Mas, amiga, isso é fantástico! — Carla deixou seu suco de lado.

— Pelo que andei sabendo, não é, não. — Daniel me encarou preocupado.

— Como assim? — Carla fitou-o confusa.

— É horrível Alessia ser doadora de um vampiro. Ficará fraca e vulnerável todas as vezes que beber seu sangue e se se viciar do sangue dela, a encrenca será das grandes.

— Sim, seu amigo está certo. — falou Aron, o amigo elfo de Ária, que

estava treinando Daniel.

— Oh, céus! E o que vamos fazer? — Carla já assumia seu modo de-

sesperada.

— Minha nossa, Alessia! Apenas uma semana e olha a encrenca em que você se meteu! — meu amigo me encarou novamente, mas dessa vez com um olhar repreensivo.

— Fiquem calmos! — Ária tentou tranquilizá-los. — Por enquanto está tudo sobre controle. O pior problema é ter se tornado doadora desse tal vampiro. Como é o nome dele mesmo?

— Ethan. — encolhi-me na cadeira ao pronunciar o nome.

— Não se preocupe, Ária. Vou protegê-la da melhor forma que puder. — Cameron viera comigo.

— Eu sei, querido, mas quem a protegerá dela mesma? — Ária estava visivelmente preocupada. Carla e Daniel riram e fiz bico.

— Ei! Isso é sério! — segurei o riso.

— Nós sabemos. — Carla ainda ria.

— Tudo bem. Chega, Carla! — Daniel se recompôs.

— Desculpa. — e parou de rir também.

— Muito bem. Agora precisamos decidir o que fazer. — Ária encarou a todos, um a um.

— Ária, acho que não temos o que fazer. Simplesmente não há como fugir e vou ter que enfrentar essas coisas. Vai ser horrível Ethan beber meu sangue? Sim, mas vou ter que passar por isso. É horrível viver guardando segredo sobre quem você realmente é? Sim, é horrível, mas é consequência de meus atos. E vou ter que encarar isso tudo. — tentei convencer a mim mesma também.

— Ela está certa. — foi Aron quem falou primeiro.

— Sempre foi decidida. — Carla sorriu para mim.

— Sim. — Daniel colocou a mão sobre a dela na mesa. Será que está

rolando algo? Preciso descobrir depois...

— Acho muito maduro da sua parte assumir as responsabilidades assim, mas a senhorita já sabe o que fazer? — Ária me encarava com a sobrancelha arqueada.

— Ainda não, mas faz parte do desafio descobrir.

— Certo. — soltou um suspiro e se retirou da mesa. Cameron a seguiu. — Vou deixar os jovens conversando um pouco.

— Desculpa, rapaz, mas precisamos ir. — Aron se levantou.

— Já? — Disse triste vendo Daniel se levantar também.

— Sim. Perdão, Alessia, mas os elfos têm muito trabalho. — e se despediu de nós.

— Tchau, Dan! — Carla acenou.

— Vocês andam se vendo mais do que eu posso vê-los, não é? — arqueei a sobrancelha ao encará-la depois se foram.

— Sim. Estamos namorando.

— Mesmo? — fingi estar surpresa.

— Sim. Elfos e fadas podem namorar. — e sorriu.

— Ah... isso é ótimo! — retribuí o sorriso. — Tem classes que não podem?

— Mas e você? Como está? — e ignorou minha pergunta anterior.

— É difícil me adaptar e fingir ser o que não sou, mas sei que do contrário vou acabar sendo decapitada. Então acho melhor gostar de atuar. — disse rindo fraco.

— Sei como é. É muito difícil se adaptar em um mundo tão diferente.

— Pois é...

— Mas quem é esse vampiro que você beijou? — e me lançou um o-

lhar de malícia junto a um sorrisinho.

— Ah... um garoto... todos têm medo dele...

— Ui! Um badboy!

— Não sei se é exatamente isso. — tive que rir.

— Ah, não?

— Tem uma má reputação, mas algumas pessoas me asseguram que não faz isso por maldade, que apenas não consegue controlar seu poder.

— E você acredita nisso? — e me encarou. Não consegui desviar o o-

lhar.

— Sim. Acredito. E acho errado ficarem o excluindo como estão fazendo. Por isso estou tentando me aproximar e ser amiga dele.

— Só amiga? — arqueou a sobrancelha em outro olhar malicioso.

— Oh, céus! Sim! Só amiga! — levantei as mãos em sinal de rendição. — E qual o poder dele?

— Não sei direito... mas pelo que entendi controla as sombras e as trevas. — vi que Carla estremeceu.

— Uh... E é bonito?

— É perfeito. — sorri envergonhada.

— Quero ver quem é! — e quase pulou na cadeira.

— Ei! Calma aí! Você tem namorado!

— E não disse que quero namorar ele! Só disse que quero vê-lo, para ver se aprovo para você!

— Não. Seremos só amigos. — conclui antes que continuasse. Cameron estava se aproximando da mesa.

— Temos que ir agora. Leslie está querendo falar com você.

— Leslie? Como você sabe? — encarei-o confusa.

— Ela me mandou uma mensagem. — e ergueu seu iPhone azul escu-

ro.

— Tudo bem. — levantei e me despedi de Ária e de Carla, seguindo com Cameron de volta ao castelo.

Chegando lá, Leslie nos esperava ao pé das escadas que levavam para dentro da construção enorme. Parecia impaciente e Cameron, aflito e preocupado com alguma coisa.

— Vocês demoraram. Onde estavam? — tentava disfarçar o tom irri-

tado de sua voz.

— Fomos visitar minha madrinha. — Cameron usou um tom de voz que raramente o ouço usar.

— Sei que foram visitar Ária, garoto. — dessa vez não escondeu sua

irritação.

— Certo, mas o que você queria comigo? — intrometi-me para evitar

a discussão que estava prestes a ser armada ali.

— Ah! Claro! — pareceu se lembrar. — Vá embora, garoto. Meu assunto é com ela e não com você.

— Se precisar de mim estarei em nosso dormitório. — assenti e ele

nos deixou a sós.

— O que você queria, Leslie?

— A Rainha diz estar entediada e quer que você e o rapaz lhe façam uma nova cena.

— Ah, sim. Tudo bem. Diga que faremos. — forcei um sorriso.

— Ótimo! Pode avisá-lo por mim? Ele está em seu dormitório, o de número treze. Já estava preparando algumas cenas para a Rainha desde sua encenação ontem. — então, entramos no hall principal do castelo e resolvi seguir para os dormitórios.

— Sim. Eu aviso.

— Ah! De noite volte a falar com ele! A Rainha já terá escolhido a cena que quer que vocês interpretem e amanhã à noite vocês irão ao seu auditório particular. Os contratou como seus atores particulares. — disse com um sorriso que me pareceu maldoso.

— Me sinto muito honrada. — falei sem animação nenhuma e então segui depressa para os dormitórios. Passei direto pelo dormitório de Cameron e fui até o de número treze. Respirei fundo e bati na porta três vezes.

— Entre. Está aberta. — ouvi sua voz suave lá de dentro. Toquei a maçaneta e abri a porta com relutância.

— Com licença... — tentei ganhar tempo para fazer as batidas do meu coração cessarem e mais tempo para me convencer de que meu coração se acelerou porque era um vampiro e tinha medo dele.

— Entre. Feche a porta ao entrar, por favor. Não que outra pessoa virá até mim, mas podem vir bisbilhotar.

Estava sentado na cama e tinha um livro nas mãos. Ao redor, vi muitas bolinhas de papel amassadas e na cama (que era a única do quarto) havia algumas folhas de papel escritas. O quarto era completamente sombrio, o chão era preto e as paredes de um tom vermelho-escarlate. A cama era de casal e tinha aspecto de cama do Conde Drácula, com seu estilo gótico. As janelas estavam cobertas por grossas cortinas vermelhas, o que impedia a luz de entrar e me perguntei se sua visão era tão boa, a ponto de conseguir ler no escuro. Quando entrei, acendeu uma vela.

— É escuro aqui... — falei pateticamente enquanto entrava e fechava

a porta.

— As sombras e as trevas preferem assim.

— Claro... Bem... Ahn... — limpei a garganta enquanto olhava me esperando continuar. — vim aqui, porque Leslie pediu para avisar que a Rainha quer que encenemos para ela amanhã à noite.

— Ah! Sim, claro... imaginei que quereria uma encenação logo, pois ontem me mandou escrever algumas cenas diversas. — segui seu olhar para os papeis na cama.

— Você sabe o que ela quer?

— Me pediu para fazer cenas mais intensas, mas não sei exatamente sobre o que, então escrevi um pouco de tudo. — e indicou os papeis.

— Posso ler?

— Gostaria que esperasse primeiro ela escolher. — seu tom de voz

baixo o fazia parecer tímido.

— Tudo bem. Então já vou indo. — virei-me em direção à porta, mas meu estômago revirou quando vi as trevas em forma de névoa escura obstruindo minha passagem.

— Você deveria se afastar de mim... — falou melancólico.

— Não vou desistir de você. — ainda olhava a névoa fixamente e ele deu um risinho fraco.

— Elas não vão machucá-la hoje.

— Ahn... Claro. — desviei o olhar por um instante, mas quando me virei para pedir que as tirasse dali, quase lhe dei um encontrão, que estava parado logo atrás de mim.

— Desculpa.

— Tudo bem. — tentei voltar a respirar normalmente.

— Realmente queria uma amiga, mas você precisa entender que nasci para ficar sozinho. Sou um monstro. — ao olhar em seus olhos, pude ver o quanto sofria ao dizer isso.

— Você não é um monstro. Não para mim. — toquei-lhe o rosto com as pontas dos dedos. O que fez desviar seu olhar para o toque e quase pareceu sorrir.

— Pois aí vai a verdade: matei todos que se aproximaram de mim.

TODOS. — desviou do meu toque, se afastando.

— Isso é o que todos dizem, mas não é no que acredito.

— Você não entende. Você é apenas uma novata. Não conheceu as pessoas que matei, nem as que feri. — andava pelo quarto.

— Não. Mas sua professora, Stella, conheceu. O tinha como um filho e de repente tudo mudou. Ainda acredita que possa te resgatar da solidão. — parou de andar e me olhou como quem estava confuso. Então vi a névoa o envolver e seus olhos assumiram um tom leve de vermelho misturado ao mel.

— Stella estava errada. Não vou mudar. Agora saia daqui antes que te machuque outra vez. — sua voz soou sombria e sinistra, não mais suave e sedutora como antes, e me fez estremecer.

— Vou sair, sim. Mas não porque tenho medo do que essa coisa está transformando você, mas porque deixei Cameron me esperando no dormitório. — e me dirigi à porta batendo os pés com firmeza. Saí do quarto batendo a porta, e no corredor, enquanto tentava voltar sem ser vista, acabei dando outro encontrão, mas dessa vez completamente irritante e indesejado.

— Ah... a novata estava dando mole no quarto do esquisito gostoso?

— Rachel me encarava de cima a baixo.

— Não te devo satisfações de nada. — tentei passar, mas as duas amigas que estavam com ela, seguraram meus braços de maneira firme.

— Calma aí, garota! — falou a mais alta.

— Rachel não terminou com você ainda. — disse a outra, que reconheci como Ramona da aula de música.

— Me soltem. Não tenho nada para falar com vocês.

— Pelo contrário... nós também queremos saber da sua "atuação" com o garoto das sombras. Ficamos sabendo que agora vocês dois serão os atores particulares da Rainha. — Rachel deu uma gargalhada sinistra e maldosa.

— Como dois bobos da corte. — acrescentou a garota mais alta com uma risada maligna, tentando copiar a de Rachel. Ramona as acompanhou no riso.

— É. Seremos seus atores. Já posso ir? — tentei engolir o orgulho e a

irritação.

— Ainda não. Você me fez pagar mico na frente da escola toda. Quero apenas avisar que você terá o troco. — Rachel falava bem na minha cara com um sorriso cínico e então se afastou. Com um gesto de mão, as duas garotas me soltaram e caí de joelhos no chão.

— Malditas. — murmurei, levantando e seguindo até o quarto.

Quando entrei no quarto, Cameron estava tomando banho. Então, deitei na minha cama e peguei o livro que Ária me dera para ler. Lembrei-me do livro que Leslie também me dera, mas o ignorei porque o de Ária me pareceu mais importante. Fiquei um tempo apenas olhando aquelas palavras sem processar o que realmente diziam, até que Cameron saiu do banho e veio falar comigo.

Depois de garantir a ele que estava tudo bem e que demorei porque fui avisar o garoto das sombras de que faríamos outra encenação para a Rainha amanhã, me deixou em paz e desceu, dizendo que iria jantar e trazer algo para eu comer, já que, ao que parecia, não iria sair do quarto tão cedo. Depois de passar essa semana com Cameron, percebi que dividir o quarto com um garoto não era tão assustador assim, pelo menos nessa cidade em especial.

Continuei fingindo para mim mesma que lia o livro que Ária havia me dado e passei um bom tempo acreditando nisso. Até que, já por volta das seis e meia, alguém bateu à porta. Levantei depressa e abri pensando ser o Cameron, sem nem me tocar de que não precisaria bater para entrar, já que tinha as chaves.

— Oi. — o garoto das sombras tinha três folhas de papel nas mãos.

— Ah! Oi. — dei espaço para que entrasse.

— O bruxo não vai se importar? — e deu uma olhada no quarto.

— Não. Ele não está. Foi pegar comida para mim, mas acho que acabou encontrando alguém e ficou por lá conversando. — fechei a porta depois dele ter entrado.

— Trouxe as três cenas que a Rainha selecionou das que escrevi. Temos que escolher uma ou misturar as três. — E me passou os papeis.

— Ah, sim. Sente-se. Vou ler.

— Fico bem de pé.

— Tudo bem. — sentei na minha cama começando a ler o primeiro papel. Senti um arrepio me correr à coluna ao ler e reparar que teríamos de nos beijar novamente, mas não foi tão terrível quanto o que tinha nos outros papeis. Terminei de ler e tinha certeza de que o sangue havia fugido do meu rosto.

— Está tudo bem? — observava-me preocupado.

— Eu... — tentei encontrar a voz e me recuperar do choque. — Não tem como retirar essa parte mais sensual e essa outra sobre beber o meu sangue?

— Desculpa, foi a Rainha quem mandou. Disse que gostou da nossa química como casal e que gostaria de ver isso misturado a um pouco de sensualidade e desejo de sangue. — parecia tão constrangido quanto eu.

— Não podemos fazer isso! — encarei o nada, pensando no desastre que seria quando bebesse meu sangue e descobrisse minha natureza.

— Entendo que não queira que me aproxime de você, nem que beba do seu sangue, mas a Rainha ordenou, temos que cumprir. — e deu um passo à frente.

— E se eu não quiser?

— Você não tem escolha. Por que não quer a ponto de desafiar a Rainha? — E fitou meus olhos intensamente.

— Porque eu... — perdi o fôlego ao perceber que quase lhe entreguei a verdade de uma maneira tão simples e óbvia.

— Por que você...? — Ainda fitava meus olhos.

— Esqueça. Tudo bem, farei a encenação se me prometer uma coisa.

— E o encarei séria.

— Diga.

— Vou te deixar beber meu sangue, mas terá que manter isso em se-

gredo.

— Segredo? — E deu uma risada irônica. — A Rainha, Leslie e o professor vão ver! Como posso manter em segredo?

— Não o ato. O gosto do sangue.

— Tudo bem, mas não se preocupe. Se seu sangue for ruim, não farei

cara feia ou algo do tipo. — e riu fraco.

— Não era isso, mas você fez uma promessa. Espero que a cumpra.

— Irei. Já decidiu o que vamos fazer?

— Juntar um pouco das três ideias.

— Tudo bem. Como?

— Me dê essa noite para pensar e amanhã cedo me procure depois do

café. Terei as ideias necessárias. Pode deixar os papeis comigo?

— Claro. — e se dirigiu para fora do quarto, me deixando sozinha com mais um problema para resolver. Inferno! Inferno! Inferno! Será que só arrumo mais e mais problemas para minha cabeça? Como se já não tivesse muitos para resolver... O que minha mãe diria? Minha mãe... Senti um aperto no coração e lágrimas se formaram em meus olhos ao lembrar que jamais sairia de Fantasy e jamais a veria novamente... Senti uma enorme culpa por saber que a essa hora estaria pensando que eu e meus amigos estávamos mortos... Mal sabe ela que talvez a morte seria até melhor que isso, se não fosse feita em praça pública.

— Que papéis são esses? — Cameron estava ao meu lado e me deu um susto, já que não percebi que havia entrado.

— Mais problemas Cameron. — suspirei desanimada.

— Como assim? — e sentou na beirada da minha cama, deixando de lado a comida que fora buscar.

— Bem... a Rainha "contratou" eu e Zein para sermos seus atores par-

ticulares.

— Sim... continue. — e me olhou fixamente.

— Agora quer outro tipo de cena. Quer que ele beba meu sangue. — esforcei-me para não vomitar, mesmo que não tivesse nada no meu estômago.

— O QUÊ? — e arregalou os olhos.

— Exatamente. Quer que ele beba do meu sangue e agora quer não apenas um beijo, mas algumas encenações mais sensuais. Acho que é completamente louca.

— Leslie deve estar suspeitando de você. — essa simples frase fez meu

sangue gelar.

— Suspeitando que seja humana? — mas já sabia a resposta.

— Sim. E agora, quando fizer Zein beber o seu sangue... Bem, ele é um vampiro e seu sangue vai mexer com ele. Então você fica em uma enrascada.

— Se contar a ele, pode me entregar. Se não contar, quando beber, vai me entregar mesmo sem querer. — senti o coração bater forte de medo e compreensão.

— Você precisa procurá-lo. Precisa fazê-lo beber seu sangue antes de amanhã e confiar que não conte. Acha que não contaria? Você confia nele?

— Mal o conheço. — falei entre lágrimas.

— O que diz seu coração? — parecia minha mãe falando, o que não ajudou muito.

— Eu..., Ele me diz que não tenho escolha. Preciso contar de qual-

quer jeito, acreditando ou não. É a única chance.

— Vou terminar de escrever a cena para você. Se prepare, vai ter que procurá-lo de madrugada para que beba seu sangue. — e pegou os papéis da minha mão.

— Certo. — levantei-me e fui ao banheiro dar um jeito no meu rosto.

— Tente parecer firme e se possível o ameasse e...

— Ameaçá-lo com o que?

— Vamos contar aos meus amigos sobre você!

— O quê? Como assim? Ficou louco?

— Gostaram de você de verdade. Com certeza a ajudariam. Ethan a ajudaria, porque agora você está "prometida" a ele, seu sangue está prometido. Julie e Camilla são um pouco excêntricas, mas gostaram de você e com certeza vão ajudá-la. Vou conversar com Lewis e Noah e ver o que pensam. Já volto. — E saiu pela porta levando os papéis.

Não tinha escolha. Era confiar ou confiar. Suspirei e resolvi tomar um banho porque essa noite seria realmente longa. Depois de tomar um bom banho, me trocar e conseguir acalmar minha alma e minha mente, resolvi parar para pensar em tudo. Estava numa encrenca das grandes. Tinha que confiar em pessoas que conheci há apenas uma semana e estava nas mãos de dois garotos vampiros que não dariam à mínima se morresse. Ótimo! Parece uma situação realmente agradável!

Cameron voltou depois de uma hora mais ou menos e junto estavam

Julie, Camilla, Lewis, Noah e Ethan. Quando as duas garotas entraram no quarto e olharam para mim, vi em seus olhos o medo e a compaixão. Iriam me ajudar. Se sentaram ao meu lado e me abraçaram como a uma irmã passando por dificuldades. Depois dos abraços, fixei o olhar em Noah, que me transmitia confiança, determinação e compaixão. Também senti uma faísca de medo e tive a certeza de que me ajudaria. O medo que sentiam não era de mim, mas por mim. Cameron tinha um ar orgulhoso. Lewis estava ao lado dele. O garoto estava quase transparente e flutuava! Céus! Era realmente um fantasma! Fiquei tentando entender seu olhar, mas só consegui compreender quando sua imagem finalmente se materializou e veio até mim.

Seu olhar apresentava as mesmas emoções dos demais, mas foi o único que realmente se aproximou de mim para falar algo e não para me abraçar e chorar como as duas garotas. Se ajoelhou ao lado da cama em que estava sentada e segurou minha mão. Seu toque era macio e gélido, transmitia certa energia que não consegui decifrar como boa ou ruim. Parecia boa, mas não tinha certeza.

— Não se preocupe. Vou estar ao seu lado. E tenho como ajudá-la caso a machuquem.

— Obrigada. — disse ao encontrar minha voz novamente e conseguir ter a certeza de que falaria com uma voz firme e não embargada pelo choro.

— Também estaremos com você. — as meninas lançaram sorrisos su-

aves.

— Pode contar comigo! — Noah sorria também.

— Comigo você sabe que pode contar. — Cameron deu um suspiro cansado.

— Sei, mas quero que vocês tenham consciência de que me ajudando estão se voltando contra a vontade da Rainha e a vi pessoalmente. Ela é muito poderosa.

— Todos nós sabemos como a Rainha é. E todos nós já estamos fartos dessa sua política de "eu mando, vocês obedecem". Se estamos escolhendo ajudá-la é porque sabemos onde estamos nos metendo e já estava mais que na hora de isso acontecer. — Ethan falou de maneira firme e decidida. Todos o encararam.

— De isso acontecer? — olhei-o confusa.

— De alguém ir contra a vontade da Rainha. — falou se juntando aos outros, que estavam em volta da cama.

— Mas vocês disseram que, sempre que isso acontece, os revoltosos são mortos em praça pública. — não consegui esconder a tristeza e o medo.

— Não a enfrentaremos tão abertamente. Vamos recolher o máximo de pessoas que conseguirmos e montar um grupo opositor. Vamos fazer tudo nos conformes e acabar com essa palhaçada que já dura séculos demais. — Noah cruzou os braços em frente ao corpo.

— Mas se me ajudarem estarão a enfrentando abertamente. — fitei o chão, pensativa e preocupada.

— Não exatamente. Se for preciso vou tomá-la como minha doadora oficial, como se você fosse submissa a mim e obedecesse a tudo que digo. — Ethan me encarou fixamente, fazendo meu sangue gelar. — Não se preocupe, não vou exigir isso, apenas mantenha o nosso antigo acordo.

— Tudo bem. — aceitei antes que alguém recusasse.

— Que acordo? — Julie o encarou séria.

— Já sabia que era humana e para não contar a ninguém, me pediu que o deixasse beber meu sangue uma vez por semana. Por enquanto, só bebeu uma vez, no meu primeiro dia de aula, quando me cortei na aula da Havena. — expliquei resumidamente.

— Ethan! Não acredito que fez isso! — Julie soou indignada.

— Você a obrigou a doar sangue em troca de sigilo? — Camilla o o-

lhava incrédula.

— Sou um vampiro. Não faço favores, faço trocas. — e deu de om-

bros estreitando os olhos.

— Isso é horrível, Ethan! — Julie estava ainda mais irritada.

— Deixa, Julie. Já está feito. — tentei acalmá-la.

— Mas... — olhou-me como quem está tentando controlar a raiva.

— Tudo bem. Pelo jeito vou ter que me acostumar com vampiros bebendo meu sangue. — e ri de leve.

— Nada disso! — Cameron me encarou sério.

— Não vamos permitir. — Noah usou um tom que nunca o tinha visto usar nessa semana que o conheci.

— Não deixaremos os vampiros abusarem de você. — Lewis deu uma olhada de canto para Ethan.

— Estaremos todos com você. — Julie sorriu para mim.

— Sim. Porque para Ária ter lhe dado um pouco de sua magia, você não deve ser uma humana qualquer. — Camilla também sorriu.

— Como assim? — encarei-a confusa.

— Ária deu um pouco da própria essência mágica de seu sangue para você. Não havia feito isso com nenhum dos outros humanos que enviou para que protegesse. — Cameron explicou.

— Para que nós protegêssemos. — Camilla corrigiu.

— O negócio é o seguinte: somos como a Liga da Justiça, sabe? Nos unimos e temos até um quartel general secreto para protegermos os humanos em Fantasy. — Julie falou de forma prática.

— Isso é sério? — Encarei-os com os olhos arregalados, incrédula.

— Mais ou menos... — Cameron pareceu sem graça.

— Nós nos reunimos no subsolo abaixo da escola, onde funcionava uma biblioteca antiga. Os livros ainda estão lá, mas a Rainha ignora aquele local e diz que é proibido. — Lewis explicou.

— E por isso colocou lá um guardião. — Noah me encarou sombrio.

— Guardião? — tentei desesperadamente entender toda essa história maluca.

— Uma quimera. — Camilla esclareceu.

— Quer dizer aquele bicho meio dragão, meio leão e meio ave? — tentei de alguma forma lembrar, mas não sei se adiantou.

— Sim. Exatamente. Lully é uma ótima quimera. — Lewis sorriu e o

olhei confusa.

— Você deu nome ao monstro? — falei incrédula.

— Nós conseguimos passar pela quimera, porque Lewis pode controlar seu espírito. É um dos dons dos fantasmas e por isso nos deixa passar. — Julie fez o favor de me explicar.

— Lully não é um monstro. — Lewis pareceu ofendido.

— Ah. Certo... desculpe. Lully não é um monstro. — sorri tentando ao máximo ser sincera.

— Então? Qual vai ser o plano? — Ethan falou cortando as conversas paralelas e Cameron começou a explicar.

— Alessia e eu vamos nos encontrar com o garoto das sombras e pe-

dir a ajuda dele para...

— Sem chances dele ajudar! — Julie o interrompeu.

— Também não acredito que se volte contra a própria Rainha. — Camilla nos encarou preocupada.

— Idem. — Noah deu de ombros.

— Me voltei contra ela. — Ethan fez com que todos o olhassem.

— Sim. Isso é verdade... — Lewis o encarou com admiração.

— Sim, mas você não matou pessoas a serviço dela e de Leslie. — Ju-

lie apontou o dedo para ele.

— E quem disse que foi a serviço delas? — Camilla se intrometeu.

— Sei que foi. Stella me contou. — falei sem pensar.

— Stella? A professora de música? — Julie me encarou incrédula e todos me olharam.

— Sim. Me disse que antes de toda essa loucura de seu poder, eles eram bem próximos. Quase como mãe e filho.

— Isso é novidade... — Camilla pareceu chocada. — Se é. — Ethan estava com a mesma expressão.

— Ninguém nasce mal. As pessoas se tornam más. — Lewis fitava o nada com um olhar sombrio.

— E você sabe bem disso, não é? — Camilla soou compreensiva.

— Sim. Vi muitos de meus irmãos se voltarem contra o bem e começarem a controlar e a sugar almas por diversão. — disse amargurado.

— Sinto muito... — toquei seu ombro procurando dar apoio.

— Está tudo bem. Já superei isso. — e sorriu de leve.

— Então Alessia e Cameron vão atrás do esquisito. E o resto de nós? — Ethan estava impaciente.

— Julie e Camilla, preciso que encontrem Ária e peçam para trazer os outros dois humanos pelos túneis do subsolo da cidade até a biblioteca. Se possível, que ela e os mentores dos garotos venham também. — Cameron pediu e todos concordaram. — Noah, sei que escreve muito bem. Preciso que arrume essas três cenas em uma só. — e lhe entregou os papéis.

— Por mim, tudo bem! — Noah sorriu mostrando seus caninos e pe-

gou os papéis.

— Noah também se rebelou contra a rainha. — Falei sem querer.

— Não. Sou transformado. Sou meio vampiro e meio elfo. — e descobriu as pontas de suas orelhas, me fazendo encará-lo surpresa.

— Ah. — foi minha resposta brilhante.

— Continuando... Ethan! Preciso que ajude Lewis a abrir passagem nos túneis para conseguirmos chegar à biblioteca. Faça como sempre fazemos.

— Muito bem. Estava mesmo com saudades de Lully. — disse Lewis com um sorriso. Ethan apenas assentiu.

— Todos prontos? — Cameron encarou um a um.

Todos concordaram e seguimos em direção as nossas tarefas. Eu e Cameron fomos os últimos a sair do quarto e enquanto caminhávamos para as escadas que levavam ao térreo, não pude evitar perguntar duas coisas.

— Cameron, por que estamos indo para o térreo? Não íamos falar com Zein?

— Zein está no jardim. Sai todos os dias, tarde da noite, por algum motivo. Torça para que consigamos o encontrar.

— Nós vamos. E, Cameron... sou eu quem está causando toda essa revolução ou já estavam planejando isso antes?

— Nosso grupo de oposição já existia. Mas com a sua chegada ressuscitou. Nós estávamos meio "mortos" em relação a isso e quando você chegou, meio que reascendeu uma chama em nós. — sorriu enquanto saíamos do castelo em direção ao jardim-bosque.

— Quer dizer lhes ascendendo com novos problemas para resolver? — não pude deixar de rir ao falar isso.

— Tecnicamente sim, mas estamos fartos de toda a injustiça. Os vampiros nunca são punidos por seus atos, mas as outras criaturas sim. Mortos em praça pública? Não estamos mais na idade média!

— Sim, entendo e concordo com você. Mas como pretende enfrentar a Rainha e todos os que ficarem ao lado dela?

— Nós temos nossos aliados e muitas pessoas não gostam dela. Basta uma pequena faísca para a palha toda pegar fogo.

— Acha que a população vai aderir à Revolução?

— Não sei, mas vamos juntar o máximo de pessoas que pudermos e tenho certeza que minha madrinha vai nos ajudar. Vamos ver quantos dos professores também estão contra esse governo autoritário da Rainha dos Vampiros.

— Acho que Stella nos ajudaria. E Havena não me parece exatamente adepta as ideologias da Rainha. Me pareceu uma pessoa de opinião, mesmo que não conheça essas pessoas há muito tempo.

— Você está certa. Também reparei isso nela. — e então parou de

andar, bem na parte mais escura da trilha.

— O que foi?

— Deve estar por perto. As sombras nos observam e estão irregulares. — os pelinhos nos meus braços se arrepiaram e um cala frio correu minha coluna. Observei a noite. A lua estava em seu quarto minguante e iluminava bem pouco. As estrelas brilhavam em um céu escuro e sem qualquer sinal de nuvens. O bosque estava quieto e escuro, mas quando olhei as sombras das árvores também reparei que estavam irregulares e pareciam até se mover.

— Cameron, quero falar com ele sozinha, por favor.

— O quê? De maneira nenhuma vou te deixar sozinha com...

— Por favor. Ele não vai me matar. — olhei-o nos olhos e toquei-lhe o rosto, buscando fazê-lo entender com meu olhar, o que minha boca não conseguia dizer, ou seja, que confiava no garoto das sombras mais do que devia.

— Tudo bem, mas não vou estar longe. Seja breve. — e se afastou de mim voltando pela trilha. Respirei fundo e desviei da trilha entrando no bosque do jardim do castelo, me embrenhando em sombras e escuridão. Quando estava tão escuro que mal conseguia enxergar o chão a minha frente, parei de andar e esperei que sentisse minha presença como sabia que conseguiria fazer, já que as sombras estavam à espreita.

— O que está fazendo aqui? — sua voz me vez arrepiar assim a que a ouvi, mesmo sem vê-lo meu coração havia disparado de medo. Medo? Sim.

Medo.

— E-eu preciso falar uma coisa com você. — repreendi-me severamente por dentro por ter gaguejado.

— Já não falei que é perigoso me seguir quando vou alimentar a névoa? — pareceu irritado e ainda não o via em lugar algum.

— Desculpa, mas é um assunto sério e urgente. — olhei ao redor para

tentar encontrá-lo.

— Você não deveria estar aqui, mas já que está, diga-me logo o que quer comigo. — seu tom de voz me pareceu evasivo.

— Quero que beba do meu sangue. — fiz o máximo para que minha voz não falhasse, já que meu corpo falhara e minhas pernas estavam bambas.

— Você quer o quê? — sua voz soou incrédula e percebi as sombras ao meu redor se agitarem. Meu estômago estava dando voltas.

— Quero que beba meu sangue para saber o que terá que enfrentar na frente da Rainha, de Leslie e do professor Tom.

— Não posso beber seu sangue agora. As sombras estão comigo e... digamos que isso não é bom para você. — então, com o canto do olho vislumbrei alguém saindo das sombras à minha esquerda. Virei o rosto devagar para a figura que sabia que era ele.

— Nós não temos tempo e você precisa saber. Precisa beber meu sangue!

— Por que preciso beber seu sangue para saber? E saber o que exatamente?

— Minha natureza. O que sou de verdade. — quase sussurrei de tão baixa que minha voz saiu. Deu um passo à frente.

— E o que você é de verdade? Por que... por que preciso beber seu sangue para saber? — pareceu hesitar depois de dar mais dois passos.

— Não sou o que pareço ser. — abaixei a cabeça.

— Então o que você é? — disse depois de um tempo e pela proximidade do som percebi que estava bem perto de mim. Levantei a cabeça devagar para fitá-lo.

— Humana. — meus lábios se moveram, no entanto, minha voz não saiu. Arregalou os olhos e então balançou a cabeça negativamente. Percebi a névoa ficando mais densa e espessa.

— Não. Você não pode ser isso. — falava baixo, mas podia ouvir.

— Zein, me escute. Preciso que...

— Esse não é o meu nome. — Ssu tom me fez estremecer.

— É assim que os professores o chamam.

— Esse era meu antigo nome, agora sou conhecido como Mestre das Sombras. — e como que para confirmar, a névoa o envolveu.

— Tudo bem... Mestre das Sombras... preciso que me ajude. Como lhe disse minha natureza, preciso agora confiar que não contará a ninguém.

Pode fazer isso, por favor?

Não respondeu pelo que me pareceu um longo tempo. Ao invés disso, ficou me rodeando com as sombras e farejando o ar como que para sentir o cheiro do meu sangue. Percebi a névoa envolver meus tornozelos e subir pelas minhas pernas, mas tentei ignorar a tremedeira e o medo. Apenas prendi a respiração e voltei a olhá-lo.

— Por que confiou em mim?

— Porque quero ser sua amiga. Quero confiar em você. Quero tirar você dessa bolha de solidão em que te prenderam. — segui o que meu coração me mandava dizer.

— Já matei muitas garotas que, como você, tentaram se aproximar de mim. Já feri muitos garotos que tentaram me ajudar. Por que acha que com você seria diferente? — e sua voz, apesar de dura e fria, soou amargurada e diria que até com uma pequena centelha de esperança.

— Alguma dessas pessoas era humana? Alguma dessas pessoas, apesar de ter um medo realmente grande de vampiros, quis se aproximar de um? Alguma dessas pessoas quis realmente te dar uma chance? Ou essas garotas que você matou apenas se encantaram por sua beleza e esses garotos por seu poder? Algum deles tinha intenções puras? — já nem sabia mais se falava por mim ou o que raios estava dizendo e por quê. Pareceu hesitar e a névoa, que havia começado a arranhar minha pele, parou e começou a recuar. Percebi que estava realmente lutando consigo mesmo, enquanto se aproximava de mim.

— Não. Nenhum deles era humano. Nenhum deles parecia ter medo de mim. Todos pareciam querer me usar. — disse a centímetros de mim. — Até o homem e a mulher que me transformaram em vampiro me largaram.

— Te largaram? — falei devagar, enquanto via lágrimas escorrendo

por seu rosto.

— Eu era humano. E não me lembro como, mas um casal de vampiros me encontrou em algum lugar da antiga chácara em que morava com meus pais. Me transformaram quando devia ter uns cinco anos. Um ano depois da transformação, meus poderes começaram a aparecer e passei a gostar mais do escuro do que da luz. — sua voz sedutora era sussurrada bem perto de mim e seus olhos ainda com faíscas vermelhas e entre lágrimas, fitando os meus. — Continue...

— Passaram mais alguns anos e comecei a falar com as Sombras que se comunicavam comigo e meus pais acharam que estava ficando louco. Consideraram-me "defeituoso" e resolveram me matar. — foi interrompido quando sua voz falhou. Não hesitei. Instantaneamente segurei sua mão e a apertei de leve, enquanto o olhava nos olhos também com lágrimas escorrendo dos meus. — Descobri que queriam me matar e fugi para o castelo da Rainha. Vivi por três anos como um empregado, um escravo e controlando meus poderes. Meus poderes se tornaram mais fortes e já não tinha mais o controle. A Rainha e Leslie perceberam e tentaram me ajudar. Tentaram pedir aos demais alunos do colégio para que se enturmassem comigo e tentassem ajudar a me controlar. Os garotos que se aproximaram estavam interessados apenas na recompensa que a Rainha ofereceu para quem conseguisse me controlar e as garotas estavam apenas interessadas em ir para cama. Eu os matei. Eu e meu poder. Matamos todos que se aproximaram de mim.

— Não tenho medo. — dei mais um passo em sua direção, cortando ainda mais a distância entre nós. — Não tenho medo porque confio em você.

Confio e sei que você não vai me machucar.

— Como pode ter tanta certeza? Eu sou um...

— Não. Vejo além disso. Você não é o que querem que seja. Você é o que luta para ser. — tentei controlar minha voz embargada pelo choro. — E serei algo que você ainda não teve, que ainda não teve a chance de ser.

— O que...?

— Serei sua amiga. Você nunca teve um amigo e ainda não teve sua chance de voltar a ser humano.

— Eu nunca voltarei a ser humano.

— Talvez não fisicamente e talvez precise ainda beber o sangue humano. Mas isso não o torna menos humano. Você ainda pode ser humano aqui. — coloquei a mão sobre seu peito, onde estaria seu coração e seguiu meu movimento.

— O que te faz confiar em mim? Você mal me conhece... — seu tom de voz era triste e amargurado.

— O que me faz confiar em você exatamente, realmente não sei. Mas deve ser o mesmo que me faz confiar em meus amigos. O mesmo que me faz confiar em Cameron e nos seus amigos, que estão se tornando meus novos amigos e minha nova família.

— Há mais humanos como você? — e voltou a olhar em meus olhos.

— Isso não vem ao caso. Você vai me ajudar? Vai ficar do meu lado?

— Forcei-me a sustentar seu olhar.

— Posso beber o seu sangue agora?

— Por que quer isso agora? Responda-me primeiro.

— Deixe-me beber e saberei a resposta.

— Tudo bem. Com isso vou provar que confio em você. Beba.

— Obrigado.

Então me puxou pela cintura, colando nossos corpos e me fazendo perder o fôlego. Envolveu minha cintura com um dos braços, com a outra mão ergueu meu queixo e tirou os cabelos do meu pescoço, dando espaço para onde iria morder. Senti meu coração se acelerar de uma maneira anormal e pensei que iria ter um ataque cardíaco. Estava me controlando para não gritar de pavor, quando seus olhos ficaram vermelhos e encontraram os meus.

Mesmo vermelhos, os olhos dele eram muito bonitos e me deixaram

fascinada enquanto os observava. Esse fascínio parecia aplacar o medo que fazia meu estômago virar. Sorriu e seu sorriso atraiu minha atenção por causa das presas que haviam se projetado. Não era um sorriso de alegria. Não era um sorriso de vitória. Não era simplesmente um sorriso. Seu sorriso misturava todas as suas emoções e pude capitar ali, entre o brilho dos seus olhos e seu sorriso, um toque de desejo, tristeza, medo, compaixão e mais alguma coisa que não tive tempo de decifrar quando seus lábios se encostaram à pele exposta do meu pescoço e meu corpo inteiro começou a tremer.

Primeiro beijou minha pele e, enquanto abraçava minha cintura e apoiava minha cabeça, mordeu meu pescoço. A dor foi parecida com a picada de agulhas. A picada das agulhas mais a picada de algumas abelhas e os arranhões de um gato raivoso. Junte isso tudo e você terá a dor que senti. Entretanto a dor foi passageira e logo não a sentia mais. Sabia que meu sangue escapava do meu corpo e sabia que o estava sorvendo, mas não havia mais a dor. Estava até feliz por estar se fortalecendo do meu sangue. O que era muito estranho e assustador admitir.

Bebeu o sangue pelo que pareceu um longo tempo e quando pensei que não pararia mais e que secaria todo o líquido vital do meu corpo, parou e lambeu a ferida que causara, cicatrizando-a.

— É mesmo sangue humano, mas está salpicado de magia. — falou enquanto me segurava com cuidado para que me recuperasse da tontura que estava sentindo pela perda do sangue.

— Você não me matou. — sorri feito uma boba.

— Não. Jamais mataria alguém enquanto estivesse são.

— Mas você disse que... — colocou o indicador sobre meus lábios pa-

ra que me calasse.

— Sim, disse besteira. O que matou as pessoas foi o meu descontrole e agora estou controlado.

— O controle sobre seu poder ou o controle sobre sua sede?

— Um pouco dos dois. — então, Cameron surgiu das sombras com o rosto mais pálido do que nunca.

— Cameron? O que houve? — encarei-o preocupada.

— Você... ele... ele sabe! — falou meio embaralhado e se atrapalhando com as palavras.

— Sim. Foi você mesmo que me aconselhou a deixá-lo beber.

— Não pensei que fosse aceitar. Achei que fosse te afastar e se isolar

como sempre fazia!

— Sua intenção era nos separar? — encarei-o tentando entender.

— Não! Sim! Sim, queria que se afastasse de você, porque pensei que fosse perigoso e quisesse te matar ou te entregar à Rainha. — confessou parecendo constrangido.

— Por que a entregaria para a Rainha? — Zein falou de volta ao nor-

mal.

— Você entregou três humanos que tentei proteger! — Cameron es-

treitou o olhar ao fitá-lo.

— Você fez isso mesmo? — senti uma pontada de tristeza.

— Sim. Fiz, mas jamais faria isso com você. E jamais serei rastreador novamente.

— Sendo assim... Você deseja se juntar a nós? — Cameron soltou um

suspiro exausto.

— Me juntar a vocês em que?

— Como diz a Julie, na nossa "Liga da Justiça". — Ri de leve.

— Liga da Justiça? — encarou-me e percebi que queria rir.

— É quase isso. Você aceita? — Cameron falou novamente.

— Sim. Vou com vocês. — sorri contente.

— Ótimo! Temos uma reunião essa noite! — puxei-o pelo braço e começamos a andar com Cameron de volta ao interior do castelo.

Sabia que tínhamos que nos encontrar no quarto de Cameron novamente e de lá seguiríamos juntos para nos encontrar com Lewis e Ethan na antiga biblioteca, que ficava no subsolo do castelo. Onde será que era a alça de acesso ao subsolo? Será que Cameron lançaria algum tipo de feitiço ou simplesmente diria "Abre-te Sésamo"? Com certeza não tinha a mínima ideia. As únicas certezas que tinha eram:

— Logo Daniel e Carla estariam comigo novamente;

— Tinha um novo grupo de amigos que eram minha nova família;

— Minha vida fora de Fantasy morrera;

— Havia conseguido tocar o coração do garoto das sombras e trazê-lo

para a luz;

— E teríamos uma grande batalha pela frente, que acho que nem com os reforços da verdadeira Liga da Justiça, nós conseguiríamos vencer de maneira fácil e rápida.


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