Capítulo 10

— Estão todos falando de seu desastre na aula da Havena e na aula do Jack! Você está realmente bem? — Cameron fechava a porta do quarto. — Sim. Estou.

— E o que você tinha para me contar hoje na aula de alquimia?

— Ah! Sente-se. — minha voz soava sonolenta e tentei me sentar embora quisesse mesmo é deitar.

— Prossiga. — e sentou aos pés da minha cama. Ajeitei-me e respirei fundo, tentando controlar os arrepios que sentia ao me lembrar daquela cena com Ethan.

— Ethan bebeu meu sangue, digo, lambeu meus ferimentos na aula da Havena. — falei rápido como se assim pudesse espantar os arrepios. — ELE O QUÊ?

— Lambeu os ferimentos e acho que junto, meu sangue. — senti-me constrangida com sua reação.

— Precisamos falar com ele. — e se levantou depressa.

— Por que? Já está tarde e meu dia foi exaustivo.

— Porque seu sangue não está completamente disfarçado, apenas o cheiro está. O gosto ainda é de sangue humano. — falou com um olhar sombrio que fez meu sangue fugir do rosto.

— Quer dizer que agora sabe que sou humana? — Minha voz saiu

trêmula e baixa.

— Talvez, sim, talvez, não, mas provavelmente, sim. — e me olhou como quem sente pena. — Por isso precisamos encontrá-lo. Para garantir que mantenha a boca fechada.

— Entendi. Certo. Vamos atrás dele. — saí da cama e calcei os sapa-

tos.

— Só me dê um segundo para tomar um banho e trocar de roupa,

por favor.

— Tudo bem. — e enquanto ia fazer isso, fiquei o esperando sentada na cama. Quando terminou de se arrumar e perguntei onde ficava o quarto do Ethan.

— Fica no fim do corredor. Ele é um vampiro e a porta de seu quarto é vermelha e preta, com estacas e presas encrustadas.

— Vamos logo. — e o segui pelo corredor. Chegamos em frente a porta do quarto dele e batemos.

— Quem é? — disse uma voz que não reconheci.

— Cameron e Alessia. Queremos falar com Ethan. — Cameron respondeu de maneira firme, mas não grosseira.

— Ele está no banho! — a voz falou. — Vou avisar que tem visitas.

— Acho que não vai nos atender, Cameron... — comecei a entrar em desespero.

— Tenho certeza de que irá nos atender. Dificilmente é de ignorar... — Cameron foi interrompido pela porta se abrindo num solavanco. Olhei assustada e vi Ethan parado com os cabelos e o corpo molhados, cobertos apenas por uma toalha que envolvia seu quadril. Só percebi que o encarava, quando Cameron me deu uma cotovelada.

— O que desejam? — Ethan sorriu de uma maneira que considerei maliciosa, principalmente levando em conta que olhava para mim.

— Precisamos falar com você em particular. — Cameron falou por mim.

— Ah! Tudo bem. Sobre o que seria? — parecia confuso.

— Sobre a aula da Havena. — não sabia porque estava deixando Cameron falar por mim, mas não conseguia encontrar minha voz.

— Ah! Claro. Só vou colocar uma roupa, já encontro vocês! Esperem-me no quarto de vocês. Sabem que não podem ficar nos corredores após o horário de recolher. — e entrou de novo no quarto fechando a porta.

— Vamos. Vai nos encontrar. — e puxou-me delicadamente pelo

braço.

— Vai mesmo? E não vai ser castigado por andar por aí após esse tal horário de recolher? — finalmente achei minha voz.

— Sim, virá até nós. E, não, não será castigado, porque é um vampiro. — Cameron abria a porta do quarto para mim. Não tivemos que esperar muito por Ethan, que logo bateu à nossa porta.

— Digam. O que queriam comigo? — entrou e sentou na cama como

se fosse dele.

— Bem... na aula da Havena ocorreu um acidente. — Cameron olhou para mim, para que continuasse.

— Sim, e...?

— E você, quando foi tentar me ajudar... — limpei a garganta tomando coragem para falar — Você lambeu os cortes em meu rosto e, com isso, meu sangue.

— Sim. O que tem? Ah! Desculpa por aquilo! Não quis que sentisse

nojo ou sei lá o que. É meu instinto.

— Não foi por isso que lhe chamamos aqui. — Cameron disse em tom sério. — Você foi chamado aqui, porque provou do sangue dela. Que gosto ele tinha?

— Ah! — Ethan pareceu pensar muito para se recordar do gosto que tinha meu sangue e isso me fez ficar ainda mais nervosa e apreensiva.

— E então? — falei ao ver que não respondia. Ethan olhou para mim

e estreitou os olhos.

— Tinha um gosto delicioso, adocicado, mas também tinha um pouco de gosto de ferro. Era um sabor forte e cheio de força e poder. — e me fitou estreitando os olhos. — Tinha gosto de sangue humano.

— Sim. E você só percebeu isso agora? — Cameron parecia incrédulo.

— Bem. Sim. Fiquei confuso ao beber seu sangue e isso atrapalhou minhas ideias. Está enfeitiçado, certo? Por isso não cheira como sangue humano.

— Sim. Eu... sou humana.

— E vocês me chamaram aqui para me pedir para que não conte a ninguém que é humana? — Ethan falou mais como uma afirmação do que como uma pergunta.

— Bem... sim. — Cameron suspirou parecendo exausto.

— Tudo bem. Dou a minha palavra de que não contarei a ninguém.

— disse com um sorriso.

— Ah! Ainda bem. — respirei mais aliviada.

— Mas... — Ethan continuou e o olhei desconfiada.

— Mas o quê? — Cameron o encarou irritado.

— Digamos que estão me devendo um favor. — disse com um sorriso malicioso. — Cada um de vocês me deve um favor.

— E o que seria? — entreolhamo-nos.

— De você meu caro amigo ainda não sei. Mas dela já sei exatamente o que pedir. — e me olhou sorrindo, percebi um toque da cor vermelhosangue em seu olhar.

— O que você quer? — tentei não soar irritada ou amedrontada.

— Quero que seja minha doadora. Sem ninguém saber, é claro.

— Doadora?

— Não! Isso não é um favor! É como se virasse sua escrava para o resto da vida! E você sabe o que acontece quando um vampiro se alimenta demais de um mesmo humano! — Cameron estava visivelmente irritado.

— Não vou beber o sangue dela todos os dias. Apenas uma vez por semana e vou intercalar com os humanos nas masmorras da Rainha. Assim não tem perigo de me viciar ou me apaixonar por seu sangue. — Ethan falou mais para mim do que para Cameron.

— Se apaixonar por meu sangue? — senti-se ainda mais confusa.

— Caso um vampiro beba o sangue de um humano muito frequentemente, acaba se viciando desse sangue. Mas, se esse humano causa nele algum tipo de atração, e acredite que você causa atração nele, o vampiro além de se viciar, acaba também se apaixonando pelo sangue do humano. — Cameron explicou.

— Então, se se apaixonar, não pode me matar?

— Pode. Por isso se apaixona pelo "sangue" e não por você. Pode te matar bebendo até a última gota desse sangue pelo qual se viciou e se apaixonou. Depois que estiver morta e "seca", simplesmente procura outro sangue para se viciar. — Cameron estava com uma expressão de repulsa.

— É. É mais ou menos isso. — Ethan parecia indiferente.

— É exatamente isso. — Cameron lançou lhe um olhar de irritação.

— Que seja. Aceita ou não? — e levantou da cama.

— Não tenho escolha. — suspirei triste.

— Ótimo! Como hoje já bebi, mesmo que pouco, deixo para beber

mais no próximo dia Lunae. — e saiu do quarto com um sorriso no rosto. Cameron bateu a porta, irritado.

— Merda! Não acredito! — falou entre dentes.

— O que acontece se se viciar?

— Acontece que vai querer beber cada vez mais e mais, vai acabar se apaixonando pelo seu sangue e, por fim, te matando. — ao ver minha expressão de medo, suavizou o rosto e veio até mim, sorrindo triste.

— Não. Não se desculpe. Não foi culpa sua.

— É claro que foi! Isso é terrível! Ária confiou em mim e veja só no que se meteu! — Cameron estava aflito e descontente consigo mesmo. Segurei sua mão com cuidado e o olhei nos olhos.

— Está tudo bem. Não vou deixar Ethan me machucar e nem se viciar em meu sangue, por mais que me assuste perceber que agora terei que doar sangue a um vampiro. Farei isso para proteger minha identidade. É uma escolha minha. — tentei soar séria e firme, por mais que tremesse toda por dentro.

— Você terá que fazer isso para sempre ou até morrer, do contrário

contará a todos...

— Ou até ele morrer. — sorri de leve.

— Ele é um vampiro! Não morre mais ou menos até os setecentos anos de idade! Na verdade, até pode morrer, mas é difícil matá-lo. Muito difícil. — e parou de falar ao me ver rir.

— Eu não vou matá-lo! Jamais mataria alguém!

— Então o que vai fazer? Ser escrava dele até a morte?

— Não sei ainda o que vou fazer, mas vou pensar em algo. Agora tudo que quero é dormir. Meu dia foi realmente cansativo.

— Claro. Desculpa. Boa noite! — abraçou-me e depois foi deitar na própria cama.

— Boa noite. — aconcheguei-me no cobertor.

Fechei os olhos e fiquei pensando novamente no que me ocorreu durante o dia e por mais que tivesse outras coisas com as quais me preocupar (tipo um vampiro agora me ter como doadora e meu segredo estar por um fio de vazar), só conseguia pensar na encenação que fiz com Zein, o Mestre das Sombras. Minha mente vagava naquela cena inúmeras vezes e sempre dava um foco principal para a parte em que me beijava, juntando o corpo ao meu. Aquilo me vazia arrepiar e estremecer só de lembrar. Também me apavorava a ideia de ter que repetir a cena na mesma porcentagem que me fazia querer aquilo tudo de novo. Era estranha, muito estranha, essa vontade de querê-lo longe tanto quanto o queria perto. Não era só estranho. Era confuso. Assim como toda a minha vida se tornou desde que cheguei à Fantasy. Foi assim que adormeci em minha quarta noite na cidade sobrenatural, onde tudo é alguma coisa e nada é o que parece ser.


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