9. Páginas Em Branco
Sentiam seus corpos afundarem cada vez mais de forma bem rápida devido aos pesos algemados em seus tornozelos. Talvez essa fosse a intenção do pirata Lemoy ao acorrentá-la, mas por que fazer isso? A visibilidade no oceano se tornava cada vez menor, de forma que chegou ao ponto onde ambos foram emergidos em uma imensa escuridão. Exceto por uma luminosidade que vinha dos seus corpos. Uma aura amarela emanava deles, trazendo um pequeno clarão em meio ao mar escuro. Essa energia também afastava quaisquer criaturas marinhas nas proximidades, que apenas observavam de longe aqueles seres humanos naufragando.
Regina prendeu sua respiração o máximo que pôde. Lemoy, que estava de costas afundando ao seu lado, permanecia de braços cruzados. Como se estivesse entediado com a demora para afundarem. A garota não conseguiu mais conter sua respiração, de forma que acabou involuntariamente abrindo sua boca. Para sua surpresa, apesar de bolhas saírem de sua boca ao abri-la, ela não se afogou.
Foi então que olhou mais atentamente a face do pirata ao seu lado. Em suas bochechas haviam brânquias de peixes. Se deu conta que o mesmo havia ocorrido a ela ao passar as mãos sobre o seu próprio rosto. A fada Glória havia lançado algum tipo de magia que permitiu que ambos respirassem debaixo d'água.
A imensurável escuridão tomava conta do oceano em que estavam submergindo. Em certo momento Regina percebeu que suas pernas estavam mais leves. Com a luminosidade vinda de seu corpo notou que devido à pressão da água naquele ponto do mar as correntes haviam se quebrado. Algo previsto por Lemoy, que já sabia que a pressão marinha faria aquilo com as correntes após afundarem até esse local.
— Podemos respirar e falar debaixo d'água. Além disso a pressão do oceano não nos esmagará. Temos total controle de nossos corpos para nadarmos, mas isso não vai durar por muito tempo — Explicou Lemoy, quando começou enfim a nadar, buscando algo do qual Regina não sabia do que se tratava.
— O que estamos procurando? — Perguntou, nadando atrás do mais velho. Ele, entretanto, não lhe respondeu.
Ambos se encontravam a uma profundidade de incríveis cinco mil metros submersos. Estando naquele momento na conhecida — Ou talvez pouco conhecida — zona abissal. Um local onde pouquíssimos humanos do mundo de Regina estiveram. Repleto de criaturas exuberantes, das quais algumas delas olhavam para os dois nadadores com olhos famintos.
Entre os animais estavam diversos Caranguejos-Aranhas Gigantes, onde seu nome por si só já diz muito a respeito de suas aparências. Além deles outros animais marinhos se faziam presentes, como: os peixes-dragões (sendo eles predadores com muitos espinhos dorsais que armazenavam veneno, do qual utilizavam para engolir suas vítimas), os Hatchetfishs (um tipo de peixe bem esquisito, de olhos esbugalhados, passando uma vibe bem psicodélica), lulas-colossais (o maior tipo de lula conhecido, chegando a medir dez metros e pesar metade de uma tonelada), entre tantas outras criaturas grotescas.
Mas, aquele que deu o primeiro ataque em direção aos humanos que estavam de costas foi um Oarfish – Um peixe que nada na vertical e possuí o formato de uma lâmina. Lemoy teve um breve vislumbre de sua garra se aproximando de Regina, tempo o suficiente de empurra-la para o lado a fim de evitar que fosse acertada.
Regina olhou confusa para trás, e seu olhar de espanto não poderia ser outro. Mesmo com a baixa luminosidade vinda de seus corpos, a garota pôde notar aquela imensa quantidade de animais aquáticos prontos para alvejá-los. Poderiam até serem pequenos em sua maioria, mas em quantidade haviam ali centenas, talvez milhares, de criaturas prestes a atacá-los.
Qual que fosse a magia que Glória lançou neles para afastar as outras criaturas aquáticas, não pareceu surtir o mesmo efeito nos seres abissais. Restando a Regina e a Lemoy nadarem o mais rápido que podiam para a direção oposta na qual as criaturas vinham.
Foi então que Lemoy avistou um outro ser. Mas esse que estava a sua frente não lhe causou espanto. Muito pelo contrário. Era como se aquele fosse o ser que o pirata estava buscando naquele vasto oceano. O boto-cor-de-rosa acenou com a cabeça, como se solicitasse que Regina e Lemoy o seguissem. Nessa altura do campeonato isso nem surpreendia mais a garota, nem mesmo o fato do golfinho rosa que os guiava estar usando um chapéu branco sobre sua cabeça.
Conforme nadavam apressadamente, tanto para seguir o ritmo do boto quanto para fugirem dos animais marinhos que permaneciam os perseguindo, Regina avistou um pouco mais abaixo deles um navio naufragado. Mesmo inclinando, o navio fantasma mostrava-se em um aspecto de seminovo, com seus canhões todos direcionados para cima, mas sem nenhum tripulante.
Mesmo sem ninguém abordo do Holandês Voador os canhões foram acionados em direção ao Lemoy. Foi a vez de Regina empurrá-lo para o lado para evitar que este fosse acertado, uma vez que ele não havia se dado conta até então da presença daquele navio fantasma. Entretanto; como se fosse um míssil teleguiado, a bola de canhão em meio ao oceano girou de volta realizando uma nova tentativa de acertar o capitão dos piratas Lemoy.
Lemoy e Regina começaram a se esquivar em meio ao mar, tentando evitar a todo custo serem acertados pela bola de canhão que insistia em persegui-los. De repente vários canhões foram acionados. Várias bolas de canhão foram atiradas em direção a dupla. Enquanto as criaturas marinhas permaneciam se aproximando cada vez mais rápido deles.
Edward se deu conta que o boto acabara de entrar em uma pequena fresta em uma parede de rochedo bem a frente deles. Não pensou duas vezes, agarrou o pulso da menina atrapalhada puxando-a consigo. Isso tudo enquanto desviava agilmente das bolas de canhão, como se fosse Ethan Hunt¹ desviando de fios de alarmes de uma sala de segurança máxima.
O pirata arremessou Regina pela fenda na parede, no exato momento em que uma das lulas gigantes agarrou sua perna com seu tentáculo. Para sua sorte uma das bolas que estava prestes a atingi-lo acabou entrando no caminho, acertando a lula em seu lugar. Mas, nesse momento inúmeras bolas de canhão vieram todas juntas em sua direção. Regina saiu da fresta da parede, puxando a gola do casaco do pirata e levando-o consigo de volta para a fenda.
Isso tudo segundos antes dos disparos acertarem o rochedo. Como se houvesse uma barreira invisível protegendo a região, a explosão ocorreu apenas do lado de fora da fenda escura e apertada. Do lado interno dela sequer estremeceu. Seria o Autor os protegendo novamente? Regina se questionou. Mas em breve descobriria que não era esse o caso.
Lemoy avistou o boto-cor-de-rosa parado alguns metros à frente, os aguardando. Deu um suspiro de alivio, nadando em seguida em sua direção. Estranhamente aquela passagem levava a um caminho inclinado para cima. Sem questionar nada Regina seguiu o pirata, que por sua vez seguia o boto.
O animal marinho foi o primeiro a emergir em uma gruta de água cristalina. Assim que saiu do oceano, o golfinho se transformou em um belo homem de pele preta, surgindo em seu corpo um terno e sapatos brancos, com seu chapéu permanecendo em sua cabeça. O homem ajeitou seu chapéu, conforme caminhava para fora da água e se dirigia a parte terrestre da gruta. Ele acenou com a cabeça para as várias mulheres que ali haviam, como se dissesse: "eu os trouxe".
Lemoy permanecia na água, junto a Regina, com apenas suas cabeças emergidas. Estava admirada com aquelas dezenas de mulheres olhando para eles. Todas estavam no lago alguns metros adiante dos dois. Aquelas mulheres; em que a metade dos seus torsos para cima eram humanas e a outra metade eram compostas de caudas de peixes com escamas, tinham uma beleza descomunal. Afinal, não era para menos se tratando de sereias.
Regina estava mais acanhada, optando por não se aproximar até que soubesse se eram aliadas ou inimigas. Se escondendo atrás de Lemoy, que por sua vez sorria para elas, como se não as temesse, muito pelo contrário, como se estivesse revendo amigas que não via há um bom tempo. As sereias sussurravam entre si, do qual Regina não conseguia compreender tanta comoção por parte delas.
— Eles vêm vindo² — Regina conseguiu escutar as sereias cochicharem isso entre elas, ecoando pela gruta.
— Que agitação é esta? — Perguntou em tom baixo para o pirata.
— O mar está em festa! — Exclamou Lemoy estendendo os braços com euforia para os lados. Regina arqueou a sobrancelha.
— Tem tanta gente aqui — Regina observou.
Uma das sereias tomou frente em relação as demais, usando uma corneta para fazer o grande anúncio. O barulho sonoro da corneta ecoou pela gruta, fazendo os tímpanos de Regina zumbirem.
— Pelo som estridente, a dona do tridente... — Parou seu discurso de forma súbita, quando uma outra sereia sussurrou que a atual rainha estava fazendo suas necessidades e iria se atrasar. De forma que teria que convocar sua representante. Ela deu uma pequena tosse para disfarçar a situação embaraçosa e prosseguiu o anuncio como se nada tivesse ocorrido: — Sua substituta, demasiada astuta. Por essa que vos acusa, venho saudando a soberana Medusa³.
Na parte terrestre da gruta, ao lado do boto-cor-de-rosa em forma humana, uma mulher começou a caminhar. Usando um vestindo branco de fenda lateral; que possuía um grande decote, a mulher reluzente em forma humana tinha um olhar pleno e sério para os dois forasteiros que estavam no lago. Ao invés de cabelos em sua cabeça ela possuía várias serpentes, que vez ou outra brigavam entre si.
— É bom revê-lo, Edward — Medusa saudou o convidado, com as mãos entrelaçadas. Regina notou que a mulher possuía presas de bronze em sua boca. Em seguida, direcionou o olhar para a garota junto a ele — É bom revê-la também, senhorita.
Regina não compreendeu o que ela quis dizer com aquilo. Elas se conheciam? Não fazia sentido para a adolescente, uma vez que normalmente era ela quem conhecia os personagens do livro premeditadamente, e não o contrário. Lemoy nadou até a extremidade do lago, saltando para a parte terrestre, para que pudesse beijar de forma galanteadora a mão da Medusa. Regina fez o mesmo, exceto pela parte de beijar aquela mulher. Aquelas serpentes a encarando de cima da cabeça, assim como o olhar penetrante e sereno de Medusa, davam arrepios em Regina.
— Peço perdão por não termos ido ajudá-lo em sua batalha contra os seus adversários — Medusa prosseguiu, olhando diretamente nos olhos de Lemoy — Estávamos prontas para ir ao seu encontro. Mas... Bom, você sabe. Nossa coragem para sair das Páginas em Branco beira a zero.
— Desculpa — Regina se aproximou timidamente, saindo de trás de Lemoy mas permanecendo a uma certa distância daquela linda, e possivelmente perigosa, mulher — Páginas em Branco? O que seria isso?
— Páginas em Branco, Área de Rascunho... Chame como preferir. Esse é o nome do qual apelidamos essa gruta — Medusa estendeu os braços para os lados, como se indicasse toda aquela caverna subaquática como resposta para o questionamento da menina — O único local do qual nós nos sentimos seguras.
— Ocorre que coisas estranhas começaram a ocorrer dias atrás — Lemoy explicou para a loira, virando a cabeça em sua direção — Como se algum tipo de demônio estivesse controlando nosso mundo. Esse local foi onde a Medusa e as sereias encontraram de estarem isentas do que quer que seja essa assombração. Parece que os poderes dele não tem efeito por aqui.
— Não é um demônio... — Regina falou cabisbaixa, quase como se estivesse apenas pensando em voz alta. Ao notar os olhares das sereias, da Medusa, de Lemoy e do boto-cor-de-rosa em forma humana direcionados para ela, a menina levantou a cabeça e tratou de se explicar.
Regina contou a eles tudo o que havia ocorrido até então. Tratando de não deixar nenhum detalhe de fora. Explicou que não era desse mundo, que o Autor estava usando-a como experimento para seja lá o que fosse, que todos eles eram personagens de um livro e que o Autor poderia fazer o que bem entendesse. Ao ponto que na visão dela todos eram apenas peças de xadrez em um tabuleiro em que o Autor movimentava as peças como convinha a ele.
— E é isso — Ninguém havia ousado interrompê-la antes que terminasse seu relato — Sei que não irão acreditar em nada do que eu disse, mas...
— Quem disse que não acreditaremos?
Aquela doce voz veio da direção do lago. Regina se virou, notando só naquele momento que havia no canto do lago; rodeada por tantas outras da mesma espécie, uma sereia de pele parda. Sua calda possuía escamas cor ciano, com pequenos ladrilhos. Usava brincos largos, que muito se assemelhavam a acessórios indígenas, além de ter em suas bochechas duas listras laranja, uma em cada lado. Em sua mão segurava um enorme tridente de três pontas feito de ouro.
— Desde que meu pai, o rei dos mares Netuno, morreu há alguns dias afogado, nada mais me surpreende — A sereia de voz angelical prosseguiu.
— E-Está me dizendo que vocês todos acreditam em mim? Acreditam que são personagens de um livro e que esse não é o mundo real? — Regina perguntou surpresa.
Várias sereias acenaram com a cabeça em concordância. Medusa assentiu com a cabeça. Quando a garota se virou para Lemoy, o pirata deu uma risada abafada.
— Isso explicaria muita coisa — Lemoy deu de ombros — Porém, se somos mesmo personagens desse livro, significa que não temos livre arbítrio em nossas ações? Significa que tudo o que fazemos ou pensamos não é de nossa real vontade como sempre acreditamos, mas sim apenas bonecos sem alma fazendo o que ele escreve?
Regina levou a mão ao próprio queixo, pensativa. Se fosse assim, se o Autor pudesse fazer o que bem entendesse, qual era o sentido daquilo? A própria Regina teria controle de suas ações ou a partir do momento em que entrou no livro de Fantasia deixou de ser ela mesma e perdeu o livre arbítrio? E se o mundo real que ela conhecia antes nunca tivesse existido de fato? Poderia muito bem estar em um livro, dentro de um outro livro...
Não! Regina percebeu que não era o caso. Levantando a cabeça com um sorriso no rosto. Ainda havia esperança.
— Muita coisa que está ocorrendo em Fantasia é diferente do que eu li no livro original quando criança. Mas, o Autor não tem controle de tudo. Ou melhor, talvez ele não queira ter — Regina falava, alternando o olhar entre Lemoy, a Medusa e a sereia no lago que segurava o tridente — Pensem comigo, se não houvesse livre arbítrio, pelo menos para mim, então por que ele falaria que sou um experimento para ele? Não faria sentido. Ele está sim alterando muita coisa da realidade, escrevendo no livro o que ele bem entende. Mas, há limitações para isso.
"Talvez vocês, os personagens, façam parte do experimento. Modificando parte do meio em que estamos como vocês, de livre arbítrio, reagiriam? Seguiriam a mesma personalidade e atitudes do livro original ou mostrariam outra face de vocês? Não é à toa que alguns dos vilões do livro original tiveram atitudes duvidosas em relação a mim. No bom sentido.
"Outra coisa. Não acho que o Autor mate diretamente ninguém. Vejam só, se essa gruta é o único local de todo esse universo em que ele não é onisciente nem onipresente, ele não iria querer que chegássemos até aqui, correto? Por isso ele soltou aqueles animais e as bolas de canhão agora há pouco no fundo do mar. Ele criou armadilhas, mas não nos matou diretamente. Nós tivemos o livre arbítrio, e conseguimos escapar da morte. Ele não nos impediu de morrer, nem nos matou diretamente. Ele apenas ficou sentado vendo o que faríamos quando ele modificasse o meio. E conseguimos escapar dele, ao menos dessa vez".
Regina deu um longo suspiro, como se tivesse palestrado por horas. Se agachou em direção ao lago fazendo um sinal de concha com a mão, levando a água até sua boca. Mas, ao se recordar que sereias faziam suas necessidades na água, tratou de cuspir de volta a água
— O que acha disso, filha? — Medusa olhou para o lago, em direção a sereia com o tridente na mão.
— Filha? — Regina questionou.
— Medusa era casada com o finado rei Netuno. Iara, a sereia do lago, é a enteada da Medusa — Lemoy explicou para Regina, enquanto Medusa ia para a borda do lago conversar com sua enteada.
— Ainda acho que esse Autor tem relação com a morte do meu pai. De que outra forma o rei dos mares morreria afogado? Mas, de resto, faz bastante sentido o que a garota disse — A voz suave de Iara, mesmo apenas direcionada a Medusa, reverberava pela gruta inteira sendo escutada por todos. Ela então se dirigiu a Regina:
"Garota dos cabelos de ouro, nós sereias cederemos nossa base secreta para que você possa se abrigar e confabular suas estratégias, nesse local impenetrável pelo Autor, desde que me prometa que...".
— Eu prometo — Regina se adiantou com determinação em seu tom de voz, interrompendo a sereia antes que terminasse sua fala — Prometo que assim que escapar desse livro, quando eu voltar para o mundo real, vou atrás desse Autor e darei um fim aos atos cruéis dele. Darei um final feliz para todas vocês, e não terão mais que se esconder e temer por suas vidas.
"Mas agora, eu preciso ir. Preciso chegar na ilha de Comodo. A vidente é a única forma em que pensei de me dar um norte de como voltar para casa. Sei que lá fora estarei em perigo, a partir do momento que sair daqui o Autor lerá meus pensamentos, e poderá fazer o que bem entender. Mas, não posso ficar aqui presa para sempre".
Mas como? Regina se perguntava. Ora, uma vez que o navio de Edward Lemoy havia naufragado, como chegariam à ilha? O próprio pirata quem respondeu sua pergunta, mesmo que não a tivesse manifestado em voz alta.
— Ficar aqui escondido também não do meu feitio — Lemoy colocou a mão sobre o ombro da mais nova — Aventura é o meu sobrenome.
— Achei que seu sobrenome fosse Lemoy...
— Tenho assuntos pendentes na ilha. Além do mais, sei que Larry dará um jeito de nos encontrar lá. Existe uma mina que conecta essa gruta a ilha de Comodo, assim como também existe outra passagem que conecta ao reino de Fantasia.
O pirata e Regina olharam para a Iara, a atual rainha e soberana do mar; líder das sereias e guardiã da base secreta deles, como se aguardassem sua permissão.
— Queria que meu pai pudesse ter conhecido você, menina dos cabelos de ouro. Alguém que não demonstra medo em sair diante do perigo e lutar para afastar a ameaça de nosso povo. Quando isso tudo acabar e pudermos retornar ao nosso reino abaixo do oceano, você será muito bem vinda em Atlântida — Iara falou com ternura, batendo o tridente na água três vezes.
Um breve terremoto se iniciou naquela gruta, caindo algumas pequenas lascas de rochas no lago. Regina se agarrou nos braços do pirata para não perder o equilíbrio. Uma passagem se abriu na parede ao fundo da gruta. Uma pequena fenda, que daria acesso as minas que os levariam a ilha de Comodo.
Regina acenou sua mão, se despedindo das suas mais novas aliadas: as sereias. O homem de terno branco os guiou até a entrada da fenda. Enquanto caminhava Regina avistou um pedestal próximo a rachadura. Uma pequena redoma de vidro cobria, em cima do pedestal, uma pequena estatueta. Regina se levantou na ponta dos pés para tentar enxergar o que havia ali dentro, mas bem no momento Medusa surgiu em sua frente, tampando sua visão com um sorriso no rosto. A madrasta da Iara se despediu de Regina e de Edward, mas para a garota parecia que aquela mulher de cabelo de serpentes queria apenas evitar que ela enxergasse o que havia dentro da redoma.
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Após caminharem por um bom tempo pela estreita fenda da gruta ambos chegaram em frente a um caminho composto de trilhos. Logo no início dos trilhos havia uma vagoneta — aquele carrinho de mina era utilizado normalmente para transportar ouro. Ao lado do carrinho havia uma alavanca. A escuridão era imensa, não sendo possível ver quase nada adiante. A única luminosidade na mina era o pouco de luz que emanava dos corpos dos dois, resquícios da magia de Glória, que logo se desfaria completamente.
O maior medo de Regina estava se concretizando. Lemoy pediu para que subisse na vagoneta, para que pudessem chegar ao outro lado. Regina estava relutante. Era corajosa em diversas adversidades, mas tinha pavor de montanhas-russas. Certa vez, enquanto estava em uma montanha-russa em um parque de diversões com seu pai, foi só o carrinho começar a andar que a garota berrou aos sete ventos para pararem o brinquedo.
— Debochou de eu ter medo do Kraken, mas você está me dizendo que tem medo de montar nesse transporte indefeso? — Lemoy não conseguiu conter uma risada de ironia.
— Não enche, okey?! — Regina falou irritada, de braços cruzados e com receios de subir ali.
— Relaxa, ele vai bem devagarzinho.
— Promete?
Lemoy assentiu com a cabeça. Ainda relutante, a menina aceitou por fim entrar na pequena vagoneta. Lemoy puxou a alavanca para baixo, onde o carrinho começou a se movimentar bem lentamente no mesmo instante. O pirata saltou para junto de Regina no transporte, naquele carrinho apertado. De fato ele andava bem devagar, o que fez com que Regina sorrisse. "Não acredito que eu estava com medo dessa coisa boba", pensou.
Nesse momento o carrinho começou a acelerar. E acelerar. E acelerar. Onde num piscar de olhos ele já passava de 270 quilômetros por hora. Os trilhos começaram a subir, e depois a descer, em seguida passou por curvas em zigue-zague. Os morcegos que estavam dormindo no teto da mina acordaram e voaram bem próximos do carrinho.
Regina gritava de pavor. Era como se sua alma saísse e voltasse do corpo incontáveis vezes. Lemoy, por outro lado, somente ria da situação. Não demorou mais do que alguns minutos para chegarem ao outro lado da mina, onde assim que foi chegando ao seu destino final o carrinho foi desacelerando sozinho. Até que parasse de vez.
Lemoy saltou do carrinho. Regina cambaleou para fora do veículo, toda descabelada. Estava com vontade de vomitar. Para sua sorte não havia comido há horas, então não tinha nada a botar para fora.
— Ali está a saída — Lemoy apontou para uma porta de metal há alguns metros de distância, como se nada tivesse ocorrido há pouco.
Regina caminhou em direção a porta com os braços para baixo, cambaleando, como se tivesse acabado de encher a cara de bebida. Quando os dois estavam parados em frente a porta, com a mão de Lemoy sobre a maçaneta, o pirata olhou para a loira, questionando:
— Tem certeza mesmo? A partir do momento em que saímos por essa porta esse tal Autor nos terá de volta no radar dele. Sabe-se lá o que poderá fazer contigo.
— Não seja bobo — falou Regina, que até então ainda estava cabisbaixa. Levantou a cabeça, com um sorriso no rosto — Se eu acabei de encarar o meu maior medo e sobrevivi, esse Autor não dá nem pro cheiro. Vamos logo — Lemoy sorriu de volta para a garota. Abriu a porta e então saíram de vez da zona neutra da qual o Autor não tinha acesso, adentrando na ilha de Comodo.
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¹ Ethan Hunt: Protagonista da franquia de filmes Missão Impossível, interpretado por Tom Cruise.
² até ³: Palavras destacadas são uma referência a música "Encontro no Mar" do filme A Pequena Sereia II.
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