8. Camundongo Aventureiro

          A garota abriu a boca com intenção de falar, mas nenhuma palavra saiu dela. Regina era corajosa em muitas situações, já havia encarado a Morte diretamente — Literalmente. Mas, estar diante do pirata mais temeroso do livro que mais amava na vida fez com que tremesse na base.

          Lemoy sorriu, agarrando a menina pelo braço puxando-a consigo para uma outra ala do navio. O rato saltou de cima do barril, correndo sobre suas quatro patas atrás do seu capitão. Regina pôde notar que Lemoy tinha um bom porte físico, mesmo não sendo muito musculoso. Todos os dedos das duas mãos dele possuíam anéis. Em circunstâncias normais poderia até ter um "Crush" no pirata. Mas, além da grande diferença de idade entre eles, Regina havia aprendido a odiar aquele pirata maquiavélico.

          Foi arrastada para a parte superior do navio, onde os dois; junto ao roedor, adentraram no quarto do capitão. O dono do aposento soltou o braço de Regina apenas quando fechou a porta atrás dele. A garota deu alguns passos para trás, encarando o pirata com olhar de suspeita e medo. O local onde estavam possuía um baú em seu canto, uma mesa de madeira no centro daquela cabine e uma cama no lado oposto do baú.

— Chegou mais cedo do que eu esperava — Lemoy sorria para a garota, estando avista seus dentes brancos. Regina piscou algumas vezes, sem entender do que aquele homem se referia.

— Não seja tolo capitão — Uma voz fina foi ouvida por Regina, vindo da altura dos seus pés. Olhou para baixo e constatou que o rato voltara a falar. Jamais havia lido sobre esse roedor no livro Fantasia. Seria um novo personagem desenvolvido pelo Autor? — Ela não é uma sereia. Veja! Ela tem pernas ao invés de nadadeiras.

          Edward a analisou melhor. Era algo tão óbvio, mas que havia passado despercebido por ele. Quem era aquela garota então?

— Como eu disse, é uma intrusa! É uma rata infiltrada no navio — O rato prosseguiu sua constatação.

— Olha só quem está me chamando de rata! O sujo falando do mal lavado — Regina gritou para o animalzinho abaixo dela.

          Ele, por sua vez, mostrou seus dentes molares como se tivesse intenção de mordê-la. Antes, porém, que pudesse fazer isso Lemoy se aproximou da menina, colocando o dedo indicador próximo a boca dela, em sinal de solicitar que fizesse silêncio.

— Afinal, o que está acontecendo aqui? — Regina ergueu uma sobrancelha.

— Nós quem deveríamos estar fazendo as perguntas aqui! — O rato não aparentava querer parar a discussão com aquela jovem.

— Chega Larry — O pirata chamou a atenção do rato. O roedor chamado Larry abaixou a cabeça em sinal de se desculpar. Lemoy suspirou, retornando até próximo a porta e se inclinando na parede ao seu lado. O capitão cruzou os braços, falando agora para a loira: — Irei lhe contar. Se os céus lhe enviaram até aqui, seja lá qual for o motivo, não acho que terei nada a perder.

"Larry, meu fiel escudeiro, ouviu há alguns dias uma conversa entre minha tripulação enquanto eu estava fora. Eles planejam um motim. Não me julgam apto a ser capitão por conta da minha idade. Mesmo que já tenhamos derrotado incontáveis bandos piratas, e saqueado trocentas ilhas, para aqueles ratos isso não serve de nada. Desculpe Larry, não leve o termo para o lado pessoal".

— Sem problema capitão.

— Enfim, eles planejam me executar quando chegarmos no esconderijo do nosso tesouro. Sou o único que sabe a localização exata de onde enterramos nosso ouro. Querem me matar assim que pegarem o ouro na ilha de Comodo.

— C-Comodo?! É para lá que quero ir — Regina afirmou com exaltação, mediante tal coincidência. O pirata ergueu uma sobrancelha.

— Venho planejando uma emboscada para eles quando chegarmos lá. Tenho a vantagem de não saberem que eu sei do plano deles. Até então só tenho Larry ao meu lado. Mas reforços estão a caminho. Menina do cabelo dourado, se aceitar nos ajudar, concederei parte do meu tesouro a você.

          Regina balançou a cabeça em sinal de recusa.

— Não quero seu ouro. Desde que me leve até a ilha, eu ajudarei você.

          Larry e Lemoy sorriram para a menina. Os três estavam mais despreocupados em relação às suas desconfianças. Regina sabia o quão temível Edward Lemoy era, porém sabia também que um capitão pirata sempre honrava com sua palavra. Pelo menos no livro de Fantasia que conhecia. Lembrou também que dois dos vilões que conhecia, Bridge e Vilgax, haviam; mesmo que momentaneamente, mudado de lado e ajudado os bonzinhos. Por que com Lemoy não poderia ocorrer o mesmo?

— Capitão, desculpe, preciso que venha ver algo — Um homem de bandana vermelha na cabeça adentrou o quarto de supetão, assustando o trio — Quem é essa garota?

— Uma prisioneira — Mentiu o capitão. Lhe lançando um olhar de fúria em seguida — Já falei incontáveis vezes para não entrar no meu aposento! Eu poderia estar me ma... maquiando — Se corrigiu Lemoy, há tempo, ao se recordar que havia uma madame no quarto.

          Lemoy saiu do quarto junto ao seu capanga, a fim de verificar o que havia ocorrido. Regina olhou para o rato, que retribuiu o olhar de: "não faço ideia do que esse doido quer". Ambos saíram do quarto logo atrás do capitão pirata. No convés principal do navio dezenas e mais dezenas de piratas, todos com bandanas de cores diferentes sobre suas cabeças, erguiam espadas em direção ao até então capitão deles. Lemoy, Regina e Larry; por suas vezes, estavam próximos ao timão da embarcação.

— O que está acontecendo aqui?! — Esbravejou o líder pirata.

          Os piratas abriram caminho para a passagem de uma mulher alta de cabelo longo. A mesma começou a caminhar pelo convés, parando alguns metros à frente de Edward. A mulher usava uma jaqueta jeans azul-marinho e um chapéu de três pontas preto, com o símbolo de uma caveira, sobre seus cabelos rosados. Segurando uma pistola na mão e sorrindo para o seu capitão.

— Iriamos te atacar apenas quando chegássemos na ilha do tesouro, mas por um descuido seu escutamos sua conversa de agora e soubemos que você preparou uma emboscada para sua tripulação — A mulher de cabelo rosa apontou para um Megafone que estava bem acima da entrada exterior da cabine do capitão, estando conectado ao quarto por alguns fios.

          "De onde surgiu essa merda?!", Lemoy se perguntou. Afinal, até poucos minutos atrás não havia equipamento algum ali. Regina tinha pleno conhecimento que Jonathan F. Lennox, vulgo o Autor do livro, fez com que magicamente aquele Megafone surgisse, tudo para estragar os planos do seu aliado.

— Pelas barbas de Netuno. Penny sua desgraçada! Era você quem estava por trás disso?!

— O que posso fazer? Seus companheiros não se sentem confiantes em ter um pirata tão jovem como capitão deles — Penny, a pirata de cabelo rosa, balançou os ombros com desdém — Por isso escolheram a mim como a mais nova capitã.

— Mas você tem a mesma idade que eu!

— Mas eu tenho algo que você não tem — Pelas frestas da jaqueta conseguia notar que usava uma camisa branca de grande decote, onde era visível o quão chamativos eram seus seios. Os piratas próximos a Penny olhavam para o decote quase babando.

— Misericórdia, isso é um livro infantil! — Disse Regina, desviando o olhar da mulher que tentava manipular os homens ao seu redor.

— Vamos tomar o navio. Avancem! — Penny atirou para o céu, onde uma gaivota foi atingida, caindo no mar.

          Dando início assim uma batalha em meio ao convés principal do navio. Os piratas correram com suas espadas erguidas em direção ao trio de Regina. A menina olhou assustada para Lemoy, mas para sua surpresa o homem estava com um sorriso no rosto.

          Edward Lemoy retirou uma espada de lâmina afiada da fivela de sua cintura e correu em direção aos demais piratas. Larry, por sua vez, segurava uma minúscula espada — Que mais se assemelhava a uma agulha. O roedor saltou em cima de um barril, e dele saltou para outro, chegando diante de um pirata com um novo salto, espetando seu olho. O mesmo caiu no chão ferido, enquanto Larry atacava seu próximo alvo.

          Lemoy colidiu sua espada com a de dois piratas. As três espadas se chocaram, mas apenas duas se quebraram com o impacto. A espada de Lemoy foi a única que permaneceu intacta, perfurando o abdômen de um dos piratas, enquanto utilizava o pomo da ferramenta para acertar a barriga do seu outro adversário, fazendo com que ambos caíssem inconscientes no chão.

          Nesse momento Regina avistou um pequeno brilho dourado voando do céu azulado em direção ao navio. Era tão pequena que precisou se aproximar mais até que a garota se desse conta do que se tratava. Em suas costas havia um par de asas composta de minúsculas escamas sobrepostas, em cores vividas aquarela. Com um vestidinho amarelo; e com uma tiara na cabeça, a minúscula criatura se aproximou dos piratas.

— Glória! — O rato Larry exclamou ao notar a presença da fada.

— Amém, irmão — Regina respondeu para o rato ao seu lado.

— Não. Glória é o nome da fada. É uma amiga de longa data do capitão — Explicou o roedor, ao mesmo tempo que se preparava para subir por dentro da calça de um pirata.

          Conforme o rato se movimentava o pirata sentia inúmeras cosquinhas. Se remexendo pelo convés entre gargalhadas de desespero, até que perdesse o equilibro e batesse com a cabeça no mastro do navio, caindo no chão. Larry então saiu de dentro da vestimenta do homem.

          A fada sobrevoou ao lado de Lemoy, onde naquele momento usava sua espada para se defender do confronto de um pirata.

— Que tal dar uma mãozinha aqui Glória?

          A fada bufou, cruzando os braços e olhando para o pirata de forma aborrecida.

— Estou furiosa Edward — A fada disse, sem se importar com a guerra que estava ocorrendo naquele navio — Falou que iria me visitar para tomarmos chá, mas ao invés disso está aqui brincando com sua tripulação.

— Brincando?! — Lemoy ergueu uma sobrancelha, enquanto empurrava com sua espada um de seus adversários no mar. Glória apenas bochechou em resposta — Estão se rebelando contra mim! Eles querem me matar, fada burra.

          Nesse instante Penny atirou com sua pistola em direção a fada. Glória estendeu a mão aperta em direção ao projétil que vinha de encontro a si. Antes que a bala pudesse acertar a fada mal-humorada, a magia dela fez com que o projétil desviasse. Invés de seguir em frente a bala subiu para o céu, explodindo bem no alto e caindo pólvora no navio referente ao disparo.

          A pequena criatura emanada de luz se sentou na borda da embarcação á bombordo. Olhando a batalhas dos piratas contra Lemoy e Larry de forma bem entediada. Glória não se importava com disputas humanas, mesmo tendo uma boa relação com o jovem pirata. Porém, no momento em que o navio virou rapidamente para estibordo, fazendo com que a fada quase caísse no mar pelo movimento repentino, isso fez com que perdesse o pouco da calma que ainda lhe restava.

          O timoneiro do navio girava a roda do leme bruscamente para atrapalhar Lemoy. Uma forte tempestade se aproximava, onde o céu começara a ficar acinzentado. Regina tentou tomar o leme do homem, mas o mesmo a empurrou, derrubando-a no chão do deck.

          Glória surgiu na frente ao timoneiro. Uma vez frustrada, aquela fadinha ergueu ambas as mãos em direção ao homem musculoso de óculos que dirigia o navio. Nada ocorreu, de forma que o homem deu uma gargalhada. Mas, logo em seguida uma rajada de vento enorme o fez sair do chão do navio sendo arremessado para o mar, em meio a tempestade que acabara de iniciar.

          Regina Monroe se levantou do chão, olhando bem de perto a fada. "Quem é essa pirralha?", se perguntou Glória. Nesse momento ambas ouviram o som de disparos. Penny atirava em direção ao rato Larry, que corria pelo chão do deck fugindo dos disparos.

          A loira já estava cansada de ser uma donzela indefesa. Estava na hora de fazer algo. Correu para o convés principal indo para o lado estibordo da embarcação. Movimentou o canhão giratório, apontando-o para a pirata. Disparou a bola do canhão ao inserir pólvora no tubo do equipamento. Antes que a bala pudesse acertar Penny, a mesma se jogou bruscamente no chão do navio para desviar do disparo. O movimento fez com que sua pistola caísse de sua mão para o mar.

          Regina tentou efetuar um novo disparo, mas as balas haviam acabado. Penny pegou uma espada do chão, correndo com a lâmina levantada em direção a nossa protagonista. A garota deu alguns passos para atrás, foi quando se deu conta da existência de um pirata desacordado aos seus pés, e ao lado dele estava sua espada. Prontamente pegou a arma branca no exato momento em que Penny surgiu diante dela.

          Ambas as lâminas das espadas se chocaram, estando emparelhadas no momento em que um raio iluminou o céu em meio a tempestade. O estrondo do trovão foi ouvido, seguido por um estrondo muito maior. Todos pararam, olhando em direção ao oceano para ver o que havia causado aquele rugido ensurdecedor.

          Um monstro aquático em forma de lula foi submergindo do mar. Seus mais de cem tentáculos deslizaram para dentro do navio. A criatura gigantesca que possuía o tamanho de uma ilha olhava para o navio com seus olhos vermelhos, com sede de sangue. O monstro Kraken possuía a cor roxa misturada com laranja em seus tentáculos.

          Todos os piratas começaram a tremer de medo. Todos os tripulantes temiam aquele monstro mais do que tudo. O choque deles deu lugar a uma enorme gritaria quando os tentáculos da lula gigante puxaram alguns dos piratas para o mar. Penny foi a primeira a ser arremessada para fora do veículo com um forte tapa da lula.

          Regina largou sua espada no chão, indo de encontro a Edward Lemoy. A batalha interna havia cessado, uma vez que os piratas corriam em meio ao navio por suas vidas. Alguns desceram para o deck inferior, começando a atirar no Kraken com os canhões. Mas os disparos não faziam nem cócegas no monstro.

— Não vai me dizer que está com medo dele? — Regina se dirigiu ao capitão pirata, que aparentava estar hipnotizado com seu maior pesadelo — Ora, seja homem! Vocês derrotaram o monstro do lago Ness no Reino da Escócia. Isso aí é fichinha.

          Lemoy sabia que a comparação era injusta. O monstro do lago Ness era bem menor do que o monstro marinho à sua frente, bem menor do que as lendas apontavam. "Como ela sabe sobre isso?", se questionou. Mas não havia tempo a perder. Larry olhou para o seu capitão, que mesmo sem dizer nada assentiu com a cabeça. O rato então correu sobre suas quatro patas, pulando do navio em direção ao mar.

— Não acredito que ele fugiu e te deixou aqui! É como dizem, num naufrágio os ratos são os primeiros a fugirem — Constatou Regina. Lemoy, por outro lado, tinha um sorriso de canto no rosto apesar do medo ainda se fazer presente.

          O Kraken golpeou com demasiada força o lado estibordo do navio, destruindo parte da embarcação e fazendo com que o navio se inclinasse. Vários piratas caíram em meio ao mar. Edward se agarrou em uma vela do navio, com toda sua força. Regina se agarrou na cintura do pirata para que não fosse arremessada para fora.

          Nesse momento Regina avistou uma enorme criatura surgir no mar próximo ao Kraken. Ficando cada vez maior. Em meio a tempestade um rato gigante preto e de bigode surgiu. Larry havia aumentado de tamanho, tendo nesse momento a mesma altura do monstro aquático. Larry agarrou alguns dos tentáculos do Kraken com suas patas, empurrando-o para frente enquanto o Kraken fazia o mesmo para com o rato.

— Essa é a habilidade secreta do Larry. Ele pode aumentar seu tamanho. Mas ele não vai conseguir aguentar por muito tempo — Explicou Lemoy.

          Enquanto Regina estava boquiaberta com a cena de um rato gigante lutando no mar chuvoso contra uma lula gigante, Lemoy pegou algumas correntes com bolas de canhão fixadas a elas. Primeiro trancou as algemas das correntes em cada uma de suas pernas. Em seguida fez o mesmo com as duas pernas da garota ao seu lado. Agora ambos estavam com pesos de bolas de canhão algemados em suas pernas.

— O que você está fazendo?! — Regina questionou, sem entender nada. O pirata, porém, ignorou seu questionamento.

— Glória, por favor, faça o que tem que ser feito — O pirata galanteador pediu para a fada que voava acima de suas cabeças. Ela ainda estava de braços cruzados, revirando os olhos.

— Você vai me dever uma das grandes por essa Edward — A fada constatou. Lemoy sorriu como resposta.

          Em seguida agarrou o braço de Regina, puxando-a consigo para o lado bombordo do navio inclinado. A garota tentou resistir, mas o pirata não a largou de jeito nenhum. Foi quando chegaram até a borda que Lemoy agarrou a jovem em seus braços, dando um enorme salto com toda sua força em direção ao oceano. O peso das bolas de canhão dificultava em muito o salto.

          Antes que seus corpos colidissem com a água, Glória levantou ambas as palmas das mãos em direção aos dois malucos acorrentados. Uma quantidade de partículas amarelas, quase invisíveis aos olhos, passaram pelo ar, das mãos da fada até os corpos do pirata e da menina. E então ambos caíram no mar. O peso das bolas de canhão algemadas em suas pernas fez com que começassem a afundar rapidamente. Lemoy soltou Regina, onde ela desesperadamente tentou submergir de volta, mas de nada adiantou seu esforço. Não tinha forças contra a pressão do mar e o peso que carregava, de forma que foi afundando cada vez mais junto ao capitão dos piratas Lemoy... 

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