27 [FINAL]. O Pé na Estrada Eu Vou Botar Que Já Tá na Hora de Ir

          Regina se perguntou o que se passava na cabeça de seu pai, ao deixá-la naquela situação alarmante sozinha. Sua mente estava em um turbilhão de pensamentos enquanto o arranha-céu continuava a desmoronar ao seu redor. A iminente destruição da cidade da Luz, com o desaparecimento da estrutura que a sustentava acima das nuvens, tornava tudo ainda mais assustador.

          Enquanto os escombros do prédio caíam ao seu redor e a sala branca se tornava cada vez mais instável, Regina percebeu um som poderoso de asas se aproximando da janela. Com grande esforço, ela se arrastou até o local, avistando o colossal dragão Vilgax do lado de fora. Suas asas vermelhas se estendiam energeticamente, prontas para levá-la em segurança. No entanto, a janela era demasiadamente pequena para que Regina pudesse passar. Um sentimento de desespero tomou conta dela, enquanto balançava a cabeça com tristeza, reconhecendo a impossibilidade de escapar por aquele caminho.

          Como desgraça pouca não vem só, uma nova ameaça surgiu quando a porta foi violentamente aberta. Dezenas de gárgulas, que até então eram apenas decorações do majestoso local, ganharam vida e invadiram o ambiente, suas garras afiadas e bicos ameaçadores prontos para ceifar a vida da jovem loira.

          Regina, assustada, gritou e imediatamente fechou os olhos ao se abaixar, buscando se proteger do perigo iminente. No entanto, seus ouvidos captaram o som de um chute e o estrondo de pedras se desfazendo ao seu redor, o que a fez abrir os olhos novamente. Para sua surpresa, diante dela estava o Saci-Pererê, saltitando com uma perna só, com seu tradicional cachimbo pendendo da boca.

         Enquanto o Saci sorria para a garota, uma gárgula se aproximou sorrateiramente por trás dele, mas antes que pudesse ser atacado, a criatura mitológica rapidamente se transformou em um redemoinho humano, girando velozmente e lançando as criaturas malignas contra as paredes desmoronantes do prédio.

          Agradecida pela ajuda do Saci, Regina viu nessa uma oportunidade para escapar do local. Determinada, ela correu em direção à porta, habilmente desviando de duas gárgulas que vinham em sua direção pelo corredor estreito. Seus olhos se iluminaram ao alcançar o pé da escadaria, revelando uma cena deslumbrante à sua frente.

          Centenas de gárgulas tentavam alçar voo em direção a Regina, mas diversas criaturas mágicas impediam seus avanços. Essas criaturas posicionaram-se estrategicamente entre as gárgulas e a loira, barrando seu caminho além da escadaria.

          No meio da escadaria, o gnomo mal-humorado "Senhor Jerônimo", do qual criou certa antipatia por Regina quando ela chegou naquele mundo, brandia sua enxada com destreza, ceifando a vida das criaturas de pedra com um olhar resmungão. Cada golpe preciso do gnomo deixava uma trilha de destroços petrificados em seu rastro. Ao mesmo tempo, o Centauro dava coices poderosos nas gárgulas, impedindo-as de subir além do seu posto.

          Lá no alto, a fada Glória liderava um exército de fadas, cujas magias da natureza eram lançadas com precisão, desferindo ataques fulminantes contra os seres de pedra que ousavam avançar. Seus brilhos florescentes pareciam como o de vagalumes, iluminando a torre escura.

          Ainda no céu, Moria e Katherine sobrevoavam com suas asas de morcegos, liderando um exército de vampiros ao seu lado. Com velocidade e agilidade, eles mergulhavam em direção às gárgulas, derrubando-as uma a uma do céu. Enquanto isso, uma formação de bruxas montadas em suas vassouras mágicas voava em círculos ao redor do grupo de Regina. Empunhando suas varinhas com maestria, as bruxas lançavam feitiços poderosos contra os inimigos da loira, criando explosões e rajadas mágicas que despedaçavam as gárgulas em pedaços.

          O êxtase de Regina diante da incrível batalha e da demonstração de poder mágico ao seu redor a fez perder completamente a noção do perigo iminente. Ela estava tão envolvida na cena maravilhosa que se desenrolava que nem sequer se recordou sobre o arranha-céu desmoronando ao seu redor. Foi apenas quando um tremor intenso sacudiu o prédio, fazendo com que o chão se partisse e se abrisse um abismo negro diante dela, que ela finalmente despertou para a realidade. Com um grito de surpresa e desespero, Regina perdeu o apoio do corrimão da escadaria e começou a cair em queda livre em direção ao vazio abaixo.

          O que a impediu de se espatifar abismo abaixo foram duas garras afiadas que se agarraram com força em seus ombros, evitando sua queda desastrosa. Ao erguer o olhar, Regina se deparou com a visão impressionante de uma Harpia. Suas poderosas asas batiam com vigor, sustentando o voo enquanto a transportava para a segurança do outro lado do arranha-céu.

          Enquanto a mulher-pássaro depositava Regina em uma plataforma segura do outro lado do prédio, um sorriso se espalhou pelo rosto da jovem ao avistar quem já se encontrava no local. Diante dela estava Ossudo, que estava aguardando sua chegada até então. Ossudo estava posicionado diante de um imenso tobogã fechado, que se assemelhava bastante com um escorregador gigante encontrado em parques aquáticos.

— Está pronta, "Mademoiselle"? — O ex-Morte perguntou em tom formal.

— "Oui" — Entrando na brincadeira do esqueleto, Regina confirmou em francês enquanto se inclinava e erguia a barra de sua jaqueta, como se fizesse uma reverência.

          Ambos riram com entusiasmo, seus rostos iluminados por sorrisos radiantes. Ossudo se agachou, assumindo a liderança, enquanto Regina se posicionava logo atrás dele, segurando-se firmemente em sua cintura fina. Com um impulso inicial, eles se lançaram pelo tobogã em uma vertiginosa descida, entregando-se à emoção da velocidade e da corrente de ar que chicoteava seus rostos. Os gritos de animação escapavam de suas bocas, misturados com as curvas sinuosas do tobogã e os tremores causados pelos terremotos que abalavam o prédio. Cada segundo era repleto de adrenalina e pura diversão, enquanto a dupla continuava sua audaciosa jornada descendente.

          Conforme a luz brilhante no fim do túnel se aproximava, Regina soltou as mãos que seguravam a cintura de Ossudo, pressentindo que era hora de desacelerar para evitar ser lançada para fora. No entanto, ela não esperava que Ossudo não tivesse a mesma ideia em mente. Assim que a caveira saiu disparado do tobogã, o seu fêmur voou em direção à parede, desprendendo-se de seu esquelético corpo. Com uma agilidade surpreendente, Ossudo correu em alta velocidade para recuperar seu osso precioso.

          Regina estava prestes a se levantar ao sair do tobogã, sentindo a adrenalina ainda pulsando em suas veias, quando uma mão masculina com dedos adornados por diversos anéis estendeu-se em sua direção. Ela então aceitou o apoio da mão estendida de Edward Lemoy para se erguer.

— Lemoy... O Larry, ele.... — Regina procurava palavras de como contar ao seu aliado que seu aprendiz não voltaria mais.

— Eu sei — Lemoy a interrompeu, com um sorriso singelo no rosto. Ele levou o dedo indicador a própria cabeça, batendo nela com ele duas vezes. — Bom, ao menos agora eu sei. Mande lembranças ao seu pai por mim, quando voltar ao seu mundo.

          Regina buscava palavras reconfortantes para compartilhar com o pirata, esperando poder amenizar a situação. No entanto, ao observar o semblante de Edward Lemoy, percebeu que ele aparentava estar resignado com a revelação sobre seu aprendiz, que o Autor havia implantado em sua mente. Aquela expressão de aceitação deixou Regina intrigada, fazendo-a questionar se o pirata também se manteria tão sereno quando ela inevitavelmente partisse.

— Venha, têm algumas pessoas que vieram te ver — Lemoy, sem demonstração de timidez, tocou na mão da jovem e a levou em direção a saída do arranha-céu.

          Sob o brilho radiante do sol matinal que acabara de nascer, Regina deixou o local, sua mente imersa na revelação que acabara de se desvendar: o desmoronamento do arranha-céu não foi um colapso, mas sim o resultado de sua aterrissagem. O edifício, outrora suspenso nas alturas, encontrava-se agora fragmentado e disperso pelo terreno florestal abaixo. A magnitude da destruição deixou claro que aquele colosso de concreto não mais flutuava nas nuvens, mas repousava no chão, em meio a destroços e escombros.

          Os olhos brilhantes de Regina se encheram de emoção ao captar o significado das palavras de Lemoy. Diante da entrada do agora demolido arranha-céu, um cenário mágico se desdobrava. Uma multidão de criaturas, que ela havia conhecido e compartilhado aventuras ao longo de sua jornada em Fantasia, se reunia em uma calorosa celebração.

          O Urso Polar, o "não tão" Abominável Iéti e os adoráveis pinguins, acenavam com entusiasmo, expressando gratidão por terem sido salvos por Regina e por seu papel crucial na preservação de Fantasia. A ausência dos golems, que a apoiaram para chegar ao arranha-céu, indicava que uma vez que a ameaça havia sido dissipada, esses seres de pedra haviam retornado ao seu repouso nas profundezas da Terra, em uma hibernação profunda.

          Bárbara Zaira estava de pé com seu pequeno e adorável cachorrinho azulado, Costelinha, rodopiando animadamente ao seu redor. No entanto, para sua surpresa, Regina também notou a presença de Cello com uma expressão emburrada no rosto. Ela não pôde conter uma risada diante de sua expressão cômica. Ela sabia a verdade sobre Cello e sua tendência para a vilania, mas decidiu que na narrativa mágica de Fantasia, a presença de um ou dois vilões canastrões não prejudicaria tanto os demais. Afinal, parte do encanto da história era a diversidade de personagens e o desafio de enfrentar obstáculos inesperados. Regina decidiu guardar para si o conhecimento sobre o Fauno e deixar a magia de Fantasia continuar a brilhar, permitindo que todos os personagens seguissem seus destinos, inclusive os vilões de fachada.

          Igualmente surpresa ficou ao avistar o ex-príncipe Charles, agora vestido como um legítimo fazendeiro, com uma roupa de estilo caipira quadriculada e um chapéu de palha característico. Mas o choque maior veio quando seus olhos encontraram Jasmine, a ex-princesa, ao seu lado, com um sorriso radiante e seu braço entrelaçado ao dele. Regina se perguntou o que havia perdido nessa história. A herdeira do trono das Arábias parecia uma nova pessoa, alguém muito mais amável e adorável desde que a viu pela última vez. Será que Jasmine havia finalmente caído na realidade e abandonado sua vida de princesa mimada, optando por viver como uma camponesa com Charles? Seria possível que agora eles estivessem noivos e apaixonados, unidos não apenas por aparências, mas por um amor verdadeiro?

          Regina sentiu seu coração se encher de alegria ao avistar as sereias emergindo do lago próximo. Elas pareciam irradiar uma beleza mágica, com suas caudas reluzentes e vozes melodiosas. Entre as sereias, destacava-se Iara, a rainha dos mares, que sorria calorosamente para a "menina dos cabelos de ouro". Além das sereias, Medusa também se fazia presente as margens do lago, ao lado do Boto.

          Contudo, o maior sorriso de Regina se deu ao avistar Bridge entre um grupo de bruxas. Seu sorriso se expandia ao perceber que Bridge não estava mais solitária, mas sim acompanhada por tantas outras bruxas de sua espécie. Ao lado delas, os sete magos se reuniram para se despedir da corajosa menina que havia ajudado a derrotar a Feiticeira. E, para sua surpresa, Chronos, o guardião do tempo, também encontrou um momento para vê-la pela última vez. Regina sentiu-se honrada por receber o reconhecimento desses poderosos magos e do Senhor do Tempo.

          Conforme os olhos de Regina marejavam diante da comovente despedida de seus amigos, ela observou com gratidão enquanto os seus aliados que a haviam salvado do desabamento do arranha-céu emergiam da construção em ruínas atrás dela.

          Com suas asas cintilantes, exibindo uma deslumbrante paleta de cores, a graciosa fada Glória voou em direção a Regina, trazendo consigo uma delicada flor de margarida. Com movimentos ágeis, Glória suavemente posicionou a flor em torno do lóbulo externo da orelha direita de Regina, como um símbolo vivo de sua própria juventude etérea, de um amor puro e inocente, e de uma sensibilidade profunda que transcendia as fronteiras da realidade. A margarida, com suas pétalas brancas como a neve e o centro amarelo radiante, realçava ainda mais a beleza dos cabelos dourados de Regina.

— Uma flor para outra flor — Glória disse amigavelmente, bem diferente de como ela era quando Regina a conheceu, enquanto ia em direção ao seu amigo Tolkien. Agora, o elfo e a fada, sorriam em agradecimento por Regina ter ajudado a se reunirem, enquanto a loira sorria de volta para eles.

          Enquanto Regina se afastava de Lemoy, seus passos firmes a conduziam em direção aos dois vampiros envoltos em capuzes. Com uma mão segurando a de Katherine e a outra entrelaçada com a de Moria, a expressão serena no rosto de Regina se transformava em um sorriso caloroso ao encontrar o olhar do recém-formado casal. No momento em que os olhos de Moria adquiriam uma tonalidade hipnotizante de cor ciano, uma conexão intensa e mágica parecia se estabelecer entre eles.

          Após mais alguns passos, Regina parou em frente a bruxa de vestes negras e cabelos longos. Bridge tinha uma expressão tímida que se desenhou em seu rosto, parecendo um tanto acanhada diante daquele momento de despedida. Sua fiel companheira felina, Christie, ronronava suavemente enquanto circulava ao redor das pernas de Bridge, como que oferecendo um apoio reconfortante em meio àquele momento de emoções.

— Acho que é o fim da linha. É, até que não foi tão ruim quanto pensei. Nem precisei te matar, como havia prometido anteriormente — Bridge estendeu sua mão com longas unhas, diante de Regina, se recordando da vez em que ambas firmaram um acordo pela primeira vez nos calabouços do castelo Alvarez.

          Regina, entretanto, ignorou a mão estendida à sua frente e, em vez disso, a envolveu em um abraço afetuoso e repentino. Bridge, inicialmente surpresa com o gesto da mais baixa, logo deixou que um sorriso se formasse em seu rosto, colocando suas mãos nas costas da jovem, correspondendo ao gesto com igual carinho.

— Espero que dessa vez esse Autor nos deixe "mandar esse treco de volta, senão o bicho vai pegar!" ¹ — Bridge falou em tom ameaçador se referindo ao Autor, após se soltar de Regina.

— Treco? — Regina franziu o cenho após ser referenciada assim por Bridge. Porém, não tardou para ambas darem uma risada mútua em relação ao apelido dado pela bruxa.

          Assim que Regina deu alguns passos para trás, Bridge lançou um olhar ao seu redor e, com um sinal de cabeça, transmitiu sua concordância às demais bruxas. Juntas, elas ergueram suas varinhas para frente, formando um círculo unido de energia mágica. Eram muito mais numerosas do que aquelas que haviam conjurado o portal nas Páginas em Branco, e a união de suas forças prometia trazer um poder ainda maior para a conjuração do portal para outra dimensão.

          Sob o brilho intenso emanado das varinhas erguidas, uma grandiosa porta de madeira materializou-se no meio do caminho, bem distante de todos. A madeira escura e rica em detalhes entalhados formava uma estrutura imponente, com dobradiças de metal brilhante. Assim que as varinhas foram abaixadas, a porta permaneceu ali, admirável e misteriosa, muito semelhante àquela que fora conjurada nas Páginas em Branco.

          Diante de Bárbara Zaira, ambas seguraram as mãos uma da outra em um gesto de conexão profunda. A Morte sorria benevolentemente para a mais nova. Sua cabeça estava adornada por um capuz branco que ressaltava a suavidade de seu sorriso. A foice, símbolo de sua natureza, repousava graciosamente em suas costas.

— Obrigada por tudo, senhora Bárbara...

— Você não tem o que agradecer, minha querida. Eu quem lhe agradeço — Bárbara direcionou o olhar para o lago.

          Regina se deu conta do olhar afetuoso da sereia Iara em sua direção. Naquele instante, a compreensão se fez presente: mãe e filha haviam finalmente restabelecido os laços perdidos. Com o coração cheio de alegria, Regina assentiu em silêncio para a sereia no lago, sabendo que cumpriu sua promessa de proporcionar-lhe um final feliz.

— Faça uma boa viagem, minha querida — Bárbara deu um beijo na testa de Regina, cumprindo seu dever como ceifadora. Após o beijo da Morte, a alma de Regina já não pertencia mais ao mundo de Fantasia. Ela estava livre para partir.

          Com a lendária Excalibur empunhada em suas mãos, o fazendeiro Charles caminhou para frente, afastando-se momentaneamente de sua amada noiva, Jasmine. Determinado, ele ergueu a espada mágica uma última vez em direção à porta diante de si. Com um gesto firme, Charles fincou a lâmina no centro da porta, fazendo com que um brilho mágico emanasse do ponto de impacto. Após o ato, ele se afastou da porta deixando com que a menina que veio do outro mundo fosse a responsável por abrir a porta.

— Regina!! — Ossudo chorava copiosamente, enquanto a loira o abraçava com um sorriso no rosto.

          Após se distanciar da caveira chorosa, Regina se aproximou de sua leal companheira, a vaca alada Mimosa, acariciando carinhosamente sua cabeça para se despedir de igual forma. Com os olhos ainda marejados, Regina se encaminhou até chegar, por fim, ao lado do pirata Edward Lemoy.

          Lemoy estava sem reação, sem saber como agir diante da despedida. Enquanto seus pensamentos se embaralhavam, Regina estava decidida sobre o que queria fazer. Com um sutil movimento do dedo indicador pendendo para si mesma, ela indicou que ele se abaixasse. Intrigado, o pirata obedeceu, sem ter ideia do que estava por vir. Então, de forma inesperada, ele sentiu um suave beijo na bochecha, vindo de Regina. Esse gesto afetuoso transmitiu mais do que palavras poderiam expressar, estabelecendo uma conexão especial entre os dois antes de seguirem caminhos separados.

          Enquanto Regina se afastava, Lemoy sentiu suas bochechas corarem. Seus olhos acompanhavam atentamente cada passo da menina de jaqueta vermelha em direção à imponente porta.

          Regina, imersa em um misto de emoções, voltou seu olhar para seus leais amigos. Seu olhar percorreu cada uma das criaturas exóticas que a acompanharam em sua incrível jornada, sentindo uma profunda gratidão por cada um deles. Um sorriso de satisfação se formou em seus lábios. Porém, era chegada a hora de seguir em frente. Com determinação, ela se voltou para a porta de madeira e agarrou com firmeza o pomo da lendária espada Excalibur. Com um movimento decisivo, empurrou a porta para o lado de fora, revelando um brilho intenso que emanava do outro lado. Era um convite irresistível para partir.

          Todavia, para a surpresa de todos, antes de atravessar o portal, Regina se virou uma última vez, com um sorriso estampado no rosto.

— Eu voltarei. Seja como a próxima Autora, como uma personagem do livro, ou até mesmo como uma visitante. Quando eu tiver os meus próprios filhos, voltarei mais uma vez para Fantasia com eles!

          Regina, com um sorriso encantador, virou-se e saltou através do portal dimensional além da porta. Conforme a previsão da vidente da ilha de Comodo, foi a Morte, as bruxas e o príncipe de Fantasia que a enviaram de volta para o seu próprio mundo.

— Ela se foi — Bridge constatou para o pirata, conforme surgia ao lado dele e de Bárbara Zaira.

          Com um olhar vago à frente, Lemoy notou algo abaixo dele em sua visão periférica que capturou sua atenção. Um brilho cintilante vinha da altura de seus pés, refletido pelos raios de sol. Edward Lemoy se agachou e percebeu que aos seus pés estava uma pulseira prateada, a mesma que era tão significativa para Regina.

          Se fosse em qualquer outra época ou situação, o gatuno sentiria alegria ao se deparar com um objeto de tanto valor. No entanto, seus olhos azuis refletiam melancolia ao segurar o tesouro de Regina. Era evidente que ela havia deixado o item cair inadvertidamente, e isso despertou um sentimento de tristeza no pirata.

— Você a ama, não ama? — Bridge perguntou com um sorriso zombeteiro em seu rosto, ao perceber o olhar perdido do homem ao seu lado.

— Amor? O que você entende de amor?! — Lemoy retrucou, fuzilando o olhar para a mulher ao seu lado. Para ele era inconcebível que uma bruxa entendesse como ele se sentia.

          Bridge lançou um breve olhar para trás, deparando-se com as várias bruxas de seu clã que a acompanhavam, e sua gata Christie próxima a ela. A bruxa asmática compreendia que o amor ultrapassava as meras paixões e relações físicas. Havia uma infinidade de maneiras de amar. E ela tinha muito desse amor guardado a sete chaves dentro de si.

— Entendo melhor do que você pensa — Respondeu ao retornar o olhar ao pirata.

— Edward, vá atrás dela — Glória surgiu diante do pirata, ao bater suas asas.

          Lemoy segurou a pulseira em sua mão com firmeza, contemplando-a intensamente, sentindo o peso da decisão que estava prestes a tomar. Devolvê-la significaria abrir mão de seu mundo de pirataria e embarcar em uma nova jornada no mundo real. Seria ele capaz de fazer esse sacrifício?

— Esqueça, ele não irá. Ele é bundão demais para isso — Bridge falou de forma provocativa e braços cruzados.

— Bundão? Isso vindo logo de uma bruxinha?! Faça-me um favor — Lemoy retrucou de volta, porém não de forma afrontosa. Ele havia entendido que Bridge estava o provocando para que fosse, por isso após dizer aquilo ambos sorriram um para o outro de forma amistosa.

— O portal irá se desfazer em breve. Se quiser ir, terá que ser agora — O mago rechonchudo Azul falou de forma ríspida.

          Enquanto o brilho do portal por de trás da porta se desfazia diante dos olhos de Lemoy, ele tomou uma decisão rápida e determinada. Colocou a pulseira no pulso e, sem hesitar, jogou sua jaqueta de couro ao chão. Em seguida, deixou com que a fivela que usava para guardar sua espada caísse no chão, e por fim arrancou a camisa preta que estava abaixo da jaqueta, revelando seu peitoral e abdômen definidos. Tudo isso enquanto corria em direção ao portal que se dissipava rapidamente.

— Por que ele tirou a camisa? — Moria perguntou com sua voz esganiçada.

— Puro fan service — Ossudo respondeu enquanto balançava os ombros.

— Por que ele pode ficar sem roupa, e eu tive que colocar calças?! — O mago Amarelo reclamou aos dois, pela primeira vez na vida trajando calças, contudo ele também estava sem camisa.

          À medida que o brilho que indicava que o portal ainda permanecia ativo foi se apagando completamente antes que Lemoy pudesse alcançá-lo, os sons de lamentação ecoaram pelo ambiente, refletindo a tristeza geral da nação. O pirata ficou ofegante, com as mãos apoiadas nos joelhos, sentindo uma frustração avassaladora ao perceber que havia perdido a oportunidade de atravessar a porta. Seu semblante era de desânimo e desapontamento.

          Contudo, de forma totalmente inesperada, como se fosse um verdadeiro ato mágico, o brilho tornou a ressurgir, convidando Lemoy para uma última oportunidade. A pequena fresta aberta da porta também parecia como um sinal de que em breve se fecharia definitivamente. Com um sorriso ladino no rosto, o pirata correu em direção à porta com determinação renovada, sabendo que aquele era seu momento derradeiro.

          Conforme o pirata se aproximava do portal, Bárbara brandiu sua foice no ar, rompendo o vínculo entre o homem sem camisa e Fantasia. Assim, no último instante, Edward Lemoy conseguiu atravessar o portal antes que ele se fechasse por completo.

          Assim que o brilho se dissipou de vez e a porta de madeira se fechou sozinha em um grande impacto, ela ganhou vida e desprendeu-se do chão, erguendo-se resplandecentemente no céu. Em um espetáculo de cores e luzes, ela se desfez em inúmeros fogos de artifício, que explodiam e pintavam o ambiente de Fantasia com um festival de cores vibrantes. Bridge, emocionada, lançou um sorriso amável diante da cena.

          Regina se sentiu um tanto aturdida quando seu rosto encontrou com o solo. O chão encharcado de lama, evidenciava que houve uma recente chuva naquela clareira, por mais que naquele momento não chovesse mais. Erguendo-se lentamente, ela notou que o vestido branco com o qual havia adentrado o livro estava de volta em seu corpo. Notou também a presença de páginas de livros sendo levadas pelo vento, para o lado oposto do qual a jovem agora corria.

          A motivação inicial de Regina para adentrar aquela floresta foi exatamente o estado sujo de seu vestido. Agora, com seu vestido bordado ainda mais sujo e imundo, ela não se importava mais nem um pouco, enquanto corria com a maior velocidade que conseguia.

          Mesmo livre das amarras literárias controladas por um autor, Regina sentia-se guiada por uma intuição interior, como se soubesse instintivamente o caminho de volta. Enquanto seus olhos se voltavam para o céu, ela testemunhava o espetáculo dos pássaros migratórios alçando voo na mesma direção que ela, como se fossem seus companheiros de jornada. Acima deles, um arco-íris colorido pintava o horizonte, reforçando sua sensação de que estava no caminho certo.

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          Em um outro canto daquela mesma floresta, emergindo dos confins de um livro imaginário, um ex-pirata adentrou o mundo real com um brilho de encanto nos olhos. Era a primeira vez que Edward Lemoy contemplava um mundo tão diferente do seu, e a sensação o envolvia como uma fascinante descoberta. Seu olhar se dirigia à pulseira prateada em seu pulso, a apertando com determinação. Um sorriso confiante se formava em seus lábios enquanto aquele rapaz sem camisa começava a caminhar pela floresta, com a certeza de que encontraria Regina Monroe, não importasse quanto tempo levasse.

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          Um sorriso contagiante iluminou o rosto da nossa protagonista quando seus olhos encontraram finalmente o sítio do seu tio. Repleta de entusiasmo, ela pulou a cerca da entrada com destreza e correu pelo caminho que levava à casa. Enquanto adentrava o corredor espaçoso da magnífica casa de campo, escutou vozes ecoando ao longe, despertando sua curiosidade.

— Senhor José Monroe, recebemos uma denúncia informando que você é responsável pelo sequestro de unicórnios, pela morte da Feiticeira, do cachorro Dog, do vampiro Drake... A lista é extensa, hein — Olhando pelo lado de fora do escritório de seu pai, Regina avistou dois policiais de farda azul diante do seu progenitor dentro da sala. Ela não estava entendendo nada do que estava ocorrendo.

          A fim de impedir que a injustiça fosse feita, Regina terminou de empurrar a porta de correr do escritório com força para o lado e adentrou o local. Seu pai, desviando o olhar dos policiais e do livro sobre a mesa, lhe dirigiu o olhar sob seus óculos de armação quadrada.

— Senhores, não é nada disso. Meu pai é inocente. Ele só era o Autor do livro... Espera! — Conforme os policiais se viravam para ela, Regina percebeu que não eram homens da justiça na realidade. Os homens fantasiados de policiais eram na verdade seu tio e seu primo, sendo esse último dois anos mais novo do que ela. Ambos rindo em deboche de Regina por ela ter caído naquela pegadinha.

          Enquanto Regina bufafa de raiva, seu tio e seu primo se encaminhavam para a saída do escritório, deixando-a a sós com seu pai. Antes de sair, porém, seu primo se virou para ela e proferiu as seguintes palavras:

— Você está fedendo — Após falar isso, ele fechou a porta de correr saindo do local.

          Com um longo suspiro, Regina caminhou em direção ao lado de seu pai. O homem que a enviara para Fantasia voltou a se assentar em uma cadeira, posicionando-se diante da mesa, com o livro de Fantasia aberto diante dele.

— Eles sabem?

— Sobre o livro? — Seu pai devolveu a pergunta. — Não. Apenas pedi para eles falarem aquilo para te darem um susto. Graças aos céus o livro veio parar no lado certo de nossa família. Imagina se fosse herdado pelo abestalhado do meu irmão.

          Regina estreitou os olhos ao olhar para seu pai, questionando-se se o livro mágico estava realmente em boas mãos.

— Veja só, esse é o motivo pelo qual Cello estava tão bravo hoje cedo — Ele apontou para uma página do livro, do qual Regina se inclinou para ler.

          Enquanto lia a peripécia que seu pai pregou no Fauno com a ajuda do Saci, Regina começou a rir. O Autor havia feito o Saci trocar o saco de dois milhões de moedas de ouro por um pesado saco de dois milhões de moedas de chocolate, que não valiam absolutamente nada.

— Vejo que está sem a pulseira da sua mãe — Seu pai disse com um sorriso bondoso no rosto, após ela se erguer.

— Ah, quanto a isso — Regina levou a mão ao próprio pulso vazio —, espero que não tenha problema. Eu a derrubei de propósito no pé do Lemoy. Ele havia dado todo o seu tesouro para mim, achei que no mínimo a pulseira poderia ter algum valor para ele construir um novo navio. Espero que ele tenha a visto.

          Seu pai mantinha um sorriso no rosto, tendo conhecimento de que Lemoy havia deixado as páginas do livro justamente para devolver o objeto à sua filha. No entanto, Regina ainda não estava ciente disso.

— Você se apaixonou por ele então, não é? — Perguntou provocativo.

— Pai!

— Qual o problema de se abrir com seu pai? Sou muito mente aberta — Conforme sua filha ficava envergonhada, o Autor girava lentamente a cadeira de rodinhas para os lados. — Se não quiser se abrir comigo como seu pai, pode desabafar como se eu fosse o Larry — Ambos, pai e filha, riram da fala dele.

          O Autor se ergueu da cadeira, colocando-se diante de sua filha. Embora estivesse sempre perto dela nas páginas do livro, tê-la de volta no mundo real era algo incomparavelmente melhor para ele.

          Num gesto surpreendente, Regina abraçou-o com força, liberando todo o afeto que havia estado congelado durante os quase sete anos de distância emocional entre eles. O carinho parecia encontrar sua realização naquele momento, enquanto um sorriso iluminava o rosto do pai, grato e emocionado pela demonstração de afeto.

— Acho que ainda sobrou um pouco de churrasco lá fora. Mas se quiser ir ler primeiro, não tem problema — Ele falou após se soltarem, enquanto caminhava com Regina em direção a porta.

— Posso ler mais tarde. Hoje quero passar um tempo juntinha do meu pai — Regina Monroe sorriu para ele, no qual o gesto foi retribuído.

— Desculpa, Regininha, mas toda suja e fedendo desse jeito, vai ser difícil ficar perto de você. Melhor ir ler mesmo — Mais uma vez ele provocou, soltando uma gargalhada enquanto abria a porta de correr.

— Pai! — A garota deu um soco em seu ombro enraivecida.

          Subitamente, quando estavam prestes a sair do escritório, o primo de Regina retornou correndo em suas direções, com os olhos arregalados de medo.

— O que foi, melequento? — Regina perguntou fazendo pouco caso para o jovem de vestes de policial.

— Tem um cara muito estranho lá na entrada. Ele está sem camisa, e está falando que é um pirata. O cara é biruta! Disse que está te procurando, Regina! — O primo dela falou em euforia, achando que não acreditariam nele.

          Regina fitou seu pai com uma expressão de perplexidade ao compreender sobre quem seu primo se referia. O sorriso no rosto do Autor deixava claro que ele já estava ciente de sua chegada, deixando evidente que não era mais uma pegadinha sua. Sem hesitar, Regina derrubou seu primo no corredor por estar obstruindo seu caminho e fez o que sabia fazer de melhor: seguiu correndo em direção à entrada do sítio.

          O Autor manteve o sorriso no rosto enquanto suas mãos estavam repousando em seus bolsos da calça caqui, mas sua expressão começou a desvanecer à medida que refletia sobre as palavras de seu sobrinho.

— Espera, você disse que ele está sem camisa?! — O homem perguntou, no qual seu sobrinho do chão assentia com a cabeça. Pouco a pouco, o sorriso foi se desfazendo, revelando uma preocupação latente em seu rosto. — Regina Monroe da Silva, volte já aqui!! — Ele correu em seu encalço, mas a ex-corredora de maratona já estava bem longe.

          No escritório vazio, um livro repousava aberto sobre a mesa. Sua última página estava virada, ainda fresca com a tinta mágica que havia sido recém escrita por uma pena:

          "E então, no final, a princesa gentil se tornou sua inimiga, para depois voltar a ser uma aliada. O Fauno aliado da justiça se tornou seu arqui-inimigo. Seu maior arqui-inimigo, e também seu irmão mais novo de consideração, era na verdade seu pai. A bruxa maquiavélica se tornou uma irmã mais velha e melhor amiga. E o seu melhor amigo, também conhecido como o maior bandido do livro, se tornou sua primeira paixão. É, faz parte de Fantasia" ².

Fim...

...Ou será que não?

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¹ Manda Esse Treco de Volta: Frase do filme Monstros S.A.

² Frase final: Referência a frase final do filme Sky High - Super Escola de Heróis. 

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