16. Quando em Roma, Faça Como os Romanos

          O amplo quarto em que se encontravam era tão grande que ocupava toda a ala daquela torre. Uma cúpula com teto de vidro em formato de mosaico dava acesso a luminosidade lunar daquele fim de noite. O aposento de Drake possuía um mortuário ao fundo do cômodo e uma cadeira em formato de lápide, na qual o vampiro estava sentado de pernas cruzadas. Cortinas roxas cobriam as janelas, enquanto velas aromatizadas impregnavam e iluminavam o ambiente.

          Mais uma vez Regina e Edward Lemoy estavam algemados, com os vampiros que os prendiam segurando-os firmemente ao ponto de deixarem marcas em seus pulsos. Moria e Katherine estavam acorrentados e de joelhos diante do soberano do reino.

          Eles não eram os únicos no grande cômodo. Ao lado de Regina estavam seus companheiros que foram capturados: Fora colocado em Larry uma algema feita de lodo para que mesmo se tivesse coragem de fugir tal substância o impediria de se transmutar em um rato, enquanto um gato passava entre suas pernas o amedrontando. Ossudo também se tremia enquanto o pitbull acorrentado ao canto da sala latia ferozmente para o Puro-Osso¹. Bridge, por sua vez, estava sendo segurada pela mulher-Salamandra, cada vez mais sentindo suas energias se esvaírem. Glória estava dentro do pote de acrílico, no qual foi aprisionada, em cima de uma prateleira da sala, sem que nada pudesse fazer para escapar.

          Drake convocou todos os vampiros de seu reino para presenciarem o fim de uma era. O momento no qual Nosferatu Moria morreria perante seus súditos. O último remanescente vivo de Drácula olhava furioso para Drake, que mantinha em sua posse um pequeno frasco menor do que seu dedo mindinho. Sentado em sua cadeira de couro o vampiro de cabelo esbranquiçado abriu o frasco. Com esse simples ato todos os vampiros no ambiente prenderam suas respirações.

          Só o fato de estarem no mesmo local que aquele líquido os faziam se arrepiarem. Trazida de um mosteiro do centro da ilha de Comodo, aquela água benta dentro do frasco, ao se ter contato com a pele de um vampiro, os derreteria como ácido com uma simples gota. Mesmo afastados do seu líder todos os vampiros se tremiam enquanto seu chefe usava um conta gotas dentro do frasco. Drake não parecia temer aquilo quanto os seus semelhantes.

— Suas últimas palavras? — Apesar de aquele ser o momento da sentença final tanto de Moria quanto de Katherine, Drake só deu a oportunidade do vampiro de cabelo lilás responder.

— V-Vo... V-V-Você... Você é um bundão! — Entre tremedeiras e um pânico repentino Moria soltou a frase do fundo do seu peito, enquanto todo seu corpo tremia ao ponto que Katherine acreditou até mesmo que seu parceiro estaria tendo convulsões naquele momento.

          Como já era de se imaginar uma enxurrada de gargalhadas oriundas de todos os cantos do quarto se espelharam por aquela torre. Não foi diferente de Drake, que para conter sua crise de risada e enxugar as lágrimas nos seus olhos de tanto rir teve que guardar o conta gotas de volta no frasco momentaneamente.

— Eu sou um bundão, Moria? Isso vindo do vampiro que manchou a reputação do lendário Drácula com essas ideias absurdas de veganismo, no qual não poderíamos tomar sangue humano, o mesmo que fugiu de seu reino quando seu povo não o quis mais como líder, ainda aquele que está perante a mim se cagando de medo de morrer junto a sua amada. Isso tudo vindo de você é no mínimo uma piada de muito mal gosto. Como diria 'Julinho' César: "Os covardes morrem bem antes de sua verdadeira morte", e você para mim já se encontra morto há muito tempo.

— Você me escutou! Vocês todos! — Moria virou a cabeça para trás, olhando nos olhos dos seus ex-súditos, enquanto ficava em pé mesmo acorrentado nos tornozelos e pulsos. — Podem achar o que quiserem de mim, mas eu jamais usaria golpes sujos como usar alho, água benta ou qualquer outra artimanha em uma batalha. Para ele é fácil falar, pois ele não me capturou sozinho. Com centenas de vocês contra uma pequena parcela de nós chega a ser uma batalha bem injusta — Moria tornou a se virar para Drake, que fechou a cara em uma expressão de poucos amigos. — Uma luta. Somente eu e você. Aqui e agora. Aquele que vencer ficará com o reino para si.

          Uma nova onda de risadas, vindas do fundo do peito das dezenas de vampiros, ameaçou ressurgir. Mas Drake, ainda com o semblante de desprezo no rosto, levantou sua mão e a fechou no ar. Esse simples ato fez com que todos os vampiros que cogitaram rir engolissem suas risadas. Drake pousou o frasco de água benta na mesinha ao lado de sua cadeira, levantando-se em seguida dela enquanto ajeitava as ataduras de sua vestimenta Drake assentiu com a cabeça. Ele havia aceitado o desafio.

          Katherine, que ainda permanecia ajoelhada, olhou em desespero para cima em direção a Moria. Tinha pleno conhecimento de que o seu estimado não teria a menor chance contra Drake. Mas, para sua surpresa, os olhos de Moria estavam totalmente brancos. Ela compreendeu de imediato. Naquele momento, Moria não temia mais nada. Há poucos minutos ele estava apavorado, todavia nesse instante parecia que tudo mudou em sua mente. Aquela frase que ele lhe disse há pouco de que "havia horas que era necessário encarar os nossos medos", havia finalmente feito sentido em sua cabeça; a hora de Moria enfrentar seus receios havia chegado. E para Katherine nada mais poderia fazer do que confiar que Moria escaparia com vida dessa batalha. Com essa simples mudança da cor de seus olhos a vampira de laço vermelho entendeu todos os seus sentimentos mais profundos, de forma que mesmo na situação catastrófica em que se encontravam ela sorriu.

          Os vampiros e os demais prisioneiros fizeram uma roda em torno do amplo quarto. Ao seu centro estavam apenas Drake e Moria, do qual suas correntes haviam sido retiradas de si. O verdadeiro herdeiro do trono contava em sua cabeça ovelhinhas, imaginando-as saltar sobre uma cerca, a fim de não refletir que estava em uma batalha por sua vida.

          Antes de começarem o duelo, todavia, uma mulher vampira saiu do meio da multidão e agarrou-se no colarinho da roupa de Drake, em sinal de súplica.

— Meu amo, por favor, eu e meu marido estamos a dias sem beber uma gota sequer de sangue. Nos conceda a permissão de tomarmos o sangue desses humanos que o senhor capturou, por tudo o que é mais sagrado.

          Drake olhou ao redor de sobrancelhas erguidas. Todos os vampiros aguardavam sua resposta, pois se ele assim permitisse o casal de vampiros os demais se sentiriam na liberdade de fazerem o mesmo. Foi então que viu nessa uma oportunidade de usar do útil ao agradável para um plano do qual ele elaborava há bem mais tempo do que a invasão recente de seu castelo.

— Você e seu marido podem tomar o sangue dos prisioneiros. Aos demais — Drake se virou aos outros vampiros, aumentando o tom de voz. — Peço que aguardem. Após a morte de Moria preparei um imenso banquete para celebrarmos!

          Vários gritos de animação ecoaram por aquela torre. A benevolência repentina de Drake levantou suspeitas por parte de Katherine; afinal o líder daquele reino não costumava ter esse tipo de empatia.

          O vampiro com olhar cansado e desnutrido que recebeu a permissão de seu amo se aproximou por trás de Lemoy, fincando seus caninos próximo de seu ombro e rasgando parte da camiseta abaixo da jaqueta do pirata. A vampira, por sua vez, se aproximou de Regina, prestes a tomar o sangue da garota.

— D-Deixem ela em paz!! — Lemoy esbravejou, usando de sua própria boca para rasgar a parte da camiseta do seu ombro livre. — Os dois, tomem o meu sangue. Mas deixem a menina!

          Notando as veias pulsando em seu pescoço, para aquela vampira Lemoy aparentava possuir bem mais sangue correndo por suas veias, soando muito mais tentador tomar seu sangue do que da adolescente. Então, ao mudar seu alvo, ela enraizou seus dentes no ombro direito de Edward, enquanto seu marido fazia o mesmo do lado oposto. O pirata se manteve aprumado enquanto perdia cada vez mais sangue e ganhava marcas de chupão em seu pescoço como consequência. Tudo o que Regina pôde fazer foi lançar um olhar de angústia ao ver o sacrifício de seu companheiro para que ela não fosse machucada em seu lugar.

          O olhar de imponência também se fazia presente nos olhos claros de Moria, fazendo com que seu rival sorrisse ao ver sua angústia. Sem nada dizer Drake correu para cima de seu oponente com os braços para trás do corpo. Moria fechou os olhos, arrancou sua manta jogando-a no chão daquela torre e então correu da mesma forma de encontro a ele.

          O soco que Drake desferiu em seu rosto antes que tivesse tempo de revidar fez com que o amigo de Regina cambaleasse até que perdesse o equilibro e caísse no chão. A comemoração dos vampiros com tal golpe fez com que ficasse ainda mais evidente para qual lado que eles estavam torcendo.

          Com dificuldade Moria se ergueu. Gotas de sangue respingavam no chão vindos de sua boca. O vampiro de cabelo lilás correu mais uma vez para cima de seu inimigo, dessa vez com o punho erguido. Ele conseguiria, Drake estava parado e não teria tempo de se defender. Mas então, quando seu punho estava prestes a acertar o rosto do líder vampiro, ele desapareceu; fazendo com que Moria golpeasse o ar.

          Uma cortina de fumaça surgiu no local onde outrora Drake estava. Em seu lugar um morcego levantou voo, utilizando suas asas constituídas de retalhos de peles estendidos sobre seus braços. Um pouco semelhante aos metamorfos, os vampiros possuíam a habilidade de se transformarem nesse curioso mamífero. Há muito tempo Moria não precisava usar essa habilidade, de forma que com o passar do tempo esqueceu-se completamente de sua outra forma.

          Batendo suas asas em meio ao ar, o morcego avançou em direção ao rosto de Moria. Tentou se transformar em morcego da mesma forma, mas sua concentração e agilidade não foram o suficiente para evitar ser mordido pelos dentes incisivos em seu rosto, causando pequenos cortes em sua face. Drake tornou a levantar voo, e em meio ao céu tornou a forma vampírica. Todavia, suas asas, dessa vez anexadas em suas costas, se mantiveram como se ainda fosse um morcego.

          Mais uma vez voou em direção ao seu rival, dessa vez com o punho erguido. Moria se concentrou mais uma vez. Tentou evitar se recordar que uma derrota nessa batalha significaria uma derrota geral na guerra. Assim que a mão fechada de Drake estava prestes a desferir um soco no vampiro medroso, uma fumaça surgiu em seu lugar. Drake ficou levemente surpreso, não imaginava que seu rival ainda seria capaz de usar essa habilidade.

          Mas Moria abriu suas asas de morcego, levantando voo de forma dificultosa. Se concentrou mais uma vez, fechando seus olhos enquanto voava mais para o alto, e ao abri-los Drake estava há poucos centímetros de distância de si. Usando sua mão, Moria agarrou o braço estendido de Drake arremessando para o alto, quase batendo no teto de vidro. Nesse momento ambos os vampiros estavam em suas formas "humanas", mas voando no céu daquela torre com suas asas.

          Todos na sala prendiam suas respirações, enquanto olhando para cima avistavam a luta dos dois vampiros mais importantes da nação. Vez ou outra um dos vampiros telespectadores soltava uma exclamação. Uma sucessão de socos e chutes se deu início. Ainda com dificuldade em se readaptar ao voo Moria levava a pior na batalha, porém vez ou outra conseguia acertar seu oponente. A respiração ofegante de Moria, e o fato dele sangrar bem mais que o seu rival, transparecia ao soberano do reino que ele estava em clara vantagem em relação ao descendente de Drácula.

          Nenhum dos vampiros sequer se lembravam da existência de Regina em meio a luta. A menina, todavia, permanecia com as mãos algemadas para trás. Olhou para os lados e o cenário não poderia ser pior: todos os seus aliados estavam em custódia dos vampiros; Katherine dava gritos de angústia cada vez que seu amado era atacado — como se ela mesma quem estivesse levando o golpe —; além disso ver aqueles dois vampiros drenarem cada vez mais o sangue de Edward Lemoy em seu lugar a fazia se sentir uma inútil. Lemoy se ofereceu para que tomassem de seu sangue ao invés do dela, e acima de tudo mantinha uma expressão de centrado. Afinal não queria preocupar a menina mais ainda. Mas para ela era claro que se perdesse mais sangue a qualquer momento o pirata poderia sofrer um choque hipovolêmico².

          Ela estava de mãos atadas, literalmente. Mas então, seu olhar pousou no mortuário em sua frente. Aquele caixão acinzentado ao fundo da sala era o local de repouso do líder vampiro. Em cima dele, escrito com letras douradas, estava o seu nome: Drake V. Axelbgs. Tinha algo naquela gravura que a deixou intrigada. Então a loira puxou pela memória sobre as informações que leu no livro biográfico dele. "É isso!", exclamou de euforia dentro de sua própria cabeça. Regina havia compreendido tudo.

— Parem agora!! Drake não é quem diz ser, vocês todos vem sendo enganados por ele!! — Regina quebrou o silêncio, que até então só era preenchido pelos socos e pontapés dos vampiros no céu. Logo após seu grito, todos ouviram novamente o som de um órgão de tubos em tom de suspense. A criança vampiro que ela havia visto há pouco na entrada do castelo, estava tocando o instrumento naquela sala.

          No momento em que ouviram o grito da garota Drake estava segurando seu inimigo pelo colarinho da vestimenta. A testa de Moria sangrava uma vez que usa cabeça foi colidida anteriormente com o pilar daquela torre. Todos os olhares se voltaram para Regina. Drake a olhou com desprezo, mas lhe deu a devida atenção sem que soltasse seu rival.

          Pensou em como faria isso. Seria deveras complicado para que ela explicasse de forma de fácil compreensão para todos. Regina refletia como faria para explicar, quando magicamente ao seu lado surgiu uma lousa com um suporte e um giz. "Maldito Autor, se quer ajudar faça algo mais útil do que me dar uma simples lousa", pensou com um sorriso torto no rosto. Mas aceitando de bom grado o utensilio que o Autor lhe ofereceu para explicar aos vampiros o que estava ocorrendo. Da mesma forma as algemas que estavam em suas mãos desapareceram instantaneamente.

          Primeiramente Regina escreveu todo o alfabeto na lousa de forma horizontal em letra de fôrma maiúscula. Após isso, a garota repetiu o ato, escrevendo novamente o alfabeto abaixo do primeiro, porém esse novo alfabeto se iniciava na letra "H", e ao chegar no final ele reiniciava no "A", finalizando no "G" por sua vez. Conectou cada uma das letras da primeira fileira com uma letra especifica da segunda através de linhas.

— Pois bem — Após escrever na lousa, e deixar letras especificas destacadas em ambos os alfabetos de cores diferentes, Regina olhou em volta dos vampiros. Todos os olhares das mais variadas cores se voltavam para a mais nova. — Creio que assim como eu, vocês todos tem conhecimento de que Drake é um grande fã de Júlio César, correto? O que talvez vocês não saibam é que o líder romano criou no passado uma técnica de criptografia para codificar mensagens confidenciais.

"O seu conceito é simples. Cada letra do alfabeto é substituída por outra, determinado por um número fixo de vezes. No exemplo utilizei uma troca de sete posições. E aí vocês devem estar se perguntando o porquê de eu ter escolhido logo o número sete. Ora, segundo o livro biográfico de Drake esse é o seu número da sorte".

          Regina sorriu animada para Lemoy. Os vampiros que drenavam seu sangue haviam cessado momentaneamente o ato para lhe darem atenção. As recentes aulas de história que teve em seu mundo, e o fato de ter a certeza de que os livros eram sim capazes de acabar com uma guerra fizeram com que a loira não se sentisse mais uma pessoa sem utilidade na batalha.

— Estou dizendo tudo isso pois, como mencionei, Drake não é quem diz ser. Utilizando o parâmetro de troca sete, a letra "A" do alfabeto normal passa a ser o "H", o "B" por sua vez se torna o "I", e assim por diante. Como o segundo alfabeto começa do "H", ao chegar em "Z" ele volta ao "A" até preencher todas as letras de ambos os alfabetos com seu equivalente.

"E é aí que chegamos em Drake. O sobrenome inusitado Axelbgz nada mais é do que uma criptografia utilizando cifra de César de sete casas. Ao traduzirmos esse nome, chegaremos em Helsing. E o "V" entre seu primeiro nome e último nome não se trata do número cinco do algarismo romano. Caso fosse não haveria um ponto abreviativo após ele conforme a inscrição em sua lápide. Ele não é o quinto da geração da sua família, pois não existe família alguma com esse sobrenome. O "V." entre o seu primeiro e último nome é uma abreviação de Van. Em resumo, Drake V. Axelbgz é na verdade Drake Van Helsing, descendente do lendário caçador de vampiros!".

          Exclamações de surpresa vieram de todas as partes da sala; até mesmo Moria se surpreendeu com a revelação. Então ambos estavam de fato destinados a serem inimigos mortais: o descendente do maior caçador de vampiros Abraham Van Helsing contra o descendente do maior vampiro de todos os tempos Nosferatu Drácula.

— Não sejam tolos, ela claramente está querendo caluniar nosso mestre — Um dos vampiros tomou frente, e tantos outros de sua espécie o apoiaram.

          Para a menina era inconcebível a forma como os vampiros se mostravam negacionistas com um fato tão claro e comprovado para eles. O descendente de Drake havia matado Drácula, o maior vampiro que já existiu. O vampiro mais respeitado por toda a comunidade. Além desse mesmo descendente os tratar feito lixo com sua tirania. Mas eles se recusavam a crer no que ouviam. Olharam para o alto com esperanças de que Drake desmentisse tudo. Mas a decepção dos vampiros não poderia ser maior, pois a expressão do vampiro de cabelo esbranquiçado entregava a verdade.

— Era verão de 1492 quando meu avô retornou para Transilvânia — Lá de cima Drake relatava os acontecimentos, batendo suas asas para se manter no ar. — Vim acompanhado dele. Nossa missão? Exterminarmos todos os demais vampiros que sobreviveram após a queda de Drácula. Ele finalmente se sentia pronto para matar todos os vampiros, dezoito anos após ter feito o mesmo com Drácula.

"Mas fomos alvejados em uma emboscada. Vendo que não sairíamos com vida meu avô Abraham teve tempo de me esconder em um beco escuro e me dopando para que eu não fosse atrás dele. E então, foi morto por dezenas de vampiros sedentos por vingança. Não o atacaram por ser um humano cheio de sangue em seu território. Não ele. O mataram ferozmente pelo fato de no passado ele ter feito o mesmo com Drácula.

"Mas o pior para mim ainda estava por vir. Fui encontrado por um grupo de vampiros que perambulavam a região horas mais tarde. Não faziam ideia de quem eu era, mas um humano ali bem em frente de seus olhos era o banquete perfeito para eles. E então, sem poder me defender, meu sangue foi drenado; e após isso fui abandonado a própria sorte. Não tardou mais do que algumas horas naquela noite densa para que eu me desse conta de que havia sido transformado. Uma probabilidade de um em um milhão de um humano se transformar em vampiro após ser atacado, justamente em uma noite de lua cheia. E de todas as pessoas no mundo, logo eu, aquele quem mais teria motivos para odiar essa espécie me tornei um deles.

"Então, mesmo sendo um vampiro, prometi a mim mesmo vingança pelo meu avô. Não ousei passar a linhagem da minha família adiante, não poderia trazer mais vampiros para esse mundo. Em contrapartida, como ninguém aqui me conhecia inventei que fazia parte de uma família chamada Axelbgz. Me infiltrei entre vocês, até que tivesse a oportunidade de matar a todos. Invés de matar os vampiros de fora para dentro os mataria de dentro para fora".

          Moria, que finalmente havia se desvinculado das mãos de seu rival, se deu conta finalmente de que esse era o motivo que Drake sempre implicou com ele, mesmo quando ainda moravam juntos na mesma cidade. O odiava mais do que todos os outros pois o avô de Drake foi morto justamente por causa de vingança em relação a morte de seu descendente.

— Nisso buscou o momento certo para dar um golpe — Regina cruzou os braços, encarando de cabeça erguida o vampiro. — Quando Moria puxou o próprio tapete falando sobre veganismo, você incentivou os demais vampiros a irem contra a ideia, fazendo uma rebelião na cidade e eventualmente sendo eleito como líder deles. Um verdadeiro alpinista social.

"O que mais estranhei quando cheguei aqui foi saber por Katherine que alguns vampiros morreram de intoxicação alimentar recentemente. Seres imortais morrendo por algo tão banal? Bobagem. Você envenenou aos poucos as comidas dos seus servos. Todas as refeições passavam por você antes de serem repartidas. De forma que você poderia ir as envenenando. Bem aos poucos, pois se colocasse em grande escala de uma vez suspeitas seriam levantadas ao seu respeito.

"Por fim o fato de você conseguir manipular alho, água benta e outras propriedades que para qualquer outro vampiro seria impossível... Abraham Van Helsing era um estudioso de ocultismo e antropologia. Se caso ele houvesse colocado informações de pesquisa em algum livro dele e você tenha o herdado, saberia como utilizar esses objetos sem se prejudicar, mesmo que agora seja um vampiro".

          Aproveitando-se da distração de todos, Bridge conseguiu cambalear até encostar suas costas na parede daquela torre. Até mesmo a mulher-Salamandra que segurava a si outrora estava tão dispersa entretida com aquelas revelações que mal se deu conta da bruxa que havia surrupiado para trás. Ao olhar para o lado notou que Larry havia feito o mesmo. Para sua surpresa o menino encarava toda a situação com um sorriso no rosto, sem se importar com o gato que ronronava entre suas pernas. Ter tido contato direto com aquela mulher de fogo fez com que Bridge ficasse muito enfraquecida.

          Antes de ser encaminhada para aquela ala alguns vampiros confiscaram seus pertences, incluindo sua varinha mágica. Entretanto, tinha consciência de que o objeto estava naquele castelo, dentro do raio em que suas palavras mágicas pudessem conjurar uma magia. E foi exatamente o que fez ao sibilar algumas palavras.

          Sua vassoura foi convocada, voando diretamente do sopé do castelo. Após dar a volta no castelo a vassoura conjurada pela bruxa parou bem em cima da parte externa daquela torre. Os estilhaços de vidro da cúpula despertaram a atenção dos vampiros quando a vassoura adentrou o cômodo. Porém, com suas habilidades ainda enfraquecidas a vassoura retornou ao céu da mesma forma em que adentrou. Se concentrando mais ainda Bridge fez com que a vassoura tornasse a entrar naquela torre, dessa vez de forma lateral quebrando mais ainda a cúpula, de forma que coincidentemente o símbolo de uma cruzeta ficasse na vidraça do teto na parte em que o vidro foi partido.

          Rapidamente a vassoura desviou dos vampiros ao redor, chegando até a mulher Salamandra. A vassoura se virou, acertando o rosto da metamorfa com sua parte de palha. Depois golpeando novamente sua outra face, de forma que a mulher incandescente foi cada vez mais recuando para trás, usando suas mãos em vão para tentar se defender.

          Estando perdendo a batalha para uma simples vassoura, tomou a forma de uma pequena salamandra e se jogou no bueiro daquela torre para escapar. Bridge suspirou de alívio quando sua rival fugiu da batalha. A bruxa se apoiou em sua vassoura mágica recobrando aos poucos os seus movimentos.

          A atenção dos vampiros retornou ao alto quando uma luminosidade natural reincidiu no local vindo da vidraça partida pela vassoura. Aquele buraco em forma de cruz dava acesso a luz do sol que acabara de nascer. Dúvidas pairavam na cabeça de todos os vampiros, afinal como poderia o sol chegar até aquele castelo uma vez que as nuvens e as cadeias de montanhas impediam que qualquer resquício de sua luz chegasse na cidade independentemente do horário? Regina, por outro lado, sabia muito bem que isso só era possível graças ao Autor que manipulava o meio como bem entendia.

          Todos os vampiros recuaram para trás, a fim de evitarem que qualquer partícula dos raios ultravioletas do sol os atingisse, afinal se tornariam pó caso isso ocorresse. Drake, por sua vez, estava furioso. Todo o seu plano elaborado por séculos foi desmascarado. Ele culpava apenas uma pessoa por isso. Com um olhar alucinado e enfurecido Drake agarrou a vestimenta de seu rival e em meio ao ar o empurrou em direção a luz solar que adentrava aquela torre.

          Moria se agarrou no braço que o empurrava, tentando em vão resistir. Mas já estava sem forças devido os ferimentos que adquiriu na batalha. Olhou para trás e pôde notar que suas costas estavam há apenas alguns metros de distância de serem atingidas pelos raios do sol. Soltou sua mão do braço de Drake, se dando por vencido. Sua audição por um breve momento sumiu quase de forma totalitária. Apenas uma voz se fez presente. Apenas conseguiu escutar a voz de Katherine clamando por seu nome em desespero. De olhos fechados o vampiro se desculpou em sua mente para sua amada...

          Moria sentiu seu corpo parar de ser empurrado para frente. Abriu os olhos subitamente e notou que suas costas estavam sendo empurradas para o lado oposto da luz do sol por várias outras mãos. Cada vez mais vários e vários vampiros abriam suas asas e voavam no céu impedindo que Moria fosse derrotado por Drake. Outros vampiros chegaram por trás de Drake, o empurrando em direção a luz do sol em seu lugar.

— Me soltem!! O que estão fazendo?! Eu sou o líder de vocês, seus canalhas! — Drake gritava em desespero, enquanto seus súditos claramente mudavam de lado após as recentes revelações. O neto do caçador de vampiros tentava resistir o máximo que podia, mas a quantidade imensa de mãos o empurrando no céu tornavam seu esforço quase que inútil. — Irá deixar que eles me derrotem em seu lugar, Moria?! Você disse que não usa truque sujos em uma batalha!!

— Está com medo, Drake? Nesse caso não há golpe sujo, pois você já está morto. Afinal os covardes morrem antes mesmo de sua morte — Ainda no ar, apoiado por alguns vampiros que perceberam sua fraqueza, Moria decretou a sentença de seu rival.

          Drake Van Helsing estava há apenas alguns metros de ter seu corpo chocado com a luz solar, quando todos os vampiros soltaram suas mãos de seu corpo e se afastaram para o lado. Um único par de asas foi escutado por todos voando em direção ao céu. A criança vampiro que Regina viu há pouco tocando o órgão de tubos segurava nesse momento um enorme martelo de mais de uma tonelada apoiado sobre suas pequenas costas.

— "Até tu, Brutus filho meu?" — Drake olhou de forma desoladora a criança se aproximando com o martelo levantado.

— Que mané filho, tu nem é meu pai — A criança disse, sem entender a referência da citação.

          Drake foi golpeado com força pelo martelo sendo arremessado para trás. Seu corpo foi atingido pela luz solar que invadia o cômodo, transformando-se em pó. Cinzas pretas voaram pela torre no momento em que gritos de comemoração dos vampiros eclodiam pelo ambiente.

          Moria sorriu com a vitória, se soltando involuntariamente dos vampiros que o apoiavam e caindo do céu ao ter suas asas desfeitas. A batalha o fez perder toda sua força, e se não fosse por Katherine que correu para agarrá-lo antes que caísse no chão, os seus ferimentos seriam ainda mais graves. Ela o deitou no chão, apoiando a cabeça dele em seu colo ao se ajoelhar diante de seu amado. Ambos sorriram um para o outro, enquanto os demais vampiros comemoravam a vitória afastados da luz do sol que pulverizou Drake.

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¹ Puro-Osso: Referência ao personagem fictício do desenho animado As Terríveis Aventuras de Billy e Mandy, onde o personagem é a representação da morte, também denominado de Ceifador Sinistro.

² Choque hipovolêmico: Situação provocada devido à grande perda de sangue, fazendo com que o coração deixe de bombear sangue para o corpo, no qual a vida do indivíduo entra em risco. 

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