10. Banshee: Um Grito Para a Morte

          Localizada no epicentro de uma cadeia de cavernas, a cidade litorânea de Comodo¹ possuía uma enorme parede rochosa que evitava a chegada dos raios solares naquela ilha, sendo assim agraciada pelo apelido de cidade da noite eterna. Todos os dragões que haviam naquele mundo nasciam naquela ilha. Não é à toa o seu nome, que foi batizada quando um explorador fantasianense chegou na ilha pela primeira vez alguns séculos atrás, sendo que o primeiro animal exótico que encontrou ali foi justamente uma espécie de lagarto conhecido como dragão-de-komodo.

          Regina caminhava encantada com a beleza daquela ilha noturna ao lado do pirata sedutor. A terra natal do dragão Vilgax, além de ser palco da noite, também era um paraíso para amantes de festas. Os festivais duravam 365 dias no ano. Não era diferente naquele dia; com várias lamparinas expostas pela cidade, diversas tendas montadas — Algumas à beira mar, outras com uma certa distância do oceano —, e muitas pessoas transitando pela cidade litorânea. Algumas odaliscas dançavam com seus trajes árabes enquanto um bardo tocava música com seu bandolim.

— Olá Regina — Uma voz fina, como se fosse oriunda de uma criança, veio de trás da garota.

          Abruptamente se virou em direção à pessoa que mencionou seu nome. Um garoto um pouco menor do que ela estava encarando-a. Se fosse defini-lo em uma cor, branco certamente seria a escolha. Utilizando uma bata clara que ia até a altura dos joelhos; com o cabelo platinado em um topete e a pele mais branca do que papel, o menino de olhos castanhos que encarava Regina tinha apenas como diferencial no quesito cor suas botas de camurça da cor vinho.

— Q-Quem é você? Como sabe meu nome?! — Indagou surpresa, dando dois passos para trás, temendo ser mais uma manobra do Autor.

— Larry! Que bom que chegou a salvo — Lemoy passou seu braço sobre o ombro da criança, dando uma breve gargalhada de alegria. Regina arregalou os olhos.

— Não vão me dizer que estou maluca, vão? Larry era um rato da última vez que o vi.

          Lemoy deu uma gargalhada, enquanto permanecia com o seu braço sobre o ombro do menino. A criança mantinha um sorriso em seu rosto oval.

— Essa é a forma verdadeira de Larry. Ele é um metamorfo, de forma que pode se transformar em rato quando assim desejar. Mas não me admira que esteja surpresa, fiquei igualmente em choque quando o encontrei pela primeira vez, há alguns dias, em alto mar pedindo por socorro após o seu barco sofrer um naufrágio — O pirata explicou, enfim soltando Larry.

          A menina deu um sorriso de canto. Ver um pirata ter um rato falante como animal de estimação ao invés de um papagaio já era incomum o suficiente. Agora o fato desse mesmo rato poder se tornar humano, tornava tudo ainda mais estranho para si. Apenas olhando poderia dizer que tinham uma idade próxima, talvez ele fosse uns dois ou três anos mais novo. Se sentiu mal por, outrora, tê-lo chamado de rato, por mais que de certa forma ele ainda fosse um.

— Falando em naufrágio, capitão o seu navio... — Antes que Larry pudesse concluir a frase, Lemoy balançou a cabeça em sinal que já estava ciente de que seu navio pirata foi destruído pelo Kraken.

— Então acho que nos separaremos aqui, pequena dama — Lemoy inclinou seu corpo em sinal de despedida, levando o próprio braço ao tronco.

          A princípio Lemoy era quem Regina mais temia no mundo de Fantasia. Porém, ao conhecê-lo melhor, notou que ninguém era totalmente mau. Toda moeda tinha duas faces. Um pirata que cuidou de uma criança encontrada num naufrágio, e o mesmo que a ajudou a chegar ali a salvo, não tinha como ser alguém com más intenções...

          Nesse instante, algumas pessoas passaram em volta do trio, rumo as barracas do festival. Enquanto se endireitava, Lemoy acabou esbarrando no ombro de um homem de meia idade. Se virou para se desculpar, mas o homem sequer lhe deu atenção. Regina semicerrou os olhos, se dando conta do que acabara de ocorrer.

— Você acabou de roubar a carteira dele, não é? — Soou mais como uma afirmação do que um questionamento. O pirata, se dando conta de que não tinha como esconder a verdade, balançou os ombros; deu uma risada abafada e mostrou discretamente uma carteira de couro abaixo da manga de seu sobretudo — Sabia! Uma vez vilão, sempre vilão — Bufou, dando as costas e caminhando em meio à multidão, se afastando de Edward e Larry. De costas para eles pôde dar um sorriso; sorriso esse que mostrava seu contentamento com a breve aventura que teve com ambos.

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          Já sozinha Regina caminhava pela areia da ilha, um pouco mais distante das barracas. No céu alguns dragões domesticados giravam em círculos entre argolas levantadas em enormes pedestais. As pessoas do festival olhavam admirados a dança dos dragões milenares, tradição que ocorria no festival anualmente todos os anos a cada 365 dias nesse mesmo horário, desde aquele dia.

          Mais no alto ainda era possível ver as duas luas minguantes. A mesma lua que se fazia presente no mundo de Regina, iluminava o céu noturno acima dela. Enquanto um pouco mais ao seu lado havia uma segunda lua bem semelhante em formato e tamanho, se diferenciando apenas por possuir uma tonalidade laranja avermelhada. Para ela, não fazia o menor sentido existir dois satélites naturais em Fantasia, sendo que a segunda lua era visível apenas da ilha de Comodo. Tinha noção de que o Autor a criou apenas para criar um cenário mais pitoresco, sem uma importância real e explicação para sua existência.

          Era perceptível também os olhares tortos para si, vindos de todos com os quais ela tentava qualquer tipo de interação. Perguntou a diversas pessoas pelo festival onde localizar a vidente da ilha, porém ninguém a respondeu. Pelo contrário lhe encaravam com olhares de desprezo e suspeitas, e davam-lhe as costas.

          Estar, anteriormente, acompanhada de um pirata — Justamente o mais temido pirata das redondezas —, fez com que todos criassem receio ao seu respeito. Ora, piratas eram o oposto de pessoas dos quais quaisquer pessoas queriam ter qualquer tipo de vínculo. Só não compraram briga com Lemoy até então pois o mesmo ainda não havia feito nada diretamente a eles. Mas a desconfiança perante a menina loira se mantinha a cada passo que dava.

          Desconfortável com todos aqueles olhares repletos de pré-conceitos vindos daquelas pessoas, Regina se enfiou no bosque mais ao norte da ilha. Sabia que não iria encontrar o que buscava ali, mas também sabia que se sentir indesejada onde estava também não lhe traria nenhum benefício. A magia que Glória havia lançado sobre si havia por fim se dissipado, de forma que aquele bosque solitário estava imerso em uma grande escuridão. A luminosidade das luas foi o que auxiliou Regina a enxergar; ainda que de forma dificultosa, o caminho em que se enfiava em meio as árvores.

          A cada passo o som da música e das pessoas conversando no festival diminuíam, até que chegou ao ponto em que apenas o barulho dos grilos e das corujas eram escutados pela menina de calça legging rosa. Quando por fim sentiu seus pés doerem de tanto caminhar sem destino decidiu se sentar em um pequeno tronco de árvore que encontrou.

          Não precisou do Autor intervir dessa vez para que o desastre ocorresse à nossa protagonista. Ao se sentar no tronco, o mesmo; que não estava enraizado na terra, tombou com seu peso. E como desgraça pouca não vem só, sem que se desse conta um desfiladeiro se encontrava bem abaixo de onde estava. Ao ter seu corpo tombado junto ao tronco, foi arremessada desfiladeiro abaixo.

          Caindo morro abaixo, sem ter controle do seu corpo, só parou de rolar quando uma cama elástica surgiu diante de si. Estando ela na vertical, amorteceu a queda e fez com que Regina recobrasse o equilíbrio em meio ao morro incline. Assim que se reergueu a cama elástica que surgiu magicamente graças ao Autor desapareceu.

          Seus joelhos e cotovelos estavam ralados, além de notar que havia um pequeno sangramento em sua perna devido a queda. Fez uma cara de dor, mas se manteve forte. Não seria uma queda que a impediria de seguir. Mas seguir para onde? Regina não fazia ideia.

          Nesse momento, atrás de uma árvore ao lado dela, uma mulher surgiu. Aquela entidade possuía uma aparência nada agradável. Pelo contrário, sua presença dava a Regina o vislumbre da morte mais forte do que do próprio Ossudo ou de Dog. Era uma idosa, com seu rosto tão enrugado e decrépito que poderia acreditar que já estivesse morta. Seus cabelos eram brancos como a neve, pele pálida, olhos vermelhos como sangue, além de trajar roupas de farrapos. Olhava em direção a Regina, mas era como se estivesse imersa em um devaneio, sem se dar conta realmente da presença da jovem diante de si.

— Hey, v-você está bem? — Regina tentou dar alguns passos em direção a mulher misteriosa. Mesmo estando temerosa, a aparência daquela mulher indicava que não estava nenhum pouco saudável.

          Antes que chegasse até ela, a senhora abriu sua boca e começou a gritar. Não um grito comum, mas sim um som extremamente triste e desolador. A melancolia da voz daquela fada das trevas reverberava por toda o bosque. Tamanha era a intensidade de sua voz que muitas árvores próximas a Regina tiveram suas raízes despregadas do solo, caindo no chão. Algo semelhante ocorreu com a garota. A onda sônica do grito a fez se ajoelhar no chão, tampando os próprios ouvidos com toda sua força.

          Era como se a voz da moribunda estivesse dentro de sua cabeça. Sentia que a qualquer momento sua cabeça poderia rachar com tamanho barulho. Mas então, o som parou. O grito se silenciou, como se nunca tivesse ocorrido. Regina abriu os olhos e olhou para a frente. Não havia mais ninguém ali.

          Ainda sentia tontura, mas mesmo assim se reergueu do chão. O sumiço da senhora não a tranquilizou. Pois, naquele momento, já estava ciente que se tratava de um Banshee. Sendo ela um ser da mitologia Celta, percursora da morte. Seu grito sinalizava que a morte estava próxima. Alguém morreria em breve. Regina sentiu seu peito disparar, será que ela finalmente iria perecer?

          Antes que pudesse refletir sobre os recentes acontecimentos, escutou um som de algo rolando acima do desfiladeiro. Uma bola de pedra imensa vinha em direção a garota azarada. Com seus seis metros de altura, certamente a esmagaria se a acertasse. Regina começou a correr o resto do caminho incline do desfiladeiro, uma vez que não tinha como se jogar para os lados — Afinal, duas paredes imensas estavam em sua extremidade.

          Se sentia como uma bolinha numa mesa de pinball. Não sabia dizer se era mais uma artimanha do Autor ou se o grito da Banshee fez com que a pedra se soltasse de onde quer que ela estivesse. De toda forma não iria se tornar mais uma estatística no livro das banshees de premonições de mortes concretizadas. Usando sua habilidade de corredora (quase) profissional deu seguimento com sua corrida para se salvar. Quase podia escutar tocando em sua cabeça a música tema de Indiana Jones.

          Avistou mais embaixo uma curva indo para uma estrada ampla, dando a possibilidade de ela sair do desfiladeiro se jogando as margens daquela estrada. Entretanto, ao olhar para trás se deu conta que não chegaria até lá embaixo antes da pedra chegar até ela. O pedregulho estava bem próximo de alcança-la. Mas, nesse momento, se deu conta que havia um cipó bem em sua frente, amarrado no topo de uma árvore imensa. Não sabia se o cipó estava amarrado firmemente, mas não tinha escolha.

          Regina agarrou na corda formada de plantas trepadeiras, balançando seu corpo com todo o impulso que conseguiu. Enquanto balançava em direção ao outro lado do desfiladeiro ela deu o grito da Pantera. Quando estava sobre o ar, acima do local que queria pousar, soltou suas mãos da corda, caindo no chão da estrada de concreto.

          A pedra permaneceu rolando, passando bem ao seu lado. Ela suspirou de alivio, se levantando. Desde que chegou em Fantasia o azar havia se tornado bem intimo dela, mas aquele dia estava de parabéns nesse quesito. Mas, como se os céus estivessem querendo a recompensar, ao olhar em volta do local em que se encontrava notou que havia uma pequena loja em frente a uma parede de rochedo. Sua porta se assemelhava a uma cavidade da entrada de uma caverna. Uma placa em pisca-pisca mostrava para a menina que havia chegado ao seu destino: "Sei que você entrará, eu previ isso".

          Apesar do marketing podre, e ainda ser um tanto quanto cética em relação a premonições, a menina adentrou a loja. Logo ao abrir a porta se deparou com uma sala pouco iluminada, possuindo apenas uma lâmpada incandescente de baixa potência. Haviam algumas estantes espalhadas pelo local, com vários frascos com líquidos das mais variadas cores. Uma mesa de centro redonda estava mais a frente dela, porém não havia uma viva alma.

— Com licença — Tentou, em vão, chamar pela vidente. Mas ninguém apareceu.

          Decidiu aguardar enquanto passeava pela loja. Não demorando muito para levar um susto ao se deparar com o seu próprio reflexo em um espelho que estava no lado direito da loja. Não havia se dado conta da presença daquele espelho até então. Para sua surpresa seu reflexo não estava exibindo a mesma calça legging rosa que ela trajava. Ao invés disso o reflexo estava com uma calça de moletom azul-marinho.

          Regina piscou os olhos, acreditando que a baixa luminosidade da loja estivesse causando esse efeito. Porém, ao abri-los, o seu reflexo havia sumido, fazendo com que ela arregalasse os olhos. Levou a palma da mão em direção ao suposto espelho mágico, mas antes que pudesse de fato tocá-lo, alguém pigarreou chamando sua atenção.

          Rapidamente se virou em direção a mulher que havia acabado de sair de uma outra sala, passando por uma porta feita de cortina artesanal. Essa mulher a olhava com pouco interesse. Tinha um aspecto de velha, mas não tanto quanto a Banshee que encontrou anteriormente. Tinha no máximo uns sessenta anos. Seus cabelos ruivos encaracolados só não se destacavam mais do que a pinta preta abaixo de sua boca carnuda.

— Oi, eu sou...

— Regina Monroe — A mulher completou, de braços cruzados — Eu sei, eu sei.

— A-Acredito que seja a vidente, certo? Aliás, me desculpe, mas como a senhora se chama?

— Lohane Vekanandre Stephany Smith Bueno de Hahaha de Raio Laser Bala de Ice Kiss. Mas pode me chamar de Carmen — A vidente se identificou, ainda de braços cruzados e sobrancelha franzida.

          "O que esse nome todo tem a ver com Carmen?", Regina se questionou.

— Então, eu estou aqui para...

— Para descobrir como fará para voltar para casa. Eu sei, eu sei — Mais uma vez Lohane Vekanandre Stephany... Quer dizer, Carmen, a interrompeu. Descruzou os braços, olhou em direção a lâmpada e em seguida olhou de volta para Regina — A escuridão irá se tornar presente em nossas vidas.

          Não mais do que três segundos depois, todas as luzes da loja se apagaram. Deixando ambas imersas em uma escuridão tão grande quanto a que Regina vivenciara há pouco no bosque.

— Impressionante, até mesmo isso a senhora conseguiu prever — Mesmo não vendo-a Regina mostrou seu contentamento. Aparentemente aquela vidente não era uma charlatã como pensara.

— Não precisa ser sensitiva para saber que quando não se paga a conta de eletricidade, após a meia noite eles cortam sua energia — Ela apontou para um relógio de parede que indicava que havia acabado de dar meia noite, mas Regina não conseguia vê-lo em meio a escuridão.

          Carmen bateu palmas rapidamente, onde várias velas expostas pela loja se acenderam sozinhas após o ato. Mais um movimento das mãos e a mesa que estava no canto da sala voou e pousou bem em frente a elas. Duas cadeiras voaram da mesma maneira, uma pousando do lado de Regina e outra do lado da vidente. Por fim, uma bola de cristal de tamanho médio veio pelo ar de uma das estantes atrás de Carmen. A esfera aterrissou encima de uma base de madeira que estava sobre a mesa.

          A vidente se sentou, indicando com a cabeça para que Regina fizesse o mesmo. Do lado oposto da mesa, um tanto quanto intrigada, a loira se sentou. Antes de começar sua premonição, a ruiva estendeu sua mão cheia de anéis sobre a mesa, como se solicitasse algo de Regina. A garota estendeu sua própria mão, apertando a mão da vidente em sinal de cumprimento.

— Muito obrigada por me ajudar a... Ai! — Regina gritou de dor quando a vidente repentinamente pegou uma régua de madeira de baixo da mesa, batendo na mão da garota sobre a sua. A menina massageou a própria mão devido a dor.

— Não quero o seu agradecimento. Quero saber quantas moedas de ouro está disposta a pagar para que eu possa prever o seu futuro.

— Moedas de ouro? Desculpe, não possuo nenhum dinheiro desse mundo.

— E essa pulseira aí? — A vidente arqueou a sobrancelha, ao notar uma pulseira de prata no pulso esquerdo da menina. Regina tratou de esconder seus pulsos por debaixo da mesa.

— Desculpa. Isso não. É uma das únicas lembranças que tenho da minha falecida mãe... — Regina ficou cabisbaixa.

          Não soube dizer se a vidente se comoveu com seu relato, ou se ela apenas estava farta da menina. Mas, Carmen voltou sua atenção a esfera de cristal, girando suas mãos um pouco acima do objeto, ignorando o fato de sua cliente ser uma pobre coitada que não teria como pagar pelos seus serviços. "Sei que me pagará por esse serviço em um futuro não tão distante", a vidente falou para si mesma dentro de sua mente, com um sorriso de canto. Dentro da esfera uma fumaça era visível por Regina, mas a menina não conseguia ver nada além do que neblina dentro da bola de cristal.

— Estou vendo... — Apesar de dizer isso, a vidente estava de olhos fechados, ainda girando suas mãos sobre a esfera — O caminho para sua casa. Sim! Três entidades serão responsáveis para guiá-la para a saída. São elas as representantes do Capeta, o herdeiro de sangue azul e o responsável por tirar todos do mundo dos vivos...

— Desculpe, mas o que isso quer dizer? — Regina questionou, sem entender bulhufas do que aquela senhora falava. A vidente abriu os olhos, parou de girar as mãos sobre a esfera e a encarou, não antes de revirar os olhos.

— Sua tola. As bruxas; o príncipe do reino de Fantasia e a Morte. Essas três ferramentas serão responsáveis para seu retorno seguro ao seu mundo.

— Mas como? O que tenho que fazer para isso?

          Carmen olhou para baixo em direção a bola de cristal. Um tanto quanto cabisbaixa. Poderia até mesmo dizer que estava de certa forma melancólica. Nesse instante, antes que pudesse fazer qualquer outro movimento, todas as luzes das velas se apagaram. Regina permaneceu sentada em silêncio, acreditando que o procedimento fizesse parte da vidência. Até que um minuto após as velas tornaram a se acender sozinhas.

          Um grito de espanto foi dado por Regina quando a sua visibilidade retornou. Sentada em sua frente Carmen estava com os olhos arregalados, com uma flecha em seu peito e o ceifador, o cachorro Dog, estava bem ao seu lado com sua foice em suas costas caninas. A Banshee previu certo, a morte pairava próximo a ela. Mas não a morte de Regina, mas sim a de Carmen.

          Se aproximou lentamente da vidente, colocando a mão em seu pulso. Mas já era tarde, Dog já havia se encarregado de levá-la para o mundo dos mortos após ser assassinada. A menina olhou em direção a porta buscando localizar quem havia atirado na vidente. Apesar do meliante não estar presente, um susto enorme tomou conta de si. Vários cidadãos da ilha de Comodo estavam parados em frente a porta da loja-caverna.

          Possivelmente foram até aquele local alertarem a vidente para tomar cuidado com Regina, uma vez que a menina suspeita estava procurando-a. Agora, com ela parada diante do cadáver era impossível acreditarem que não foi ela quem matou a sensitiva. Com olhos ferozes acusatórios às mais de dez pessoas na porta caminharam em direção a Regina com intuito de capturá-la.

          Um homem de jaqueta de couro preta adentrou o estabelecimento atrás deles, com sua espada erguida. Edward Lemoy interveio a multidão, apontando sua espada para eles. Alguns deram passos para trás, outros tentaram arrancar a espada da mão do pirata. Regina avistou um rato preto passar por debaixo das pernas de todos.

          Ao chegar no meio da loja Larry aumentou o seu tamanho para vinte metros, destruindo o teto do local.

— Venha! — Lemoy soltou sua espada no chão, agarrando o pulso de Regina e jogando-a nas costas peludas do roedor gigante.

          Com os dois humanos agarrados em suas costas, Larry começou a caminhar para fora dali, derrubando quem cruzasse o seu caminho. Correndo o máximo que suas pernas curtas conseguiam, passando pela estrada e adentrando o bosque escuro.

— Vou voltar a minha forma normal, pulem — Larry informou, após levá-los para um local seguro e afastado da multidão que caçava Regina.

          Lemoy e Regina obedeceram, pulando para a grama do bosque. Assim que estavam seguros no solo, o tamanho e a forma de Larry diminuíram. Voltando a se tornar aquele garotinho de vestes claras que Regina havia visto há pouco.

— Por que vieram até aqui?! — Regina pôde finalmente indagar.

— O capitão ficou preocupado com você.

— O que aconteceu lá dentro? — O pirata arqueou a sobrancelha para a menina.

— Não sei... Ela morreu do nada. Será que foi o Autor? Por que se não foi, como o assassino matou e fugiu sem ser visto por ninguém? Mas se foi o Autor, minha teoria de que ele não matava ninguém diretamente estava equivocada? — Era perceptível o estado de choque da garota.

          Lemoy colocou a mão sobre o ombro da menina, a fim de tranquilizá-la. Passaram alguns minutos escondidos naquele bosque, pensativos.

— Conseguiu alguma informação da vidente antes dela morrer? — Larry, em sua forma humana, quebrou o silêncio.

— Ela conseguiu prever uma parte do meu futuro. Eu meio que tenho uma noção de quem pode me ajudar a voltar para casa. Irei atrás dessas pessoas. Agradeço muito vocês dois por... — Regina parou subitamente, ao notar o sorriso de Larry. Sorriso esse que indicava que...

— Por hora iremos acompanhá-la. Já peguei uma parte do meu tesouro — Lemoy levantou um pequeno, mas pesado, saco marrom de dentro das suas vestes. Haviam inúmeras moedas de ouro no saco, que tinha um cifrão desenhado na sua parte externa — Não será bom para os meus planos ter esse Autor na minha cola estragando os meus planos. Iremos ajudá-la a detê-lo.

          Regina deu um grito de euforia, pulando no pescoço do pirata, abraçando-o. O pirata se surpreendeu com o gesto, mas logo em seguida retribuiu o abraço, com um sorriso no rosto. A loira puxou a criança ao lado dele com seu braço livre, tratando de dar um abraço triplo nos seus aliados.

          Após soltá-los; enquanto Larry se abaixava para amarrar o cadarço de sua bota, Regina se virou, batendo sua cara em frente a uma placa que não existia ali até então. O baque foi tão grande que ela caiu no chão. Quase podia ver passarinhos rodando envolta da sua cabeça, como se fosse um desenho animado. Lemoy e Larry correram para ajudá-la a se levantar.

          Em pé Regina pôde ver o que estava escrito na placa:

"Acha que será assim tão fácil?".

          Aquela provocação do Autor a deixou furiosa. Já não bastasse supostamente ter matado a vidente... Regina deu um chute com toda a sua força na placa vermelha, partindo-a em dois.

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¹ Ilha de Comodo: Ambientação baseada na ilha litorânea de mesmo nome do jogo Ragnarok Online. 

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