O melhor Natal de nossas vidas - Letícia Vieira (para Geovana Martins)

Para Geovana Martins. Você me fez, finalmente, dar uma chance a Meu Porto de Estrelas em Barcelona e tirá-lo da estante depois de meses parado lá. Ele se tornou um dos meus livros favoritos no mundo, obrigada. E eu espero não cagar a obra da Camila, amém!

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Era a tarde do dia vinte e quatro de dezembro de dois mil e vinte e um, e a primeira vez que eu estava me sentindo verdadeiramente chateada em uma véspera de natal. As luzes que iluminavam Dublin não faziam meus olhos brilharem, e a chuva, com a qual eu já havia me acostumado, estava acinzentando o meu dia mais uma vez depois de tanto tempo. Eu estava com saudades de casa, com muitas saudades de casa. Desde que nos mudamos para a Irlanda, nossos natais haviam sido devidamente planejados, e perfeitos. O primeiro, passamos com todos os nossos amigos amontoados em nosso apartamento, e à noite, tivemos a tradicional noite dos 12 pints de Dublin, onde fomos à literalmente doze pubs diferentes e bebemos em comemoração aos meses do próximo ano. No dia vinte e cinco, fizemos um almoço farto, e passamos o dia inteiro todos juntos. A lembrança ainda aquece o meu coração. No segundo Natal, Ian e eu viajamos para os Estados Unidos, para uma visita a seus pais e eu finalmente conheci Isabelle, a irmã dele, com quem eu trocava mensagens sempre que Ian e eu brigávamos. Ela era o nosso cupido americano. Esse natal, no entanto, era o mais aguardado por mim. Ian e eu finalmente iríamos viajar para o Brasil, para cear junto a minha família, no calor e numa tradição de pudim e uvas passas ruins no arroz, totalmente brasileira. Porém, nossos planos foram todos por água abaixo quando Ian não foi liberado de seu emprego. Ele trabalharia hoje, e mesmo que trocássemos as passagens, não chegaríamos a tempo do natal no Brasil, então, decidimos mais uma vez, adiar nossa visita para lá. Contar a minha mãe que não iriamos mais visitar a família no natal foi difícil. Nós duas choramos ao telefone, ela por estar com muitas saudades, e eu por estar muito sensível aquele mês.

— Veja pelo lado bom, Nic! Você e Ian vão poder passar um natal só de vocês dois. E o presente que você vai entregar vai ser mais intimista.

— Eu sei! Mas eu queria contar para todo mundo de uma vez só! Ia ser a maior festa — disse parando em frente à uma vitrine e sorrindo para um produto em específico. Entrei para comprar e ouvi o suspiro de Isabelle do outro lado da linha.

— Você entrou em outra loja, Nicole?

— Entrei — dei risada — Vi uma coisa que complementa o meu presente.

— Por favor, grave a reação do Ian! Eu preciso desligar, meu namorado está esperando.

— Tudo bem, querida. Feliz natal, caso eu não consiga te achar mais por hoje.

— Feliz natal, Nic.

Assim que desliguei o celular, e o guardei no bolso, o aparelho começou a vibrar e tocar alto, fazendo com que eu precisasse retirá-lo de lá novamente.

— Dalila? — atendi, unindo as sobrancelhas, rapidamente lendo seu nome no visor.

— Garota eu me perdi, não consigo encontrar a sua casa! Socorro!

Gargalhei levando a mão à testa e negando com a cabeça. A mesma maluca de sempre.

— Você está sozinha?

— No táxi.

— Certo, passa o endereço que eu vou te falar para o motorista.

Quando finalmente abracei Dalila senti como se estivesse em casa, depois de algum tempo viajando. Estava feliz que ela tivesse conseguido passar para uma visita mesmo que não fosse ficar para o natal, e mesmo que não fosse conseguir ver o Ian, por ter um voo marcado para dali algumas horas.

— E o Matt? — perguntei quando estávamos sentadas em uma mesinha coberta na lanchonete de uma esquina de Dublin. Dalila fez uma careta e encarou seu chocolate quente, enquanto eu aproveitava a deixa para beber o meu.

— Não sei, para falar a verdade. Desde que ele voltou para a Inglaterra, de novo, não nos falamos mais com tanta frequência. É minha amiga, eu vou morrer solteira.

— Já disse para parar de falar isso garota — eu a empurrei de leve, rindo de sua própria risada.

— Mas e você? Já contou para quem além de mim e Isabelle?

— Só Rikki e Jordi.

— Não brinca! Você não contou ao Ian? — ela gargalhou e eu neguei com a cabeça — Nicole, ele vai surtar. Você sabe como ele fica se algo não sai como ele planeja.

— Você está me deixando assustada.

— Não seja bobinha. Sabe que estou brincando, ele vai amar.

Dalila e eu conversamos até terminarmos de beber nossos chocolates quentes. E ela precisar ir embora, por que já estava ficando tarde.

— Vamos, vou te acompanhar até em casa.

— Você vai acabar perdendo seu voo e tendo que ficar para o natal.

— Eu sei que esse é o seu desejo interno sua pilantrinha!

Como ainda eram dezenove horas e Ian só sairia do trabalho às vinte, eu teria um bom tempo ainda para preparar nossa ceia de natal, e colocar seu presente na meia pendurada em nossa lareira. Sorri comigo mesma, esfregando minhas mãos nervosamente umas nas outras e busquei conforto no fato de que apenas Ian e eu estaríamos na sala quando eu entregasse seu presente.

Quando chegamos no pequeno apartamento que Ian e eu dividíamos, Dalila disse que subiria para ir ao banheiro, e assim me ajudou com as compras, que não eram muitas, no fim das contas. Não fiquei surpresa que ela estivesse tão apressada para subir, afinal, ela bebeu durante toda a viagem enquanto conversávamos. O que me surpreendeu, no entendo, foi o coro alto e entusiasmado de "feliz natal" quando passei pela soleira da porta do meu apartamento. Imediatamente eu soltei as sacolas no chão e levei as mãos a boca, chocada com a cena que meus olhos, já cheios de lágrimas, contemplavam. Algumas das pessoas que eu mais amava nessa vida, todas amontoadas na sala, perto da lareira, escondendo uma mesa linda e farta, cheia de pudim e arroz com passas! Meus pais estavam ali, com uma expressão tão alegre quanto a de meu irmão, que exclamou um "tampinha" assim que me abraçou quando corri imediatamente para eles. Eu estava com tantas saudades que não cabia no peito. Os pais de Ian também estavam ali, junto com Isabelle abraçada a seu namorado. Rikki, Jordi e os italianos sorriam de orelha a orelha enquanto eu me revezava no abraço de cada um deles, até que cheguei aos braços de Ian.

— Você — eu disse, olhando em seus olhos e sorrindo, entre minhas próprias lágrimas — Você fez tudo isso! Quando planejou isso?

— Semana passada, quando fiquei sabendo que teria que trabalhar até tarde em plena véspera de natal. Se não vamos ao natal do Brasil, o trazemos para a Irlanda.

— E ainda assim você está aqui.

— Talvez eu tenha dado o cano no meu chefe um pouco antes do expediente acabar.

— Eu te amo. Tanto, tanto, tanto! — Me inclinei dando um beijo suave em seus lábios e o ouvi murmurar que me amava de volta quando fui puxada de seus braços para mais abraços cheios de carinhos e saudades. Era Isabelle dessa vez.

— Eu não acredito que você estava nessa também!

— E eu não acredito que você não desconfiou de nada! Você acha que eu ia perder a cara do meu irmão quando você der o presente dele? Sem chances! — ela piscou para mim, dando um gole em sua bebida enquanto eu ria, talvez de nervoso.

Enquanto minha mãe engatou em uma conversa meio em inglês, meio em português, meio em espanhol com a mãe de Ian, eu as observei tentarem se comunicar. Elas mais riam e concordavam com as cabeças. Ian apareceu com minha câmera, e nós fizemos a tradicional foto da família, que fazíamos lá em casa no Brasil, e eu sempre a relatava a Ian. Nós todos jogamos mimica e só comemos à meia noite, como fazíamos no Brasil. Eu estava no meio de abraços de feliz natal dos meus pais e sogros quando a campainha tocou, e eu me virei.

— Pode deixar, eu atendo! — Dalila gritou, correndo até a porta. Estreitei os olhos vendo Matt passar pela porta, e a expressão de choque invadir o rosto da garota à sua frente. Ele sussurrou um "Olá" baixo à ela, e sorriu, virando-se para as pessoas na sala.

— Boa noite, pessoal! Desculpem o atraso, e feliz natal!

— Matt! Como você está? — eu o cumprimentei, e logo depois Ian.

— Eu gostaria de ter chegado para a sua surpresa, Nic, mas meu voo atrasou demais. Sinto muito.

— Que isso! Você está aqui e é o que importa!

Todos nós trocamos presentes após a chegada de Matt, que vinte minutos após aparecer estava se atracando aos beijos com Dalila. Eu nunca iria os entender, afinal. Ian havia planejado cada pedacinho de nosso natal, e eu estava tão feliz que comecei a chorar outra vez. Podia culpar os hormônios, certo? Ele deu risada, limpando uma de minhas lágrimas, abraçando-me.

— O que houve, Bunny? — Perguntou, todo contente. Eu girei os olhos e apontei meu dedo em direção ao seu rosto de brincadeira.

— Sabe que a minha câmera vai te caçar depois dessa, não é, modelo?

— Já me acostumei com a sua câmera — ele deu os ombros — Além disso, querer passar a vida inteira com alguém requer sacrifícios.

— Ah, então é um sacrifício ficar comigo, agora?

— O melhor da minha vida.

— Tenho um presente para você.

— Eu tenho um para você também. E eu sei que você não gosta de planejar, apesar de já ter melhorado muito essa questão, — nós dois gargalhamos — mas eu não podia esperar mais para te perguntar isso.

— Ian... — eu comecei, mas não encontrei palavras quando o amor da minha vida tirou uma caixinha de veludo vermelha de dentro do bolso e se ajoelhou diante de mim, abrindo-a e revelando um anel simples, com uma pequena pedra azul. O mais lindo que eu já havia visto.

— Eu sempre fiz planos, a minha vida inteira. E você não era um deles. Você chegou como um furacão, mandando embora todas as certezas que eu tinha, para então, se tornar a minha única certeza. Não importa onde viveremos daqui para frente, ou onde trabalharemos, contando que estejamos juntos. Casa comigo?

— SIM! — eu gritei, pulando em seus braços, e deixando que ele me rodopiasse depois de colocar o anel em meu dedo e beijar suavemente a minha mão — Mil vezes, sim.

Ian segurou minha cintura, me beijando, e eu me lembrei que também tinha algo para dar-lhe. Sorri, separando nossos lábios, e fui até a minha bolsa, retirando de dentro um envelope e entregando-lhe. Ian ergueu uma sobrancelha, e sorriu.

— O que...

— Abre! — eu dei um pulinho, ansiosa.

Ian foi direto na foto. Era pequena, e eu havia revelado em um formato polaroid, escrevendo uma legenda embaixo com a minha própria letra.

— Oi, papai — ele leu em voz alta, com os olhos lacrimejando, ainda sem esboçar uma reação aparente. A foto era do meu primeiro ultrassom, não dava para ver quase nada, mas o exame de sangue dentro do envelope, e os sapatinhos vermelhos que eu estendi haviam feito jus a legenda.

— Eu sei que não planejamos, mas eu estou imensamente feliz e...

— Eu vou ser pai? — ele perguntou, sorrindo e eu apenas assenti — EU VOU SER PAI FAMÍLIA!

Gargalhei quando Ian me rodopiou mais uma vez e então parou perguntando assustado se isso não daria mal ao bebê. Eu neguei com a cabeça, abraçando-o outra vez, e beijando-lhe.

— Aposto trinta euros que vai ser menino! — Ouvi Jordi dizer ao longe e Rikki gargalhou.

— Fechado! Usarei seus trinta euros para comprar uma boneca para a minha afilhada.

— Veremos!

— Ai o destino, como ele é lindo.

— Acho que acabei de ter um momento de clique, onde eu descubro que sou a mulher mais feliz desse mundo. Eu te amo, Ian. Feliz natal.

— Eu sempre soube que você era problema, Nicole. E eu te amei assim que deduzi isso, e continuarei amando, para sempre. Feliz natal.

Os gritos, aplausos e mais abraços vieram cortando nosso beijo. Mesmo separados pelo mar de pessoas que invadiam nossa sala, Ian e eu continuamos com nossos olhares conectados, aguardando ansiosamente o momento perfeito em que explodiríamos nos braços um do outro, em comemoração ao que com certeza seria, o melhor natal de nossas vidas.

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