Fama

Os holofotes acima do palco agora iluminavam a cena final da renomada peça no teatro Le Grand. No centro deles, duas mulheres contracenavam frente á frente. A que usava jeans e regata branca era mais jovem, tinha longos cabelos loiros e dizia com uma arma na mão:

- Chegou o dia de pagar por tudo o que me fez!

- Você está enganada! Eu não fiz nada contra você! - Respondeu com visível desespero no olhar, a outra atriz, que tinha longos cabelos ruivos, era mais velha e usava vestido azul.

- Não tente me enganar, eu soube quem você era no momento em que a vi!

- Ma-mas eu estou noiva, por favor, deixe-me realizar meu grande sonho! - Lamentou com voz chorosa.

- Agora é fácil para você me pedir isso... - De repente a loira lançou um olhar de tristeza para a atriz mais velha.

A ruiva percebeu a súbita mudança no tom da jovem atriz e logo arqueou uma das sobrancelhas com desconfiança.
- Por que está fazendo essa expressão? Ela não condiz com a cena. Puxa logo o gatilho, a cena já está se alongando demais! - Ela sussurrou.

Uma lágrima escorreu pelo rosto da que segurava a arma.
- Espero que tenha alcançado tudo aquilo que sonhou, Elizabeth... E espero que realmente tenha válido a pena. 

- Do que você está falando , garota! Conclua logo a cena, o público já está percebendo!

- Sim, farei a cena, mas não essa, reviverei uma cena melhor...

- Você está acabada, garota! Nunca mais atuará em lugar nenhum!

- Não me importa... - Só quero que escute.

- Diga de uma vez!

Lágrimas rolaram pelo rosto da jovem atriz antes que enfim ela concluísse o que queria dizer.
-  Sabe, Bernard... - A atriz de azul estremeceu ao ouvir aquele nome. -  Algumas oportunidades não costumam se repetir com frequência em nossas vidas... E por isso devem ser aproveitadas quando se apresentam a você... Se tiver que escolher entre a fama e ser mãe e esposa... Eu escolho a fama...

Ao ouvir as palavras, a mulher ruiva abriu a boca com espanto e seus olhos também se encheram de lágrimas.
Logo em seguida veio o disparo, seguido pela queda no palco.

Imediatamente a enorme platéia no Le Grand se pôs de pé e aplaudiu em êxtase a perfeita cena final da famosa peça teatral. Logo depois as cortinas se fecharam.

Duas horas antes...

"QUARENTA MINUTOS PARA OS ÚLTIMOS ACERTOS! ESTEJAM PREPARADOS!" Gritava uma mulher baixinha, com óculos fundos de garrafa e uma prancheta nos braços; enquanto atravessava o extenso corredor branco.

A jovem alta, com cabelos pretos e curtos, ao ouvir aquilo apressou os passos.
Assim que entrou em uma das portas deparou-se com uma mulher por volta dos quarenta anos, com cabelos longos e castanhos, sentada de pernas cruzadas em uma bonita cadeira vermelha; enquanto um homem magro, com cabelos curtos e platinados lhe fazia uma maquiagem.

- Perdão! - Ela disse assim que percebeu que havia entrado na sala errada. - Aqui não é o camarim 27?

Imediatamente o maquiador e a mulher na cadeira se viraram para olhar.

- Não viu a enorme estrela acima da porta antes de entrar? - perguntou a de cabelos castanhos.

- Me-me perdoe. É que cheguei um pouco atrasada para o ensaio geral e acabei confundindo 21 com 27. Mas não se preocupe, já estou de saída.

- Tente não bater a porta quando sair. - Disse a de cabelos castanhos com ar de superioridade.

- Sim sim claro. Mas de qualquer forma não poderia deixar de dizer que é um momento mágico para mim poder atuar ao lado de uma das maiores atrizes já existentes! Mas não vou mais atrapalhar.

- Espere! - disse a de cabelos castanhos interrompendo a saída da de cabelos curtos. - Então você é Gina Caroni a substituta da Fernanda?

- Sim, sou eu. E você não precisa de apresentações, afinal, quem nesse país ou até fora dele não conheceria a grande Elizabeth Medeiros? Enfim... também preciso me maquiar; será uma grande oportunidade atuar ao seu lado, ainda que seja uma única vez.

Ao ouvir aquelas palavras, Elizabeth quase sorriu.
- Quem é o seu maquiador?

- Na verdade não sei. Primeiro preciso encontrar meu camarim, no caso o 21. - Gina sorriu.

- Sandro - Elizabeth olhou para seu maquiador - Quanto falta para acabar?

- Apenas uma sombra no olho esquerdo minha rainha. Você já é quase perfeita, não tenho muito trabalho.

Elizabeth agora sorria abertamente após ouvir o elogio.
- Então trabalhe nela assim que terminar. Não está vendo como a coitadinha está precisando?

- Claro minha rainha.

- Está falando sério? Me emprestaria seu maquiador?! - Gina perguntou com um sorriso de orelha a orelha.

- Você irá atuar ao meu lado benzinho, não posso deixar que estrague as cenas com sua aparência sem graça. Deixe de falar e venha se sentar logo. - Elizabeth disse apontando para a outra cadeira ao lado da sua, não tão glamourosa como a que estava, mas ainda assim muito aconchegante.

Ainda com o enorme sorriso no rosto e claramente extasiada por aquilo estar acontecendo, Gina tirou de suas costas a mochila preta que trazia, a colocou no chão e se sentou.

- Foi realmente uma lástima o que aconteceu com a Fê não foi? - Disse Elizabeth, com um quase imperceptível sorriso no canto da boca.

- Foi sim. - Concordou Gina. - Fernanda Winx é uma ótima atriz; não ao seu nível claro, mas uma ótima atriz. Vai ser uma honra substituí-la.

- Ah sim... - Elizabeth fez uma expressão de desdém, que foi copiada pelo maquiador. - Mas quem desce uma ladeira de bicicleta e não checa os freios antes? No teatro era a mesma coisa, não lia os textos antes e vivia esquecendo as falas. Garota tonta.

- Li na matéria que ela era acostumada a pedalar por aquele trajeto todos os dias. Realmente uma pena. Espero que se recupere logo.

- Não seja tão sonsa garota. Se não fosse a queda daquela idiota no meio fio você não estaria aqui agora.

Gina corou com o comentário.
- Talvez você tenha razão, mas de qualquer forma realmente desejo melhoras.

- Sei sei... - Elizabeth torceu os lábios. - Mas me diga, como conseguiu passar pela audição da Duda megera? Haviam outras atrizes bem talentosas.

A moça sorriu.
- O texto já havia sido enviado para algumas de nós no mesmo dia em que a Fernanda sofreu o acidente, daí era só vir aqui e pôr em prática. Duda só é muito exigente, mas acho que apenas quer o melhor para a peça e para os atores. Tive muita sorte de ser aprovada. Só lamento que não pudemos ter tempo de passar nossas falas juntas.

- Caroline passou com você?

- Sim, mas...

- Não se preocupe com o resto, se você pegou suas falas, deixe que me encarrego dos detalhes, tudo dará certo. Afinal, você chegou até aqui não foi? Não deve ser totalmente inútil.

- Pronto minha rainha, terminei!

- Obrigada Sandro. Agora faça o seu melhor para tentar melhorar a aparência da nossa... Amiginha.

- Vou tentar minha rainha.

- Mas me diga Gina, há quanto tempo é atriz? - Perguntou Elizabeth.

- Estudo teatro há quatro anos, mas esse será meu primeiro grande papel.

- Começou a atuar tarde para os padrões exigidos. Você tem o que... dezenove anos?

- Vinte e dois na verdade, mas obrigada por me deixar mais jovem.

- Vinte e dois... - Elizabeth disse de forma contemplativa. - Na sua idade já era atriz profissional, mas acho que atuo desde que comecei a falar.

- Sim, sei disso. Acompanho sua carreira há muito tempo. Sou realmente sua fã!

- A maioria é. - Elizabeth respondeu com altivez. - Sabe o tamanho da responsabilidade que terá ao contracenar comigo? Quer dizer; está entrando no auge da peça mais importante dos últimos anos, no arco principal dos personagens e tendo que substituir a aquela que contracena comigo há meses, não será tarefa fácil.

- Nem me fale. - Gina cerrou os dentes. - Ao mesmo tempo que estou feliz por poder contracenar com você, também estou tensa com tamanha responsabilidade.

"VINTE MINUTOS!" Gritou a mulher com a prancheta no corredor.

- Atuar ao meu lado pode ser sua grande chance ou sua última, não vá se animando.

- Estou ciente, mas sabia dos riscos quando esperei doze horas naquela sala até chegar minha audição. - Gina sorriu.

- Bem, determinação já sabemos que você tem, esperamos que também tenha talento. Mas acho que a megera da prancheta não deixaria passar qualquer uma afinal. Que escola fez?

- A Gilliard LeBlanc.

Elizabeth fez uma pausa ao ouvir aquilo. Era como se o nome tivesse algum significado para ela.
- Hum... isso é interessante... O bode velho ainda está por lá?

- Ele não gosta que o chamem assim na sua frente. - A jovem sorriu. - Mas até onde sei está sim.

Por um breve momento Elizabeth Medeiros se desfez de seu olhar de superioridade.
- Aquele velho é o melhor teatrólogo que já existiu, e seu filho foi o melhor ator que conheci. Se o bode ainda não estiver demente, saiba que tem muito a aprender com ele.

- Ele andou meio doente, afinal, é um homem de setenta e cinco anos e o tempo cobra seu preço, mas até concluir meu curso ele ainda estava bem lúcido e ativo.

- Fico feliz por saber.

- Quantos anos estudou lá, Elizabeth?

- Não disse que sabia tudo sobre mim?

- O que pude encontrar ao seu respeito na internet vai até seus dezoito anos, antes disso não se sabe muito.

- E assim quero que continue. Mas me diga, Gina, quando decidiu se tornar atriz?

- Quando vi meu pai atuar pela primeira vez. Eu tinha apenas três anos. Ele encenou Peter pan no meu aniversário. Nunca esquecerei!

- Seu pai é ator?

- Foi. O melhor que já existiu! Mas nunca fez nada muito relevante. A tristeza dominou sua vida por muitos anos, então ele deixou de atuar profissionalmente muito cedo.

- E como pode dizer que foi um grande ator?

Gina sorriu.
- Meu pai começou a estudar teatro muito jovem e também desistiu muito jovem. Contudo, sua veia artística nunca o abandonou. - De repente ela sorriu com tristeza. - Sua melhor atuação foi quando eu tinha quinze anos e o garoto que eu gostava foi mandado para longe de mim, num colégio interno na Inglaterra. Aquilo acabou comigo. Cheguei em casa chorando e fui para o meu quarto desolada. Depois de algum tempo percebi que meu pai estava batendo na porta. Eu disse que não queria abrir, então ele continuou a insistir e a insistir... até que cedi. E então, naquele momento, ali na porta do meu quarto, meu pai fez a cena mais linda que já vi. Com um travesseiro em frente ao rosto, ele reviveu o momento em que Noah e Ellie se reencontram depois de anos no lago embaixo da chuva.

- Diário de uma paixão... - disse Sandro com ar de suspiro.

- Sim. - Gina sorriu. - Ele encorporou os dois personagens e lhes vida ali na minha frente. Parecia que eu estava no filme e vendo tudo acontecer ao vivo. E no final ele beijou o travesseiro como se fosse a Ellie.

- Que fofo...

Elizabeth apenas olhou de soslaio para Sandro.

- Depois que terminou de encenar, meu pai sorriu e disse: "filha, quando duas almas estão destinadas a ficarem juntas, pode passar o tempo que passar, ou o problema que vier... um dia elas se reencontrarão. Mas se não estiverem, infelizmente temos que seguir em frente. Mas sei que assim como eu, você é forte e saberá lhe dar com o que o futuro lhe reservar." Depois daquilo eu me senti muito melhor. - Gina fez uma breve pausa. - Ele tinha esse poder de me trazer lucidez e sempre me deixar pra cima..

- Tinha? - Perguntou Elizabeth.

- Ele morreu tem quatro anos. Hoje somos só eu e meu avô.

- Sinto muito. - As palavras de Elizabeth pareciam conter compaixão.

- Não se preocupe, apesar de tudo ele foi muito feliz. Logo depois de sua morte eu decidi me tornar atriz.

- Faça sempre o melhor para honrar a memória dele. - Disse Elizabeth.

- Sempre! - Respondeu Gina.

"10 MINUTOS!" Gritou novamente a mulher no corredor.

- Mas me diga, Elizabeth, por que decidiu se tornar atriz, além do seu óbvio talento para o ofício?

- O amor... - De alguma forma Gina sabia que a mulher falara a verdade. - Como disse,  tenho veia artística desde que nasci, mas foi somente com quinze anos que realmente decidi me tornar profissional... Foi quando me apaixonei por um rapaz. Seu pai tinha uma renomada escola e ele era o ator mais promissor daquele lugar. - Ela encarou a jovem de cabelos curtos com um semi sorriso. - Parece que essa é a Idade do sofrimento não é mesmo? - Gina também sorriu. - Ele tinha cinco anos há mais que eu, e um talento extraordinário para a atuação. Eu era simplesmente fascinada por tudo o que ele fazia. Ele foi minha maior inspiração para levar realmente a sério o meu talento. Obviamente nos apaixonamos, e dois anos depois engravidei.

- Não sabia que tinha filhos. - Gina comentou.

- Ninguém sabe. E não sei por que te contei isso. - De repente Elizabeth olhou para Sandro. - E assim quero que continue. - Sandro juntou o dedo indicador e o polegar e em seguida fez uma linha imaginária por sobre os lábios, como se estivesse fechando um zíper. - Depois que o bebê nasceu não pude atuar por um bom tempo, e aquilo me adoeceu.

- Não conseguir fazer aquilo que nasceu para fazer não deve ter sido  fácil né? - Disse Gina.

- Não, não foi. - Concordou Elizabeth. - Logo depois que a criança nasceu recebi a maior oportunidade da minha vida. Entenda, eu era uma jovem atriz em ascenção, muitas companhias já estavam de olho no meu trabalho antes mesmo de eu engravidar, mas logo depois que dei a luz...

- A BW Company te contratou e você foi para a França. Como disse, à partir dos dezoito já conheço sua história.

- Então já deve saber de todo o resto. Afinal, aqui estou.

- Sim. E o que aconteceu com a criança e o pai dela?

Elizabeth se mexeu de forma desconfortável na cadeira.
- Antes de enfim aceitar o contrato, tive que tomar a decisão mais difícil da minha vida. No aeroporto, depois que ele me pediu chorando para ficar, olhei nos olhos do homem que eu amava e disse às frases mais idiotas de toda minha vida...

"CINCO MINUTOS!"

- E quais foram?

- Isso você não encontra nas sua pesquisas não é garota? - Os olhos de Elizabeth já estavam marejados, mas ela permaneceu firme sem derramar uma única lágrima. - Eu sou uma atriz, garota. Foi isso que decidi pra minha vida. E se tiver que me esconder atrás do papel de mulher inabalável até o fim pra não sofrer, será exatamente isso que continuarei fazendo!

- Me desculpe, eu não...

- Espero realmente que você seja tão boa atriz quanto é repórter.

- Ela está prontinha minha rainha. - Disse Sandro, virando a cadeira de Gina para que Elizabeth a pudesse ver frente a frente.

- Você está aceitável.

- Muito Obrigada. - Gina falou com incerteza e logo se levantou. - Acho que agora tenho que ir. Ainda preciso colocar a roupa e aquela peruca loira.

- Pois vá! - Respondeu Elizabeth virando-se para o espelho.

Gina pegou sua mochila no chão e a colocou nas costas.
- Muito Obrigada Sandro, ficou incrível!

- De nada bebê, disponha sempre que quiser.
Mais uma vez Elizabeth olhou de soslaio para o maquiador.

- Obrigado por tudo Ladi Elizabeth Medeiros.

A mulher não respondeu mais, apenas permaneceu imóvel olhando para o espelho, enquanto Sandro começava a colocar a peruca ruiva nela.

No palco...

- Por que ela não levanta?! - Por trás dos bastidores Sandro perguntou com ar de preocupação.

De repente Duda correu até a atriz e se ajoelhou ao seu lado.
- Elizabeth, você está bem?

Depois de um tempo sem responder, a renomada atriz sentou-se chorando copiosamente.
- O-onde ela está? - disse entre lágrimas.

- Quem? - Perguntou Duda.

- Minha... - Ela respirou fundo para se concentrar novamente - Gina...

A diretora olhou em volta.
- Eu não sei Elizabeth. Acho que saiu. Tem certeza que está bem?

- E-estou bem. - A mulher levantou-se sozinha. - Não quero que fiquem falando sobre isso.

- Tudo bem, você que manda. Agora prepare-se, as cortinas serão reabertas.

- Se eu for rápida ainda posso alcançá-la... - Disse sussurrando.

- O que está dizendo, Elizabeth? - Duda perguntou.

Naquele momento a renomada atriz ponderou suas ações. Ela olhou para a saída do teatro atrás do palco e depois voltou-se para as cortinas à sua frente.

- Elizabeth, prepare-se!

Por uma fração de segundos ela pensou em ir atrás da moça, mas no fina tudo o que fez foi enxugar as lágrimas e desenhar um largo sorriso no rosto. E assim que as cortinas se abriram novamente, ela continuou a sorrir e curvou-se em agradecimento ao público, que ainda aplaudia de pé e em puro êxtase.





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