Dor e culpa
"Yeah I might seem so strong
Yeah I might speak so long
I've never been so wrong..."
— Mas que droga! Por que ela tem que ser tão irracional? - Praguejo enquanto dou um tapa no volante do meu carro mais uma vez. Mamãe é tão egoísta que me pergunto como foi capaz de formar uma família. Se bem que papai, é da mesma laia que ela. Talvez sejam feitos um para o outro mesmo.
Quando já não me queriam por perto, simplesmente me jogaram naquela porcaria de internato e se contentaram em mandar a pensão mensal para que não morresse de fome. Agora depois de tantos anos crescendo praticamente sozinha, querem me obrigar a ir com eles em uma viagem para o casamento de um parente de papai que sequer conheço.
Planejei durante quase um ano minha viagem com Caleb. Juntei uma grana e estava por comprar a passagem para as ilhas Maldivas, quando recebi a porcaria da ligação. Quem eles acham que são para querer fingir que são autoridade depois de tantos anos sem demonstrar uma gota sequer de afeto pela única maldita filha?
Pensar nisso faz com que meus olhos se encham de lágrimas, o que não é nada bom, já que chove tanto que quase não consigo ver nada a mais de um metro de distância.
Reduzo a velocidade e tento me concentrar. Odeio essa rua e essa iluminação escassa.
Ligo o rádio e tento achar uma música legal para me distrair.
Na minha cabeça passam tantas coisas que chego a me sentir um pouco tonta. Deveria parar em algum lugar e me acalmar, mas quero chegar logo ao meu quarto, para poder chorar no conforto da minha cama.
De repente meu celular começa a tocar e pego o aparelho para atender. O nome do meu namorado aparece no visor, no entanto, não consigo me sentir melhor. Mesmo assim atendo a ligação, escutando um barulho de música de fundo.
— Allison? - Sua voz soa arrastada. De certo que já está bebendo com algum amigo.
— Oi Caleb, olha, não é um bom momento ok? - Decido ser direta. Não estou afim de conversar com ninguém no momento.
— Qual é gata? Te liguei para conversar e me trata assim? - Choraminga e me sinto mal no mesmo instante.
— Desculpa querido, é que realmente não estou bem, além do mais, estou dirigindo debaixo de um temporal e…
— Me ligue quando quiser falar comigo então, adeus. - Solta entre gritos e risadas e simplesmente encerra a ligação.
O garoto sequer quis saber o motivo da minha irritação. Fico alguns segundos olhando para a tela do celular tentando entender o que diabos acaba de acontecer.
Que seja, não estou com cabeça para isso.
Uma música bem agitada começa a tocar no rádio e como se meu corpo fosse dominado por um espírito de loucura, aumento a velocidade, enquanto canto a todo pulmão, derramando lágrimas e mais lágrimas.
A chuva parece acompanhar a música, aumentando de uma vez. É como se baldes de água fossem jogados no parabrisas, e acabo não conseguindo ver mais nada.
Não ligo para isso, na verdade no momento não ligo para nada.
Grito, xingo, choro e canto. Libero toda a minha raiva, pisando no acelerador.
Praticamente deslizo pela enorme avenida, passando sinais vermelhos. Não há ninguém na rua debaixo de uma chuva dessas certo? Errado.
Um barulho ensurdecedor invade o ambiente e um supetão me faz frear na hora.
Será que… Não pode ser.
Desço do carro correndo e a imagem que se desenvolve na minha frente é desesperadora.
Um garoto está deitado no canteiro, todo ensopado e sua roupa cinza adquirindo uma tonalidade carmesim.
— Meu Deus! - Grito em choque. — Droga! O que eu faço? - Tento pensar com clareza, mas seu corpo ali jogado não me deixa raciocinar.
De repente, um monte de gente que sai de não sei onde, começa a se juntar e um homem liga para a ambulância. Me sento ao lado do garoto, segurando sua cabeça, chorando ainda mais debaixo da chuva incessante.
— Me desculpa por favor… - Me engasgo com as palavras. — E-eu não te vi, eu… por favor só não… por favor… - Me sinto horrível. Eu atropelei uma pessoa.
Eu sou tão idiota! Por que não fui responsável? Mas que merda!
A ambulância demora alguns minutos para chegar, e com ela, uma viatura. É isso, estou ferrada.
Enquanto colocam o garoto na maca, me fazem teste do bafômetro, perguntam um milhão de coisas e depois do que parece uma eternidade, sou liberada.
Sem pensar duas vezes, subo na ambulância. Tenho que saber que ele vai ficar bem. Eu preciso saber.
A viagem até o hospital é feita em silêncio, apenas o barulho das máquinas preenchem o interior da ambulância, em uma trilha sonora macabra.
Observo como os paramédicos fazem o procedimento para imobilizar o garoto e rogo a todas as entidades que ele fique bem.
Vendo bem seu rosto, me parece familiar. É o único que me vem à mente nesse momento? Que talvez possa conhecer a minha vítima?
Uma lágrima acaba escapando involuntariamente e uma moça me consola.
— Ele vai ficar bem, querida.
— Tem certeza? Não sei o que farei se ele… eu não quis atropelá-lo. Eu estava tão brava e acelerei e… - Soluço e ela segura na minha mão, demonstrando compaixão.
— Ei, fique tranquila. Nós sabemos que não foi intencional, ok? - Sussurra, talvez para me acalmar e não ter que atender a uma garota histérica, mas de certa forma funciona.
O resto do caminho fico calada, apenas olhando para o vazio, tentando me distrair dessa situação. Me distraio tanto, que nem percebo quando chegamos no hospital.
A porta traseira da ambulância é aberta e todos descemos indo direto para a emergência.
Sou orientada a ficar na sala de espera enquanto examinam o garoto. A ansiedade ameaça me atacar e bebo uma, duas, dez xícaras de café.
Por quê estão demorando tanto? Será que ele está tão mal assim? Oh não.
Por favor que ele esteja bem, por favor…
Me sento em uma das cadeiras frias e conto os segundos, minutos e horas que passam enquanto não tenho notícias.
Caminho pelo hospital, bebo mais café, penso no que possa ter acontecido.
Estou começando a ficar doida, quando finalmente a mesma paramédica que me consolou, aparece no meu campo de visão.
Corro até ela e seguro seu braço, implorando silenciosamente por uma resposta.
— Estava te procurando. - Começa e sinto meu estômago embolando. — O garoto vai ficar bem. - Diz e solto a respiração.
— Graças a Deus… - Sussurro aliviada.
— Mas… - Oh não, tem um "mas". — Ele quebrou a perna, e quase quebrou uma costela… teve muita sorte. Ele bateu a cabeça e desmaiou, por sorte não teve traumatismo craniano. Está acordado agora, um pouco desorientado, mas estável. - Explica e me sinto terrível. Como pude fazer isso?
— E-eu posso vê-lo? - Pergunto envergonhada e ela sorri compreensiva.
— Olha, só parentes podem visitá-lo, mas eu sei que você precisa saber que ele está bem, então deixarei que entre por cinco minutos, ok? - Solta e só consigo concordar com a cabeça.
Sem dizer mais nada, caminha e a sigo até o quarto em que o garoto está internado.
A paramédica abre a porta e entro envergonhada.
Meu coração pesa ao ver o estado dele, deitado na cama, com a perna engessada e vários curativos pelo corpo.
Seus olhos me observam atentos enquanto caminho até ficar do seu lado.
— Quem é você? - Pergunta com a voz arrastada, talvez ainda sob os efeitos da anestesia.
— E-eu… - Não consigo dizer quem eu sou. — Como você está? - Mudo de assunto, assumindo a covardia que reina na minha família.
— Quebrado, com dor e com fome. - Solta e me sinto ainda pior.
— Quer que eu peça algo para comer?
— Não posso comer nada por enquanto. - Diz estressado. — Olha, não sei o que está fazendo aqui, mas gostaria de descansar, se me der licença. - Solta ríspido e balanço a cabeça como um cachorrinho.
— Tudo bem, eu só queria ter certeza que estava bem… - Sussurro enquanto lágrimas ameaçam ser derramadas. O garoto então me observa mais atentamente e como se uma luz acendesse no seu interior, ele arregala os olhos e sua expressão adquire um tom de ódio, misturado com dor.
— Foi você, não é mesmo? - Praticamente rosna, sem esperar pela resposta. — Eu quero que saia daqui. - Exige sério, mas não consigo me mexer. — SAIA JÁ DAQUI! - Grita e escapo correndo do lugar.
Eu mereço isso. Talvez até mais.
Me sento no meio fio por alguns minutos, até criar coragem para pegar um táxi e voltar para o internato.
Tudo o que preciso agora é de um banho quente. Amanhã voltarei ao hospital para me desculpar com o garoto.
Seja bem vindo querido leitor, você está prestes a ler um conto curtinho, mas que vai te conquistar!
Não se esqueça de deixar sua estrelinha e comentários 😘
É um prazer ter você aqui!
Os conto já está completo e os capítulos serão postados toda terça e quinta.
Divirta-se e boa leitura 🥰
Beijinhossss BF ❤️
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