Enquanto isso em alguma kitnet perdida em algum subúrbio da cidade de São Paulo, um rapaz dava um banho em sua namorada em uma banheira improvisada e cheia de sais de banho...

Mas não era nenhum momento romântico entre um casal de namorados. Era o Greg lavando a sua amada morta viva, tentando se livrar das manchas de sangue, causadas pelo acidente. E também para amenizar o cheiro do Re-Animator.

Enquanto a banhava, olhava para a enorme fenda no alto da cabeça. Tentava não olhar, mas não tinha como. Penteou os seus cabelos na intenção de cobrir a ferida. Assim que terminou, a ajudou a se secar e a se vestir. Durante o processo, notou que o punho de uns dos braços dela estava quebrado, mas parecia tentar se recompor por conta própria. Talvez na hora do acidente, deve ter coberto o rosto para se proteger do impacto, o que infelizmente não conseguiu salvar a sua vida.

Alguns ferimentos espalhados por todo o corpo também faziam o mesmo, mas de uma forma muito grosseira. Pareciam mais marcas cirúrgicas.

Após o banho, a levou para a sala e a ajudou a se sentar. Durante todo o tempo, mantinha um olhar perdido, porém uma vez ou outra, lançava uns olhares esquisitos para ele. Era como se tentasse se lembrar dele.

_ Naty... sou eu, Greg. O Gregorio, você se lembra de mim, né amor?

_ Greg... amor...

_ Sim. Você se lembra de mim, não é mesmo?

Ela olhou em volta da pequena sala decorada com simplicidade. Naquele momento, deveria estar se formando milhares de questões em sua mente confusa. A primeira delas devia ser como foi parar no apartamento do ex-namorado.

_ Onde... eu... estou?

_ Em nossa casa. Lembra que nós combinamos de ir morar juntos quando você voltasse de viagem?

_ Viagem...

_ Isso. Você viajou para resolver um problema do trabalho e veio direto para a nossa casa. Foi o que combinamos, não se lembra?

_ Não... _ Respondeu de um modo tão sinistro, que ele próprio ficou com medo. Não sabia se aquele "não" significa que ela realmente não lembra ou não lembra mesmo de nada.

Eram muitas informações para o seu cérebro reanimado...

Para tirar dúvidas sobre o soro, ligou para o seu primo Afonso. O problema era como perguntar sem levantar suspeitas.

_ Oi primo boa noite, tudo bem?

_ E aí primo, beleza? Vou bem, só curtindo as férias! Puxa, eu estava agora mesmo pensando em você. Estou aqui acompanhando as notícias sobre o acidente na rodovia principal do Estado. Cara, a coisa foi feia. Você foi trabalhar lá?

_ Ah não eu estou de atestado... _ Mentiu.

_ Puxa, o que você tem? Precisa de alguma coisa? Quer que eu vá até aí?

_ Oh não obrigado, não precisa, eu já estou bem melhor... _ Gelou ao imaginar o seu primo ir na sua casa e ver o que ele fez. Esperava que ele não tenha essa ideia.

_ Continuando sobre o acidente... Você não sabe qual é a notícia do momento. Parece que uma garota desapareceu no meio daquela confusão e bem debaixo do nariz de todo mundo. A procuraram no IML e ela não estava lá. Também verificaram em todos os hospitais e pronto socorros da região e não a encontraram. E sabe quem é a garota desaparecida? A Natália, a sua ex-namorada. Coincidência né?

Quando ouviu o primo comentar sobre o sumiço da Natália, Greg chegou a se engasgar. Perguntou sobre o que ele mais sabia para saber se alguém o viu carregando o corpo da ex-namorada.

_ Olha, pelo o que eu entendi, ela simplesmente desapareceu e não se sabe como. Acreditam que ela não saiu do local sozinha e se foi isso, deve ter saído muito machucada, uma vez que o carro dela ficou totalmente destruído. Ela deve ter se ferido feio no acidente. Estão falando que alguém a sequestrou, mesmo ela estando morta, vê se pode meu? Sequestro de cadáver!

_ Mas... porque acham que ela morreu? Ela pode ter sobrevivido e sei lá, ter ido buscar ajuda... _ Greg tentou disfarçar.

_ Sim, mas então porque ela não foi buscar ajuda para contactar a família? É isso que ninguém está conseguindo entender. Está na cara que algum maluco sumiu com ela. Ainda bem que você decidiu esquece-la e seguiu em frente. E  melhor ainda que você não foi trabalhar, porque iam pensar que foi você!

Greg sabia exatamente do que o seu primo se referia. Mesmo com o término do namoro, ele vivia perseguindo a ex-namorada na casa da família dela, no trabalho, nas ruas e em tudo quanto era lugar. Por isso que ela precisou mudar de cidade para fugir dele. Estava disposto a ir atrás dela onde quer que fosse, quando foi impedido por Afonso, que praticamente o obrigou a aceitar o fim da relação, esquecer a moça e seguir com a sua vida. Foi nesta mesma época que ele conseguiu o emprego no IML...

Mas claro que ele não a esqueceu. E quando a viu no dia do acidente totalmente vulnerável, não pensou duas vezes... na verdade, pensou. Sequestrou a garota com a intenção de lhe aplicar o soro reanimador da Dra. Evelyn West.

Quando foi trabalhar no IML, seu primo Afonso falou sobre o seu suposto relacionamento com uma médica, do qual o que Greg achou muito estranho. Onde que uma cientista se interessaria por um mero agente funerário? Tudo bem que aquilo não era da sua conta, mas ainda assim era esquisito, a garota ia lá no IML, pedia um cadáver de presente e o trouxa do primo simplesmente arrumava, acreditando que ganharia a mina.

Porém o mais estranho mesmo foi descobrir para que ela queria os corpos. Seu primo Afonso contou sobre o Re-Animator e para o fim que era utilizado. Não sabia o que era pior, se era os motivos dela ou ele fazer parte daquilo. Greg tinha a mais absoluta certeza de que aquela cientista louca estava apenas o usando.

_ Agora a pergunta que não quer se calar, por que alguém faria isso, roubaria um corpo? _ Afonso perguntava ainda impressionado com a notícia do momento.

_ Bom e se foi aquela sua amiga... para fazer mais uma daquelas experiências das quais você me disse... _ Comentou Greg.

_ Impossível. Primeiro porque a minha Evelyn está lá para o lado do litoral, então não tem como ter sido ela. E outra, ela não sai por aí catando cadáveres, ainda mais qualquer um. Esta tarefa a minha garota confia somente a mim.

Quando o seu primo disse aquilo como se fosse a coisa mais normal do mundo, Greg revirou os olhos. Qualquer garota amaria receber flores, joias ou bombons. Mas só a garota dele ficava feliz quando recebia um cadáver. Bom, quem era ele para criticar, estava com uma zumbi dentro de casa.

_ Tá, mas se fosse ela? _ Tentou jogar um verde para colher um maduro.

_ Também não teria como. Evelyn sempre opta pelos indigentes, sem família, para não ter problemas com os familiares. Outra coisa, a cobaia deve ser bem conservada, ou seja, ter morrido de causas naturais, como exemplo, uma parada cardíaca. Pelo o que foi divulgado, o carro dela se chocou contra a traseira de um caminhão. Cara, foi um senhor acidente. Se ela sobreviveu, com certeza ficou gravemente ferida. Então não serve para experimento, se bem que...

_ "Se bem que" o quê?

_ Parece que a última remessa do soro que ela criou alguns meses atrás, consegue regenerar lesões superficiais, mas ainda está em fase de teste. É aquele frasco que está guardado lá no meu armário no vestiário do IML, lembra?

É claro que ele se lembra. Foi por isso que usou na ex-namorada... era contra o regulamento, mas Greg e Afonso tinham cópias das chaves do armário, um do outro, no caso de um deles esquecer ou perder a chave. E é claro que com o primo de férias, ele tinha total acesso ao seu armário. Foi assim que se apossou do Re-Animator.

_ E no caso da memória? O recém reanimado lembra de toda a sua vida ou é possível, tipo, fazer uma lavagem cerebral na pessoa?

_ Ah não sei... eu sei que o sujeito lembra dos últimos momentos em que ainda estava vivo, pois está muito recente na mente. Agora se ele vai lembrar de antes disso... _ De repente Afonso ficou mudo e alguns minutos depois perguntou: _ Por que você tá me perguntando tudo isso? Tá sabendo de algo?

Greg estremeceu na base com a desconfiança do primo. Tentou dissimular, dizendo que era só por curiosidade, já que ele havia tocado no assunto. Resolveu encerrar a conversa para não levantar mais suspeitas, torcendo para que a Natália não se lembre do passado...

O que era, do modo como ela o encarava, pouco provável.