Capítulo 2

Depois de levar horas viajando da capital paulista para o interior e mais algumas horas sacolejando em um micro ônibus por uma pequena estrada de terra, Mitchel finalmente chegou em Nova Andaluzia, sua cidade natal.

Era uma vila perdida no meio do nada, que praticamente parou no tempo. Tirando algumas ruas asfaltadas e iluminadas e alguns comércios mais modernos como as lan houses, parece que o progresso não tem dado muito as suas caras por àquelas bandas.

A cidade tinha mais ou menos uns mil habitantes, onde a maioria eram trabalhadores braçais e era cercada por várias plantações, pomares e fazendas. A mais antiga era a Fazenda Andaluz, que também funciona como haras e pertence ao Coronel Vivar, antigo patrão de seu pai.

A raça de cavalos Andaluz era originária da região de Andaluzia, na Espanha. Os colonizadores espanhóis fundaram a região para a criação da raça, que deu nome à cidade.

E segundo as informações do amigo delegado Mathias, foi lá onde começou todo o mistério...

Ao desembarcar no ponto final que ficava nos limites da vila e próximo ao centro comercial, Mitchel notou que a cidade se encontrava deserta. Tudo bem que é um pequeno vilarejo do interior e era muito comum os moradores locais, principalmente os mais antigos temerem assombrações.

Mas a ponto de se trancarem dentro de casa, aí também já era demais.

Depois de uma boa caminhada, finalmente chegou na casa de seus pais. Era o filho mais novo de ex-trabalhadores rurais e foi um dos poucos que conseguiu sair daquela cidade para estudar fora. Mitchel deixou Nova Andaluzia para cursar a Faculdade de Jornalismo em São Paulo. Sua irmã mais velha, Lívia Junqueira era professora primária e dava aulas na única escola da região.

E era por isso que quando visitava a cidade, mesmo que por poucos dias, era sempre uma festa. Ele e seus amigos combinavam de se banhar em uma cachoeira que tinha na região, de pescar no rio ou jogar conversa fora em volta da fogueira montada por eles.

Nessas ocasiões, sua mãe fazia questão de preparar um belo banquete, com as mais variadas comidas típicas do interior, principalmente as favoritas do filho e chamava todos os amigos dele para se reunirem no fundo do quintal. E como ela era uma cozinheira de mão cheia, ninguém queria ficar de fora.

Junto com eles, vinham as amigas de sua mãe, cada uma delas com um doce para a sobremesa ou então um bolo ou um pão caseiro para o seu famoso café da tarde.

Para variar, algumas delas levavam as suas filhas, sobrinhas, afilhadas e netas solteiras na esperança de uma delas atrair a sua atenção. Por ter estudado na cidade grande, Mitchel era considerado um bom partido para as Maria Casamenteiras de plantão da cidade, mesmo com aquele seu olho vermelho e o corpo marcado por cicatrizes.

E ele sempre se esquivava dessas situações. Nada contra as belas meninas de Nova Andaluzia, mas devido à sua profissão, evitava se comprometer. Mitchel se arrisca muito investigando pelo mundo à fora e por esse motivo, prezava a sua liberdade. Mas quem sabe um dia...

E é claro, quando caía a noite, seu pai reunia todos para o churrasco.

Mitchel era aquele sujeito boa praça, amigo e companheiro de todos. Estava sempre disposto a ajudar o próximo e tinha um forte senso de justiça, mesmo que fosse preciso sujar as mãos... ou ter mais uma cicatriz no corpo, como sempre acontece.

Bateu palmas no portão. Ninguém respondeu. Fez a mesma coisa nas casas dos vizinhos, mas também ninguém veio atendê-lo. Um arrepio correu pela sua espinha. "E se eles fugiram, por causa da história que está correndo por aqui?"

E o pior é que não tinha ninguém em lugar nenhum para perguntar.

Para não ficar transitando pela vida com a sua mochila de viagem, optou por deixar na casa de seus pais. Como tinha a chave de casa, entrou e deixou seus pertences no sofá da sala, levando consigo apenas a carteira e o celular. Mesmo assim, chamou pelos pais e pela irmã, para ver se havia alguém em casa.

_ Pai? Mãe? Lívia? Tem alguém aí?

Nada.

Resolveu sair andando pela cidade sem rumo na esperança de encontrar alguém. Estava praticamente tudo fechado, até mesmo os comércios. O que era muito estranho, pois era dia de semana e horário comercial. No meio do caminho achou um cabo de vassoura quebrado, no caso de algum vândalo ou alguma "coisa" aparecer e o atacar.

Aquele silêncio realmente o estava assustando... era como se Nova Andaluzia tivesse virado uma cidade fantasma. Pensou em ligar para algum deles para saber onde estão, mas desistiu. Tinha de estar atento, por precaução.

De repente ouviu as badaladas do sino da igreja local, que ficava no centro da cidade. Dava para ouvir o barulho do sino e ver a torre a quilômetros de distância. Correu o mais rápido possível para ir até lá.

Finalmente viu um aglomerado de gente saindo da igreja. Conseguiu reconhecer algumas pessoas, principalmente os policiais. Alguns deles eram seus amigos desde a infância e a adolescência. Foi correndo até eles.

_ Amigos vejam! É o Mitchel! _ Disse um deles.

Todos ali o cumprimentaram. Na hora, notou um certo clima entre eles, estavam muito tristes e muitos haviam até chorado...

Claro, ele estava em meio de um cortejo fúnebre. Outro arrepio correu pela sua espinha. "Será que aconteceu alguma coisa com alguém da minha família?"

Graças a Deus não era.

_ Que bom que veio, velho amigo. Pena que você chegou numa hora muito triste.

_ O que foi que aconteceu por aqui? _ Perguntou com medo da resposta.

_ O delegado Mathias... ele morreu!

_ Como assim morreu? Falei com ele anteontem! Morreu como?

Quando perguntou sobre a morte do delegado, todos se calaram e se olharam entre si. Parecia que era até tabu tocar no assunto. Mas um deles comentou que era a segunda morte em quarenta e oito horas e do mesmo modo.

_ Quem morreu antes dele?

_ O veterinário da Fazenda Andaluz!

"Será que era o mesmo rapaz que namorou com a Lívia? Se foi ele, pobrezinha dela!"

_ E como foi que ele morreu? Alguma doença ou acidente?

_ Não, antes fosse uma dessas opções... eles foram assassinados.

"Ótimo, um serial killer rondando por aí!" Pensou.

Ele tinha mais perguntas a fazer, mas como estava em um enterro, achou melhor perguntar depois. No meio do cortejo, finalmente encontrou a sua família e graças a Deus estavam bem, mas assim como todos na cidade, estavam tristes e assustados para comentar sobre qualquer coisa.

Na hora do sepultamento, os cidadãos rezavam com fervor e desespero, pedindo a Deus para as suas almas serem salvas. Mitchel estranhou todo aquele alvoroço. Algumas pessoas começaram a cochichar entre si e ele tentava entender o que falavam, mas o medo que reinava na hora, não deixava.

Um pastor que estava ali começou a declamar um sermão, dizendo que se todos ali não aceitarem Jesus em suas vidas, a "besta fera" que galopava espalhando terror pelas redondezas levariam todos para o inferno. Ou seja, ele estava mesmo era se aproveitando do medo da população para levar fiéis à sua igreja. É sempre assim...

E para Mitchel, o pastor era o seu primeiro suspeito do mistério que tomou conta da cidade, seja lá qual for.

Começou a anoitecer quando os funcionários do cemitério terminam de fechar a sepultura do delegado Mathias. Todos ali mal terminaram as suas orações e já saíram correndo de volta para suas casas, inclusive a sua família. Mesmo não entendendo nada, Mitchel foi embora com eles. Mas não pôde deixar de reparar que mesmo com todos ali assustados, o pastor se manteve calmo, firme e forte.

Foi praticamente o último a deixar o cemitério.

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